Direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro

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29/10/2017 às 09:44
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Após lutas e movimentos operários, os trabalhadores tiveram reconhecidos Direitos Humanos os quais propiciam a proteção da sua dignidade humana.

1.1 BREVE EVOLUÇÃO

              Os Direitos Humanos são frutos de uma evolução da própria sociedade, a busca pela limitação do poder político do Estado foi o marco determinante para a consideração da existência desses direitos.

              Na Antiguidade, os Direitos Humanos foram considerados como limitações ao poder do Rei Hamurabi da Babilônia, este positivou em seu código, Código de Hamurabi, em 1690 a.C., direitos comuns a todas as pessoas, como o direito a vida, igualdade, dignidade, família e honra.[1] O ensejo da previsão e positivação dos referidos direitos como forma de limitação ao poder adveio de forma espontânea pelo próprio rei, pois percebeu que cumprindo as regras desempenharia melhor suas funções.[2]

              Conforme Alexandre de Moraes os direitos da liberdade e da propriedade, assim como a proteção aos direitos do cidadão consagraram-se na Lei das Doze Tábuas.[3] Essa lei foi criada em Roma em 450 a. C., sendo de suma importância, pois estendeu os direitos nela consagrados aos plebeus.[4]

              O Cristianismo inovou o pensamento até então existente sobre os Direitos Humanos, David Augusto Fernandes expõe: “O advento do cristianismo trouxe para os fundamentados do Direito uma contribuição inovadora, com a sua noção de homem fundada nos princípios da dignidade intrínseca do ser humano, da fraternidade humana e da igualdade essencial de todos por sua origem.”[5]

              A Magna Carta de 1215 reconheceu os Direitos Humanos, entretanto eles foram marcados como direitos e liberdades garantidos principalmente a determinadas classes de poder: o clero e a nobreza.  Os direitos conferidos a essas classes foram, entre outros, o direito de propriedade privada, o princípio do devido processo jurídico, o qual garantia o julgamento conforme os seus pares e a lei da terra, o direito à liberdade e à livre entrada e saída do país.[6]    

              No século XVII foram três os documentos ingleses importantes acerca dos Direitos Humanos: Petition of Rights, 1628, Habeas Corpus Amendment Act, 1679 e o Bill of Rights, 1689.

              A Petition of Rights ou Petição de Direitos era um documento com a finalidade de impor a limitação do poder do rei Carlos I no que se referia à majoração dos tributos, às prisões e aos julgamentos.[7] O Habeas Corpus Amendment Act ou Lei de Habeas-Corpus teve como limitação o poder dos soberanos católicos Stuart, configurando-se como uma garantia judicial ao direito de locomoção, protegendo as pessoas das prisões arbitrárias realizadas pelas autoridades.

              O Bill of Rights ou Declarações de Direitos modificou a competência da criação de tributos e o poder de legislar, deslocando a competência do monarca ao Parlamento. Desta forma, houve a separação de poderes cuja função é a proteção dos direitos fundamentais. Esse documento reforçou garantias já concedidas, citando o direito de petição, vedação a penas cruéis e inusitadas, assim como reafirmar o júri.[8]

              A Declaração de Direitos da Virgínia de 16 de junho de 1776 foi a primeira declaração na Idade Moderna sobre Direitos Humanos, conforme Fábio Konder Comparato: “[...] constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na História. É o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos.”[9] Esta declaração reconheceu a titularidade do poder ao povo, a soberania popular, o direito à igualdade, a proteção da liberdade, a exemplo da liberdade de imprensa e de religião, entre outros direitos conferidos nos seus dezesseis parágrafos.[10]

                   A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, foi um documento de enorme significância histórica, Comparato justifica: “[...] é o primeiro documento político que reconhece, a par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição social. [...].”[11]

