O tratamento da paternidade socioafetiva pelo Poder Judiciário brasileiro

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A Constituição trouxe uma maior valorização da afetividade nas relações familiares, possibilitando uma paternidade baseada no afeto. Diante de tal reconhecimento, surgem problemáticas quanto à prevalência desta em detrimento da biológica.

Resumo: É facilmente perceptível a mudança sofrida pelo Direito Constitucional e Direito de Família, mais especificamente a família em si, o que gerou uma necessidade de atualização no Direito, conforme será explicitado através de um estudo sobre conceito e evolução de família e filiação. A Constituição Federal de 1988 trouxe um novo olhar ao Direito, através de seus Princípios explícitos e implícitos, como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que deu base a todo o ordenamento jurídico, e, também, o Princípio da Igualdade e Princípio da Afetividade que viabilizaram o reconhecimento de uma paternidade calcada no afeto. Com todo esse avanço, surge espaço à discussão acerca do valor sociológico e afetivo da filiação, relativizando o aspecto biológico. O presente trabalho tem como objetivo, a partir da analise dos argumentos da doutrina e da jurisprudência, visualizar o entendimento do Poder Judiciário frente às lacunas legislativas ainda existentes.

Palavras-chave: Paternidade socioafetiva, posse de estado de filho, vinculo afetivo.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 - FAMÍLIA E PATERNIDADE EM UM ASPECTO TRADICIONAL. 1.1 – Conceito e evolução da família. 1.2 – Conceito e evolução da filiação. 1.3 – A família e a paternidade sob a ótica constitucional. 2 – A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. 2.1 – Princípio da afetividade. 2.2 – Pressupostos constitutivos da paternidade socioafetiva. .3 – Do confronto entre a paternidade socioafetiva e biológica. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como temática central a paternidade socioafetiva e sua relevância jurídica. A maior valorização que o Direito Constitucional e Civil tem dado à afetividade nas relações familiares nos coloca diante de muitas questões controvertidas referentes ao tema.

O modelo familiar tradicional encontra-se cada vez mais distante do dia-dia da sociedade, devendo o Direito acompanhar as evoluções vividas pelas pessoas.

Contudo, quando estamos diante de uma época em que se quebram diversos paradigmas, principalmente quanto à paternidade, nos deparamos com o seguinte problema: existe prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da biológica?

Buscando responder a problemática proposta no trabalho, será feito um estudo cronológico das transformações familiares ocorridas na sociedade. No primeiro capítulo, a fim de melhor entender o patamar em que vivemos atualmente, abordar-se-á família e filiação, partindo do Código Civil de 1916 até os dias atuais. O primeiro subcapítulo tratar-se-á a apenas da origem e evolução da família brasileira; enquanto o segundo estudar-se-á a origem e evolução da filiação; por fim, o terceiro subcapítulo abordar-se-á sobre a família e a paternidade à luz do Direito Constitucional.

Adiante, o segundo capítulo atingirar-se-á o apogeu do trabalho, a paternidade socioafetiva. Para iniciar o assunto, o primeiro subcapítulo abordará exclusivamente sobre o Princípio da Afetividade, ao passo que o segundo versará sobre os pressupostos constitutivos da paternidade socioafetiva. Por fim, no último subcapítulo dissertarei sobre a prevalência ou não da paternidade socioafetiva em detrimento da biológica, bem como o caminhar da evolução à multiparentalidade.

É muito relevante tratar da paternidade socioafetiva, pois ela valoriza o que há de mais importante nas relações familiares, que é a afetividade entre os relacionados, deixando de lado o fascínio pela certeza biológica e cedendo lugar a uma visão muito mais humanizada a toda população e também ao Direito.

É de suma importância à ampliação dos conhecimentos por parte da sociedade sobre o assunto da paternidade socioafetiva, tendo em vista que há de se buscar cada vez mais as relações familiares baseadas no afeto e não meramente no vínculo biológico.

Muito já se fala sobre o tema, porém, ainda há muitas questões a serem enfrentadas, tanto pela população quanto para o direito. Já vêm se consolidando o posicionamento que o pressuposto constitutivo da relação pai e filho é o amor, independentemente de vinculo biológico e de paradigmas tradicionais.

