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A não incidência do ICMS na circulação de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte

06/10/2017 às 13:13
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O artigo discute o pedido do governador do Rio Grande do Norte pelo reconhecimento de incidência de ICMS entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, destacando a jurisprudência do STF e do STJ sobre o tema.

O site do Supremo Tribunal Federal, de 2 de outubro de 2017, noticia que o governador do Rio Grande do Norte pediu reconhecimento de incidência de ICMS entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Assim foi dito: 

"O governador do Estado do Rio Grande do Norte, Robinson Faria, ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) buscando a declaração de constitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir) que preveem a ocorrência de fato gerador do ICMS na transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte. O pedido consta na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, de relatoria do ministro Edson Fachin.

Segundo a ação, há diversos precedentes na Justiça afastando a incidência do ICMS na hipótese, contando inclusive com súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segundo a qual “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte” (Súmula 166). Porém, conforme a ADC, esse enunciado não declara expressamente a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Kandir sobre o tema. Para o governador, essa circunstância gera instabilidade jurídica e exige o pronunciamento do STF.

Robinson Faria defende que a opção pela incidência do ICMS nessas operações não traz prejuízo para os contribuintes, na medida em que o montante de tributo debitado no estabelecimento remetente é contabilizado no destinatário. Mas faz diferença para o fisco estadual, pois “a operação que envolve estabelecimentos situados em distintos estados da Federação assegura a cada unidade partícipe parcela da receita tributária”, e importa no rateio do ICMS entre os estados de origem e destino.

Do ponto de vista jurídico, sustenta que o entendimento adotado pelo STJ privilegia o enfoque sobre a circulação jurídica da mercadoria (transferência de titularidade) em detrimento da circulação física (no espaço) ou econômica (ao longo da cadeia produtiva). Segundo o pedido, não é possível encontrar na Constituição Federal base para tal ênfase. “É possível afirmar que as acepções jurídica e econômica da expressão ‘circulação de mercadoria’ são, ambas, compatíveis com a Constituição”, afirma.

Para o governador, contrapondo-se duas interpretações possíveis de uma norma constitucional, é recomendável privilegiar aquela conferida pelo Poder Legislativo, por meio de lei. Isso porque é o Legislativo o ator constitucional com legitimidade democrática para tanto.".

Penso, no entanto, que o Estado do Rio Grande do Norte não deverá ter sucesso na ação noticiada.

Desde agosto de 1996, o STJ firmou posicionamento pela não incidência do imposto nessas operações. Para tanto, foi editada a Súmula 166, com o objetivo de pacificar as discussões sobre o assunto: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

Esse posicionamento seguiu o entendimento de relevantes juristas brasileiros. Assim, em 2010, foi ratificado o entendimento do STJ pelo STF nos autos do RExt 267.599, de relatoria da ministra Ellen Gracie.

A chamada  Lei Kandir (LC 87/96 – ICMS), publicada em setembro de 1996, determinou que, em seu artigo 12, inciso I, traz a previsão de incidência do ICMS nessas ocasiões: "Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular".

O STF voltou a manifestar-se sobre o assunto de forma favorável aos contribuintes, através da decisão proferida em agravo regimental, publicada pela 2ª Turma no dia 13 de maio de 2014.

Com isso, o STF reafirmou o entendimento no sentido de que a mera saída física do bem para outro estabelecimento do mesmo titular, quando ausente a efetiva transferência de sua titularidade, não configura operação de circulação sujeita à incidência do ICMS, ainda que ocorra agregação de valor à mercadoria ou a sua transformação.

A jurisprudência do  Supremo Tribunal Federal, no sentido de que não incide ICMS sobre transferência de bens entre estabelecimentos de mesmo contribuinte está sintetizada no  RE 267.599-AgR-ED, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 30.04.2010 e AI 693.714-AgRJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe 21.08.2009:

DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE BENS ENTRE ESTABELECIMENTOS DE MESMO CONTRIBUINTE EM DIFERENTES ESTADOS DA FEDERAÇÃO. SIMPLES DESLOCAMENTEO FÍSICO. INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR. PRECEDENTES . 1. A não-incidência do imposto deriva da inexistência de operação ou negócio mercantil havendo, tão-somente, deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro, ambos do mesmo dono, não traduzindo, desta forma, fato gerador capaz de desencadear a cobrança do imposto. Precedentes. 2. Embargos de declaração acolhidos somente para suprir a omissão sem modificação do julgado.

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SAÍDA FÍSICA DE BENS DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO DE MESMA TITULARIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS. PRECEDENTES DA CORTE. AGRAVO IMPROVIDO . I - A jurisprudência da Corte é no sentido de que o mero deslocamento físico de bens entre estabelecimentos, sem que haja transferência efetiva de titularidade, não caracteriza operação de circulação de mercadorias sujeita à incidência do ICMS. II - Recurso protelatório. Aplicação de multa. III - Agravo regimental improvido.

No mesmo sentido: AI 618.947-AgR/MG, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 26.03.2010; RE 577.898-AgR/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma, DJe 26.6.2009; AI 481.584-AgR/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe 21.8.2009; e RE 596.983-AgR/MT, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 29.5.2009.

De fato, em um julgado proferido, em 30.05.2014, pela Primeira Turma do STF, verifica-se que a Corte Suprema “tem-se posicionado no sentido de que o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos comerciais do mesmo titular não caracteriza fato gerador do ICMS, ainda que estejam localizados em diferentes unidades federativas” (ARE 756636 AgR, Relator:  Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, publicado em 30/05/2014).