              A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, consagrou normativamente os Direitos Humanos. Surgiu em decorrência da procura da igualdade e liberdade dos seres humanos na Revolução Francesa, baseados em ideais filósofos e iluministas, como Rousseau, Locke e Montesquieu.[12] Alexandre de Morais alude previsões da Declaração: “[...] liberdade religiosa; inviolabilidade de domicílio; devido processo legal; julgamento pelo Tribunal de Júri; ampla defesa; impossibilidade de aplicação de penas cruéis e aberrantes.”[13]

              As Constituições Mexicana, 1917, e Alemã, 1919, conferiram aos direitos trabalhista e previdenciário o status constitucional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, David Fernandes Augusto ressalta a sua importância: “A Declaração dá realce aos direitos fundamentais, na demonstração da dignidade dos direitos do homem e da mulher, com o fim de criar um clima de paz, harmonia e colaboração não só nos lares como em todos ambientes da interação humana.”[14] Norberto Bobbio ressalta que: “A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro [...].”[15]

              Ao longo dos séculos, criaram-se diversas Declarações, Pactos, Convenções, estas tanto globais como regionais sobre os Direitos Humanos. Dentre outros podemos citar: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, 1966, Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1968, Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, 1968, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, 1979, Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, 1984, Declaração de Viena, 1993.[16]

              Portanto, os Direitos Humanos surgiram como fruto da junção de vários fatores, a partir das tradições das sociedades até a conjugação dos pensamentos filosóficos, jurídicos, ideias advindas do cristianismo e até com direito natural.

1.2 CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E IMPORTÂNCIA

1.2.1 Conceito

            A conceituação dos Direitos Humanos ainda não é uniforme na doutrina brasileira. Existem várias denominações referentes aos Direitos Humanos, dentre outros podemos aludir: direitos naturais, direitos do homem, direitos humanos fundamentais, direitos individuais, direitos subjetivos públicos.[17]

João Baptista Herkenhoff definiu os direitos humanos como:

Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.[18]

Há doutrinadores, como Fábio Comparato, Ingo Wolfgang Sarlet, Marcelo Novelino, que defendem que os Direitos Humanos se diferenciam dos Direitos Fundamentais. Os Direitos Humanos estariam relacionados com os documentos internacionais e os direitos Fundamentais seriam os direitos reconhecidos e positivados no âmbito nacional, na esfera do direito constitucional e não do direito internacional.

            Apesar da diferenciação feita entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais em relação à sua incidência, o conteúdo deles seria o mesmo, significa dizer que são direitos inerentes a toda e qualquer pessoa, decorrentes da dignidade da pessoa humana e que atuam como limitação as ações e omissões do Estado e nas relações dos próprios indivíduos, inclusive nas relações de trabalho.  

1.2.2 Características

              Os Direitos humanos são caracterizados principalmente pela universalidade, indivisibilidade, interdependência, irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. 

1.2.2.1          Universalidade

              Os Direitos Humanos são inerentes a todos, o simples fato de ser pessoa já constitui o requisito para ter a sua titularidade, independentemente de religião, etnia, opção sexual e classe social pertencente.

              Henkin nos esclarece a característica em questão:

Direitos Humanos são universais: eles pertencem a todos os seres humanos em toda sociedade humana. Eles não diferem geografia ou história, cultura ou ideologia, política ou sistema econômico ou estágio de desenvolvimento social. Chamá-los de humanos implica que todos os seres humanos têm esses direitos, igualmente e em igual medida em virtude da sua humanidade – sem discriminação de sexo, raça, idade; sem discriminação de bom ou mau nascimento, classe social, origem nacional, étnica ou filiação tribunal; sem discriminação de riqueza ou pobreza, ocupação, talento, mérito, religião, ideologia ou outro comprometimento.[19]

