A Justiça militar deve julgar os crimes dolosos cometidos contra civis por profissionais das Forças Armadas em missão?

10/10/2017 às 18:20

Resumo:


  • O Código Penal Militar de 1969 atribuía à Justiça Militar o julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por militares, mas a Lei 9.299/1996 transferiu essa competência para a Justiça Comum, visando reduzir violência policial.

  • Em 2016, o Superior Tribunal Militar decidiu que a Justiça Militar da União é competente para julgar esses crimes, argumentando haver um "erro de abrangência" na Lei 9.299, que deveria excluir apenas os militares estaduais, não os das Forças Armadas.

  • Questões sobre a competência para julgamento de crimes cometidos por militares em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou outras situações similares permanecem controversas, destacando-se a diferença de tratamento entre membros das Forças Armadas e das Polícias Militares.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Um rápido retrospecto, para o leitor entender melhor esse complexo tema.

Outorgado em 1969 (durante o pós contragolpe), o Código Penal Militar (CPM) definiu que esses crimes seriam julgados pela Justiça Militar (JM). Em 1996, inspirada no chamado processo de redemocratização, a Lei 9.299 estabeleceu que citados crimes são da competência da Justiça Comum. (JC), pressupondo que reduziria lesões corporais e homicídios praticados por policiais militares contra civis, na década de 90.

Em 2016, o Superior Tribunal Militar entendeu, por unanimidade, que a Justiça Militar da União é competente para processar e julgar os crimes, ora em discussão, visto que teria havido “erro de abrangência” no texto final da Lei 9.299. Conforme o relator, “É cediço que a intenção inicial da reforma do Código Penal Militar era retirar a competência da Justiça Militar Estadual para julgar os crimes dolosos contra a vida cometidos contra civis tão apenas por militares dos estados, excluindo os militares das Forças Armadas”.

Antes das Olimpíadas, o governo tentou aprovar o PL 44/2016, mas foi barrado pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros. Agora, o assunto volta à tona, em razão de a PL estar na ordem do dia para votação, após parecer favorável da CCJ, e também pela manifestação do senhor comandante do Exército de que é seu dever proteger seus comandados, isto é, pleiteia celeridade e segurança jurídica. Efetivamente, a JM é mais rápida que a JC. Ainda; sem dúvida, a JM, técnica, togada, trabalha mais com a razão e os jurados do Tribunal do Júri, sorteados, trabalham mais com a emoção. Pena que alguns tenham confundido proteção com protecionismo, argumentando, insidiosamente, que a JM é corporativista, o que, mais que um acinte, é um desrespeito à instituição. Como não vivenciam o dia a dia da caserna, não sabem que, se pudesse escolher, maioria dos réus militares optaria por ser processado e julgado pela JC.

Enfim, à pergunta formulada, minha resposta é sim e, na oportunidade, levanto algumas questões residuais. As operações GLO são realizadas quando há esgotamento das forças públicas estaduais em situações de graves perturbações da ordem social. As FFAA assumem o comando das operações. O quadro da situação no RJ ainda não é este. Portanto, as operações não são de GLO, mas de Suplementação, de Apoio, etc., não previstas no quadro de emprego das FFAA. Assim, havendo crime, enquadrado na pergunta inicial, quem processará e julgará os autores?

E mais, por hipótese, em operação conjunta, um integrante da força pública federal (FFAA) comete crime contra civil, devendo ser julgado pela JM, conforme entendimento vigente. Na mesma operação, um integrante da força pública estadual (PMs) comete crime idêntico e nas mesmas circunstâncias. Conforme a lei vigente, será processado pela JC e julgado pelo Tribunal do Júri. E o tratamento isonômico? O fato de a força pública estadual ser auxiliar da força federal, precedendo eventual emprego desta, implica em esforço jurídico uno ou, fortalecendo os adversários comuns, é cada um por si?

Essas e outras questões semelhantes surgem porque a força pública estadual é, atualmente, menos conhecida pelo que é (instituição-força do Estado-membro), e mais pelo que faz (polícia ostensiva), em casos de alteração e de perturbação da ordem social, e força de restauração, em casos de grave perturbação da ordem social. 

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Sobre o autor
Amauri Meireles

Coronel Veterano da PMMG Foi Comandante da Região Metropolitana de BH

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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