Direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro

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29/10/2017 às 09:44
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Após lutas e movimentos operários, os trabalhadores tiveram reconhecidos Direitos Humanos os quais propiciam a proteção da sua dignidade humana.

1. BREVE EVOLUÇÃO

Os Direitos Humanos são frutos de uma evolução da própria sociedade, a busca pela limitação do poder político do Estado foi o marco determinante para a consideração da existência desses direitos.

Na Antiguidade, os Direitos Humanos foram considerados como limitações ao poder do Rei Hamurabi da Babilônia, este positivou em seu código, Código de Hamurabi, em 1690 a.C., direitos comuns a todas as pessoas, como o direito a vida, igualdade, dignidade, família e honra.1 O ensejo da previsão e positivação dos referidos direitos como forma de limitação ao poder adveio de forma espontânea pelo próprio rei, pois percebeu que cumprindo as regras desempenharia melhor suas funções.2

Conforme Alexandre de Moraes os direitos da liberdade e da propriedade, assim como a proteção aos direitos do cidadão consagraram-se na Lei das Doze Tábuas.3 Essa lei foi criada em Roma em 450 a. C., sendo de suma importância, pois estendeu os direitos nela consagrados aos plebeus.4

O Cristianismo inovou o pensamento até então existente sobre os Direitos Humanos, David Augusto Fernandes expõe: “O advento do cristianismo trouxe para os fundamentados do Direito uma contribuição inovadora, com a sua noção de homem fundada nos princípios da dignidade intrínseca do ser humano, da fraternidade humana e da igualdade essencial de todos por sua origem.”5

A Magna Carta de 1215 reconheceu os Direitos Humanos, entretanto eles foram marcados como direitos e liberdades garantidos principalmente a determinadas classes de poder: o clero e a nobreza. Os direitos conferidos a essas classes foram, entre outros, o direito de propriedade privada, o princípio do devido processo jurídico, o qual garantia o julgamento conforme os seus pares e a lei da terra, o direito à liberdade e à livre entrada e saída do país.6

No século XVII foram três os documentos ingleses importantes acerca dos Direitos Humanos: Petition of Rights, 1628, Habeas Corpus Amendment Act, 1679 e o Bill of Rights, 1689.

A Petition of Rights ou Petição de Direitos era um documento com a finalidade de impor a limitação do poder do rei Carlos I no que se referia à majoração dos tributos, às prisões e aos julgamentos.7 O Habeas Corpus Amendment Act ou Lei de Habeas-Corpus teve como limitação o poder dos soberanos católicos Stuart, configurando-se como uma garantia judicial ao direito de locomoção, protegendo as pessoas das prisões arbitrárias realizadas pelas autoridades.

O Bill of Rights ou Declarações de Direitos modificou a competência da criação de tributos e o poder de legislar, deslocando a competência do monarca ao Parlamento. Desta forma, houve a separação de poderes cuja função é a proteção dos direitos fundamentais. Esse documento reforçou garantias já concedidas, citando o direito de petição, vedação a penas cruéis e inusitadas, assim como reafirmar o júri.8

A Declaração de Direitos da Virgínia de 16 de junho de 1776 foi a primeira declaração na Idade Moderna sobre Direitos Humanos, conforme Fábio Konder Comparato: “[...] constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na História. É o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos.”9 Esta declaração reconheceu a titularidade do poder ao povo, a soberania popular, o direito à igualdade, a proteção da liberdade, a exemplo da liberdade de imprensa e de religião, entre outros direitos conferidos nos seus dezesseis parágrafos.10

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, foi um documento de enorme significância histórica, Comparato justifica: “[...] é o primeiro documento político que reconhece, a par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição social. [...].”11

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, consagrou normativamente os Direitos Humanos. Surgiu em decorrência da procura da igualdade e liberdade dos seres humanos na Revolução Francesa, baseados em ideais filósofos e iluministas, como Rousseau, Locke e Montesquieu.12 Alexandre de Morais alude previsões da Declaração: “[...] liberdade religiosa; inviolabilidade de domicílio; devido processo legal; julgamento pelo Tribunal de Júri; ampla defesa; impossibilidade de aplicação de penas cruéis e aberrantes.”13

As Constituições Mexicana, 1917, e Alemã, 1919, conferiram aos direitos trabalhista e previdenciário o status constitucional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, David Fernandes Augusto ressalta a sua importância: “A Declaração dá realce aos direitos fundamentais, na demonstração da dignidade dos direitos do homem e da mulher, com o fim de criar um clima de paz, harmonia e colaboração não só nos lares como em todos ambientes da interação humana.”14 Norberto Bobbio ressalta que: “A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro [...].”15

Ao longo dos séculos, criaram-se diversas Declarações, Pactos, Convenções, estas tanto globais como regionais sobre os Direitos Humanos. Dentre outros podemos citar: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, 1966, Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1968, Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, 1968, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, 1979, Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, 1984, Declaração de Viena, 1993.16

Portanto, os Direitos Humanos surgiram como fruto da junção de vários fatores, a partir das tradições das sociedades até a conjugação dos pensamentos filosóficos, jurídicos, ideias advindas do cristianismo e até com direito natural.


2. CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E IMPORTÂNCIA

2.1. Conceito

A conceituação dos Direitos Humanos ainda não é uniforme na doutrina brasileira. Existem várias denominações referentes aos Direitos Humanos, dentre outros podemos aludir: direitos naturais, direitos do homem, direitos humanos fundamentais, direitos individuais, direitos subjetivos públicos.17

João Baptista Herkenhoff definiu os direitos humanos como:

Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.18

Há doutrinadores, como Fábio Comparato, Ingo Wolfgang Sarlet, Marcelo Novelino, que defendem que os Direitos Humanos se diferenciam dos Direitos Fundamentais. Os Direitos Humanos estariam relacionados com os documentos internacionais e os direitos Fundamentais seriam os direitos reconhecidos e positivados no âmbito nacional, na esfera do direito constitucional e não do direito internacional.

Apesar da diferenciação feita entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais em relação à sua incidência, o conteúdo deles seria o mesmo, significa dizer que são direitos inerentes a toda e qualquer pessoa, decorrentes da dignidade da pessoa humana e que atuam como limitação as ações e omissões do Estado e nas relações dos próprios indivíduos, inclusive nas relações de trabalho.

2.2. Características

Os Direitos humanos são caracterizados principalmente pela universalidade, indivisibilidade, interdependência, irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade.

2.2.1. Universalidade

Os Direitos Humanos são inerentes a todos, o simples fato de ser pessoa já constitui o requisito para ter a sua titularidade, independentemente de religião, etnia, opção sexual e classe social pertencente.

Henkin nos esclarece a característica em questão:

Direitos Humanos são universais: eles pertencem a todos os seres humanos em toda sociedade humana. Eles não diferem geografia ou história, cultura ou ideologia, política ou sistema econômico ou estágio de desenvolvimento social. Chamá-los de humanos implica que todos os seres humanos têm esses direitos, igualmente e em igual medida em virtude da sua humanidade – sem discriminação de sexo, raça, idade; sem discriminação de bom ou mau nascimento, classe social, origem nacional, étnica ou filiação tribunal; sem discriminação de riqueza ou pobreza, ocupação, talento, mérito, religião, ideologia ou outro comprometimento.19

A Declaração Universal de 1948 ratificou essa característica no seu art. 1º ao afirmar que: “Todos os homens são livres e iguais em dignidade e direitos [...].”20 Essa característica só foi reconhecida após as atrocidades cometidas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, o qual houve a necessidade de proteção de tais direitos. Fábio Konder Comparato explana essa previsão da universalidade na citada Declaração: “[...] representou a manifestação histórica de que se formaram, enfim, em âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens [...].”21 Norberto Bobbio revela que com essa declaração foi possível, pela primeira vez, um sistema de valores ser universal de fato, pois a sua validade e a sua capacidade para reger a humanidade foi concedida pela maioria dos homens, em razão da sua aprovação por 48 Estados.22

Arion Romita nos informa que esses direitos são variáveis, a depender de cada sociedade, porém há o reconhecimento no mundo da existência de um mínimo de direitos conferidos a todas as pessoas.23 Existe uma corrente chamada de relativismo cultural a qual contesta a universalidade dos Direitos Humanos, não havendo direitos universais, defendendo o pluralismo cultural, pois cada povo teria uma ótica diferente acerca do que seriam os direitos fundamentais os quais dependeriam da sua cultura e da época para tal definição, a universalidade dos Direitos Humanos significaria a imposição da cultura ocidental pelo mundo, causando a extinção da diversidade cultural.24

Porém, na Declaração de Viena, 1993, na Primeira Parte, o art. 5o demonstra claramente as características dos Direitos Humanos, afirmando o seu caráter universal, adotando a teoria universalista. Na segunda parte desse artigo evidenciou-se que a diversidade cultural não pode servir de obstáculo para a proteção dos Direitos Humanos:

Art. 5º, Todos os Direitos do homem são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional tem de considerar globalmente os Direitos do homem, de forma justa e equitativa e com igual ênfase. Embora se devam ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas político, econômico e cultural, promover e proteger todos os Direitos do homem e liberdades fundamentais.25 (grifos nossos)

Então, apesar de não existir uma unanimidade a respeito da característica da universalidade, entende-se a maioria dos doutrinadores, inclusive as declarações, como a Declaração de Viena, a universalidade dos Direitos Humanos.

