Direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro

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3. ESPÉCIES

Os Direitos Humanos são considerados direitos históricos. Assegura Norberto Bobbio com propriedade:

[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.37

Desta forma, os Direitos Humanos possuem diversas espécies de direitos, podendo ser divididos em gerações, denominados pela primeira vez por Karel Vasak, 1979,38 ou dimensões, como prefere chamar a maioria dos constitucionalistas como Paulo Bonavides,39 Antônio Augusto Cançado Trindade,40 ou famílias/ naipes, como emprega Arion Romita.41

Bobbio dividiu os Direitos Humanos em quatro gerações, Paulo Bonavides em cinco dimensões, este divergindo na terceira geração com Bobbio. Arion Romita os dividem em seis famílias. Apesar de Bobbio ter utilizado em sua obra a expressão “gerações”, não será está a nomenclatura utilizada, haja vista não ser a melhor para explanar a evolução dos Direitos Humanos. Antônio Augusto Cançado Trindade faz duas críticas relacionadas ao termo “gerações”:

Então, a expressão “gerações é falaciosa, porque não corresponde ao descompasso, que se pode comprovar; entre o direito interno e o direito internacional em matéria de direitos humanos. [...] Segundo, é uma construção perigosa, porque faz analogia com o conceito de gerações. O referido conceito se refere praticamente a gerações de seres humanos que se sucedem no tempo. Desaparece uma geração, vem outra geração e assim sucessivamente. Na minha concepção, quando surge um novo direito, os direitos anteriores não desaparecem. Há um processo de cumulação e de expansão do corpus juris dos direitos humanos. Os direitos se ampliam, e os novos direitos enriquecem os direitos anteriores.42

Far-se-á o emprego da expressão “dimensões”, pois não gera a ideia de sucessão de direitos, mas, transmite o pensamento de que o direito de uma dimensão anterior permanece na próxima dimensão, apenas com significado e função diferente, em razão da nova perspectiva da dimensão reconhecida.

Diante do extenso rol de Direitos Humanos reconhecidos e consagrados ao longo dos séculos serão abordadas as três primeiras dimensões, cujos direitos coincidem com o lema da Revolução Francesa, de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade.

3.1. Direitos Humanos de Primeira Dimensão

Os Direitos Humanos de primeira dimensão aludem ao valor liberdade. Bobbio afirma que no início da Era Moderna houve a luta pela concessão de garantias de liberdades fundamentais frentes às opressões do Estado, como a concessão de liberdade religiosa, a partir de guerras de religião; as liberdades civis com o parlamento combatendo o monarca e as liberdades políticas.43 Por meio das revoluções liberais advindas nos séculos XVII e XVIII, a exemplo das Revoluções Americana e Francesa, apresentando como norte o liberalismo político (limitação do Estado pelo direito) e o individualismo jurídico exigiam do Estado principalmente uma abstenção, ou seja, a não interferência do poder estatal nas relações privadas.44

Os direitos civis correspondem aos direitos individuais, como o direito a vida, liberdade e propriedade. Os direitos políticos são direitos relacionados à vida política do Estado, isto é, direito de votar e de ser votado, porém, eles não possuíam a mesma amplitude que possuem hodiernamente, pois eram direitos restritos a determinada classe econômica, só teria a capacidade ativa (votar) e ser capacidade passiva (ser votado) quem tivesse certa quantia de bens, as mulheres e os analfabetos não eram titulares desses direitos.

Arion Romita ilustra em outra ótica os direitos de primeira geração:

[...] os direitos fundamentais do primeiro naipe podem ser classificados em: direitos pessoais (vinculados à autonomia, à liberdade e a à segurança da pessoa) e direitos políticos (ajustados à ideia de participação). Os primeiros são os direitos voltados à proteção da expansão da personalidade sem interferência do Estado. Os outros são os direitos da pessoa em face do Estado ou no Estado, vale dizer, direitos de tomar parte na vida pública e na vida política, correspondentes ao status activae civitatis de Jellinek.45

Os direitos civis e políticos são basicamente individuais, porquanto são direitos oponíveis somente ao Estado, pretendia-se uma abstenção apenas das autoridades estatais, logo, são direitos de resistência ou oposição.

