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Excluídos da sucessão

07/11/2017 às 14:55
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Introdução:

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, o conceito e fundamento de indignidade seriam: “A sucessão hereditária assenta em uma razão de ordem ética: a afeição real ou presumida do defunto ao herdeiro ou legatário. Tal afeição deve despertar e manter neste o sentimento da gratidão ou, pelo menos, do acatamento e respeito à pessoa do de cujus e às suas vontades e disposições. A quebra dessa afetividade, mediante a prática de atos inequívocos de desapreço e menosprezo para com o autor da herança, e mesmo de atos reprováveis ou delituosos contra a sua pessoa, torna o herdeiro ou o legatário indignos de recolher os bens hereditários”.

Segundo o nosso ordenamento jurídico, desde a abertura da sucessão o sucessor dispõe de direitos adquiridos, designadamente posse e propriedade dos bens abrangidos pela herança. Contudo, diante de práticas de atos reprováveis previstos em lei, o instituto da sucessão prevê hipóteses de retirar desse herdeiro o seu direito adquirido à herança.

São dois os institutos que determinam essa exclusão:

  1. Indignidade, previsto nos artigos 1814 a 1818 do Código Civil;
  2. Deserdação, previsto nos artigos 1961 a 1964 do Código Civil.

Ambos os institutos caracterizam-se por serem atos reprováveis e ilícitos, retirando do herdeiro sua vocação hereditária, passando a ser considerado como se morto fosse para que, dessa forma, seus filhos ou ascendente não percam o direito a receber essa herança. Atribui-se esse efeito à exclusão por conta do princípio da

Tais institutos diferenciam-se dos demais presentes no Código Civil pelo fato de, enquanto as outras sanções prevê o dever de indenizar perante um ato ilícito, este retira de alguém seu direito adquirido.

O ponto principal de diferenciação entre a indignidade e a deserdação é que a primeira atinge tanto os herdeiros testamentários quanto os legatários, enquanto a segunda abrange somente o herdeiro legatário.

Segundo , a previsão destes institutos tem por finalidade proteger os direitos da personalidade do autor da herança, preservando a sua personalidade e resguardando sua honra, pois, diante da prática de tais ilicitudes, o testador tem a sua reputação, como também seu sentimento pessoal de estima sobre si mesmo, atingidos.

Abaixo, passaremos a diferenciar cada um separadamente.


Indignidade:

Esta forma de exclusão pode atingir qualquer modalidade de sucessor, sendo eles legais ou testamentários, desde que pratiquem qualquer dos atos previstos no artigo 1814 do Código Civil:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Portanto, para ser considerado indigno, é necessário que o herdeiro ou legatário pratique atos atentatórios à vida, à honra e a liberdade do testador, necessitando, em alguns casos, de comprovação no judiciário.

Nas palavras de Orlando Gomes, o fundamento da indignidade “encontra-se, para alguns, na presumida vontade do de cujus, que excluiria o herdeiro se houvesse feito declaração de última vontade. Preferem outros atribuir os efeitos da indignidade, previstos na lei, ao propósito de prevenir ou reprimir o ato ilícito, impondo uma pena civil ao transgressor, independentemente da sanção penal”.

Temos que a indignidade é uma espécie de sanção civil, gerando a perda do direito sucessório. Segundo Clóvis Beviláqua, “é a privação do direito, cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou ao interesse do hereditando”.

São três as formas de exclusão por indignidade:

A)Atos contra a vida: ocorrerá quando o herdeiro for autor, coator ou partícipe de um homicídio doloso em sua forma tentada ou consumada, seja contra o próprio testador, seja contra seu conjugue, companheiro (a), ascendente ou descendente. Note-se que é necessário que o crime seja doloso, não estando abrangido aqui quando se tratar de sua forma culposa. Não é necessário que ocorra ação penal condenatória para poder excluir o indigno da sucessão, bastando apenas que se comprove o homicídio ou a tentativa deste. O evento mais conhecido dessa forma de exclusão foi o “Caso Richthofen” em que a filha do casal, Suzane Richthofen, organizou junto com seu namorado e cunhado a morte de seus pais, visando ficar com a herança e, dessa forma, dividi-la com seu namorado. Durante os primeiros anos de julgamento ela se utilizou da herança para pagar as custas de seu processo, inclusive honorários advocatícios, porém em 2011 foi considerada indigna através de ação movida por seu irmão Andreas, sendo excluída definitivamente da sucessão em 2015.

B)Atos contra a honra: neste caso, a exclusão se dará quando o sucessor enquadrar-se em uma das duas formas de conduta: 1) Ser condenado em crimes contra a honra; 2) Praticar uma calúnia em juízo. Esta forma abrange os atos praticados contra o autor da herança, seu conjugue ou companheiro (a). Aqui, será necessária a ação penal, ou seja, o autor precisa ser condenado por um dos crimes contra a honra. Dispensa-se a ação penal quando a ofensa for proferida em um Juízo, porém não é qualquer juízo, precisa ter uma ligação (por exemplo, se o sucessor acusar o testador de homicídio sabendo ser mentira, a calúnia precisará ocorrer em um juízo criminal; se ocorrer em um juízo cível, necessitará de ação penal). Igualmente, a ofensa se dando em lugares diversos (como bares, restaurantes, ambiente de trabalho), será necessária a condenação penal do herdeiro para que se dê a exclusão.