Vivemos em uma era de transformações, tanto com relação ao modelo familiar quanto ao que diz respeito à paternidade. Hoje, buscamos reconhecer relações baseadas no vinculo afetivo entre os relacionados.

Tendo em vista a evolução incessante da humanidade em busca de seus ideiais, de uma melhor convivência entre as pessoas, despertou a valorização do afeto, dando lugar a um novo modelo familiar.

Esse novo modelo familiar sofre constantemente mutações, abrindo uma pluralidade de conceitos no que diz respeito ao tema família, onde muitas controvérsias ainda não foram regulamentadas pelo direito. Diante disso, é imprescindível tratar sobre o tema, em busca de uma regulamentação uniforme do Direito Brasileiro sobre o assunto.

Com a quebra do paradigma da família patriarcal, matrimonializada e legítima imposta, e ainda muito presente na sociedade, que possui conceitos arraigados no passado, vivemos uma era de vulnerabilidade jurídica, onde a paternidade socioafetiva ainda encontra-se a mercê do julgamento pessoal de quem tem capacidade para decidir sobre o assunto.

É imperioso que se pacifique, jurisprudencialmente, sobre requisitos constitutivos à paternidade como um todo, incluindo a socioafetiva, para que diante deste pressuposto, tendo preenchidos tais requisitos não deixe margem a entendimentos diversos.

Em determinada aula sobre Direito de Família, chamou minha atenção quando o professor, e agora orientador, com tamanha sensibilidade expôs sobre tal assunto e seus novos entendimentos. Coincidentemente, em razão de estar elaborando o pré-projeto do meu trabalho de conclusão do curso, instigou-me tanto que acabei trocando de assunto e tendo a certeza quanto ao tema em que realmente encontraria uma realização pessoal em estudar, como de fato aconteceu.

O trabalho enquadra-se na linha de pesquisa Constitucionalismo, Concretização de Direitos e Cidadania da Faculdade de Direito de Santa Maria, em razão de encontrar todo o seu amparo legal principalmente na Constituição Federal.

A metodologia usada para é a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, pois foram usados para o desenvolvimento do trabalho livros, artigos, dissertações e teses.

Ainda quanto à metodologia, a abordagem usada será a dedutiva, pois o trabalho inciar-se-á de conceitos já definidos, buscando-se conclusões sobre o assunto. Quanto ao procedimento, articular-se-á o método monográfico na busca de ferramentas aptas ao estudo do presente trabalho.

Portanto, diante da relevância do assunto para a sociedade, para o Direito e para mim, e determinadas às diretrizes, darei inicio ao trabalho cientifico.


1. FAMÍLIA E PATERNIDADE EM UM ASPECTO TRADICIONAL

A família é considerada o primeiro agrupamento social ao qual o indivíduo se incorpora e, passa por modificações desde a sua origem até os dias atuais, sempre buscando acompanhar as transformações sociais. Evolui conforme o momento histórico, a realidade social e os parâmetros geográficos, religiosos ou morais.

Com a evolução dos povos vai crescendo a percepção de que a instituição familiar deve ser entendida não só como fenômeno biológico, como também social e cultural. Sobre o assunto, Cristiano Chaves Farias esclarece que “a família por se tratar de fenômeno humano em que se funda a sociedade, assume feição forjada em acontecimentos culturais, abandonando no mundo contemporâneo o caráter exclusivamente natural” (FARIAS, 2007, p. 2).

1.1 Conceito e evolução da família

Conceituar objetivamente família é um desafio, pois mesmo os renomados doutrinadores divergem em seus entendimentos, posto que o conceito altera-se a todo instante, em virtude das evoluções sociais e culturais sofridas pela sociedade.

O conceito de família é muito amplo e variável, adaptando-se de acordo com o lugar, tempo e cultura em que a sociedade se encontra. Para Orlando Gomes “em todos os povos, a família varia, quanto ao gênero de vida, segundo as religiões e as classes sociais. O descompasso cultural existente no país acentua, entre nós, essas diferenças” (Gomes, 1983, p.13).

