No exercício de suas atividades as empresas de incorporação e construção civil adquirem, por sua conta, matérias-primas gravadas com o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, os quais acumulam-se contabilmente sem poderem ser aproveitados, em vista de que os imóveis não sofrem a incidência do referido imposto.
Assim, as construtoras adquirem insumos dos respectivos fabricantes cujas Notas Fiscais já vêm com destaque do IPI, e dos comerciantes atacadistas, que apesar de não terem o IPI destacado sobre a Nota Fiscal sofreram a incidência do aludido tributo no momento em que essas empresas comerciais atacadistas os adquiriram dos respectivos fabricantes. Neste último caso, o valor correspondente à exação é repassado integralmente às construtoras, embutido em seus valores venais.
Contudo, a Fazenda Nacional veda o creditamento e a utilização dos créditos do IPI decorrente da aquisição dos insumos tributados por esse imposto e utilizados no curso do processo produtivo das empresas do ramo de construção civil, dispondo que todos esses créditos devem ser anulados mediante estorno da sua escrita fiscal e contábil, em face destas empresas não sofrerem a incidência do IPI quando da industrialização dos seus produtos, e, ainda, por serem elas tributadas pelo Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI.
Entretanto, tal restrição é ilegal e inconstitucional, dando ensejo à propositura de ação judicial adequada visando ver reconhecido o direito à utilização dos citados créditos.
Vale dizer, o tratamento tributário dispensado pela legislação ordinária às empresas de construção civil, no que tange ao direito ao creditamento do IPI incidente sobre seus insumos, constitui uma violação frontal ao princípio da não cumulatividade tributária, consagrada em nosso Código de Processo Civil e em nossa Carta Magna.
Ressalte-se constituir um dos traços mais marcantes da aludida exação a obediência ao princípio da não cumulatividade, o qual não pode ter seu alcance restringido seja por normas infraconstitucionais, seja por interpretação exegética, consoante infere-se do artigo 153, §3º, II de nossa Constituição Federal, abaixo in verbis:
" Art. 153. (...)
(...)
II – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores."
O princípio da não cumulatividade consiste em, para efeito de apuração do tributo devido, deduzir-se do imposto incidente sobre a saída de produtos industrializados, o imposto já cobrado nas operações anteriores relativamente aos insumos necessários à sua industrialização. Assim, impossibilita-se que o imposto seja cobrado nas várias etapas da cadeia produtiva de forma integral e sucessiva, impedindo, por conseguinte, uma bitributação.
Desta forma, evita-se a chamada "incidência em cascata", vale dizer, "que as incidências integrais e sucessivas, nas entradas e saídas, se agreguem ao preço, significando imposto sobre imposto" [1], a qual já se mostrou maléfica para o sistema produtivo, a ponto de o legislador substituir em 1965 o Imposto sobre Consumo pela Imposto sobre Produtos Industrializados, adotando a técnica da não cumulatividade que vige até os dias atuais.
Ante o texto constitucional supra transcrito, constatamos inexistirem quaisquer limitações ao exercício da compensação, tendo o legislador constituinte objetivado desonerar o contribuinte do IPI, reduzindo a carga incidente sobre seus custos de produção, conseqüentemente, reduzindo o preço do bem ofertado ao consumidor final.
Imperiosas fazem-se as palavras de Eduardo Domingos Bottalo [2] ao comentar a posição da União, face ao princípio acima citado:
"A não cumulatividade é técnica que se volta contra a União, na medida em que cada incidência do imposto determina, inexoravelmente, o surgimento de uma relação de crédito, em favor dos contribuintes.
A expressão ´compensando-se´ o que for devido confere ao contribuinte um direito de abatimento que serve de freio à ação do Poder Público, no caso deste pretender agir de modo a contrariar a Lei Maior, seja na instituição (ação legislativa), seja na cobrança (ação administrativa) do tributo em exame.
Há, aqui, a atribuição ao contribuinte de um direito subjetivo: o de que o princípio seja fielmente observado, em cada caso.
Assim, o contribuinte está habilitado a fazer valer o seu direito à não cumulatividade apenas com base no que, a respeito, consta do Texto Magno, independentemente, portanto, do que possa vir a figurar em lei ordinária ou mesmo complementar."