C)Atos contra a liberdade de testar: ocorrerá quando o herdeiro atentar contra a liberdade do autor em testar. Por ser a maior liberdade que temos, sempre que o sucessor inibir ou obstar que essa vontade exista, caracterizará um ilícito. Inibir caracteriza-se quando o sucessor não deixar que o testador realize o testamento, diferente de obstar, em que já existe o testamento, porém o herdeiro usa de violência ou fraude para impedir que ele se realize. O princípio básico do Direito Sucessório é a liberdade de decidirmos qual regra sucessória queremos em nosso testamento, tipificando a ocorrência de um ato indigno sempre que, de alguma forma, o de cujos tiver esse direito dificultado.

Contudo, para que se concretize a exclusão do indigno, é necessário que se mova a “Ação declaratória de Indignidade”, e que se profira sentença o considerando culpado.

Segundo o parágrafo único do artigo 1815, o prazo para propor esta ação será de 4 anos, contado da data da abertura da sucessão e não do ato praticado. Quem deve entrar com essa ação são os interessados na herança, ou seja, os demais herdeiros, não tendo o Ministério Público legitimidade para tanto.

O efeito da sentença será ex tunc, considerando o herdeiro excluído como morto para que, dessa forma, seus filhos não percam o direito de receber esta herança. A pena deve atingir apenas o condenado, por isso o considera morto, para que seus descendentes não sejam atingidos. Se fosse considerado como inexistente, seus filhos não teriam direito a receber tal herança. Contudo, a herança que o filho do indigno receber jamais poderá voltar ao herdeiro excluído.

Dessa forma, a Saisine redistribui a herança, dividindo a cota equivalente ao indigno igualmente entre os demais herdeiros. Se o herdeiro excluído vender o bem da herança, será obrigado a devolver o dinheiro da venda aos demais não excluídos. Se alugar o imóvel, será obrigado a devolver o dinheiro que conseguiu com os aluguéis (podendo ser ressarcido dos gastos que teve com a conservação do bem).

Porém, o testador pode perdoar o herdeiro indigno, reabilitando-o. Este perdão deve ser realizado de forma expressa, não existindo na forma tácita, podendo ser feito em qualquer documento e não necessariamente por testamento (mas recomenda-se que realize o perdão por testamento, para que não seja contestado), tendo efeito somente após a morte do autor.

No entanto, se o testador não faz nenhum documento perdoando o herdeiro indigno, mas após este cometer algum dos atos previstos no artigo 1814, aquele faz um novo testamento contemplando-o com algum bem, o excluído terá direito a receber somente o que está previsto neste testamento e não o que teria direito pelo outro testamento ou por lei (pois, como já foi dito, não existe perdão tácito). Contudo, se o testador não sabia que foi o referido herdeiro que cometeu o ato de indignidade, o excluído não terá direito a receber nada, inclusive o bem do qual foi contemplado no novo testamento.


Deserdação:

O instituto da Deserdação tem origens muito remotas, não sendo uma regulamentação nova como alguns podem pensar, onde o pai, com o consentimento do juiz, podia retirar do filho o direito à legitima. Carlos Roberto Gonçalves muito sabiamente explica tal origem: “Historicamente, a deserdação é uma instituição que vem de remotas eras, pois se encontra no Código de Hamurabi, que data de 2000 anos antes de Cristo, e pelo qual o pai podia deserdar o filho indigno, dependendo, porém, o seu ato da confirmação do juiz. A legislação moderna sobre a deserdação procede do direito romano, principalmente da Novela 115 de Justiniano, que deu lugar, depois dos glosadores, a vivas controvérsias sobre a invalidade da instituição de herdeiro, em caso de deserdação injustificada”.

Esta forma de exclusão atinge tão somente os herdeiros necessários do autor da herança, retirando daqueles o seu direito garantido por lei à sucessão. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves: “Deserdação é o ato unilateral pelo qual o testador exclui da sucessão herdeiro necessário, mediante disposição testamentária motivada em uma das causas previstas em lei”.

É indispensável a manifestação de vontade do testador através do testamento, imputando ao herdeiro a prática desse ato reprovável. Ou seja, além de apontar a pessoa que será deserdada, deve-se demonstrar a causa que justifica a deserdação, devendo ser feito único e exclusivamente de forma testamentária.

As causas próprias de Deserdação encontram-se elencadas nos artigos 1962 e 1963, sendo eles:

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

Portanto, o legatário pode ser excluído tanto pelas causas próprias, quando pelas causas de indignidade já estudadas (art.1814).

Porém, não há previsão da possibilidade da Deserdação do conjugue do testador, podendo ser excluído apenas pelas causas de indignidade. Ou seja, o instituto da Deserdação não atinge o conjugue, apenas os ascendentes e descendentes do de cujos.

