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A prescrição da indenização por responsabilidade civil e a redução do prazo prescricional no Código Civil brasileiro de 2002

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09/01/2005 às 00:00
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3. Do conteúdo do artigo 2.028

Expressamente consignou o legislador civil no artigo 2.028 do CCB/2002:

Art. 2028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada. (grifos nossos)

Como visto, o legislador civil procurou solucionar previamente eventuais dúvidas oriundas da passagem das duas disposições legais (CCB/1916 – CCB/2002) através da estipulação de três condições específicas, quais sejam: os prazos seriam aqueles previstos na lei anterior (CC/1916) quando fossem (i) reduzidos pelo Código Civil de 2002 e se, (ii) na data de sua entrada em vigor, já houvesse transcorrido (iii) mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Passemos os olhos a seguir sobre a oscilação da jurisprudência quanto à aplicação do artigo 2.028 em casos concretos.


4. Da vacilação da jurisprudência quanto à aplicação do artigo 2.028

A aparente obviedade da redação do artigo 2.028, conduz o exegeta a interpretação (em nosso entendimento) deveras equivocada, pois ao se utilizar de método hermenêutico lógico-gramatical, poderá se concluir que, várias ações, as quais teriam seu nascedouro anos antes da entrada em vigor do CCB/2002, já estariam irremediavelmente prescritas.

Como já afirmado na introdução do presente estudo ao interpretar de forma meramente gramatical o dispositivo constatar-se-á que, fatos originados entre os anos de 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, somente para citarmos alguns exemplos, estariam prescritos. Isto porque, tais fatos, não teriam ultrapassado mais da metade do prazo prescricional da lei revogada (20 anos CCB/1916) e, então, a regra de prescrição seria aquela prevista no artigo 206 da lei atual, que prevê termo final de 3 anos para a propositura do pedido. Daí a única conclusão seria a de que o fato originado em 1994, estaria prescrito em 1997, o originado em 1995, estaria prescrito em 1998, e, assim por diante.

Para que deixemos a discussão em ponto mais palpável, bem como fácil de visualização, convém dar exemplo simples e corriqueiro do cotidiano.

Imagine-se pedido de indenização, cujo fato originador tenha se dado no dia 18.05.1997, sendo que a petição inicial foi distribuída no dia 24.06.2003.

Se nos utilizarmos da interpretação literal da disposição contida no artigo 2.028 do CCB/2002, poderíamos afirmar, extreme de dúvida, que, a pretensão do autor daquela demanda, teria sido atingida e fulminada pela prescrição.

Sim, porque os elementos previstos na regra de direito transitório estariam satisfatoriamente preenchidos.

Se não, vejamos:

(i) A lesão teria se dado em 18.05.1997, portanto antes da entrada em vigor do CCB/2002.

(ii) O pedido foi distribuído em 24.06.2003, portanto, logo após a entrada em vigor do novo Código. [27]

(iii) O pedido de reparação se funda em fato originário de acidente de trânsito (responsabilidade civil), questão perfeitamente incluída no rol do artigo 187, do CCB/2002.

iv) O prazo prescricional para tais casos (responsabilidade civil), foi reduzido de 20 para 3 anos.

(v) Por fim, atente-se à circunstância que, entre a data do fato (18.05.1997), e a propositura do pedido (24.06.2003), decorreram-se menos de 10 anos [28] (metade do tempo previsto no CCB/1916).

Por tudo isso, poderíamos afirmar, pela interpretação do artigo 2.028 do CCB/2002, que a pretensão estaria fulminada pela prescrição.

Mas como pode isso? O raciocínio é possível. E se é possível, é justo?

Que se trata de raciocínio possível, pela dicção do disposto na regra repisada, se trata. Entretanto, apesar de ser possível, acreditamos que não seja a melhor interpretação a ser dada a regra em comento.

Amparamos nossa afirmativa no pensamento do preeminente magistrado do Superior Tribunal de Justiça – Ministro Humberto Gomes de Barros – que, ensinando os mais inexperientes adverte: "a melhor exegese, ensinam todos os estudiosos do Direito, não é a que se apega à restrita letra fria da lei, mas a que seja fiel ao espírito da norma a ser aplicada, dando-lhe um sentido construtivo que venha a atender aos verdadeiros interesses e reclames sociais, bem como corresponda às necessidades da realidade presente." [29] (grifo nosso)

Outrossim, até para que não se pense que o exemplo proposto é mero devaneio, fruto de alguma noite mal dormida deste autor pois, será impossível de encontrar albergue nos tribunais (até porque geraria extrema injustiça), permita-nos noticiar o que decidiu determinado Tribunal da República.