Neste diapasão, concluímos que o comando constante no Decreto nº 4.55/02, mantendo o entendimento já adotado nos Decretos nº 34/65 e 87.981/82 e Lei nº 7.798/89, no sentido de que deverá ser anulado, mediante estorno na escrita fiscal, o crédito do imposto relativo a matérias primas, produtos intermediários e material de embalagem que tenham sido empregados na industrialização de produtos isentos, não tributados ou que tenham suas alíquotas reduzidas à zero padece de vício de ilegalidade e inconstitucionalidade, ante a ofensa ao princípio da não cumulatividade, fartamente explicitado.
Entretanto, cabe ainda demonstrar enquadrarem-se as empresas de construção civil como empresas industriais, a fim de configurar a incidência da norma supra transcrita sobre estas empresas.
Embora haja divergências entre os Municípios, Estados e a União acerca da natureza jurídica das empresas do ramo de construção civil, haja vista que os Municípios as consideram prestadoras de serviço, para fins de incidência do ISS; os Estados as enquadram como empresas comerciais, para fins de incidência do ICMS; e a União as incluem como empresas industriais para fins de recolhimento das contribuições para Serviço Social da Indústria – SESI e Serviço Nacional de Aprendizagem – SENAI, entendemos que neste último pousa sua correta classificação.
Comprova-se a veracidade de tal assertiva no fato das empresas de construção civil serem contribuintes dos tributos supra descritos, as quais possuem como fato gerador o fato da pessoa jurídica ser estabelecimento industrial, além de encontrarem-se filiadas ao Sindicato das Indústrias da Construção Civil – SIDUSCON e, conseqüentemente, vinculadas à Confederação Nacional de Indústria – CNI.
Ademais, o próprio Regulamento do IPI – Decreto nº 4.544/02 – em seu artigo 4º, I, ao estabelecer como atividade de industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, inclui no seu rol atividades inerente às empresas de construção civil, o que nos leva a concluir serem elas empresas industriais:
"Art. 4º
Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, e Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único):I - a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação);
(...)" (grifo nosso)
Neste sentido vêm se manifestando os Tribunais pátrios, já havendo decisões recentes no Tribunal Regional Federal da 3ª Região - São Paulo - e no Tribunal Regional Federal da 5ª Região - Fortaleza, reconhecendo o direito da empresa de construção civil efetuar o crédito do imposto sobre produtos industrializados – IPI – pago nas aquisições de produtos utilizados em suas construções, devidamente corrigidos monetariamente pelos índices que refletem o poder de compra da moeda nacional, acrescido de juros compensatórios, e compensá-los no pagamento de tributos e contribuições de sua responsabilidade junto à Secretaria da Receita Federal.
Convém ainda mencionar que o STF já se manifestou no sentido de reconhecer o direito ao crédito presumido de IPI quando as indústrias adquirem produtos tributados à alíquota zero, isentos ou não tributados pelo IPI, utilizados na industrialização de produtos tributados, sob pena de agressão ao princípio da ao cumulatividade, o que nos leva a concluir serem grandes as possibilidades de êxito do contribuinte que ajuizar ação visando assegurar o levantamento dos créditos acumulados nos 10 (dez) anos anteriores à propositura da ação.
BIBLIOGRAFIA
1 – Fundamentos do IPI, AA. Eduardo Domingos Botallo, Ed. Revista dos Tribunais, 2002.
2 – IPI – Aspectos jurídicos relevantes, AA.:Marcelo Magalhães Peixoto, Ed. Quartier Latin, 2003.
3 – Tudo sobre o IPI, AA.: Raymundo Clóvis do Valle e Cabal Mascarenhas, Ed. Duaneiras, 2002.
4 – RET nº 35, IPI – Temas atuais, As indústrias de construção civil e o direito de aproveitamento dos créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, AA.: Manoel de Freitas Cavalcante, págs. 126 a 135.
Notas
1 Marcelo Magalhães Peixoto in IPI, aspectos jurídicos relevantes, Ed. Quartier Latin do Brasil, 2003, pág. 62.
2 Eduardo Domingos Batallo in Fundamentos do IPI, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, pág.44.