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Medidas provisórias e matéria tributária

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08/01/2005 às 00:00
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6. DA MEDIDA PROVISÓRIA E A INSTITUIÇÃO OU MAJORAÇÃO DE TRIBUTOS

O surgimento das Medidas Provisórias no Direito brasileiro gerou grandes discussões doutrinárias, tendo em vista que o art. 62 da Constituição Federal não dispunha sobre a matéria que poderia ser regulada através da Medida até a promulgação da Emenda Constitucional nº 32. No campo tributário, as discussões giravam em torno, especialmente, da possibilidade da instituição ou de majoração de tributos através das Medidas Provisórias.

A posição doutrinária amplamente majoritária sustentava a inadmissibilidade com base em diversas razões a que eventualmente já nos referimos neste trabalho. Basicamente, os argumentos eram a afronta aos princípios tributários da anterioridade e da legalidade que não se coadunam com o instituto das Medidas Provisórias, bem como a natureza da Medida, os seus pressupostos de relevância e urgência que são incompatíveis com a criação ou majoração de tributos.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, posicionou-se no sentido contrário, solucionando a questão no plano jurisprudencial. Diversas outras questões ligadas ao instituto das Medidas Provisórias foram também contempladas pela Suprema Corte. A questão da contagem do prazo nonagesimal das contribuições sociais, por exemplo, foi decidida pela Corte que passou a entender que a contagem do prazo começa a fluir a partir da primeira Medida Provisória e não das posteriores reedições ou da lei em que tiver sido convertida esse instrumento normativo.

A promulgação da Emenda Constitucional nº 32 em setembro de 2001 foi de suma relevância para o Direito Tributário. O entendimento jurisprudencial até então já consolidado foi ratificado em algumas questões e modificado em outras. Certo é que o debate sobre o cabimento da Medida Provisória em matéria tributária já não é mais o mesmo.

É interessante que abordemos, pois, a essência das discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema antes e depois da Emenda Constitucional 32.

6.1. Debate antes da Emenda Constitucional 32/2001

Antes de serem estabelecidos os limites materiais da Medida Provisória através da Emenda Constitucional nº 32, muito se discutia sobre o cabimento deste instrumento normativo para a criação ou majoração de tributos. O Supremo Tribunal Federal reconheceu as Medidas Provisórias como ato normativo idôneo à instituição e majoração de tributos. Parte da doutrina adere ao entendimento do STF. A doutrina majoritária (à qual nos filiamos), por sua vez, rejeita esta hipótese baseado em diversos argumentos.

A corrente doutrinária que defende ser a Medida Provisória instrumento hábil para a geração de legislação tributária, argumenta, dentre outras coisas, que a Constituição Federal não restringiu as matérias que poderiam ser tratadas por este instrumento normativo. Então, em princípio, qualquer matéria que atendesse aos requisitos de relevância e urgência poderia ser objeto de medida provisória.

Neste sentido, afirma o professor RICARDO LOBO TORRES que não há dúvida de que a Medida Provisória pode versar sobre finanças públicas e tributação, já que o dispositivo constitucional não lhe traça o âmbito material de atuação.

A nosso ver, não é este um posicionamento correto, pois se a medida provisória é instrumento primário, mas não superprimário, encontra-se subordinada à norma constitucional, não podendo incursionar sobre território reservado à ação do legislador constituinte. Quando este dispôs expressamente sobre procedimentos e instrumentos especiais para instituição de certas matérias, como, por exemplo, lei complementar, certamente não teve a intenção de permitir que a medida provisória sobre elas versasse. Neste sentido, o art. 150 inciso I, que veda aos entes da federação exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (princípio da legalidade), também seria uma circunstância, a nosso ver, que proibi a instituição de tributos através de Medidas Provisórias. O legislador constituinte assim dispôs expressamente e ainda previu exceções. Portanto, se quisesse o teria feito com a Medida Provisória.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal era o de que tendo força de lei, é meio hábil, a Medida Provisória, para instituir e majorar tributos a exemplo do que já sucedia com os decretos-lei da antiga Constituição de 1967.

O acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.005-1 - DF de 19/05/1995, tendo como relator o Sr. Ministro Moreira Alves, bem demonstra o entendimento do STF a respeito desta questão. No voto do Ministro Relator, encontramos os seguintes argumentos:

"Tendo em vista que a Medida Provisória nada mais é, em última análise, do que modalidade de Decreto-Lei (e assim o é na Itália, em cuja Constituição a nossa, a esse respeito, se inspirou), a propósito do qual esta Corte, sob o império da Constituição anterior, firmou o entendimento de que ele, em matéria tributária, poderia também instituir ou aumentar tributo por ter força de lei, observando-se, por isso, o princípio constitucional da legalidade, não se pode, num exame inicial compatível com o requerido para a análise do pedido de liminar, ter objeção dessa ordem como suficientemente relevante para a concessão da cautelar requerida".