              A Declaração Universal de 1948 ratificou essa característica no seu art. 1º ao afirmar que: “Todos os homens são livres e iguais em dignidade e direitos [...].”[20] Essa característica só foi reconhecida após as atrocidades cometidas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, o qual houve a necessidade de proteção de tais direitos. Fábio Konder Comparato explana essa previsão da universalidade na citada Declaração: “[...] representou a manifestação histórica de que se formaram, enfim, em âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens [...].”[21] Norberto Bobbio revela que com essa declaração foi possível, pela primeira vez, um sistema de valores ser universal de fato, pois a sua validade e a sua capacidade para reger a humanidade foi concedida pela maioria dos homens, em razão da sua aprovação por 48 Estados.[22]   

              Arion Romita nos informa que esses direitos são variáveis, a depender de cada sociedade, porém há o reconhecimento no mundo da existência de um mínimo de direitos conferidos a todas as pessoas.[23] Existe uma corrente chamada de relativismo cultural a qual contesta a universalidade dos Direitos Humanos, não havendo direitos universais, defendendo o pluralismo cultural, pois cada povo teria uma ótica diferente acerca do que seriam os direitos fundamentais os quais dependeriam da sua cultura e da época para tal definição, a universalidade dos Direitos Humanos significaria a imposição da cultura ocidental pelo mundo, causando a extinção da diversidade cultural.[24] 

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              Porém, na Declaração de Viena, 1993, na Primeira Parte, o art. 5o demonstra claramente as características dos Direitos Humanos, afirmando o seu caráter universal, adotando a teoria universalista. Na segunda parte desse artigo evidenciou-se que a diversidade cultural não pode servir de obstáculo para a proteção dos Direitos Humanos:

Art. 5º, Todos os Direitos do homem são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional tem de considerar globalmente os Direitos do homem, de forma justa e equitativa e com igual ênfase. Embora se devam ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas político, econômico e cultural, promover e proteger todos os Direitos do homem e liberdades fundamentais.[25] (grifos nossos)

             

              Então, apesar de não existir uma unanimidade a respeito da característica da universalidade, entende-se a maioria dos doutrinadores, inclusive as declarações, como a Declaração de Viena, a universalidade dos Direitos Humanos.

1.2.2.2 Indivisibilidade e interdependência

              Flávia Piovesan avalia que a Declaração Universal de 1948 também afirmou a característica da indivisibilidade dos Direitos Humanos, já que ela considerou a integralidade dos direitos, e a violação de um direito, quer civil, político, social, econômico ou cultural, acarreta a violação dos demais, logo a garantia de um tipo de direito é condição para a observância dos outros.[26]

              A indivisibilidade dos Direitos Humanos só foi explicitamente referida na Proclamação de Teerã, em 13 de maio de 1968, porém ela não definiu nem justificou essa indivisibilidade.[27] Propõe o parágrafo 13 da Proclamação de Teerã: “[...] Sendo os direitos humanos e as liberdades fundamentais indivisíveis, a plena realização dos direitos políticos e civis é impossível sem o gozo de direitos econômicos, sociais e culturais.”[28]

              O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos na Área de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1988, conhecido como Protocolo de San Salvador conceituou a indivisibilidade prontamente no seu preâmbulo, servindo como parâmetro a dignidade da pessoa humana, significando que essa característica ratifica a noção que a indivisibilidade possibilita a plena realização desses direitos e serve como meio de impedir que os Estados, principalmente asiáticos, condicionem o reconhecimento de tais direitos a troca de outras compensações.[29]  

Considerando a estreita relação que existe entre a vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais e a dos direitos civis e políticos, porquanto as diferentes categorias de direito constituem um todo indissolúvel que encontra sua base no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, pelo qual exigem uma tutela e promoção permanente, com o objetivo de conseguir sua vigência plena, sem que jamais possa justificar se a violação de uns a pretexto da realização de outros.[30] (grifos nossos)

              A dignidade humana é indivisível, a partir da indivisibilidade e interdependência procura-se promovê-la e garanti-la, porquanto a sua aplicação plena só ocorre se houver a observância de todos os direitos conjuntamente. A dignidade humana, portanto, é o norte para todos os Direitos Humanos existentes.