Com maestria entende Pontes de Miranda que:

A palavra família aplicada aos indivíduos empregava-se no direito romano em acepções diversas. A palavra família também se usava em relações às coisas, para designar o conjunto do patrimônio, ou a totalidade dos escravos pertencentes a um senhor (...) (Pontes de Miranda, 2012, p. 59).

A ideia de família é complexa, sobretudo no que diz respeito à pluralidade em como socialmente se manifesta e pode ser considerada. Fonseca diz que:

Não conceituaria família porque esta se modificou e continua se modificando extraordinariamente nos últimos anos, mas que isso, entre outros fatores, não impede que tenhamos uma noção, ainda que tênue, do que representa a família para o Direito (FONSECA, 2004, p. 10).

O entendimento de Paulo Lôbo em relação à família:

A família não se resumia à constituída pelo casamento, ainda antes da Constituição, pois não estavam delimitados pelo modelo legal, entendido como um entre outros”, fazendo referencia à psicologia, sociologia, psicanálise e antropologia, dentre outros saberes (LÔBO, 2008, p. 2).

Mormente a origem da família, era aquela ligada através da consanguinidade, sendo dividida por gerações. A mulher não possuía unicamente o seu marido, sendo os filhos dessas gerações todos irmãos e irmãs que se tornariam conjugues comuns. Neste momento histórico o desenvolvimento era oriundo das forças produtivas rudimentares, no qual, a sobrevivência tinha como base a caça e a pesca (ENGELS, 2005).

Com o transcorrer do tempo e a evolução sutilmente surgindo, a figura de marido e mulher era visto como o casal principal, porém ainda era comum que os homens se relacionassem com outras mulheres. Segundo Engels (2005, p. 54) “nesse estágio, um homem vive com uma mulher, mas de forma tal que a poligamia e a infidelidade ocasional permanecem um direito dos homens”.

A figura do marido e mulher foi consolidando-se na sociedade, fortalecendo ainda mais a ideia de família com o nascimento dos filhos. A família era considerada como sociedade natural formada por indivíduos, unidos por laços de sangue resultantes da descendência.

O protótipo familiar era patriarcal caracterizado pelo absoluto poder do pai, que era considerado o chefe, possuindo mando absoluto sobre família, era símbolo de soberania, sobre os filhos e a esposa. O súpero teria capacidade plena para realizar qualquer ato, sendo os filhos e a mulher considerados incapazes perante o tal.

Sobre o assunto, diz Engels que para assegurar a fidelidade da mulher e, por conseguinte, a paternidade dos filhos, a mulher é entregue incondicionalmente ao poder do homem (ENGELS, 2005, p. 65).

A família monogâmica patriarcal possui maior solidez no vínculo conjugal, sendo que somente o homem tem direito de rompê-lo. Para o marido, a mulher era “mãe de seus filhos legítimos, seus herdeiros, aquela que administra a casa e comanda as escravas (ENGELS, 2005, p. 69).

A mulher assumia um papel de subordinação ao marido, que era o chefe da sociedade conjugal, e deveria representar legalmente a família cuidando do melhor interesse comum do casal e dos filhos, apenas com a colaboração da mulher, conforme era orientado pelo Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121 de 1962) que alterou o código Civil de 1916, passando a ter a seguinte redação:

Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251).

Compete-lhe:

I - a representação legal da família;

II - a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher que ao marido incumbir administrar, em virtude do regime matrimonial adotado, ou de pacto, antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I e 311);

III - o direito de fixar o domicílio da família ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao Juiz, no caso de deliberação que a prejudique;

IV - prover a manutenção da família, guardadas as disposições dos arts. 275 e 277.

Antes da Constituição Federal de 1988 o casamento era a única fonte de constituir família, razão pela qual entendia-se como matrimonializada e somente dessa forma recebia a proteção estatal. Insta observar que os casais informais não recebiam nenhuma proteção por parte do Estado.

O Código Civil de 1916 (Código Civil, 1916) era discriminatório com relação à família, sendo a indissolubilidade do casamento a regra. A única maneira de solucionar um matrimônio que não havia dado certo era o desquite, que colocava um fim a comunhão de vida, mas não ao vínculo jurídico.