"...não se pode dizer que não haja urgência, em virtude do princípio da anterioridade e da demora que muitas vezes ocorre com a tramitação de projeto de lei no Congresso. Ademais, mesmo quando se legisla a respeito é comum que essas leis sejam editadas nos últimos dias do ano para entrarem em vigor em primeiro de janeiro do ano seguinte, razão por que se acentua, por vezes, que é ilusória a proteção dada pelo princípio da anterioridade".

Não estamos de acordo com a posição da nossa Suprema Corte. Já demonstramos que o fato da Constituição ter atribuído "força de lei" à Medida Provisória não faz com que a instituição ou majoração de tributos através deste instrumento normativo deixe de configurar uma ofensa ao princípio da legalidade, visto que há consideráveis diferenças entre lei e Medida Provisória (tópico 5.1). Também já foi demonstrada a substancial diferença entre o decreto-lei e a Medida Provisória, destacando-se que na disposição sobre decreto-lei da Carta de 1967 previa-se expressamente as matérias sobre as quais poderia versar e dentre elas dispunha "finanças públicas, inclusive normas tributárias" (tópico 5.1.). Além disto, apesar de existirem hipóteses de relevância e urgência em matéria tributária, aquelas são disciplinadas de forma peculiar na Constituição Federal, distinto daquela constante no art. 62. E, ainda, não é admitindo a morosidade do Poder Legislativo, que encontramos uma permissão para a utilização deste instrumento introdutor de normas.

MISABEL DERZI faz o seguinte comentário a respeito da posição da Corte Suprema quanto ao decreto-lei, que, ao nosso ver é extensivo à posição da Corte quanto às Medidas Provisórias:

"Explique-se que a jurisprudência de nossos tribunais superiores, que passou a conciliar decreto-lei e anterioridade, encontrou o único remédio capaz de atenuar as consequências nefastas de uma interpretação de uma interpretação autoritária, a qual conferira legitimidade ampla ao uso dos decretos-lei na instituição e majoração de tributos. Não podendo mais cortar o mal pela raiz, o que só seria possível se declarasse inconstitucional a criação ou majoração de tributos por via de decreto-lei, derrubando por terra toda a estrutura tributária federal, nossa jurisprudência preferiu desrespeitar literalmente a Constituição." [19](grifo nosso)

Ao analisarmos a posição da doutrina que combate a instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias, será possível concluir que, de fato, a tese da Corte Suprema não se sustenta.

Os argumentos da doutrina que defende a tese da inconstitucionalidade da instituição e majoração de tributos através de medidas provisórias podem ser resumidos da seguinte forma:

- a Medida Provisória tem "força de lei", mas com ela não se confunde [20];

- o princípio da estrita legalidade, princípio constitucional tributário, restringe a instituição e majoração de tributo à lei propriamente dita;

- o princípio da anterioridade, característica básica da lei tributária, é totalmente incompatível com qualquer noção de urgência e relevância em matéria de instituição e majoração de tributos;

- as circunstâncias em que se evidencia a urgência e relevância em matéria tributária foram expressamente previstas pelo constituinte de forma especial, não sendo permitido, em nenhum dos casos, a instituição ou majoração de tributos através de medida provisória;

- em caso de rejeição da Medida Provisória o contribuinte teria que repetir o indébito.

Em memorável parecer sobre a questão, citado por SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, a Profª. MISABEL DERZI averbou:

"Movimentos contrários, diametralmente opostos, surgem límpidos e indiscutíveis da Constituição. Medidas Provisórias convertidas em lei, são lei que goza de eficácia antecipada à própria existência e, claro, à publicação. Lei ordinária ou complementar, instituidora ou majoradora de tributo, embora aprovada pelo Poder Legislativo, sancionada e publicada, tem sua eficácia e aplicabilidade automaticamente adiadas.

Por que tão profunda distinção nesses processos constitucionais, por que diferença tão radical na operatividade desses atos normativos?