              Arion Romita afirma que: “[...] mesmo as liberdades negativas de matriz liberal só adquirem eficácia máxima quando concorrem os direitos econômicos, sociais e culturais.”[31] Rúbia Alvarenga complementa narrando que a indivisibilidade e interdependência impõem uma restrição ao Estado no sentido de não poder limitar os Direitos Humanos, assim como não poder interpretar esses direitos concebidos internacionalmente de forma a restringi-los.[32]

A indivisibilidade também se refere a direitos de terceira e quarta dimensões, significa que a indivisibilidade além de abranger os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, abrange também o direito ao desenvolvimento, à paz, à democracia, à informação, entre outros.

1.2.2.3 Irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade

              Os Direitos Humanos são irrenunciáveis, inalienáveis e imprescritíveis. Afirmar que os Direitos Humanos são irrenunciáveis, significa que tais direitos não podem sofrer a denominada renúncia, isto é, os titulares não podem desistir de tais direitos em decorrência deles serem essenciais a todas as pessoas, eles se configuram como direitos personalíssimos.

              Da mesma maneira, os Direitos Humanos são inalienáveis, não é possível transferi-los por meio de título gratuito ou oneroso.[33] Por não terem cunho patrimonial, não é possível dispor de tais direitos.

              Luigi Ferrajoli assevera que:

[...] a inalienabilidade fundamenta-se no fato de que os direitos fundamentais são normativamente direitos de todos os membros de uma coletividade, por isso não são alienáveis ou negociáveis, já que correspondem a prerrogativas não contingentes e inalteráveis de seus titulares e a outros tantos limites e vínculos inarredáveis para todos os poderes, tanto públicos como privados.[34]

              A imprescritibilidade também é uma das características dos Direitos Humanos, isto é, a não utilização de algum direito não impõe a sua perda, esses direitos são intrínsecos ao ser humano, desta forma, perduram ao longo de sua vida, desde o seu nascimento até a sua morte, uma vez que são direitos extrapatrimoniais.

              A prescrição é a perda da pretensão punitiva em decorrência do decurso do tempo, ou seja, é a impossibilidade de ajuizar uma ação judicial para que o juiz condene aquele que violou ou ameaçou a lesar o seu direito. Esse instituto atinge a provável indenização que se obteria em um processo de conhecimento para reparar dano ou ameaça de dano a algum direito, haja vista a indenização possuir cunho patrimonial.

1.2.3 Importância

 

              Após a análise da evolução e as características dos Direitos Humanos é possível demonstrar o seu imenso valor.

              Os Direitos Humanos, como posiciona Flávia Piovesan são fundamentais para a democracia: “Não há direitos humanos sem democracia, nem tampouco democracia sem direitos humanos. Vale dizer, o regime mais compatível com a proteção dos direitos humanos é o regime democrático.”[35]

              Neste sentido, Norberto Bobbio:

[...] O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas modernas. A paz, por sua vez, é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional. [...] Direitos do homem, democracia e paz são momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo.[36] (grifos nossos)

Os Direitos Humanos são de imensurável importância para todas as pessoas independentemente de etnia, sexo, opção sexual ou nível econômico-social. Eles incidem amplamente em todas as relações que surgem em uma sociedade, seja nas relações entre o indivíduo e o Estado, seja nas relações entre os próprios indivíduos. O reconhecimento de tais direitos em um Estado, principalmente nos Estados Democráticos de Direito, objetiva a limitação dos governantes, possibilitando aos cidadãos o desempenho de suas atividades harmonicamente, respeitando a própria dignidade da pessoa humana.