O caso a seguir relatado foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e tratava de pedido de indenização por danos, materiais e morais, oriundos de acidente de trânsito, pelo qual a vítima havia falecido em decorrência de suposto ato ilícito de preposto de empresa de ônibus [30].

O pedido havia sido distribuído no mês de junho de 2003, portanto há mais de 5 meses de vigência do CCB/2002.

O juízo de 1° Grau, ao analisar o processo, acolheu a alegação da empresa ré, de que a pretensão de reparação civil havia sido atingida pela prescrição, com base no que dispõe a regra do artigo 2.028 do CCB/2002, declarando, naquela ocasião, a extinção do feito.

Irresignados, os autores interpuseram recurso de apelação ao tribunal mencionado, tencionando reverter a declaração de prescrição da ação.

Entretanto, a 3ª Turma Cível, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, sob os fundamentos abaixo transcritos, deixou de acolher os argumentos dos autores e, consequentemente, não reformou a decisão, mantendo a sentença de 1° Grau. Eis os termos do decisum:

"Analisando a prejudicial de mérito suscitada pela apelada, verifico que o fato gerador do direito pleiteado na presente ação de reparação de danos ocorreu em 18/05/1997 e foi proposta somente em 24/06/2003, quando já em vigor, portanto, o novo Código Civil Brasileiro.

À luz do novo Diploma, vigente desde janeiro de 2003, os prazos prescricionais foram consideravelmente reduzidos, limitando o artigo 205, caput, em dez anos o prazo prescricional, quando outro menor não tenha sido expressamente fixado. Nos dispositivos seguintes, o novo diploma legal disciplina inúmeras hipóteses de prazos prescricionais, prevendo, no artigo 206, §3°, inciso V, que prescreve em três anos o prazo para a pretensão de reparação civil.

Atendo ainda ao disposto no artigo 2.028 do novo Código Civil Brasileiro, ateve-se o MM. Julgador à sua correta aplicação, considerado não ultrapassado o prazo ali estipulado que remete à aplicação das regras prescricionais do diploma anterior, culminando por acolher a preliminar de prescrição argüida.

O referido dispositivo regula as situações de transição no que tange à correta aplicação dos prazos prescricionais, estabelecendo, para tanto, que:

‘Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.’ (grifo no original)

Determina o novo Código que, se já transcorrido mais da metade do prazo previsto na lei anterior, não se aplicará o prazo da nova lei; assim o prazo prescricional continuaria sendo o prazo ordinário de vinte anos.

In casu, entretanto, entre a data do fato (18/05/1997) e a propositura da presente ação (24/06/2003), quando já em vigor o CCB, passaram-se apenas seis anos e dois meses, lapso inferior ao que determina a norma ora transcrita, consumando-se assim a prescrição, com a inteira aplicação das regras prescricionais estabelecidas na nova lei."

Como se infere do raciocínio utilizado pela douta Câmara, entendeu esta que, uma vez não havia sido superada a metade do prazo prescricional da antiga Lei (o que naquele caso representaria 10 anos e 1 dia) e, tendo em vista que houve a redução do prazo prescricional pela nova legislação, automaticamente poderia se concluir que estaria prescrita à pretensão à reparação civil dos autores. Tal raciocínio amparou-se, básica e fundamentalmente, na interpretação literal do artigo 2.028.

Esta exegese, pela interpretação lógico-gramatical, não estaria de todo errada, uma vez que a leitura do artigo conduz o operador jurídico a esta conclusão.

Entretanto, não podemos deixar de assinalar, que não somos mero leitores de dispositivos legais [31], mas sim, exegetas e devemos antes de aplicar a lei, saber bem aplicá-la e visualizar seus efeitos no mundo dos fatos.

Nunca se esqueça que a regra normativa visa disciplinar situações jurídicas, mas sempre tendo em vistas o bem maior que é a justiça.