A causa reside exatamente nos pressupostos de relevância e urgência que legitimam a utilização, pelo presidente da República, das medidas provisórias. Relevância e urgência são importantes conceitos que explicam:

a) A antecipação da eficácia e da aplicabilidade da lei, em que se hão de converter as medidas provisórias, a momento prévio ao de sua existência;

b)A eficácia imediata, desde a edição, como necessária e essencial propriedade das medidas provisórias;

c)A inexistência de qualquer discricionariedade para o chefe do Poder Executivo, o qual não tem a faculdade de adiar a eficácia e a aplicabilidade das medidas provisórias para data posterior à sua edição, quer para o exercício subsequente, quer para o momento da regulamentação. Ou se dão, no caso concreto, a relevância e a urgência, cabendo, sendo próprio e adequado, o uso das medidas provisórias, ou não;

d) A antinomia existente entre o princípio da anterioridade e as medidas provisórias, uma insolúvel contradição.

Assim, as leis ordinárias ou complementares que instituem ou majoram tributos, têm a eficácia e a aplicabilidade adiadas, por força do princípio da anterioridade. Medidas Provisórias, em razão da relevância e da urgência, têm necessariamente sua eficácia e a aplicabilidade antecipadas à existência da lei em que se hão de converter, por imperativo constitucional.

É evidente que o adiamento da eficácia provocado pelo princípio da anterioridade, como regra geral no Direito Tributário, é o resultado da primazia da segurança jurídica. Do ponto de vista axiológico, prevaleceu, nos desígnios constitucionais, a necessidade de previsão, de conhecimento antecipado e antecipatório, de planejamento dos encargos fiscais, sobre o imediatismo das medidas provisórias.

Instituir tributo ou aumentar tributo já existente não é urgente, nem tampouco relevante para a Constituição, que, em tais casos, determina seja observado o princípio da anterioridade.

Dessa forma, temos uma primeira delimitação, posta na Constituição, às expressões, aparentemente abertas, relevância e urgência. Trata-se de uma delimitação negativa que permite afirmar não ser, de modo algum urgente ou relevante, criar tributo novo ou majorar aqueles já existentes." (21)

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A nosso ver, o parecer condensa os mais adequados argumentos, demonstrando inequívocamente a incompatibilidade entre a instituição e majoração de tributos e a Medida Provisória.

No mesmo sentido, SACHA CALMON justifica seu posicionamento afirmando que a Medida Provisória não é idônea para instituir ou majorar tributos porque ela visa a eficácia imediata, enquanto, o Direito Tributário é regido pelo princípio da anterioridade, "o que a tributação exige é planejamento prévio, não-surpresa, duração das regras" [22].

ROQUE ANTÔNIO CARRAZA também compartilha da mesma tese e faz uma interessante observação reforça sua posição:

"Amarrada essa insofismável premissa, podemos dizer, sempre com apoio na Constituição, que só há urgência, a autorizar a edição de medida provisórias, quando, comprovadamente, inexistir tempo hábil para que uma dada matéria, sem grandes e inilidíveis prejuízos à Nação, venha a ser disciplinada, por meio de lei ordinária. Ora, é perfeitamente possível, nos termos dos §1º e §2º do art. 64 da CF, aprovar-se uma lei ordinária no prazo de 45 dias contados da apresentação do projeto. Logo, em nosso direito positivo, só há urgência se realmente não se puder aguardar 45 dias para que uma lei ordinária venha a ser aprovada, regulando o assunto. O Judiciário, em última análise, decidirá a respeito." (23)

Para alguns doutrinadores, como SACHA CALMON, existiriam, contudo, dois casos que autorizariam a instituição tributo por Medida Provisória: os empréstimos compulsórios de emergência em caso de calamidade pública ou de guerra externa ou de sua iminência, estando fechado o Congresso, e os impostos extraordinário, sob o mesmo fundamento, já que estão liberados do princípio da anterioridade e, pois, pela urgência de que se revestem.

MIZABEL DERZI, contudo, sustenta não haver exceções que permitam a instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias.

Isto porque, as situações em que o legislador constituinte julgou urgentes ou relevantes a ponto de serem dispensadas da submissão aos princípios da anterioridade ou da legalidade, já encontram determinação específica, regulação especial na Constituição.

No que tange aos empréstimos compulsórios, apesar de escaparem ao princípio da anterioridade na hipótese de guerra ou calamidade pública, nem por isto torna as Medidas Provisórias instrumento idôneo a sua instituição. O texto constitucional estabeleceu que tais tributos devem ser instituídos por lei complementar. E, se o legislador constituinte assim o fez, é porque quis coibir possíveis abusos na matéria, já que a lei complementar exige quorum qualificado. Fica assim descartada a hipótese de instituição de empréstimo compulsório através de Medida Provisória sob pena de patente inconstitucionalidade, de acordo com o entendimento de MIZABEL DERZI.