1.3 ESPÉCIES

           Os Direitos Humanos são considerados direitos históricos. Assegura Norberto Bobbio com propriedade:

[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.[37]

            Desta forma, os Direitos Humanos possuem diversas espécies de direitos, podendo ser divididos em gerações, denominados pela primeira vez por Karel Vasak, 1979,[38] ou dimensões, como prefere chamar a maioria dos constitucionalistas como Paulo Bonavides,[39] Antônio Augusto Cançado Trindade,[40] ou famílias/ naipes, como emprega Arion Romita.[41]

            Bobbio dividiu os Direitos Humanos em quatro gerações, Paulo Bonavides em cinco dimensões, este divergindo na terceira geração com Bobbio. Arion Romita os dividem em seis famílias. Apesar de Bobbio ter utilizado em sua obra a expressão “gerações”, não será está a nomenclatura utilizada, haja vista não ser a melhor para explanar a evolução dos Direitos Humanos. Antônio Augusto Cançado Trindade faz duas críticas relacionadas ao termo “gerações”:

Então, a expressão “gerações é falaciosa, porque não corresponde ao descompasso, que se pode comprovar; entre o direito interno e o direito internacional em matéria de direitos humanos. [...] Segundo, é uma construção perigosa, porque faz analogia com o conceito de gerações. O referido conceito se refere praticamente a gerações de seres humanos que se sucedem no tempo. Desaparece uma geração, vem outra geração e assim sucessivamente. Na minha concepção, quando surge um novo direito, os direitos anteriores não desaparecem. Há um processo de cumulação e de expansão do corpus juris dos direitos humanos. Os direitos se ampliam, e os novos direitos enriquecem os direitos anteriores.[42]

Far-se-á o emprego da expressão “dimensões”, pois não gera a ideia de sucessão de direitos, mas, transmite o pensamento de que o direito de uma dimensão anterior permanece na próxima dimensão, apenas com significado e função diferente, em razão da nova perspectiva da dimensão reconhecida.

            Diante do extenso rol de Direitos Humanos reconhecidos e consagrados ao longo dos séculos serão abordadas as três primeiras dimensões, cujos direitos coincidem com o lema da Revolução Francesa, de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade.

1.3.1 Direitos Humanos de Primeira Dimensão

              Os Direitos Humanos de primeira dimensão aludem ao valor liberdade. Bobbio afirma que no início da Era Moderna houve a luta pela concessão de garantias de liberdades fundamentais frentes às opressões do Estado, como a concessão de liberdade religiosa, a partir de guerras de religião; as liberdades civis com o parlamento combatendo o monarca e as liberdades políticas.[43] Por meio das revoluções liberais advindas nos séculos XVII e XVIII, a exemplo das Revoluções Americana e Francesa, apresentando como norte o liberalismo político (limitação do Estado pelo direito) e o individualismo jurídico exigiam do Estado principalmente uma abstenção, ou seja, a não interferência do poder estatal nas relações privadas.[44] 

              Os direitos civis correspondem aos direitos individuais, como o direito a vida, liberdade e propriedade. Os direitos políticos são direitos relacionados à vida política do Estado, isto é, direito de votar e de ser votado, porém, eles não possuíam a mesma amplitude que possuem hodiernamente, pois eram direitos restritos a determinada classe econômica, só teria a capacidade ativa (votar) e ser capacidade passiva (ser votado) quem tivesse certa quantia de bens, as mulheres e os analfabetos não eram titulares desses direitos.

              Arion Romita ilustra em outra ótica os direitos de primeira geração:

[...] os direitos fundamentais do primeiro naipe podem ser classificados em: direitos pessoais (vinculados à autonomia, à liberdade e a à segurança da pessoa) e direitos políticos (ajustados à ideia de participação). Os primeiros são os direitos voltados à proteção da expansão da personalidade sem interferência do Estado. Os outros são os direitos da pessoa em face do Estado ou no Estado, vale dizer, direitos de tomar parte na vida pública e na vida política, correspondentes ao status activae civitatis de Jellinek.[45]

             

              Os direitos civis e políticos são basicamente individuais, porquanto são direitos oponíveis somente ao Estado, pretendia-se uma abstenção apenas das autoridades estatais, logo, são direitos de resistência ou oposição.