Para Maria Berenice Dias (2007, p. 30) “o casamento deveria ser puro e indissolúvel, havendo distinção entre seus membros, e principalmente repúdio as pessoas unidas sem os laços matrimoniais e aos filhos nascidos destas uniões”.

Além de patriarcal e matrimonializada, só se admitia a família legítima que era aquela oriunda do casamento. Contudo, a proteção Estatal só se estendia à família legítima, os filhos, ditos ilegítimos, não possuíam qualquer direito, somente os legítimos é que faziam parte daquela unidade familiar de produção (DIAS, 2007).

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A família era considerada uma relação de pessoas ligadas pelo casamento e pelo parentesco. As relações oriundas do casamento eram a única fonte de família legítima. Considerava-se família legítima um grupo sem personalidade jurídica, composta pelos cônjuges e a prole, compreendendo, para certos efeitos determinados parentes (GOMES, 1983).

Importante ressaltar, que muito em razão da forte influencia religiosa que sofria o país, as relações livres eram muito condenadas pela sociedade. A união informal e não eventual entre homem e mulher, então chamada de concubinato, era vista como um pecado social grave e considerado um fato ilícito, sendo-lhe negada eficácia jurídica em qualquer hipótese (Bittencourt, 1980).

Portanto, entende-se que a instituição familiar está em constante modificação, na medida em que “as relações pessoais acompanham o contínuo caminhar das sociedades nas quais estão inseridas, sendo inevitavelmente influenciadas pelo espectro cultural que as envolve”. Esclarece, nesse sentido, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2006, p. 34):

Mudam os homens. Mudam seus agrupamentos sociais. Mudam as instituições. Mudam os institutos jurídicos. Muda a família. Mudam as relações familiais, não para serem outras, mas para desempenharem novos e distintos papéis. [...] Estas mudanças são importantes e devem ser obrigatoriamente observadas e analisadas, uma vez que não vêm do nada, mas decorrem do fenômeno maior de reconstrução do pensar humano [...].

Ao mencionar evolução e modificações, não há como deixar de tratar das principais transformações legislativas que começaram a alterar a tradicional visão de família e casamento. Por exemplo, o Estatuto da Mulher Casada, Lei 4.121/1962 que alterou a redação do art. 246 do Código Civil, e embora possuísse visão muito tradicional, atribuiu capacidade a mulher que exercesse profissão lucrativa de gerenciar a propriedade dos bens adquiridos com seu trabalho.

Art. 246. A mulher que exercer profissão lucrativa, distinta da do marido terá direito de praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e a sua defesa. O produto do seu trabalho assim auferido, e os bens com êle adquiridos, constituem, salvo estipulação diversa em pacto antenupcial, bens reservados, dos quais poderá dispor livremente com observância, porém, do preceituado na parte final do art. 240 e nos ns. Il e III, do artigo 242.

Parágrafo único. Não responde, o produto do trabalho da mulher, nem os bens a que se refere êste artigo pelas dívidas do marido, exceto as contraídas em benefício da família.

Outro diploma importantíssimo foi o advento da Lei do Divórcio (EC 9/1977 e lei 6.515/1977) que, como bem explica Maria Berenice DIAS: “acabou com a indissolubilidade do casamento, eliminando a ideia de família como instituição sacralizada” (DIAS, 2007, p. 30).

Porém, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, é que ocorreu uma forte ruptura aos antigos padrões familiares, cedendo lugar a conceitos mais modernos e menos discriminatórios. Por exemplo, a Constituição Federal passou a determinar igualdade entre homem e mulher, ampliou o conceito de família, dando total igualdade aos filhos e protegendo agora todos os seus integrantes e ainda tutelando expressamente além do casamento a união estável e a família monoparental (DIAS, 2007).

É imperioso dizer que com inúmeras transformações no que diz respeito ao modelo familiar, a sociedade passou a se portar de forma diversa com relação aos filhos, modificando também conceitos sobre filiação, conforme se demonstrará no capitulo posterior.

1.2 Conceito e evolução da filiação

Para Luís Paulo Cotrim a filiação, de uma forma resumida, significa o estabelecimento de uma relação de parentesco, natural ou civil, entre a prole e seus respectivos pais (GUIMARÃES, 2001).