O imposto extraordinário de guerra (art. 154, II) também escapa ao princípio da anterioridade. Contudo, não é possível que seja instituído ou majorado através de Medida Provisória.

"É que a Constituição Federal concede instrumento mais ágil ao Presidente da República o qual pode decretar o estado de sítio, desde que previamente autorizado pelo Congresso Nacional, para apreciação da medida". (24)

Quanto aos impostos incidentes sobre a importação e a exportação, sobre produtos industrializados e sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários, permitiu o legislador constituinte que a alíquota seja alterada pelo Poder Executivo, através de ato normativo próprio (decreto ou resolução), dispensando pois qualquer instrumento legislativo.

Note-se que a Constituição disciplinou de forma peculiar a matéria, sem abrigá-la no campo das Medidas Provisórias. Entendeu o legislador constituinte que, em tais circunstâncias a urgência e a relevância prevalecem sobre a segurança e previsibilidade. Não cabe discutir aqui, portanto, o cabimento de Medida Provisória, pois se o Presidente da República a utilizasse em tais hipóteses, estaria renunciando a campo de competência própria do Executivo, já que atos normativos da Administração Pública são suficientes e válidos para regular as hipóteses.

As contribuições sociais, excepcionadas do princípio da anterioridade e submetidas ao princípio da espera nonagesimal, também não poderiam ser instituídas através de Medidas Provisórias, segundo MISABEL DERZI. Isto porque o prazo de 90 dias, que adia a eficácia e aplicabilidade das leis, não se concilia com o imediatismo eficacial das Medidas Provisórias.

Mais uma vez a Constituição Federal regula de maneira específica a urgência e relevância tributárias, preferindo fazê-lo sem autorizar a utilização de Medidas Provisórias.

6.2. Debate depois da Emenda Constitucional 32

A promulgação da Emenda Constitucional vai modificar significativamente as discussões que haviam até então sobre a questão da instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias. Antes da Emenda a situação era a seguinte: uma corrente doutrinária e o Supremo Tribunal Federal admitiam a instituição ou majoração de tributos através de Medida Provisória. Grande parte da doutrina combatia a posição da Corte. Parte da doutrina admitia que certos tributos, que não se submetem ao princípio da anterioridade, poderiam ser instituídos ou majorados por Medidas Provisórias. Outros doutrinadores não admitiam exceções e consideravam absolutamente inconstitucional a instituição e majoração de tributos através de Medidas Provisórias.

A Emenda Constitucional 32 ao mesmo tempo que conseguiu pacificar algumas questões, ratificando em alguns casos e modificando em outros o entendimento do Supremo, criou novos questionamentos. A despeito disto, existe ainda a discussão sobre a possibilidade de alegar a inconstitucionalidade da Emenda. Analisemos cada ponto da questão.

O § 1º do art. 62 da Constituição Federal, acrescido pela Emenda, enumera as hipóteses sobre as quais fica vedada a edição de Medidas Provisórias. Dentre estas, não encontra-se a matéria tributária.

O § 2º do art. 62 da Constituição Federal, também acrescido pela Emenda, dispõe que "medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I,II,IV,V e 154,II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada". Trata-se da aplicação do princípio da anterioridade. Mas, parece-nos, também, que a Emenda procurou resguardar o princípio da legalidade, no que tange aos impostos, visto que, apesar da autorização para a instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias, tais exações só poderão ser exigidas do contribuinte após a sua conversão em lei.

Há que se ter em vista que o inciso III do art. 62 veda a possibilidade deste instrumento versar sobre matéria reservada à lei complementar. Logo, todos os tributos que necessariamente deverão ser instituídos por esse instrumento introdutor de normas (CF, arts. 148, 153, VII, 154, I, 195, par. 4º) são insuscetíveis de criação por meio de Medida Provisória. Bem acertada a posição do constituinte derivado, visto que, se foi prevista forma especial pelo constituinte originário, a Medida Provisória certamente não estaria autorizada a substituí-la.

Enfim, ficaria confirmada, através da Emenda, a posição do STF admitindo a instituição e a majoração de tributos por meio de Medidas Provisórias, excluindo-se a possibilidade apenas em relação às espécies que necessitam de serem criadas por lei complementar e impondo restrições no tocante aos impostos submetidos ao princípio da anterioridade, os quais só produzirão efeitos no exercício seguinte à sua conversão em lei.