Outrossim, como visto, existem decisões judiciais que declararam à prescrição do direito de propositura da ação, mesmo para os casos em que o termo ad quem do prazo tenha se expirado antes da entrada em vigor do CCB/2002.

Mas para que o leitor não imagine que a decisão anteriormente apresentada é isolada, apresente-se o que decidiu outro Tribunal da República.

Ao ser instado a julgar caso de hipótese análoga, o Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, dessa forma decidiu:

"PRESCRIÇÃO - REPARAÇÃO CIVIL - PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULO CAMBIAL - PRAZO PRESCRICIONAL REDUZIDO PELO NOVO CÓDIGO CIVIL - ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - PRAZO DA LEI ANTECEDENTE (20 ANOS - ART. 177) NÃO TRANSCORRIDO MAIS DO QUE A METADE (10 ANOS) - APLICABILIDADE DA NOVA LEI - INTELIGÊNCIA DO ART. 2.028 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - PRESCRIÇÃO CARACTERIZADA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO PROVIDO.

Nos termos do art. 2.028 do novo Código Civil, se o prazo prescricional ou decadencial foi reduzido pela nova lei e ainda não transcorrido mais da metade do prazo da lei anterior, quando da entrada em vigor da nova lei (11-1-2003), aplica-se o prazo do novo Código Civil. No caso 3 (três) anos para a pretensão de reparação civil. Prescrição consumada. Improcedência do pedido inicial." [32]

Como se vê, em uma pesquisa jurisprudencial superficial, não foi somente um dos tribunais que compõe o sistema judiciário brasileiro, que declarou a extinção do processo pelo atingimento da prescrição. Foram dois, o que denota concluir não são decisões isoladas.

Entretanto, para justificarmos a chamada de abertura do presente capítulo, quando nos referimos à vacilação da jurisprudência dos tribunais com relação ao assunto, detenhamo-nos com atenção sobre outro julgado, da mesma Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, para pretensão semelhante à das duas últimas:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - INCLUSÃO INDEVIDA NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - ILEGITIMIDADE PASSIVA - AFASTAMENTO - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - PRESENTES OS REQUISITOS ENSEJADORES DO DEVER DE INDENIZAR - DECISÃO ACERTADA - RECURSO IMPROVIDO.

1. É legítima a figurar no pólo passivo da demanda a instituição financeira que permite que seus procedimentos eletrônicos indiquem o cliente, indevidamente, ao cadastro de inadimplentes.

2. A contagem do prazo prescricional das ações de responsabilidade civil reduzido pelo novo Código Civil, tem como termo inicial a data de início de sua vigência.

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3. Presentes os requisitos ensejadores do dever de indenizar, correta a decisão que condena a instituição financeira em danos morais." [33]

Como se infere do conteúdo das decisões apresentadas, os juízes têm vacilado ao decidir a questão da prescrição, pois ora entendem que esta deve ser reconhecida e o processo extinto, em virtude da interpretação dos dispositivos já mencionados do CCB/2002 e, em outras oportunidades, julgando casos semelhantes, pelo qual se discute a mesma causa debendi (responsabilidade civil), declaram que a prescrição não atingiu a relação jurídica, sob a égide do CCB/1916.

Por tudo isto é que devemos tentar apresentar qual das interpretações apresentadas é a mais adequada para a disposição ora em comento.


5. Da interpretação, mais apropriada, ao artigo 2.028, do Código Civil Brasileiro de 2002, com relação aos casos de responsabilidade civil

Chegando ao ponto final do presente estudo, após apresentar os conceitos dos institutos que influenciam diretamente as situações de pretensão por reparação civil e, constatando à vacilação encontrada na jurisprudência quanto ao tema, nos arriscaremos a propor a interpretação mais apropriada a ser dada ao artigo 2.028 do Código Civil Brasileiro de 2002.

Inicialmente devemos tecer críticas aos entendimentos estampados em algumas decisões judiciais de primeira instância e, igualmente, encontradas em colegiados dos tribunais, que, ao interpretar a disposição do artigo 2.028, do CCB/2002, somente o fazem com vistas a interpretação gramatical do texto, não se preocupando, porém, com os nefastos reflexos que esta decisão trará ao jurisdicionado.