Segundo Venosa, a filiação é fundada no fato da procriação, pela qual se evidencia o estado de filho. O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram (VENOSA, 2005).

Maria Berenice sustenta que os avanços da sociedade ocasionaram uma drástica mudança nos vínculos de filiação:

Todas essas mudanças refletem-se na identificação dos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma nova linguagem que melhor trata a realidade atual: filiação social, filiação socioafetiva, estado de filho afetivo etc. Tal como aconteceu com a entidade familiar, a filiação começou a ser identificada pela presença do vínculo afetivo paterno-filial (DIAS, 2007, p.320).

O direito parental, à luz do direito de família brasileiro, tem ligação direta com a evolução da organização familiar, razão pela qual, o nosso ordenamento divide em diversas relações jurídicas, como matrimoniais, parentais, assistenciais e, também as relações de afinidade.

É possível identificar, no ordenamento pátrio, a existência de três momentos diversos, cada um refletindo uma visão diferente. O primeiro é aquele vigente sob a égide do Código Civil de 1916; o segundo é correspondente ao período de fascínio pela certeza científica obtida com o resultado do exame de código genético (DNA); e o terceiro diz respeito à aceitação da categoria da socioafetividade.

O Código Civil de 1916 privilegiava a filiação legítima, fruto do matrimônio. Às pessoas casadas não era permitido o reconhecimento de filhos concebidos na constância do matrimônio fora dele. Os filhos adulterinos não podiam ter reconhecido o vínculo parental.

Os demais núcleos familiares, ou seja, os que não se enquadravam neste perfil, eram denominados de ilegítimos, o que já demonstra o preconceito atribuído e uma noção implícita de certo e errado. Assim, aqueles que não se enquadravam no perfil daquele código, eram tidos como marginalizados e recebiam tratamento diferenciado. Ressalta-se que nem os filhos eram poupados por esse tipo de discriminação, pois também eram denominados de legítimos e ilegítimos conforme fossem oriundos ou não do matrimônio (DINIZ, 2007, p.198).

Na vigência do Código Civil de 1916 os filhos eram classificados em legítimos (havidos pelo casamento) e ilegítimos (havidos fora da relação conjugal). Quando eram filhos de pais não casados mas sem impedimento para casar na época da concepção, eram considerados filhos naturais, que podiam ser reconhecidos pelo pai. Se fossem filhos de pais que tinham impedimento ao casamento, eram considerados espúrios (adulterinos ou incestuosos), e nesse caso não podiam ser reconhecidos.

A doutrina e a codificação civil trataram de qualificar estes últimos –os espúrios – como filhos adultérios ou incestuosos. De uma visão inicial, surge a ideia de que os mesmos deveriam carregar para o resto de suas vidas o pecado conjugal e familiar cometido por seus pais. Seriam frutos do adultério criminoso e do desvio moral no seio da relação familiar. Sustentariam incontinenti o fardo de seres humanos desprovidos de qualificação na órbita civil, obra de delito ou libertinagem de seus geradores (Guimarães, 2001, p. 31).

Há uma presunção, pelo nosso ordenamento jurídico, que os filhos da mulher casada eram filhos também do marido, mais precisamente o artigo 338, incisos I e II, do Código Civil de 1916, traz o que a doutrina chama de presunção “pater is est”. Para melhor entendimento, vale transcrever a redação do artigo.

Art. 338. Presumem-se concebidos na constância do casamento:

I. Os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal (art. 339).

II. Os nascidos dentro nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação.

Sobre a presunção da paternidade, dissertou Fachin:

Presunção pater is est é relevante para o estabelecimento da paternidade do filho havido dentro do casamento. Por força dela, presume-se a paternidade do marido em relação aos filhos gerados por uma mulher casada (FACHIN, 1992, p.35).

A presunção pater is est apresenta um domínio (no sentido de campo de abrangência) normal de aplicação, decorrente do princípio de que pai é o marido da mãe. Logo, de ordinário, a presunção cobre o filho havido dentro do casamento (Fachin, 1992, p.36).