Veremos como ficaria a permissão para cada espécie de tributo.

Quanto aos impostos apontados como exceção no § 2º, entende-se que não fica autorizada a exigência da exação simplesmente mediante Medida Provisória. Para serem exigidos estes impostos, seria necessário também a conversão em lei no exercício anterior ao da sua cobrança. Tais exações são exceções à anterioridade, mas devem ser criadas por lei, antes de ser exigida. O que a Constituição Federal admite é a modificação de alíquotas mediante ato do Poder Executivo (art. 153, par 1º). Portanto, é a alteração de alíquotas que pode ocorrer mediante Medida Provisória, sem necessidade, neste caso, de conversão em lei ou obediência ao princípio da anterioridade. Em verdade, se o Presidente da República assim o fizesse estaria renunciando a campo de competência própria do Executivo, já que atos normativos da Administração Pública são suficientes e válidos para regular as hipóteses.

Em relação aos impostos extraordinários, mencionados no art. 154,II, nada obsta que sejam criados e exigidos por medida provisória, antes mesmo da conversão em lei. Neste caso, o princípio da anterioridade é afastado sem restrições.

No que tange às contribuições para a seguridade social, nada dispôs a emenda. Não poderia ser aplicada às mesmas a regra do §2º visto que o mesmo refere-se expressamente a impostos. É pacífico na doutrina, e o Supremo Tribunal Federal também já entendeu, que contribuições sociais não são impostos. Em caso de criação de contribuição mediante Medida Provisória, portanto, fica mantido o entendimento do STF no sentido de que o prazo nonagesimal fluiria a partir da edição da Medida Provisória. Como existe agora um prazo para que a Medida Provisória seja convertida em lei (cento e vinte dias), o contribuinte, na prática, não saiu prejudicado.

Os empréstimos compulsórios estão excluídos da possibilidade de serem instituídos através de Medida Provisória. Isto porque a Constituição Federal determina que estas exações só podem ser instituídas através de lei complementar (art. 148) e a Emenda veda a instituição de tributos sobre matéria reservada a lei complementar (art. 62, §1º, inciso III).

Pelo mesmo motivo, não podem ser instituídos ou majorados por Medida Provisória o imposto sobre grandes fortunas (153, VII), os impostos previstos no art. 154, I, bem como as contribuições de competência residual previstas no art. 195, §4º.

Finalmente, os impostos, em geral, da competência da União, podem ser instituídos ou majorados por Medida Provisória, sendo que só produzirão efeitos no exercício seguinte ao da sua conversão em lei.

Ocorre que, em verdade, padeceria de certa incoerência a permissão pela Emenda de instituição ou majoração de tributos através de Medida Provisória. Isto porque, ao permiti-la, a Emenda impôs a condição de ser a Medida Provisória convertida em lei antes do exercício em que será cobrado o tributo. Dispôs ainda que "se a medida não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando" (§6ºdo art. 62).

Ora, sendo assim, a hipótese de instituição de tributos através de Medida Provisória coincidiria com a previsão constitucional do art. 64, §2º que disciplina as leis de iniciativa do Presidente da República em caráter de urgência e que tem o mesmo prazo de apreciação (45 dias). A única diferença entre os dois procedimentos residiria no fato de que na hipótese do referido art. 64, apesar das demais votações ficarem sobrestadas até que se aprecie a lei, há a ressalva de não ficarem sobrestadas as deliberações legislativas constitucionais da respectiva casa (projetos de código), que tenham prazo determinado. Esta única diferença, a nosso ver, não justifica a exceção ao princípio da estrita legalidade, elementar do sistema tributário brasileiro.

Enfim, diríamos que é de certa forma incongruente a disposição do constituinte derivado. Ao mesmo tempo que permite a instituição de tributos através de Medidas Provisórias, dispõe que os impostos só poderão ser exigidos no exercício seguinte em que a Medida houver sido convertida em lei, assegurando assim o princípio da legalidade. Por outro lado, faz previsão desnecessária, vez que a Constituição já dispõe de mecanismo semelhante para a edição de lei em caráter de urgência.

Poderíamos ainda levantar aqui a hipótese de questionar-se a constitucionalidade da emenda, visto que já ficou demonstrada a afronta à sistemática principiológica constitucional tributária na hipótese de instituição ou majoração de tributos por intermédio de Medida Provisória.

