O presente artigo trata de tema que envolve o dia-a-dia das salas de audiências da Justiça do Trabalho do Brasil. Trata-se do acolhimento da prova emprestada no processo do trabalho, especificamente no que se refere à instrução em audiência.
A juntada de cópias de instrução havidas em outro processo, tanto pelo reclamante quanto pela reclamada, vem sendo cada vez mais comum, principalmente em decorrência das facilidades do computador e da internet, havendo amplo acesso das partes ao conteúdo das instruções através de sites de Tribunais ou o envio via e-mail das Atas de Instrução e Julgamento.
Porém, o que se quer aqui tratar não é propriamente da juntada das referidas atas em si. Sobre tal assunto, não existe controvérsia viável. As partes fazem a juntada de atas sob a forma de prova documental, sobre a qual há a manifestação da parte contrária, sem muita contribuição para o deslinde da demanda, salvo no que pertine a alguma contradição específica no depoimento de qualquer dos envolvidos. Vale dizer que, em geral, tais atas somente têm valor na hipótese em que se quer desmerecer o depoimento de qualquer um dos ouvidos no processo em julgamento. Nos demais casos, em que serve apenas para reforçar os depoimentos já prestados, sua utilidade é diminuta, fundando-se sua juntada na simples idéia de acrescer o material probatório produzido.
O que se pretende discutir aqui é a juntada de atas de processos outros para substituir a instrução que deveria haver nos autos sob julgamento. Trata-se da utilização da prova emprestada, com o objetivo de excluir a necessidade de repetição de depoimentos de partes e testemunhas.
É claro que tal proposta é mais aplicável em alguns casos do que em outros. Sua utilização mais afirmativa é na hipótese de distinção de contrato de emprego e afins, como é o caso de pedido de reconhecimento de vínculo de representante comercial, de corretor de seguros, de contratos de prestações de serviços autônomos etc. Obviamente, ainda, a idéia tem mais aplicação quando a empresa tiver um número maior de empregados, pois a juntada de uma única ata, embora plenamente possível, não parece ser a situação ideal. Outros casos seriam aqueles em que o objeto de prova refere-se apenas a sistemáticas adotadas em determinada empresa, como, por exemplo, horário de antecedência de chegada de motorista ou prestação de contas de cobrador, ou ainda ausência de intervalo ou intervalo reduzido a trinta minutos em determinada empresa.
HIPÓTESES DE UTILIZAÇÃO DE INSTRUÇÕES HAVIDAS EM OUTROS PROCESSOS COMO PROVA EMPRESTADA
Para a utilização de instruções havidas em outros processos como prova emprestada no caso sob julgamento, podem ocorrer três hipóteses: na primeira, ambas as partes concordam na utilização das referidas instruções como prova emprestada; na segunda, o reclamante concorda e a reclamada não; e, na terceira, a reclamada concorda e o reclamante não.
Na primeira hipótese, a utilização da prova emprestada não sofre qualquer controvérsia. É que se as partes expressamente fizeram expressar seu consentimento não havendo qualquer prejuízo ou nulidade que possa ser arguída posteriormente, tendo a instrução seu curso regular, com a dispensa do interrogatório das partes e da oitiva de testemunhas. Nesses casos, pode-se expressamente registrar em ata: "dispensados os interrogatórios das partes bem como a prova testemunhal, tendo em vista que as partes concordam em utilizar as instruções havidas nos processos tais e tais como prova emprestada nos presentes autos".
O problema, então, surge apenas e tão somente na hipótese em que alguma das partes não concorde com a utilização da prova emprestada, ocasião em que a análise deverá ser mais detida.
Nesse caso, há que se ter em vista a restrição comumente apontada pela doutrina, no sentido de que a prova emprestada só tem valor probante quando tenha sido produzida em processo envolvendo as mesmas partes. É que tal limitação tem lugar em face da necessidade de observância do contraditório.