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Note-se que as causas autorizadoras da deserdação dos descendentes por seus ascendentes e dos ascendentes por seus descendentes são as mesmas, devendo o testamento ser válido para que ocorra efetivamente a exclusão. Caso o testamento venha a ser declarado nulo, nenhum valor terá a deserdação que nele conste.

No caso de injúria grave, não será necessário que ocorra condenação penal do ato, bastando apenas que reste comprovado.

As relações ilícitas das quais se referem os artigos caracterizam-se por relações sexuais, abrangendo tanto o Casamento quanto a União Estável. Porém, só serão deserdados o pai/mãe ou filho (a) que pratiquem tal ilicitude com o padrasto/ madrasta, ou com o marido/esposa/companheiro (a) do filho (a) ou neto (a). O Conjugue ou companheiro (a), como já citado, não pode sofrer deserdação.

Tratando-se de alienação mental, o autor da herança provavelmente estará interditado e com curador, portanto não poderá deserdar, visto que este ato cabe exclusivamente ao testador, não podendo terceiro fazer por ele. Logo, será necessário que o autor seja declarado curado da alienação mental e não mais esteja interditado para só então poder realizar a exclusão da sucessão de determinado herdeiro.

Além de constar em testamento, a deserdação deve ser declarada por sentença através da “Ação declaratória de deserdação”. Assim como na indignidade, quem deve propor esta ação são os interessados na herança, ou seja, os demais herdeiros. O prazo prescricional para propô-la será de 4 anos, a contar da sentença que dá abertura ao testamento ( Ação de abertura, publicidade e registro de testamento).

Deve-se sempre comprovar o motivo da deserdação, juntando-se aos autos provas de que o ato ilícito ocorreu, o que acaba sendo um grande problema, pois, na maioria dos casos, transcorreu um grande período de tempo desde o ato reprovável e a morte do de cujos, restando perdidas tais provas. Seria o caso, por exemplo, do filho que tenta matar o pai no ano de 1980, vindo o pai a falecer somente em 2017; feita a abertura da sucessão, deverá juntar à ação o testamento, o boletim de ocorrência da tentativa de homicídio, a sentença penal condenatória da época, para só então excluir o filho da sucessão, o que muitas vezes é quase impossível de ocorrer por conta da inexistência de tais documentos devido ao tempo transcorrido.

Ademais, a prova do ilícito cabe aos demais herdeiros que estão movendo a ação declaratória de deserdação. Sendo procedente, a sentença declarará o deserdado como morto, assim como na indignidade, para que seus descendentes não sejam atingidos e a pena restrinja-se apenas à pessoa condenada.

É possível que haja o perdão do deserdado, devendo ser realizado de forma expressa, jamais tácita, sendo possível apenas através de outro testamento. Conforme o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves: “Pode ser concedido perdão ao deserdado somente em novo testamento. A simples reconciliação do testador com o deserdado não invalida a pena. Como a sanção é imposta no ato de última vontade, só será relevada pela via adequada da revogação testamentária”.


Considerações Finais:

Concluímos, portanto, que, apesar dos institutos da indignidade e deserdação terem determinadas diferenças, os efeitos práticos de ambos são os mesmo, ou seja, afastar o herdeiro considerado culpado da sucessão, privando-o de um direito que lhe era garantido. Este herdeiro é considerado como morto e sua cota hereditária será dividida entre os demais herdeiros. Tratando-se de herdeiro legatário, caso possua filhos, estes serão chamados à sucessão para representar o excluído no recebimento da herança, podendo herdar tão somente a parte que teria direito o herdeiro indigno/deserdado se viesse a suceder.

Desta forma, tais institutos buscam preservar e proteger o respeito à pessoa do de cujos e as suas vontades e disposições, impondo uma sanção a aqueles herdeiros que cometerem atos de desapreço e menosprezo para com o testador, restando claro a quebra da efetividade entre as partes. Portanto, seria uma ofensa ao autor da herança que aquele que praticou atos reprováveis contra a sua pessoa viesse a receber os bens da herança, cabendo aos institutos estudados excluir referido herdeiro da sucessão e, dessa forma, buscar a melhor aplicação do Direito e da Justiça.


Bibliografia:

  1. GONÇALVES, Carlos Roberto. – Direito Civil Brasileiro – Vol. VII – Direito das Sucessões - 6º Ed. 2012 – São Paulo - Editora Saraiva.
  2. STOLZE, Pablo. PAMPLONA, Rodolfo. – Novo Curso de Direito Civil – Vol. VII – Direito das Sucessões – 3º Ed. 2016 – São Paulo – Editora Saraiva.
  3. GOMES, Orlando. – Sucessões – 16º Ed. 2015 – Rio de Janeiro – Editora Forense.
  4. BEVILÁQUA, Clóvis. – Direito das Sucessões – 1º Ed. 1978 – Rio de Janeiro – Editora Rio.

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Sobre a autora
Carolina Baricalla Brandão

Estudante de Direito do 4º ano

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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