A responsabilidade civil por erro médico à luz da legislação brasileira

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19/10/2017 às 18:57
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O presente trabalho aborda a responsabilidade civil por erro médico no Brasil, de forma a analisar os conceitos e pressupostos da responsabilidade civil no país e as formas de reparação do dano causado.

1.    Introdução

O erro médico se caracteriza por um defeito na prestação do serviço pelo profissional e ou hospital, de modo a agravar o estado do paciente ou mesmo lhe causar a morte. A responsabilidade civil por erro médico, portanto, é um tema de grande importância, uma vez que envolve questões atinentes ao maior patrimônio do ser humano: sua vida e sua integridade física.

O presente trabalho tem por objetivo analisar o erro médico inserido no contexto da responsabilidade civil, estabelecendo um paralelo entre a legislação brasileira sobre o assunto, a vulnerabilidade do paciente, o papel do médico e dos hospitais, bem como a forma como o Poder Judiciário vem se posicionando ao apreciar as questões dessa natureza.

Inicialmente, o trabalho realiza uma abordagem sobre o conceito de responsabilidade civil e os seus pressupostos. Depois, apresenta a legislação brasileira sobre o tema e expõe as modalidades de responsabilidade civil. Em seguida, adentra na responsabilidade civil do médico e hospitais e a natureza jurídica da obrigação da prestação de serviços médicos.

Para finalizar a exposição, estabelece uma análise sobre o quanto o judiciário brasileiro tem observado a legislação e doutrina pátria para decidir a respeito da responsabilidade civil por erro médico.


2.    A responsabilidade civil no Direito brasileiro

A “palavra responsabilidade origina-se do latim re-spondere, que encerra a idéia de segurança ou garantia da restituição ou composição do bem sacrificado. Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir” (GONÇALVES, 2012, p. 18).

A Responsabilidade Civil, por sua vez, parte do pressuposto de que ninguém tem o direito de lesar interesse ou direito de outrem, podendo ser conceituada como:

A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). (DINIZ, 2003, p.34)

Segundo a legislação brasileira, “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (Art. 186 do Código Civil), de forma que “fica obrigado a repará-lo” (Art.  927 do Código Civil).

Assim, uma vez que o agente cometa um ato ilícito surge para ele a obrigação de reparar o dano que causou, sendo importante ressaltar que uma pessoa pode ser responsabilizada quando comete pessoalmente um ato antijurídico e até mesmo quando, indiretamente, esteja ligada ao ofensor. “O que se avalia geralmente em matéria de responsabilidade é uma conduta do agente, qual seja, um encadeamento ou série de atos ou fatos, o que não impede que um único ato gere, por si, o dever de indenizar” (VENOSA, 2003, p. 12).

2.1 Pressupostos da Responsabilidade Civil

De acordo com a doutrina brasileira majoritária, são quatro os pressupostos da responsabilidade civil: ação ou omissão voluntária, nexo de causalidade, dano e culpa. 

Ghersi (1999) apud Gagliano (2012, p. 71), por sua vez, ao discorrer sobre os elementos da responsabilidade civil, afirma que são três os pressupostos da responsabilidade civil.

Esta primera fase comprende los elementos comunes a toda situación fáctica, que pretenda convertirse en una situación jurídica de reparabilidad. Entendemos, entonces, que es como un filtro o tamiz de análisis científico (sociológico-axiológico-económico-jurídico), que se debe recorrer para poder acceder a la segunda fase. Estos elementos básicos o comunes son: El hecho humano, El daño y La relación de causalidad.

2.1.1     Conduta Humana

Diniz (2003, pag. 37) define conduta humana como sendo "o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, (...) que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.

Apenas a conduta humana voluntária, seja ela omissiva ou comissiva, pode dar ensejo ao dever de indenizar, isso porque o Código Civil estabelece o dolo, a negligência, a imprudência ou imperícia do agente como geradoras de dano e imprescindíveis para a responsabilização.

A responsabilidade do agente pode defluir de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a responsabilidade do agente, e ainda de danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste. A responsabilidade por ato próprio se justifica no próprio princípio  informador da teoria da reparação, pois se alguém, por sua ação, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, é curial que deva reparar esse prejuízo. (RODRIGUES, 2002, p. 16) 

2.1.2.  Dano

O dano pode ser caracterizado como o prejuízo proveniente da conduta voluntária que resulte lesão a um bem ou direito de terceiro. Ele é elemento indispensável para acarretar a responsabilidade civil, pois sem ele não há o dever de reparar. “Poderíamos conceituar dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não -, causado por ação ou omissão do sujeito infrator” (GAGLIANO, 2012, p.83).

Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o evento danoso poderá dar ensejo a reparação moral ou material ou a imagem.[1]

O objetivo da responsabilidade civil é reparar o dano causado à vítima, restaurando o statu quo ante, ou, quando isso não for possível, realizar “uma compensação em forma de pagamento de uma indenização monetária” (GONÇALVES, 2012, p. 81).

O dano se classifica em patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral). O dano patrimonial está relacionado a diminuição de um bem de valor econômico. “É aquele suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado por reposição em dinheiro, denominador comum da indenização” (VENOSA, 2003, p. 36). O dano extrapatrimonial, por sua vez, relaciona-se aos direitos da personalidade (vida, integridade física ou psicológica), sendo capaz apenas de compensar a vítima, posto que não há como voltar ao estado anterior. É a “lesão a um interesse que visa à satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (...) ou nos atributos da pessoa” (DINIZ, 2003, p. 86).

2.1.3 Nexo de Causalidade

O nexo causal é a ligação entre a conduta lesiva do agente e o dano sofrido pela vítima.

“O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável.” (Venosa, 2003, p. 39)

Neste sentido, não basta apenas a presença do dano e da conduta do agente. É necessária que haja uma relação entre o comportamento e o dano, de forma que o ato omissivo ou comissivo seja considerado como causa do dano.

2.1.4. Culpa

A culpa na responsabilidade civil se caracteriza quando o agente, por imprudência, negligência, imperícia dá causa ao dano. A imprudência se destaca pela ausência de atenção no cumprimento de determinado ato. A negligência ocorre quando o sujeito não toma os devidos cuidados, agindo com desleixo. A imperícia, por sua vez, ocorre quando o agente, que deveria ser perito no assunto, não é dotado da aptidão necessária para a prática do ato.

Para Ghersi (1999), a culpa implica um juízo de reprovabilidade sobre a conduta de uma pessoa, tendo-se em conta a prudência e a diligência do atuar do sujeito, de forma que incorre em culpa quem não se conduz como se deveria.

A legislação brasileira, entretanto, admite, execpcionalmente, a responsabilidade civil sem que haja a presença de culpa.[2] Tem-se, portanto, duas formas de responsabilidade civil: a objetiva (sem aferição de culpa) e a subjetiva (com aferição de culpa).

A responsabilidade civil subjetiva tem por base a culpa do agente, que se conduziu de maneira que não deveria. Ela precisa ser comprovada pela vítima para que surja o dever de indenizar.

Essa espécie é dita subjetiva porque estratificada na convicção de que está presente, no caso concreto, a ligação psíquica do agente com o resultado danoso, de modo que este quer diretamente produzir o efeito que efetivamente veio a ser constatado ou no mínimo se porta de modo a aceitar como perfeitamente viável a ocorrência do evento a partir da conduta assumida (Matielo, 1998, p. 15).

A responsabilidade objetiva, por outro lado, abstrai a ideia de culpa para que se caracterize a responsabilidade, ou seja, basta a constatação do dano e do nexo de causalidade. Como bem explica Chacon (2009, p. 8):

Haverá responsabilidade civil objetiva quando a lei assim determinar (exemplo: art. 14 do CDC, art. 37 da CF, art. 933 do CC, etc) ou quando a atividade habitual do agente implicar risco para outrem (exemplo: atividades industriais de produção química, fábrica de explosivos, etc. (...) Pode-se afirmar que quando a lei determina expressamente que seja a responsabilidade objetiva aplicada em determinado caso o faz porque reconhece naquela circunstância a presença pontual do risco aos direitos de outrem ou o desequilíbrio entre as partes envolvidas, o que exige intervenção

Para esta teoria a culpa do agente será presumida ou desnecessária para caracterizar a responsabilidade civil, pois a responsabilidade é decorrente do risco criado pela atividade.


3. Excludentes da responsabilidade civil

De acordo com o artigo 393 do Código Civil, são causas de exclusão da responsabilidade: o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima e a cláusula de não indenizar.

No caso fortuito e na força maior não há ação ou omissão culposa por parte do agente. Trata-se de um evento imprevisível e incapaz de ser evitado por qualquer pessoa que se encontre na mesma situação.

A culpa da vítima ocorre nos casos em que o agente contribuiu de forma decisiva para o evento danoso.

Por fim, o contrato que contenha cláusula de não indenizar é aquele em que se estipula entre as partes, cláusula de que não haverá responsabilidade civil no caso de prejuízo a uma das partes contratantes.