Não podemos ter como adequada exegese, àquela apresentada nas decisões dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná [34], as quais vão justamente neste sentido, pois se apegam estritamente à interpretação gramatical das palavras contidas no artigo 2.028.

Ainda mais "se com a aplicação rígida da lei, em sua interpretação gramatical ou lógica [se] chegar ao resultado evidentemente absurdo. A lei tem por si a presunção do bom senso. Mas ainda assim, não substituirá o intérprete a sua opinião à que conste do texto. Procurará apenas a concordância entre as palavras e o fim da lei, dando prevalência a êste." [35](grifo nosso)

Igualmente, não acreditamos que a melhor exegese para o dispositivo em comento, seja aquela de retroação da nova disposição para alcançar fatos constituídos anteriormente à sua entrada em vigor, atingindo assim, atos jurídicos perfeitos ou direitos adquiridos.

Por fim, não podemos ter como boa exegese também, aquela que se apega a letra fria e crua da lei, pois bem sabemos que o legislador não é "dono da verdade", tampouco ser infalível.

Vale dizer: o legislador comete deslizes e, quando estes deslizes são encontrados no corpo da lei, cabe ao operador jurídico em geral, levando em conta os princípios básicos de direito e, principalmente, os ensinamentos da escola de hermenêutica, dar a melhor interpretação para a legislação debatida.

O jurista de escol e "pai" do Código Civil Brasileiro de 1916 - Clóvis Beviláqua - dá a sua opinião (a qual nos filiamos), acerca da mais correta interpretação a ser dada às regras de direito transitório, especificadamente com relação aos casos de prescrição:

"Em relação às prescrições iniciadas antes de entrar em vigor o Código Civil, observem-se as regras seguintes:

1.ª Se a lei nova estabelece prazo mais longo, do que a antiga, prevalece o prazo mais longo, contado do momento em que a prescrição começou a correr.

2.ª Se o prazo da lei nova é mais curto, cumpre distingüir: a) Se o tempo, que falta para consumar-se a prescrição, é menor do que o prazo estabelecido pela lei nova, a prescrição se consuma de acôrdo com o prazo da lei anterior; b) Se o tempo, que falta para se consumar a prescrição pela lei anterior, excede ao fixado pela lei nova, prevalece o desta última, contado do dia em que ela entrou em vigor." [36] (grifos nossos e no original)

Vale a pena dissecar este pensamento para daí extrair conclusões importante.

Na 1ª hipótese, pelo pensamento de Beviláqua, se a nova lei estabelece prazo mais longo do que o da antiga, prevalece o mais longo, a partir do momento em que a pretensão ressarcitória, iniciou seu curso.

Em exemplo: suponhamos que o CCB/2002 aumentasse o prazo de prescrição para as hipóteses de responsabilização civil de 20, para 30 anos, prevaleceria este último prazo (30 anos), entretanto, contados a partir do momento em que a pretensão originou-se.

Até aqui nenhum problema.

Passemos nesta mesma ordem de idéias então à 2ª hipótese.

Se o prazo previsto pela lei nova, é mais curto abrem-se duas possibilidades: i) se o tempo que falta para se consumar a prescrição é menor do que o previsto pela lei nova, aplica-se a disposição da lei anterior.

Exemplo: imagine-se situação de pretensão ressarcitória originada no CCB/1916, em que já transcorrera 19 anos. Vem o CCB/2002 e estipula que os prazos para reparação civil é de 3 anos. Outrossim, como se contará a prescrição?

Pelo lúcido raciocínio de Clóvis a resposta é simplória: aplicar-se-á a disposição do CCB/1916, a qual previa prazo de 20 anos para o ajuizamento do pedido e, daí, se concluiria que o ofendido teria mais 1 ano para ajuizar a ação.

Como se vê, a situação não seria alcançada pela nova lei. Até porque, este seria indevidamente beneficiado com a dilação de seu prazo, o qual transmudar-se-ia de 20, para 22 anos (19 anos do CCB/1916, mais 3 anos do CCB/2002).

Para arrematar a explicação do raciocínio do eminente jurista, analisemos com cuidado a parte final de seu raciocínio.

ii) Se o tempo, que falta para se consumar a prescrição pela lei anterior, excede ao tempo fixado pela lei nova, prevalece o desta última, contado do dia em que ela entrou em vigor.

