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Medidas provisórias e matéria tributária

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08/01/2005 às 00:00
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. As Medidas Provisórias estão previstas no art. 62 da Constituição Federal de 1988 que, até a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, não dispunha sobre os limites materiais da mesma, limitando-se a impor a circunstância de relevância e urgência. Havia, portanto, grande discussão acerca do seu cabimento para a instituição ou majoração de tributos.

2. Medida Provisória é instrumento normativo que tem como antecedente imediato o antigo decreto-lei, mas dele se diferencia em vários aspectos. Portanto, não são extensivas à Medida Provisória certas interpretações sobre o antigo instituto como pretende o Supremo Tribunal Federal no que concerne à instituição e majoração de tributos.

3. Medida Provisória tem "força de lei", mas não é lei e desta se diferencia substancialmente. Há desrespeito, portanto, ao princípio da legalidade na instituição ou majoração de tributos através deste instrumento normativo.

4. Os pressupostos da medida provisória: relevância e urgência são circunstâncias especiais que devem se configurar apenas em "casos graves" e inadiáveis. Cabe ao Poder Executivo, em princípio, eleger tais circunstâncias. O Legislativo vai analisá-las posteriormente, convertendo ou não em lei a Medida Provisória. Ao Judiciário, cabe adentrar ao mérito apenas em situações nas quais fica patente o excesso do Executivo no poder de legislar.

5. A Emenda Constitucional detalhou o procedimento de aprovação das Medidas Provisórias, pondo fim ao abuso das reiteradas reedições. Ficou proibida a reedição de Medida Provisória após o término do prazo de eficácia que, por sua vez, foi ampliado de 30 para 60, ou melhor, 120 dias, visto que, se a medida não for convertida em lei em sessenta dias, o prazo será automaticamente prorrogado por uma única vez. Em verdade, se quadruplicou o prazo de eficácia. Outras disposições sobre o procedimento foram adequadas, mas a Emenda pecou em certos aspectos.

6. A Emenda estabeleceu as matérias sobre as quais não podem versar as Medidas Provisórias. A matéria tributária não foi incluída neste rol.

7. As discussões em torno da Medida Provisória e a matéria tributária modificaram-se com a promulgação da Emenda.

8. Antes da Emenda, havia a corrente que defendia a constitucionalidade da instituição ou majoração de tributos através de Medidas Provisórias, alegando que a Constituição não estabeleceu limites materiais, portanto podiam as Medidas Provisórias versar sobre qualquer matéria. E ainda, a Medida Provisória tem "força de lei", portanto, não se estaria ferindo o princípio da legalidade. Esta é a posição do Supremo Tribunal Federal e com a qual discordamos.

9. A doutrina majoritária sustenta a inconstitucionalidade da instituição e majoração de tributos através da Medida Provisória, tendo em vista que o caráter precário, efêmero, de eficácia imediata deste instrumento normativo é contrário ao princípio da anterioridade que caracteriza a norma tributária, bem como fere o princípio da estrita legalidade tributária que prevê que os tributos só podem ser instituídos ou majorados através de lei e, finalmente, afrontam o princípio da não-surpresa ou da segurança jurídica que protege o contribuinte de ser surpreendido por alguma norma. Alguns doutrinadores chegavam a admitir a Medida Provisória para instituir empréstimos compulsórios em caso de guerra ou calamidade pública, e impostos extraordinários de guerra que não precisavam atender ao princípio da anterioridade. No entanto, o legislador constituinte já dispôs sobre as circunstâncias de relevância e urgência em matéria tributária, prevendo de forma específica outros procedimentos que não a Medida Provisória. Portanto, nenhum tributo poderia ser instituído ou majorado por Medida Provisória.

10. As alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 32/2001 repercutem no campo tributário. A matéria tributária pode, a partir de então, ser veiculada por Medida Provisória, já que não foi expressamente incluída dentre as vedações do art. 62, I. As Medidas Provisórias podem criar ou majorar tributos, com exceção das exações que necessitam ser instituídas por lei complementar. A cobrança dos impostos instituídos por meio de Medida Provisória depende da conversão desta em lei antes do exercício financeiro em que a exação deve ser exigida.

11. Os tributos mencionados no art. 153 § 1º da Constituição Federal poderão ter as suas alíquotas alteradas por meio de Medida Provisória, todavia caso a exação seja instituída por Medida Provisória, só produzirá efeitos no exercício seguinte em que houver sido convertida em lei. Em verdade, a permissão para majorar as alíquotas através de Medidas Provisórias é inútil, visto que o Presidente da República pode fazê-lo por mero ato administrativo - decreto ou resolução.