Com o advento do Decreto-Lei nº 4.737/1942, e posteriormente da Lei nº 883/1949, houve um primeiro passo de evolução com relação à filiação “ilegítima”, pois em relação aos filhos adulterinos, passou a ser possível o reconhecimento da filiação desde que dissolvida à sociedade conjugal até então mantida pelo genitor que havia sido casado. In verbis ambas:

Decreto-lei 4.737/1942:

Art. 1º O filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do desquite, ser reconhecido ou demandar que se declare sua filiação.

Lei nº 883/1949:

Art. 1º Dissolvida a sociedade conjugal, será permitido a qualquer dos cônjuges o reconhecimento do filho havido fora do matrimônio e, ao filho a ação para que se lhe declare a filiação.

§ 1º - Ainda na vigência do casamento qualquer dos cônjuges poderá reconhecer o filho havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho, e, nessa parte, irrevogável. (Incluído pela Lei nº 6.515, de 1977). (Renumerado pela Lei nº 7.250, de 1984).

Com a Constituição Federal de 1988, o Direito de Família deu um grande passo em sua evolução, assegurando a todos os filhos, as mesmas qualificações, além de proibir qualquer discriminação no que refere à filiação, independente do tipo de relacionamento existente entre os pais.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, que assegurou aos filhos, adulterinos e incestuosos, as mesmas qualificações, além de proibir o emprego de qualquer designação discriminatória no que pertine à filiação, pôs um ponto final em matéria de restrições ao estabelecimento dos vínculos de paternidade-maternidadefiliação, independente do tipo de relacionamento existente entre os pais. Desse modo, o art. 358, do Código Civil de 1916, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo perfeitamente possível o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, com total irrelevância acerca da origem da filiação (GAMA, 2007, p. 74).

A paternidade jurídica advinda do casamento, que permaneceu por muito tempo em grau de superioridade, perdeu o posto com a promulgação da Constituição Federal de 1988, com a igualdade dos filhos, o pluralismo dos modelos familiares, essa paternidade presumida perde sua força.

Com a modernização da medicina, surgiu o exame de DNA, o qual possibilitou a identificação genética do pai e do filho, originando assim, a paternidade biológica. Podemos dizer que a paternidade biológica inclusive se sobrepunha a presunção “pater is est”, assumindo papel relevante perante à sociedade.

No Direito, a verdade biológica converteu-se na “verdade real” da filiação em decorrência de fatores históricos, religiosos e ideológicos, que estiveram no cerne da concepção hegemônica da família patriarcal e matrimonializada e da delimitação estabelecida pelo requisito da legitimidade (Lobo, 2004, p. 48).

O progresso científico do advento do exame de DNA possibilitou uma maior exatidão na determinação da paternidade.

Com a fantástica evolução no campo da ciência e das contradições trazidas pela desenfreada inovação no campo tecnológico, a presunção de paternidade, fundada no adágio pater is est, foi reduzindo seu papel no estabelecimento da paternidade legítima, que, juntamente com a procura da paternidade natural, foram cedendo lugar a uma nova verdade que se impõe a verdade biológica, que se afirma pelo poder inquestionável das provas científicas no estabelecimento da filiação. Num primeiro momento, os exames de sangue, e atualmente os chamados exames de DNA, que chegam a atingir quase 100% de certeza a origem genética de uma pessoa, afastam ou atribuem uma paternidade incerta, reduzindo o registro de nascimento a mero papel (NOGUEIRA, 2001, p.79).

No entanto com o repensar do direito à luz das evoluções sociais, a paternidade passa a ser muito mais uma função, em que prepondera o afeto, e não só o vínculo biológico, passando a se priorizar a paternidade baseada no vincula amoroso. Com isso, apresentava-se a paternidade afetiva. O instituto do parentesco em si é tratado pelo Código Civil Brasileiro nos seus artigos 1.591 a 1.595.

O vínculo de sangue tem um papel definitivamente secundário para a determinação da paternidade; a era da veneração biológica cede espaço a um novo valor que se agiganta: o afeto, pois o relacionamento mais profundo entre pais e filhos transcende os limites biológicos, ele se faz no olhar amoroso, no pegá-lo nos braços, em afagá-lo, em protegê-lo, e este é um vinculo que se cria e não que se determina (NOGUEIRA, 2001, p. 85).