Aqui, o pensamento de Clóvis, é de capital importância para bem interpretar a disposição contida no artigo 2.028.

O que nos legou o jurisconsulto ao firmar este entendimento?

Ao comentar o Código Civil Brasileiro de 1916 (em lição que se encontra atualíssima para o início deste Século XXI), Clóvis ensinou que, se houve redução do prazo prescricional pela lei nova, e, este prazo, excede ao tempo fixado pela lei nova, prevalecerá o desta última, entretanto, contado a partir do momento em que esta entrou em vigor.

Resumidamente, para o que aqui nos interessa: somente poderá ser aplicada a regra do CCB/2002, a partir da data em que este entrou em vigor (11.01.2003), sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade.

Para não fugir a regra dos dois exemplos anteriores, de igual maneira, apresentemos situação hipotética, que esclarecerá melhor o ensinamento.

Imaginemos àquelas situações de reparação civil originadas em janeiro de 1994.

Pelo raciocínio do preclaro jurisconsulto, esta ação somente poderá prescrever em 11.01.2006.

Explica-se.

O fato ensejador da pretensão de reparação civil originou-se em janeiro de 1994. De janeiro de 1994, até a entrada em vigor do CCB/2002, decorreram-se 9 anos. Não é difícil concluir que, o prazo de 9 anos, é superior ao que prevê o CCB/2002 (3 anos). Por outro lado, este prazo, é muito menor do que aquele previsto na disposição revogada (20 anos – CCB/1916). Outrossim, para que injustiças não sejam cometidas, tendo em vista que houve, efetiva e significativa, redução do prazo, bem como o tempo restante ultrapassou a marca da nova lei, esta deve ser aplicada, entretanto somente a partir da sua entrada em vigor.

Para finalizar o raciocínio, como o CCB/2002 entrou em vigor em 11.01.2003, e o prazo desta lei para a hipótese é de 3 anos, e o mesmo só pode ser aplicado a partir de sua vigência, só resta concluir que a pretensão por reparação civil alcançaria seu termo em 11.01.2006, como afirmado em parágrafo anterior.

A opinião de que o prazo prescricional, nestes casos, somente poderá ser contada a partir da entrada em vigor da nova lei, não é encontrada somente no pensamento de Clóvis, mas, de igual forma, no escólio de Washington de Barros Monteiro, que cita inclusive, como fundamento de seu pensamento, a lição de Reynaldo Porchat: "se, para terminar o prazo antigo, falta tempo igual ou maior que o estabelecido pela lei nova, aplica-se esta, contando-se da data da sua vigência o novo prazo." [37] (grifo nosso)

Esta parece ser a melhor interpretação do dispositivo ora em comento.

Felizmente é aquela que está sendo seguida por diversos tribunais brasileiros. Passemos os olhos sobre algumas decisões.

O Tribunal de Alçada de Minas Gerais dá a sua contribuição:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL - PRESCRIÇÃO. - As ações pessoais prescrevem ordinariamente em vinte anos (Código Civil de 1916, art. 177). - Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil (Código Civil de 2002, art. 206, § 3º, V). - Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada (Código Civil de 2002, art. 2.028). - A última disposição assinalada, de caráter intertemporal, busca conciliar o novo diploma legal com relações relativas a prazos já definidos pelo Código Civil de 1916. - "A partir da vigência do novo Código Civil, o prazo prescricional das ações de reparação de danos que não houver atingido a metade do tempo previsto no Código Civil de 1916 fluirá por inteiro, nos termos da nova lei (art. 206)" - STJ, Enunciado 50, aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida em setembro de 2002, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. - Na hipótese vertente, onde o prazo prescricional passaria a contar de 7.12.1998, sob a égide do Código Civil anterior, é certo que houve a redução marcada no novel diploma, contando-se, contudo, a partir de sua entrada em vigor, que é quando passou a ter força. - Pensar-se diferentemente faria com que, na espécie, com a só publicação da Lei n. 10.416/02, ficasse, de pronto, prescrito o direito de ação do agravado." (38)

No mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"AÇÃO INDENIZATÓRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA PARAA AÇÃO. PRESCRIÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO PELO NOVO CÓDIGO CIVIL. Atribuindo o autor da ação a autoria do fato ao réu, ser isso, ou não, real é questão de mérito, a ser decidida na sentença final, e não de legitimidade de parte, inexistindo carência acionária. A suspensão do lapso prescricional prevista no art. 200 do novo Código Civil somente alcança as ações penais que sejam prejudiciais às civis, não àquelas que possam ser exercidas independentemente de seu resultado. Se o novo Código Civil reduziu a prazo prescricional, ainda não tendo decorrido metade do previsto na legislação revogada, é por aquele que se rege a prescrição (art. 2.028). Esse prazo menor, contudo, somente começa a fluir da data em que entrou em vigor a nova legislação, conforme de há muito já pacificado na doutrina e na jurisprudência. Fato ocorrido em 04/07/1998 e que, pelo antigo Código Civil, prescreveria em 04/07/2018, passando a prescrever pelo novo somente em 11/0 1/2006, três anos após sua entrada em vigor (art. 206, §3º, V). Prescrição não consumada, portanto. Desprovimento do recurso." (39)

Não destoando deste entendimento, a torrencial jurisprudência [40] do 2° Tribunal de Alçada Cível de São Paulo:

"RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO - DIREITO COMUM - PRESCRIÇÃO - PRAZO - VINTE ANOS - REDUÇÃO PARA TRÊS ANOS (ARTIGO 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002) - DECURSO DE MAIS DA METADE DO TEMPO ESTABELECIDO NA LEI REVOGADA - INOCORRÊNCIA - REGÊNCIA PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - TERMO INICIAL - FLUÊNCIA A PARTIR DA DATA DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO – RECONHECIMENTO.

‘Certa a redução do prazo, de vinte para três anos (novo Código Civil, artigo 206, § 3º, V, e artigo 2028), e decorrido menos da metade dos vinte anos estabelecidos no Código Civil de 1916, a prescrição da pretensão à reparação civil, em que se compreende a resultante de acidente ou doença do trabalho fundada no direito comum, rege-se pelo Código Civil de 2002, mas o termo inicial do lapso, que não retroage, coincide com a vigência do novo Código (artigo 2044)’." (41)

E, o próprio Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, diferentemente da decisão apresentada no capítulo anterior, segue esta mesma trilha de entendimento:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESPACHO SANEADOR QUE AFASTOU AS PRELIMINARES DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA.

1) AGRAVANTE QUE PRETENDE A APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO ARTIGO 206, § 3º, IV DO NOVO CÓDIGO CIVIL ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO. IMPOSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO QUE DEVE FLUIR A PARTIR DA DATA DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO.
Correm somente a partir da entrada em vigor do novo Código Civil (2002), os prazos prescricionais nele previstos, quando aplicáveis (p. exemplo: quando não houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido no Código Civil antigo - art. 2028 do novo código). Essa regra protege o titular do direito prescritível, que não pode ser apanhado de surpresa com a fluência do menor prazo, de forma retroativa.

2) PRELIMINAR DE DECADÊNCIA SOB A ALEGAÇÃO DE TRATAR-SE DE VÍCIO DO SERVIÇO, E PRETENSA APLICAÇÃO DO ARTIGO 26, II DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, CUJO PRAZO É DE 90 DIAS. CIRCUNSTÂNCIAS QUE ESCLARECEM TRATAR-SE EFETIVAMENTE DE VÍCIO DO SERVIÇO E QUE DEPENDEM DA PROVA JÁ DEFERIDA NO DESPACHO SANEADOR. DECISÃO QUE DEVE SER TOMADA A FINAL, SOMENTE DEPOIS DE CONCLUÍDA A INSTRUÇÃO, EM PREJUDICIAL DE MÉRITO. DECISÃO MONOCRÁTICA CORRETA.

A questão que necessita de instrução probatória, ainda que argüida em preliminar de mérito na contestação, deve ser apreciada somente após a colheita da prova.

3)PRELIMINAR DE INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL POR EMPREGO DO RITO ORDINÁRIO QUANDO DEVERIA SER O RITO SUMÁRIO. PRELIMINAR TRAZIDA APÓS A CONTESTAÇÃO. ACEITAÇÃO TÁCITA DO RITO APLICADO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE INEXISTENTE.