Nessa hipótese, não pode uma parte argüir o prejuízo da parte contrária, face a ausência de interesse jurídico em tal declaração. Ou seja, se o reclamante junta aos autos ata de instrução processual com outro reclamante em processo contra a reclamada, não pode essa última argüir a impossibilidade de juntada da prova emprestada ao argumento de que não são as mesmas partes. É que tal requisito tem por fundamento a necessidade de observância do contraditório e se a reclamada esteve presente naquela instrução, então o contraditório foi devidamente observado.
Nesse aspecto, convém transcrever parte do recente Acórdão exarado pela 3ª Turma do TST nos autos do PROC. Nº TST-AIRR-179/2001-051-18-40.3, Relatora Ministra Maria Cristina Yrigoyen Peduzzi, cuja publicação ocorreu no DJ - 13/08/2004: "apesar de não existir dispositivo legal expresso acerca da prova emprestada, o processo trabalhista admite sua utilização. Isso porque o art. 765 da CLT atribuiu aos Juízos e Tribunais do Trabalho ampla liberdade na direção do processo, os quais velando pelo andamento rápido das causas, podem determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas. É inegável que a prova emprestada contribui sobremaneira para a economia processual e celeridade do procedimento. Quando trasladada para outra ação, evita, em muitos casos, dispêndio de atividade probatória das partes, com grande economia de tempo e da atividade jurisdicional, a par de constituir medida garantidora da harmonia da ordem jurídica, evitando existência de sentenças eventualmente conflitantes. In casu, faz-se compatível e tem eficácia absoluta, vez que produzida entre as mesmas partes, sem constituir ofensa ao direito de defesa da reclamada (fls. 8-29 e 198-208). Portanto, não há de falar em ofensa aos princípios da identidade do juiz ou do juiz natural porque inexistentes na Justiça do Trabalho (En.136/TST) e do contraditório, nem em nulidade da sentença por valoração de prova emprestada, de cuja utilização discorda a reclamada" (Disponível em: http://www.tst.gov.br/basesjuridicas/).
Entretanto, na hipótese contrária, em que uma das partes queria juntar ata de instrução da qual não tenha participado a parte adversa, e, em não havendo concordância expressa da parte contrária, não há possibilidade de utilização da prova emprestada, uma vez que apenas a concordância supriria a garantia do contraditório, não podendo a simples manifestação da parte sobre a ata no processo sob julgamento, suprir a sua ausência no momento da produção da prova.
Saliente-se que a necessidade de que a prova tenha sido colhida pelo mesmo juiz da causa é completamente irrelevante. Afirmar isso é esquecer a existência de duplo grau de jurisdição sobre o material fático produzido. Ou seja, querer que a prova emprestada só tenha validade se produzida perante o mesmo juiz de primeiro grau, por observância do princípio da imediatidade e do juiz natural, é esquecer que o Tribunal analisa o processo, inclusive o material produzido em audiência, o que inviabilizaria, afinal, qualquer argüição de nulidade nesse sentido.
CONCLUSÕES NECESSÁRIAS
A utilização da prova emprestada, especificamente no que se refere a instruções em audiência, é recurso de grande valia para a aceleração de julgamentos, desobstrução de pautas e, principalmente, diminuição do tempo de espera nas salas de audiência, evitando-se, outrossim, a repetição de depoimentos idênticos.
Para o funcionamento desse mecanismo, além da atuação afirmativa do Juiz, é necessário, antes de mais nada, a participação dos advogados. É que na maioria das vezes o juiz não tem conhecimento dos casos anteriores, salvo se for hipótese por demais repetida. Numa cidade com diversas Varas do Trabalho e vários juízes atuando concomitantemente, é difícil o mesmo magistrado ter ciência do caso anterior. Então, cabe aos advogados mencionar a existência de instruções outras e levaram à mesa de audiência as respectivas atas.
Para o acolhimento regular da prova emprestada relativa à instrução em audiência é necessário o consentimento de ambas as partes do processo em julgamento ou, então, a aquiescência da parte que não participou da instrução cuja ata se pretende juntar. O consentimento da parte que participou da primeira instrução, entretanto, é completamente dispensável, face ao atendimento do requisito do contraditório no momento em que foi produzida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. V, tomo I.