Para ter validade, será imprescindível a bilateralidade do consentimento, de modo que será ineficaz declaração unilateral de vontade sem anuência da outra parte. A cláusula de não indenizar, isto é, a limitação convencional da responsabilidade não poderá eximir o dolo de estipulante e, além disso, ela só seria eficaz se correspondesse a uma vantagem paralela em benefício do outro contraente. (Diniz, 2003, p. 108)

Importante se faz ressaltar que a cláusula de não indenizar não terá valor quando se referir a direitos personalíssimos ou indisponíveis como a vida e a integridade física, pois se trata bens indisponíveis.


4. Da responsabilidade civil por erro médico

A responsabilidade civil por erro médico deriva da regra geral supramencionada. Todavia, há algumas peculiaridades que a cercam. Há uma relação de confiança firmada entre o médico e seu paciente, que “ implica de por si uma posición de poder y un cierto grado de influencia sobre lãs decisiones del paciente, que sin duda, impide la formacion de um critério independiente, tanto es así que el enfermo en realidade lo espera es la acción del profesional, a cuyas manos se confia” (WEINGARTEN, p. 46).

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Assim, primeiramente, é importante diferenciar a responsabilidade do médico e a responsabilidade do hospital. A responsabilidade do médico é tida como responsabilidade civil subjetiva, ou seja, o médico somente poderá ser responsabilizado quando for imprudente, negligente ou imperito. “La obrigacion del médico es de médios” (Ghersi, p. 28), e isso faz com que o profissional  não esteja, necessariamente, vinculado ao resultado da atividade.

A responsabilidade médica, por outro lado, é uma situação jurídica:

Na qual o esculápio assume uma obrigação de meio e não de resultado, compromissando-se a tratar do enfermo com desvelo ardente, atenção e diligência adequadas, a adverti-lo ou esclarecê-lo dos riscos da terapia ou da intervenção cirúrgica propostas e sobre a natureza de certos exames prescritos, pelo que se não conseguir curá-lo ou ele veio a falecer, isso não significa que deixou de cumprir o contrato” (GROCE, 2002, p.3).

Neste sentido, o paciente para ser ressarcido por um erro médico deverá provar que esse não agiu de acordo as regras de sua profissão e que o resultado lesivo foi fruto de sua ação ou de sua omissão.

Por sua vez, os hospitais, devido ao caráter de serviço público[3] da atividade de prestação de serviços (mesmo que delegados), respondem objetivamente pelos danos sofridos por seus pacientes. Isso significa que, uma vez demonstrado o nexo causal entre a conduta do agente e o dano, surge o dever de indenizar.[4]

Importante se faz observar que apesar de ser objetiva a sua responsabilidade, o hospital somente responderia por falhas em serviços a que lhe são atribuídos especificamente, tais como internação, instalações físicas, equipamentos, serviços auxiliares e exames. Esse entendimento é corroborado pela jurisprudência nacional:

“Apelação cível. Ação de indenização por danos morais. Cesariana. Queimadura em paciente causada por bisturi elétrico (cautério). Cerceamento de defesa inexistente. Código de defesa do consumidor. Má prestação do serviço. Responsabilidade objetiva da entidade hospitalar. Dever de indenizar configurado. Dano moral. Impossibilidade de redução do quantum fixado. Apelação cível conhecida a que se nega provimento. (TJPR - 9ª C. CÍVEL - 754875-2 - FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - REL.: DES. FRANCISCO LUIZ MACEDO JUNIOR - UNÂNIME - J. 07.07.2011)”


5. Conclusão

Através da análise sobre responsabilidade civil no Brasil, pode-se constatar que não é qualquer dissabor da vida que pode acarretar a responsabilização. É preciso que se verifique se a conduta é passível de ensejar o dano e a existência do nexo causal. Também não podem estar presentes as causas de exclusão da responsabilidade. Compreender esses elementos é fundamental para o estabelecimento de relações sociais e jurídicas com maior segurança.

Neste sentido, para se falar sobre responsabilidade civil por erro médico, o primeiro ponto que se faz ressalvar é que o hospital tem o dever de garantir a integridade física e mental do paciente, bem como dispor de recursos compatíveis com o objetivo da internação.  Todavia, é importante observar que, apesar de o hospital não ter uma obrigação de resultado, a sua prestação de serviços prescinde de cuidados conscienciosos e atentos, ou seja, o hospital tem a obrigação de preservar o enfermo contra todo e qualquer acidente.

Já com relação à responsabilidade civil dos médicos, estes só podem ser responsabilizados, caso fique constatado que agiram com dolo ou culpa, pois nesse caso a responsabilidade é subjetiva.

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Sobre a autora
Lívia Paula de Almeida Lamas

Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-Rio. Aluna Regular do Curso Intensivo de Doutorado na Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público. Advogada. Licenciada em Letras. Professora universitária.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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