              Fernando Barcellos de Almeida posiciona que esses direitos foram universalizados pela Revolução Francesa, atualmente eles estão reconhecidos no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966, cuja aprovação foi feita pela XXI Assembleia Geral da ONU, enfatizando que tal pacto entrou em vigor em 23 de março de 1976.[46]

1.3.2 Direitos Humanos de Segunda Dimensão

              A segunda dimensão dos Direitos Humanos direciona-se ao valor igualdade. Os direitos reconhecidos por essa família são chamados de direitos sociais, econômicos e culturais.[47] São direitos que exigem do Estado não apenas a sua omissão, mas a sua atuação nas relações sociais, econômicas e culturais, assim como traduzem a ideia de igualdade material ou substancial, como corrobora Rúbia Alvarenga:

Os direitos de segunda geração são aqueles que cobram atitudes positivas do Estado para promover a igualdade entre as categorias sociais desiguais. Não se referem à mera igualdade formal de todos ante a lei, mas à igualdade material e real de oportunidades, protegendo juridicamente os hipossuficientes nas relações sociais de trabalho e os padrões mínimos de uma sociedade igualitária. Esses direitos incidiram sobre a relação de trabalho assalariado para proteger a classe operária contra a espoliação patronal e a desigualdade social desencadeada pelos abusos do capitalismo desenfreado.[48]

              O ensejo à mudança de status negativo para o positivo exigida pela sociedade frente ao Estado decorreu da ampla desigualdade provocada pela Revolução Industrial do século XIX. Essa dimensão, como explana Bonavides foi dominada pelo século XX.[49]

              Os direitos sociais são definidos por Arion Romita: “São chamados direitos sociais, porque não assistem ao indivíduo como tal, considerado abstratamente, mas sim à pessoa em sua vida de relação do grupo em que convive, ao indivíduo considerado em concreto.”[50] O Estado deveria agir na saúde, na educação, no trabalho, na assistência social.[51]

              A Declaração Universal dos Direitos Humanos previu os direitos sociais, econômicos e culturais no seu art. 22:

Artigo XXII

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.[52]

              Os direitos de segunda dimensão estão previstos no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966. Bonavides nos cientifica que tais direitos foram proclamados nas Declarações marxistas, na Constituição de Weimar, 1919, com o constitucionalismo socialdemocracia, após a Segunda Guerra Mundial tais direitos foram introduzidos em todas as Constituições.[53]

1.3.3 Direitos Humanos de Terceira Dimensão

 

              Os Direitos Humanos de terceira dimensão relacionam-se ao valor fraternidade ou solidariedade, em decorrência da Segunda Guerra Mundial, 1945, a humanidade buscou a solidariedade de todas as pessoas.

              Ao final Segunda Grande Guerra restou a sociedade mundial a necessidade da internacionalização dos Direitos Humanos, em decorrência das barbaridades cometidas pelos nazistas, pois não bastaria a proteção de tais direitos apenas no âmbito nacional, mas internacionalmente.[54] Esta dimensão de direitos abrange o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, à comunicação, previstos na Declaração Universal das Nações Unidas, 1948 e nas demais convenções internacionais do séc. XX.

              Bonavides pertinentemente trata do tema, quando diz:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreto. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.[55]

            A solidariedade, como assevera Arion Romita: “Assume a feição de um dever assumido pelos indivíduos que tomam consciência de suas obrigações recíprocas como membros do mesmo grupo, a ser observado por todo homem diante de seus semelhantes.”[56] Em relação à fraternidade, os revolucionários franceses entenderam que o seu escopo era unir as pessoas, rompendo as diferenças entre elas.[57]

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