INTRODUÇÃO
Acontece de o contribuinte pagar imposto a mais, ou pagar em duplicidade, de forma que pode se valer do direito à repetição de indébito tributário para obter ressarcimento da aludida quantia.
Trata-se de um assunto relevante, haja vista a imensa carga tributária que existe no Brasil e a controvérsia, que em momentos ocorreu, em relação ao direito à repetição de indébito quanto aos tributos indiretos. Isso porque, até chegar ao consumidor final, os tributos muitas vezes são cumulados e, ao final, a carga tributária fica assustadora, o que acaba por interferir no custo de vida do cidadão e até mesmo na inflação e na balança comercial nacional.
1. TRIBUTOS E LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR
Segundo a Constituição Federal, o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.
O poder de tributar é também do povo, que o exerce por meio de representantes, eis que o Estado soberano pode invadir a esfera privada para exigir um imposto que irá manter a máquina pública, que exerce funções de caráter público, de forma que o imposto é uma forma de investimento do povo em favor de si.
Nesse sentido, assevera o doutrinador Eduardo Sabbag (2010), in verbis:
"É cediço que o Estado necessita, em sua atividade financeira, captar recursos materiais para manter sua estrutura, disponibilizando ao cidadão-contribuinte os serviços que lhe compete, como autêntico provedor das necessidades coletivas. A cobrança de tributos se mostra como uma inexorável forma de geração de receitas, permitindo que o Estado suporte as despesas necessárias à consecução de seus objetivos".
Mas o que são tributos? O Código Tributário Nacional conceitua tributo em seu artigo 3º, dispondo que:
“tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
E no artigo 5º, disciplina que os tributos são os impostos, as taxas e as contribuições de melhorias.
2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
É sabido, no âmbito acadêmico, que a administração pública segue o princípio da legalidade estrita, apenas podendo praticar atos mediante previsão expressa de lei, ao passo que o particular pode fazer tudo o que não seja vedado por lei.
O Direito Tributário naturalmente é todo disciplinado pelo ordenamento positivo, de forma que cobrança fora do legalmente previsto, ou fora de determinados princípios do Direito, pode ser objeto de remédios processuais, como a ação de repetição de indébito tributário.
Sobre a legalidade estrita, tem-se, na doutrina de Eduardo Sabbag o seguinte ensinamento:
“Nesse passo, não basta que se disponha na lei que um dado tributo fica assim instituído, deixando-se, por exemplo, para um ato infralegal a indicação da alíquota, de base de cálculo, do sujeito passivo ou do fato gerador. Ou, em outro giro, se houver omissão ou obscuridade quanto a esses elementos essenciais, descabe ao administrador e ao juiz integrarem a lei, colmatando a lacuna por analogia. (...)
Desse modo, a lei tributária deverá fixar, com hialina clareza, por exemplo, a alíquota, a base de cálculo, o sujeito passivo do tributo, a multa e o fato gerador, sendo-lhe vedadas as indicações genéricas no texto legal de tais rudimentos numerus clausus da tipologia cerrada.” SABBAG, 2014. p. 63/64)
Especificamente sobre o Princípio da legalidade nas hipóteses de repetição de indébito, tem-se na doutrina de COELHO, 2014:
“Decorre a restituição do pagamento efetivado em desacordo com a legislação pertinente e por consequência reduzindo o patrimônio, sem motivo justo, do contribuinte que suportou o ônus da cobrança. Com efeito, seu fundamento é a ideia de equidade, pois, como adverte Ricardo Lôbo Torres, “a ação visa precipuamente restituir o contribuinte à sua anterior capacidade contributiva e não o mero controle da legalidade formal dos atos da Administração.” (COELHO, 2014. p. 729)
3. IMPOSTOS INDIRETOS
Tributo direto é aquele que o contribuinte paga diretamente, mediante guia própria, exemplo: Imposto de renda.