Não constitui causa de nulidade do processo preferir o autor o procedimento ordinário ao sumário, especialmente se o réu não impugnou o rito quando da contestação (aceitação tácita) e principalmente, quando não causa nenhum prejuízo às partes. AGRAVO IMPROVIDO." (42)

Interpretação diferente desta, levaria ao absurdo de imaginarmos que, o pobre jurisdicionado, deveria ser proprietário de "bola de cristal" para "adivinhar" o futuro.

Isto porque, nos valendo do exemplo extraído da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, aquela família, deveria saber de antemão, que o novo Código Civil Brasileiro, que, diga-se de passagem, se "arrastou" por mais de 29 anos no Congresso Nacional, entraria em vigor em janeiro de 2003. E mais. A "bola de cristal" deveria ser tão boa a ponto de indicar que no bojo daquela disposição havia disciplina que atingiria os fatos originados no ano de 1997.

Com o máximo respeito aos que pensam o contrário, esta interpretação nos parece ilógica e absurda.

Ressalte-se ainda que "os direitos realizados ou apenas dependentes de um prazo para que se possam exercer, não podem ser prejudicados por uma lei, que lhes altere as condições de existência" [43] pois "exige a vida social que a fé na segurança e estabilidade das relações não seja ameaçada pelo receio de que uma lei posterior venha perturbar aquelas que validamente já se formaram". [44]

Ou seja: ofende o princípio da segurança jurídica, a disposição normativa que atinge fatos originados no passado, e que, pela disposição revogada, ainda podiam ser reclamados.

Vale a ressalva, por oportuno, que se, a nova disposição atinge atos realizados sob o império da lei revogada, prejudicando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, há inequívoca ofensa ao que dispõe o artigo 6°, da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe:

Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 2º. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

§ 3º. Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Redação dada ao artigo pela Lei n.º 3.238, de 01.08.1957)

Além de gritante ofensa ao artigo 5°, inciso XXXVI, da Constituição Brasileira de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Julgamento peculiar (e que confirma esta tese), foi lançado pela 1ª Câmara Cível, do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL - PRETENSÃO DEDUZIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO ANTERIOR - EXTINÇÃO DO PROCESSO - PRESCRIÇÃO RECONHECIDA - ART. 206, § 3º, INC. V, CÓDIGO CIVIL VIGENTE - PRAZO REDUZIDO - DIREITO INTERTEMPORAL - INTERPRETAÇÃO DO ART. 2.028 DO NOVO CÓDIGO CIVIL - EQUÍVOCO JUDICIAL - PROVIMENTO DO RECURSO.

I - A lei nova somente se aplica, sem qualquer distinção, aos feitos iniciados após a sua vigência, o que não é o caso dos autos e, ademais, não pode atingir situação constituída sob o império da lei antiga, sob pena de flagrante infringência ao art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e art. 6º, do Decreto-lei n.º 4.657/1942.

II - Sob outro ângulo, deveria o doutor juiz, também, respeitar a interrupção da prescrição pela propositura da ação, o que restou obliterado." [45]

Destarte, acreditamos estar com inteira razão Reynaldo Porchat, quando emitiu sua opinião logo no lançamento do Código Civil de 1916, em artigo publicado pela editora de vanguarda - Revista dos Tribunais – RT 21, março de 1917, p. 163-168 – citando Lassale, asseverando, naquela oportunidade, que: "aquelle que agiu livremente, conhecendo a lei vigente e de conformidade com ella adquiriu um direito, sujeitando-se a todas as consequencias do seu acto nos termos dessa mesma lei; por confiar na ordem juridica existente, não póde, sem violencia, ser por disposição de uma lei nova, privado desse direito adquirido. O effeito retroactivo da lei neste caso, seria uma affronta á personalidade do individuo, desrespeitando a vontade por elle manifestada, de accôrdo com a lei que conhecia." [46]

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Sobre o autor
Leonardo Cesar de Agostini

Professor Universitário - Direito Civil, Mestrando em Direito Constitucional pela UniBrasil, Membro do corpo editorial da Revista Eletrônica Direitos Fundamentais & Democracia da UniBrasil, Advogado militante na Cidade de Curitiba(PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGOSTINI, Leonardo Cesar. A prescrição da indenização por responsabilidade civil e a redução do prazo prescricional no Código Civil brasileiro de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 551, 9 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6162. Acesso em: 19 abr. 2024.

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