 Um mês depois da publicação do julgado mencionado, o STF, agora pela Segunda Turma, decidiu que, na transferência de bem entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, mesmo quando há agregação de valor à mercadoria ou sua transformação, não incide o ICMS, pois não ocorre a transferência de titularidade (AgReg. no Recurso Extraordinário nº 765486, AgR, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski,  Segunda Turma, Publicado em 04/06/2014).

O  Supremo Tribunal Federal entende que não incide ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias, bem como naquelas transferências de mercadorias que sofreram processo de nova industrialização.

O fato gerador do ICMS é a operação relativa à “circulação de mercadorias” ou a “prestação de serviços de transporte ou de comunicação”. Assim, só incide o imposto, no caso de mercadorias, na hipótese de ocorrer a sua efetiva circulação.

O  fato gerador do ICMS é o negócio jurídico que transfere a posse ou a titularidade de uma mercadoria. Por esta razão, simples remessa de mercadoria de um estabelecimento para outro, de uma mesma empresa, caracteriza-se como mero transporte e, assim, intributável por meio de ICMS.

No mesmo sentido vale ressaltar jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. AMEAÇA CONCRETA. CABIMENTO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA DE MATRIZ PARA FILIAL DA MESMA EMPRESA. SÚMULA 166/STJ. RECURSO REPETITIVO RESP 1.125.133/SP.

A natureza da operação é a de transferência de produtos entre “estabelecimentos” de mesma propriedade, ou seja, não há circulação de mercadorias, muito menos transferência de titularidade do bem, requisito este necessário à caracterização do imposto, conforme determina a Súmula 166 do STJ. Incidência da Súmula 83/STJ. Agravo regimental improvido”. (AgRg no AREsp 69931/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 13/02/2012).

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Afasta-se a   hipótese de incidência do ICMS no sentido de que  é o “simples deslocamento da mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma empresa, sem a transferência de propriedade”, ainda que se trate de circulação interestadual de mercadoria, porquanto, a configuração da hipótese de sua incidência pressupõe operação de mercancia, ou seja, circulação jurídica. Quanto ao tema, tem-se que  o Min. Marco Aurélio, no voto-vista proferido no RE 158.834/SP, Tribunal Pleno, maioria, DJ 05.9.2003,  asseverou: “Se a Lei Maior glosa, com o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, bem integrado ao ativo fixo – alínea ‘a’ do inciso IX do artigo 155 – age com fidelidade ao sistema adotado, ou seja, considerando uma operação, ou seja, o envolvimento de mercadoria que circula no que, partindo do local em que situado o produtor ou vendedor, chega ao comprador, no que prevista constitucionalmente a entrada no respectivo estabelecimento. (...) A saída apenas física de um certo bem não é de molde a motivar a cobrança do imposto de circulação de mercadorias. Requer-se, como consta do próprio texto constitucional, a existência de uma operação que faça circular algo passível de ser definido como mercadoria, pressupondo, portanto, como aliás ressaltado por Aliomar Baleeiro em ‘Direito Tributário Brasileiro’, a transferência de domínio. No particular, levou em conta o saudoso Ministro que o sentido jurídico de operação direciona a negócio jurídico, devendo a circulação exigida estar ligada a deslocamento de mercadoria, ou seja, de bem móvel em comércio”. Nesse sentido: AI 693.714-AgR/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe 21.8.2009; RE 267.599-AgR-ED/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 30.4.2010; e AI 769.897-AgR/RJ, Rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, DJe 25.4.2011; e AI 271528-AgR/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 07.12.2006, cujo trecho da ementa transcrevo: “II. ICMS: não incide sobre o deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma empresa, sem a transferência de propriedade. Precedente: RE 158.834, Pl., 23.10.2002, red. p/acórdão Marco Aurélio, RTJ 194/979. III. Recurso extraordinário: descabimento para o reexame de fatos: incidência da Súmula 279”.

A saída apenas física de um certo bem não é de molde a motivar a cobrança do imposto de circulação de mercadorias. Requer-se, como consta do próprio texto constitucional, a existência de uma operação que faça circular algo passível de ser definido como mercadoria, pressupondo, portanto, como aliás ressaltado por Aliomar Baleeiro em ‘Direito Tributário Brasileiro’, a transferência de domínio. No particular, levou em conta o ministro Baleeiro que o sentido jurídico de operação direciona a negócio jurídico, devendo a circulação exigida estar ligada a deslocamento de mercadoria, ou seja, de bem móvel em comércio”. Nesse sentido: AI 693.714-AgR/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe 21.8.2009; RE 267.599-AgR-ED/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 30.4.2010; e AI 769.897-AgR/RJ, Rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, DJe 25.4.2011; e AI 271528-AgR/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 07.12.2006, cujo trecho da ementa transcrevo: “II. ICMS: não incide sobre o deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma empresa, sem a transferência de propriedade. Precedente: RE 158.834, Pl., 23.10.2002, red. p/acórdão Marco Aurélio, RTJ 194/979. III. Recurso extraordinário: descabimento para o reexame de fatos: incidência da Súmula 279”.

Sabemos das sérias dificuldades por que passam os Estados no sustento de suas finanças. Mas o respeito à norma constitucional é a prioridade do sistema jurídico.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A não incidência do ICMS na circulação de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5210, 6 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61016. Acesso em: 24 nov. 2024.

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