Imposto indireto é aquele que não é pago diretamente pelo contribuinte, mas é pago quando se compra alguma mercadoria ou se consome algum serviço, Exemplo: comprar arroz ou café no supermercado, no preço da mercadoria está inserido ICMS, PIS e CONFINS, impostos que estão inseridos no valor final do produto adquirido pelo consumidor.
Os tributos indiretos são normalmente cobrados em toda a cadeia produtiva, tendo seus efeitos na formação dos preços pagos pelos consumidores finais e não percebidos por eles, na medida em que são partes indissociáveis dos preços. Nas fases anteriores ao consumo final, os participantes da cadeia produtiva podem ter direito ao abatimento de tributos pagos, dependendo da sua forma de tributação - cumulativa ou não-cumulativa. A tributação indireta, por estar incorporada aos preços, afeta, também a competitividade das organizações. Logo, o grau de afetação dos tributos indiretos sobre os preços depende da transferência desses tributos na cadeia produtiva que considera suas particularidades operacionais, que nem sempre encontra a exata previsibilidade nas respectivas legislações. Visa, pois, tributar os insumos e mercadorias comprados, pelo valor acrescido ao longo da cadeia de produção no qual seu negócio se insere. (Disponível em: < http://www.kpmg.com.br/publicacoes/tax/impostos_indiretos/Tributos_Indiretos_no_Brasil.pdf>. Acesso em agosto de 2017).
O imposto indireto é pago pelo fornecedor de produto ou serviço diretamente ao fisco. O contribuinte, por sua vez, incorpora a despesa do tributo ao valor final do tributo ou do serviço, dividindo com o consumidor os encargos tributários.
Na hipótese de os impostos indiretos, só quem pode comprovar que pagou tais impostos, tais como ISS, PIS, CONFIS, ISMS E IPI é o contribuinte que o pagou diretamente ao fisco, geralmente mediante guia de pagamento.
Na doutrina de SABBAG 2014, tem-se que:
“a) Impostos Diretos e Indiretos
O imposto direto é aquele que não repercute, uma vez que a carga econômica é suportada pelo contribuinte, ou seja, por aquele que deu ensejo ao fato imponível (exemplos: IR, IPTU, IPVA, ITBI, ITCMD etc).
Por outro lado, o imposto indireto é aquele cujo ônus tributário repercute em terceira pessoa, não sendo assumido pelo realizador do fato gerador. Vale dizer que, no âmbito do imposto indireto, transfere-se o ônus para o contribuinte de fato, não se onerando o contribuinte de direito (exemplos: ICMS e IPI).
Em resumo, enquanto o imposto direto é aquele em que não há repercussão econômica de encargo tributário, tendo “a virtude de poder graduar diretamente a soma devida por um contribuinte, de conformidade com sua capacidade contributiva, o imposto indireto é aquele em que o ônus financeiro do tributo é transferido ao consumidor final, por meio do fenômeno de repercussão econômica, não ligando “o ônus tributário a um evento jurídico ou material e não dispondo de um parâmetro direito para apurar a capacidade econômica do contribuinte.” (SABBAG, 2014. p. 424)
E na doutrina de AMARO, Luciano:
“repercutem financeiramente sobre um terceiro (o chamado contribuinte de fato), que acaba suportando o ônus do tributo, embutido geralmente no preço de bens ou serviços.” (AMARO, Luciano. 2006. p. 424)
4. DA AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO
O contribuinte possui o direito material de ser ressarcido em valor pago indevidamente ou a mais, a teor do que preceitua o artigo 165 do CTN, possui o direito de ser ressarcido por pagamento indevido, logo, possui o direito processual de ajuizar ação de repetição de indébito tributário, uma vez atendidos os demais requisitos e pressupostos processuais e condições da ação.
O interesse processual deriva da necessidade de obter um provimento jurisdicional que lhe autorize a obter de volta a quantia despendida indevidamente.