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2.2.2. Indivisibilidade e interdependência

Flávia Piovesan avalia que a Declaração Universal de 1948 também afirmou a característica da indivisibilidade dos Direitos Humanos, já que ela considerou a integralidade dos direitos, e a violação de um direito, quer civil, político, social, econômico ou cultural, acarreta a violação dos demais, logo a garantia de um tipo de direito é condição para a observância dos outros.26

A indivisibilidade dos Direitos Humanos só foi explicitamente referida na Proclamação de Teerã, em 13 de maio de 1968, porém ela não definiu nem justificou essa indivisibilidade.27 Propõe o parágrafo 13 da Proclamação de Teerã: “[...] Sendo os direitos humanos e as liberdades fundamentais indivisíveis, a plena realização dos direitos políticos e civis é impossível sem o gozo de direitos econômicos, sociais e culturais.”28

O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos na Área de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1988, conhecido como Protocolo de San Salvador conceituou a indivisibilidade prontamente no seu preâmbulo, servindo como parâmetro a dignidade da pessoa humana, significando que essa característica ratifica a noção que a indivisibilidade possibilita a plena realização desses direitos e serve como meio de impedir que os Estados, principalmente asiáticos, condicionem o reconhecimento de tais direitos a troca de outras compensações.29

Considerando a estreita relação que existe entre a vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais e a dos direitos civis e políticos, porquanto as diferentes categorias de direito constituem um todo indissolúvel que encontra sua base no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, pelo qual exigem uma tutela e promoção permanente, com o objetivo de conseguir sua vigência plena, sem que jamais possa justificar se a violação de uns a pretexto da realização de outros.30 (grifos nossos)

A dignidade humana é indivisível, a partir da indivisibilidade e interdependência procura-se promovê-la e garanti-la, porquanto a sua aplicação plena só ocorre se houver a observância de todos os direitos conjuntamente. A dignidade humana, portanto, é o norte para todos os Direitos Humanos existentes.

Arion Romita afirma que: “[...] mesmo as liberdades negativas de matriz liberal só adquirem eficácia máxima quando concorrem os direitos econômicos, sociais e culturais.”31 Rúbia Alvarenga complementa narrando que a indivisibilidade e interdependência impõem uma restrição ao Estado no sentido de não poder limitar os Direitos Humanos, assim como não poder interpretar esses direitos concebidos internacionalmente de forma a restringi-los.32

A indivisibilidade também se refere a direitos de terceira e quarta dimensões, significa que a indivisibilidade além de abranger os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, abrange também o direito ao desenvolvimento, à paz, à democracia, à informação, entre outros.

2.2.3. Irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade

Os Direitos Humanos são irrenunciáveis, inalienáveis e imprescritíveis. Afirmar que os Direitos Humanos são irrenunciáveis, significa que tais direitos não podem sofrer a denominada renúncia, isto é, os titulares não podem desistir de tais direitos em decorrência deles serem essenciais a todas as pessoas, eles se configuram como direitos personalíssimos.

Da mesma maneira, os Direitos Humanos são inalienáveis, não é possível transferi-los por meio de título gratuito ou oneroso.33 Por não terem cunho patrimonial, não é possível dispor de tais direitos.

Luigi Ferrajoli assevera que:

[...] a inalienabilidade fundamenta-se no fato de que os direitos fundamentais são normativamente direitos de todos os membros de uma coletividade, por isso não são alienáveis ou negociáveis, já que correspondem a prerrogativas não contingentes e inalteráveis de seus titulares e a outros tantos limites e vínculos inarredáveis para todos os poderes, tanto públicos como privados.34

A imprescritibilidade também é uma das características dos Direitos Humanos, isto é, a não utilização de algum direito não impõe a sua perda, esses direitos são intrínsecos ao ser humano, desta forma, perduram ao longo de sua vida, desde o seu nascimento até a sua morte, uma vez que são direitos extrapatrimoniais.

A prescrição é a perda da pretensão punitiva em decorrência do decurso do tempo, ou seja, é a impossibilidade de ajuizar uma ação judicial para que o juiz condene aquele que violou ou ameaçou a lesar o seu direito. Esse instituto atinge a provável indenização que se obteria em um processo de conhecimento para reparar dano ou ameaça de dano a algum direito, haja vista a indenização possuir cunho patrimonial.

2.3. Importância

Após a análise da evolução e as características dos Direitos Humanos é possível demonstrar o seu imenso valor.

Os Direitos Humanos, como posiciona Flávia Piovesan são fundamentais para a democracia: “Não há direitos humanos sem democracia, nem tampouco democracia sem direitos humanos. Vale dizer, o regime mais compatível com a proteção dos direitos humanos é o regime democrático.”35

Neste sentido, Norberto Bobbio:

[...] O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas modernas. A paz, por sua vez, é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional. [...] Direitos do homem, democracia e paz são momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo.36 (grifos nossos)

Os Direitos Humanos são de imensurável importância para todas as pessoas independentemente de etnia, sexo, opção sexual ou nível econômico-social. Eles incidem amplamente em todas as relações que surgem em uma sociedade, seja nas relações entre o indivíduo e o Estado, seja nas relações entre os próprios indivíduos. O reconhecimento de tais direitos em um Estado, principalmente nos Estados Democráticos de Direito, objetiva a limitação dos governantes, possibilitando aos cidadãos o desempenho de suas atividades harmonicamente, respeitando a própria dignidade da pessoa humana.

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