Nesse modelo de filiação, o direito passou a reconhecer a posse do estado de filho como aspecto mais relevante a determinar a filiação. A doutrina de Paulo Lobo estabelece que:

A posse do estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, segundo as características adiante expostas, devendo ser contínua (Lobo, 2004, p. 49).

Hoje, os grupos familiares devem ser compreendidos sob a ótica da Constituição Federal de 1988, tendo por base os laços de afeto e de solidariedade, bem assim a comunhão de vida entre seus membros. É o que impõe, por certo, a atual forma dos modelos familiares, decorrentes da transição da ideia formal de família para a concepção eudemonista ou afetiva.

Muito bem resume Paulo Lobo a respeito: a evolução dos modelos de filiação brasileiros antes baseados simplesmente na presunção de que os filhos eram oriundos do casamento; posteriormente, com o surgimento do DNA, só se considerava a paternidade biológica; e por fim, hoje, reconhecemos a paternidade afetiva, que pode até ser cumulada com a biológica, mas pressupõe a relação de “posse do estado de filho” como requisito, e não unicamente o vinculo biológico.

A mudança do Direito de Família, da legitimidade para o plano da afetividade, redireciona a função tradicional da presunção pater is est. Destarte, sua função deixa de ser a de presumir legitimidade do filho em razão da origem matrimonial, para a de presumir a paternidade em razão do estado de filiação, independentemente de sua origem ou de sua concepção. A presunção da concepção relaciona-se ao nascimento, devendo este prevalecer (LOBO, 2004, p. 51).

1.3 A família e a paternidade sob a ótica constitucional

Para falar sobre família e paternidade baseada no afeto, não há como não mencionar a Constituição Federal, da mesma forma que não haveria como não falar em Princípios, pois são eles que dão todo o suporte para o reconhecimento pelo direito de questões que acontecem cotidianamente, mas que não estão expressas no texto da lei.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é básico em nossa Constituição Federal de 1988, o qual deve obrigatoriamente ser respeitado em todas as relações jurídicas existentes, inclusive, na relação familiar.

O Art. 1º, inciso III, da Constituição Federal trouxe o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, preocupando-se com os direitos humanos. Há dificuldades para traduzir de forma reducionista o significado do texto, pois trata de uma infinidade de situações que somente no caso concreto pode ser melhor caracterizada.

Nesse sentido, Maria Berenice Dias expõe que:

A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional da especial atenção a família, independente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida em comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada participe, com base em idéias pluralistas, solidaristas democráticos e humanistas (DIAS, 2007, p. 58).

Nesse princípio encontramos a base para a boa convivência familiar, pois a partir dele surgiram os demais princípios do Direito de Família, ressaltando que o respeito à dignidade humana é o grande objetivo da nossa Constituição atual.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o próprio conceito de família foi modificado, passando a ser considerada como plural, ou seja, contemplando agora não somente aquele modelo de matrimônio tradicional, entre homem e mulher, mas também o decorrente da união estável, conforme artigo 226, §3º, e a monoparental, com fundamento no artigo 226, §4º. In verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Ademais, é de se ressaltar que o rol constante no texto constitucional é apenas exemplificativo, e não taxativo, sendo, portanto, admitidos outros arranjos familiares.

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277, e por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, reconheceu a união estável homoafetiva como entidade familiar, o que reforça o conceito plural de família.

Ementa: (...) 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (...)

(STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03, PP-00341).

No mesmo sentido, esclarece Maria Berenice Dias (2013, p. 42): “é necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo buscar o elemento que permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade independentemente de sua conformação”.

É sabido que a Constituição Federal de 1988 trouxe grandes avanços para o Direito de Família e a paternidade. Nas palavras dos doutrinadores Paulo e Alexandrino:

A Constituição Federal confere ampla proteção à unidade familiar, proclamando que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. A partir dessa definição, extrai-se que não se pode dissociar do Direito de Família os preceitos trazidos pela ótica civil- constitucional (PAULO; Alexandrino, 2010, p. 434).