Fernando Barcellos de Almeida posiciona que esses direitos foram universalizados pela Revolução Francesa, atualmente eles estão reconhecidos no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966, cuja aprovação foi feita pela XXI Assembleia Geral da ONU, enfatizando que tal pacto entrou em vigor em 23 de março de 1976.46

3.2. Direitos Humanos de Segunda Dimensão

A segunda dimensão dos Direitos Humanos direciona-se ao valor igualdade. Os direitos reconhecidos por essa família são chamados de direitos sociais, econômicos e culturais.47 São direitos que exigem do Estado não apenas a sua omissão, mas a sua atuação nas relações sociais, econômicas e culturais, assim como traduzem a ideia de igualdade material ou substancial, como corrobora Rúbia Alvarenga:

Os direitos de segunda geração são aqueles que cobram atitudes positivas do Estado para promover a igualdade entre as categorias sociais desiguais. Não se referem à mera igualdade formal de todos ante a lei, mas à igualdade material e real de oportunidades, protegendo juridicamente os hipossuficientes nas relações sociais de trabalho e os padrões mínimos de uma sociedade igualitária. Esses direitos incidiram sobre a relação de trabalho assalariado para proteger a classe operária contra a espoliação patronal e a desigualdade social desencadeada pelos abusos do capitalismo desenfreado.48

O ensejo à mudança de status negativo para o positivo exigida pela sociedade frente ao Estado decorreu da ampla desigualdade provocada pela Revolução Industrial do século XIX. Essa dimensão, como explana Bonavides foi dominada pelo século XX.49

Os direitos sociais são definidos por Arion Romita: “São chamados direitos sociais, porque não assistem ao indivíduo como tal, considerado abstratamente, mas sim à pessoa em sua vida de relação do grupo em que convive, ao indivíduo considerado em concreto.”50 O Estado deveria agir na saúde, na educação, no trabalho, na assistência social.51

A Declaração Universal dos Direitos Humanos previu os direitos sociais, econômicos e culturais no seu art. 22:

Artigo XXII

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.52

Os direitos de segunda dimensão estão previstos no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966. Bonavides nos cientifica que tais direitos foram proclamados nas Declarações marxistas, na Constituição de Weimar, 1919, com o constitucionalismo socialdemocracia, após a Segunda Guerra Mundial tais direitos foram introduzidos em todas as Constituições.53

3.3. Direitos Humanos de Terceira Dimensão

Os Direitos Humanos de terceira dimensão relacionam-se ao valor fraternidade ou solidariedade, em decorrência da Segunda Guerra Mundial, 1945, a humanidade buscou a solidariedade de todas as pessoas.

Ao final Segunda Grande Guerra restou a sociedade mundial a necessidade da internacionalização dos Direitos Humanos, em decorrência das barbaridades cometidas pelos nazistas, pois não bastaria a proteção de tais direitos apenas no âmbito nacional, mas internacionalmente.54 Esta dimensão de direitos abrange o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, à comunicação, previstos na Declaração Universal das Nações Unidas, 1948 e nas demais convenções internacionais do séc. XX.

Bonavides pertinentemente trata do tema, quando diz:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreto. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.55

A solidariedade, como assevera Arion Romita: “Assume a feição de um dever assumido pelos indivíduos que tomam consciência de suas obrigações recíprocas como membros do mesmo grupo, a ser observado por todo homem diante de seus semelhantes.”56 Em relação à fraternidade, os revolucionários franceses entenderam que o seu escopo era unir as pessoas, rompendo as diferenças entre elas.57


Notas

1 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1o a 5a da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, pág. 4.

2 ALMEIDA. Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1996, pág. 44.

3 MORAES. Op. cit., nota 1, pág. 25.

4 DIREITOS HUMANOS NA INTERNET. Lei das XII Tábuas. Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/12tab.htm>. Acesso em: 24/08/2011.

5 FERNANDES, David Augusto. Tribunal Penal Internacional: a concretização de um sonho. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pág. 8.

6 COMPARATO. Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, pág. 80.

7 FERREIRA, JÚNIOR, Lier Pires. Corte Criminal Internacional: contribuição à exegese dos direitos humanos. In: ARARA, Josycler; ROSA, Rozane de. (Coords.) Direito Internacional: Seus Tribunais e Meios de Solução de Conflitos. Curitiba: Juruá, 2007, pág. 210-211.