O Código Tributário Nacional (CTN) prevê, em seu artigo 165, as hipóteses em que o contribuinte possui o direito à repetição de indébito, in verbis:
Art. 165, CTN: a) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou a maior; b) erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota, do cálculo do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; c) reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
Segundo a doutrina de Ulysses Renato Pereira Rodrigues:
“É a ação utilizada pelo sujeito passivo para haver do sujeito ativo a restituição total ou parcial do tributo. Ela é prevista e permitida, ressalvada a hipótese do § 4º, do artigo 162, do Código Tributário Nacional, segundo o disposto no artigo 165 daquele Código.
Independentemente de prévio protesto e seja qual for a modalidade do seu pagamento, o sujeito passivo tem o direito à restituição total ou parcial do tributo, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstância mateiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
A ação visa restituir o contribuinte ao seu estado anterior de riqueza ou capacidade contributiva, como imperativo de Justiça, verdade ideal de Justiça e de equidade.
Tem legitimação ativa todo aquele que suportou o ônus da cobrança, isto é, aquele que, evidentemente sem suporte legal, sofreu redução em sua capacidade contributiva. A legitimação passiva da ação de repetição do indébito é do sujeito ativo da obrigação.
Todavia, extingue-se o direito de pleitear a restituição após o decurso do prazo de 5 anos, contados: da data da extinção do crédito tributário, nas hipóteses dos incisos I e II, do artigo 165, do Código Tributário Nacional; da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória, na hipótese do inciso III do referido artigo 165. É o que dispõe o artigo 168 do CTN.
É o prazo de decadência, embora o artigo 169 do CTN cuide, também, de prescrição.
Ademais, importante é observar que o Código Tributário Nacional, através do artigo 166, erigiu em norma geral de direito tributário o entendimento doutrinário e jurisprudencial traduzido na Súmula 71, ressalvada pela Súmua 546, sobre restituição de tributos chamados indiretos:
“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-lo.” (RODRIGUES, 1995. p. 109-110)
E, na doutrina de COÊLHO, 2014:
“A obrigação tributária é ex lege. Nela não prospera o brocardo do Direito Privado, segundo o qual quem paga mal paga duas vezes, nem se precisa comprovar a justeza do erro (em termos subjetivos.
Seja erro de direito, seja de fato, o tributo (pago indevidamente comporta restituição (ou compensação com futuros recolhimnetos).
“A norma prevê, em primeiro plano, a restituição do indébito tributário decorrente de erro de direito. Assim, nos termos do inciso I, in limine, verifica-se que a hipótese é de legalidade, tendo em vista que o dispositivo aplicável não socorre a Fazenda Pública. Neste caso, o tributo não guarda compatibilidade com a legislação pertinente, é inconstitucional sua cobrança, por isso que o contribuinte deve receber o que indevidamente foi recolhido. (COELHO, 2014. p. 729)
Sobre o titular do direito material ao reembolso do imposto indireto e, consequentemente, sujeito ativo da ação, tem-se, na doutrina de Luciano Amaro, o seguinte ensinamento:
“Conforme dispôs o art. 166 do Código Tributário Nacional, “a restituição que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.
A rigor, é inadequada a atribuição desta ou daquela natureza ao valor recolhido, pois se trata de indébito, aquilo que se recolheu não foi tributo, nem direto nem indireto. SE, numa dada situação, não havia tributo a recolher, e alguém foi posto na condição de devedor, o direito à restituição deriva do fato, do pagamento indevido, independente da análise que se possa fazer acerca das características do tributo a cujo título (indevidamente) tenha sido feito o recolhimento.
O preceito reporta-se aos chamados tributos indiretos, que, incidindo, embora, sobre o contribuinte “A” (dito contribuinte de direito) repercutem financeiramente sobre um terceiro (o chamado contribuinte de fato), que acaba suportando o ônus do tributo, embutido geralmente no preço de bens ou serviços.” (AMARO, Luciano. 2006. p. 424)