Há tempos já se sustenta a possibilidade de normas constitucionais revelarem-se inconstitucionais. Neste sentido, bem explica MARCELO RIBEIRO DE OLIVEIRA e BRUNO NOURA DE MORAES REGO:

"Conforme pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade de emenda constitucional pode ser impugnada de duas maneiras: antes de sua promulgação, ou seja, ainda em fase de tramitação legislativa quando há um projeto de emenda constitucional tendente a abolir uma das cláusulas pétreas, por meio de mandado de segurança impetrado por parlamentar, que dispõe do direito subjetivo público de ver elaborado pelo Poder Legislativo atos incompatíveis com o texto constitucional; ou depois da promulgação da emenda constitucional, por meio de ação direta de inconstitucionalidade, no qual se requereria a declaração de sua inconstitucionalidade. Essas hipóteses, que podem ensejar decisões da nossa corte constitucional, não excluem uma declaração de inconstitucionalidade no controle difuso, a ser realizada por qualquer juiz". (25)

No julgamento da ADIN nº830/93, de relatoria do Ministro Moreira Alves, ficou explicitamente admitida esta possibilidade. São trechos do voto do Ministro Relator:

" Não há dúvida de que, em face do nosso sistema constitucional, é, esta Corte competente para, em controle difuso ou concentrado, examinar a constitucionalidade, ou não de emenda constitucional - como sucede no caso - impugnada por violadora de cláusulas pétreas explícitas ou implícitas".

Vale lembrar ainda que o STF recentemente decidiu em sede de cautelar em ação direta de inconstitucionalidade pela suspensão da eficácia de parte da Emenda Constitucional que pretendia excluir a obediência ao princípio da anterioridade em relação à cobrança do IPMF.

Seria possível argumentar, numa eventual Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a Emenda Constitucional nº 32, que ao permitir a instituição e majoração de tributos através de Medidas Provisórias, o constituinte estaria incorrendo em flagrante inconstitucionalidade baseado nos seguintes argumentos.

O art. 60 § 4º inciso IV dispõe que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. O § 2º do art. 5º da Constituição Federal que dispõe sobre os direitos e garantias individuais, por sua vez, reza que "os direito e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados". Poderíamos inferir deste dispositivo que a sistemática principiológica tributária estabelecida pela Constituição pertenceria, analogamente, ao rol de direitos fundamentais. Neste sentido, não seria possível a promulgação de emenda que afrontasse os princípios constitucionais tributários. Além disto, o princípio da legalidade é derivado do princípio da segurança jurídica que trata-se, por sua vez, de direito fundamental, cláusula pétrea, que não pode, portanto, ser modificado ou subtraído através de Emenda Constitucional.

A nosso ver, a Emenda Constitucional nº 32 incorre em tal inconstitucionalidade. Afronta o princípio da estrita legalidade tributária bem como da segurança jurídica, basilares do sistema constitucional tributário, como tentamos demonstrar neste trabalho.

Fica aqui levantada apenas uma hipótese. Seria necessário estudo mais aprofundado da questão para demonstrar sua real viabilidade.

A Emenda levanta ainda outras questões. A doutrina e jurisprudência têm sustentado a possibilidade do direito à repetição de indébito em caso de pronúncia de inconstitucionalidade da norma impositiva tributária pelo STF. A Emenda dispôs que não editado o decreto legislativo para disciplinar as relações jurídicas travadas sob a égide da Medida Provisória não convertida em lei ou rejeitada, até sessenta dias após a rejeição ou perda da eficácia de Medida Provisória, as relações constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

Neste sentido, caso a Medida Provisória tenha criado tributo inconstitucional, a sua não conversão em lei impedirá o surgimento do direito de repetição, já que as relações jurídicas deverão ser regidas pela norma inconstitucional? PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA entende que a resposta é negativa, "posto que o enunciado prescritivo sob exame versa sobre eficácia de norma jurídica, e não sobre a sua validade. A inconstitucionalidade é um problema ligado à validade da norma, e não a sua eficácia".

Outra dúvida vem a cena: poderá a Medida Provisória não convertida, cujos efeitos não tiverem sido disciplinados pelo Congresso Nacional, ser objeto de ADIN? O STF tem entendido que a mencionada ação perde o objeto quando o ato normativo impugnado deixa de vigorar. Mas, neste caso, o ato normativo continua em vigor, já que continua a produzir efeitos, razão pela qual seria cabível referido remédio jurídico.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Luciana Furtado. Medidas provisórias e matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 550, 8 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6164. Acesso em: 23 dez. 2024.

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