8 COMPARATO. Op. cit., nota 6, pág. 90-91.

9 Ibid., pág. 49.

10 DECLARAÇÃO.DOS..DIREITOS...DA..VIRGÍNIA...Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/direitos/ant.hist/dec1776.htm>. Acesso em: 24/08/2017.

11 COMPARATO. Op. cit., nota 6, pág. 103.

12.ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O Direito do Trabalho como Dimensão dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2009, pág. 27.

[14] MORAES. Op. cit., nota 1, pág. 28.

14 FERNANDES. Op. cit., nota 5, pág. 18.

15 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 8. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, pág. 34.

16 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. A ONU e os Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos/>. Acesso em: 25/08/2017.

17 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2009, pág. 56.

18 HERKENHOFF, João Baptista. Conceito de Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro1/conceito.html>. Acesso em: 25/08/2017.

19 HENKIN, Louis. (1990, apud ALVARENGA, 2009, pág. 56).

20 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 1o. Disponível em: <https://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 30/08/2017.

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21 COMPARATO. Op. cit., nota 6, pág. 223.

22 BOBBIO, nota 15, pág. 27-28.

23 ROMITA. Op. cit., nota 17, pág. 81.

24 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 150-153.

25 CONFERÊNCIA.MUNDIAL.SOBRE..DIREITOS..DO..HOMEM. Declaração De Viena e Programa de Acção, art. 5o. Disponível em:..<https://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/viena.html>. Acesso em: 30/08/2017.

26 PIOVESAN, CARVALHO, L.P.V. de. (Org.). Direitos Humanos e Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2010, pág.7.

27 DIAS, Clarence Indivisibilidade. Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/direitos/textos/textos_dh/artig03.htm#fn1>. Acesso em: 03/09/2017.

28 Loc. cit.

29 Loc. cit.

30 PROTOCOLO DE SAN SALVADOR. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/Basicos/Portugues/e.Protocolo_de_San_Salvador.htm>. Acesso em: 03/09/2017.

31 ROMITA. Op. cit., nota 17, pág. 84.

32 ALVARENGA. Op. cit., nota 12, pág. 57.

33 MORAES. Op. cit., nota 1, pág. 41.

34 FERRAJOLI, Luigi (1999 apud ADORNO, Rodrigo dos Santos. Da inalienabilidade dos direitos humanos. Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=726>. Acesso em: 03/09/2017.

35 PIOVESAN. Op. cit., nota 26, pág. 10.

36 BOBBIO. Op. cit., nota 15, pág.1.

37 Loc. cit., pág. 5.

38 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Cançado Trindade Questiona a Tese de "Gerações de Direitos Humanos" de Norberto Bobbio. In: Seminário Direitos Humanos das Mulheres: A Proteção Internacional. Evento Associado à V Conferência Nacional de Direitos Humanos. 25. de maio de 2000. Câmara dos Deputados, Brasília, DF. Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/cancadotrindade/cancado_bob.htm>. Acesso em 04/09/2017.

39 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pág. 53.

40 TRINDADE, Op. cit., nota 38.

41 ROMITA, Op. cit., nota 17, pág. 105.

42 TRINDADE, Op. cit., nota 38.

43 BOBBIO. Op. cit., nota 15, pág. 4-5.

44 ROMITA. Op. cit., nota 17, pág. 109-110.

45 Ibid., pág.111.

46 ALMEIDA. Op. cit., nota 2, pág. 53.

47 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Método, 2011, pág. 388.

48 ALVARENGA. Op. cit., nota 12, pág. 50.

49 BONAVIDES. Op. cit., nota 39, pág. 564.

50 ROMITA. Op. cit., nota 17, pág. 112.

51 ALVARENGA. Op. cit., nota 12, pág. 50.

52 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Op., cit. nota 20.

53 BONAVIDES. Op. cit., nota 39, pág. 564.

54 PIOVESAN. Op. cit., nota 26, pág. 5-6.

55 BONAVIDES. Op. cit., nota 47, pág. 569.

56 ROMITA. Op. cit., nota 17, pág. 119-120.

57 Loc. cit.

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