A partir da Carta Magna de 1988, a família teve novos princípios e direitos conquistados pela sociedade. Diante da nova perspectiva da família, o modelo tradicional passou a ser uma das formas de constituir um núcleo familiar, que em conformidade com o artigo 266 passa a ser uma comunidade fundada na igualdade e no afeto.

O Princípio da Igualdade, expresso no art. 227, § 6º, da Constituição Federal atual pôs fim a qualquer tratamento diferenciado entre os filhos em razão de sua origem, considerando a prevalência da igualdade de condições entre os filhos.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Com o reconhecimento constitucional da igualdade entre os filhos, o artigo 1596 do Código Civil, prevê que estes, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Nas palavras de Rolf Madaleno (2001, p. 55)

Finalmente, a Carta Federal resgata a dignidade da descendência brasileira, deixando de classificar filhos pela maior ou menor pureza das relações sexuais, legais e afetivas de seus pais, quando então, os filhos eram vistos e classificados por uma escala social e jurídica direcionada a discriminar o descendente e a sua inocência, por conta dos equívocos ou pela cupidez de seus pais.

Sobre tais mudanças, se posiciona Tavares (2012, p. 421):

A Constituição Federal de 1988 colocou fim a tais classificações, vedando quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, no art. 227, § 6º. O Código Civil repete a regra constitucional, no art. 1.596: Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Somente em razão da natureza da união manteve-se o sistema da presunção da paternidade no casamento, que não pode existir no tocante aos filhos oriundos de outras relações, estáveis ou não estáveis.

A partir de tais modificações, inúmeros princípios constitucionais foram adotados pelo Direito de Família e a partir deles foi transformado o conceito entidade familiar, passando esta a ser considerada uma união fundada no amor recíproco.

Ainda quanto ao Princípio da Igualdade, este se refere também a igualdade entre homens e mulheres, buscando um equilíbrio entre a figura do pai e da mãe perante os filhos. Contudo, a Constituição Federal, preocupou-se em dar ampla proteção às mulheres, e não apenas a igualdade.

O novo texto constitucional inclui exceções ao princípio da igualdade. A mulher merece diversas normas protetoras na Carta Magna, servindo de exemplo a licença a gestante, a aposentadoria antecipada, após o tempo de serviço menor, a proteção ao mercado de trabalho feminino (art. 7º, XVIII e XX, e 202), entre outros (CAHALI, 2012, p. 253).

A igualdade entre homens e mulheres se refere também à sociedade conjugal formada pelo casamento ou pela união estável (art. 226, §§ 3º e 5º, da CF/88). No mesmo sentido o Código Civil, em seu art. 1º do atual Código Civil, quando utiliza o termo pessoa, não mais homem, como fazia o art. 2º do Código Civil de 1916, deixando claro que não será admitida qualquer forma de distinção decorrente do sexo.

O Princípio da Solidariedade familiar também passou a vigir nas relações familiares com o advento da Constituição Federal de 1988, devendo a solidariedade vigorar em todas as relações jurídicas, sobretudo, nas de família, visto que no seio familiar que se desenvolvem sentimentos de afeto e respeito.

O doutrinador Paulo Luiz Netto Lôbo (2007, p. 5) aduz que:

Assim, podemos afirmar que o princípio da solidariedade é o grande marco paradigmático que caracteriza a transformação do Estado liberal e individualista em Estado democrático e social, com suas vicissitudes e desafios, que o conturbado século XX nos legou. É a superação do individualismo jurídico pela função social dos direitos.

Outro “pilar” muito importante ao Direito de Família é o Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Prevê no artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Essa proteção é regulamentada também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), que considera criança a pessoa com idade entre zero e doze anos incompletos e adolescente aquele que tem entre 12 e 18 anos de idade.

Quanto ao Princípio da afetividade, o doutrinador Paulo Lobo, entende que afetividade surge dos princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, Constituição Federal de 1988) e da solidariedade (art. 3º, I, Constituição Federal de 1988), e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família (LÔBO, 2012).

Resumidamente, explica Paulo Lobo (2012, p. 69):

A família recuperou a função que, por certo, esteve nas suas origens mais remotas: a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida. O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais. É o salto, à frente, da pessoa humana nas relações familiares.

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