12.Os impostos extraordinários poderão ser criados e exigidos por Medida Provisória, independente de conversão em lei. Mas, para fazê-lo, é concedido ao Presidente da República instrumento mais expedito e eficiente: a decretação do estado de sítio, mediante autorização da maioria absoluta dos integrantes do Congresso Nacional (art. 137 e seu parágrafo único).

13. Ficou permitida, sem restrições, a instituição de contribuições para a seguridade social por meio de Medida Provisória. A exação só poderá ser exigida após o prazo de noventa dias, que começará a fluir a partir da edição da Medida. O contribuinte, neste caso, saiu beneficiado, visto que o Supremo já entendia que o prazo nonagesimal, antes da Emenda, contava-se a partir da edição da primeira Medida Provisória. Seria possível, portanto, que o contribuinte tivesse que pagar a exação antes da sua conversão em lei. Agora, há um prazo para que a Medida seja convertida em lei. Portanto, no momento de pagar a exação, esta já estará certamente estabelecida por lei.

14. Ao dispor que é necessária a conversão da Medida Provisória em lei para que produza efeitos e que se a medida não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados da publicação entrará em regime de urgência, a Emenda incorre em certa incoerência já que coincidiria com a previsão constitucional do art. 64, §2º que disciplina as leis de iniciativa do Presidente da República em caráter de urgência e que tem o mesmo prazo de apreciação (45 dias). A única diferença entre os dois procedimentos residiria no fato de que na hipótese do referido art. 64, apesar das demais votações ficarem sobrestadas até que se aprecie a lei, há a ressalva de não ficarem sobrestadas as deliberações legislativas constitucionais da respectiva casa, que tenham prazo determinado. Talvez esta única diferença não justifique a exceção ao princípio da estrita legalidade.

15. Poderíamos concluir, portanto, pela desnecessidade da permissão da Emenda Constitucional no que concerne à edição de Medida Provisória para instituição ou majoração de impostos. Por outro lado, através do dispositivo, a Emenda resguardou o princípio da legalidade, já que tais exações só serão exigidas do contribuinte após a sua conversão em lei. Quanto aos demais tributos, como as contribuições sociais por exemplo, no entanto, prevalece um certo desrespeito ao princípio da legalidade tributária.

16. A Emenda Constitucional nº 32 poderia ser questionada em ADIN no que concerne à permissão de que a Medida Provisória verse sobre matéria tributária. Isto porque, de acordo com os argumentos da doutrina dominante, instituir ou majorar tributos através de Medidas Provisórias configuraria uma afronta à base principiológica do sistema constitucional tributário, especificamente ao princípio da segurança jurídica que está incluído entre os direitos fundamentais, que são clausulas pétreas, não passíveis de modificação ou subtração através de Emenda Constitucional.

18.Caso a Medida Provisória tenha instituído tributo inconstitucional, não se impedirá a repetição do indébito tributário visto que o § 11 do art. 62 refere-se à eficácia e não validade dos fatos jurídicos realizados na vigência da Medida Provisória.


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Notas

1 DESLANDES, 1992: 61

2 PIMENTA, 2001:100

3 BOTELHO, 1994:30

4 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p.122. citado por BOTELHO, 1994: 31

5 BOTELHO, 1994:74

6 COELHO, 1993: 195

7 COELHO, 1993: 195.

8 MELLO, 1999: 59.

9 COELHO, 1993: 195.

10 BALEEIRO, 1999:104

11 ATALIBA, 1998:169

12 MELLO, 2002: 107

13 MELLO, 1999:76

14 RODRIGUES, 2000:115-116

15 MELLO, 2002:115

16 NICOLAU, 2001: 2.

17 MELLO, 2002:109

18 PIMENTA, 2001:101

19 BALEEIRO, 1999:59

20 Tema abordado no tópico 5.1 deste trabalho, em detalhes.

21 COELHO, 1999: 224 -225

22 COELHO, 1999: 223

23 CARRAZA, 1995:177

24 BALEEIRO, 1999: 57

25 REGO, 2001: 59

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MORAES, Luciana Furtado. Medidas provisórias e matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 550, 8 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6164. Acesso em: 18 abr. 2024.

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