A capacidade de agir das pessoas e o direito intertemporal

14/11/2017 às 17:34
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Reflexões sobre a aplicação das leis nos casos de capacidade de agir das pessoas, à luz do direito intertemporal.

A doutrina tem ensinado que a capacidade de agir das pessoas funda-se sobre a lei e é simples faculdade, não constituindo direito adquirido, pelo que está sujeita à lei nova.

Coelho da Rocha(instituições de direito civil português, tomo I, 1917, pág. 241) ensinava que a capacidade, ou o estado civil das pessoas, regula-se pela lei nova, a qual pode fazer que um indivíduo, que antes era capaz de certos atos, se torne incapaz, ou vice-versa, salva a validade dos atos consumativos.

A doutrina no Brasil tem sido norteada, em geral, pelos seguintes princípios: se a lei nova reduz o número de anos que conferem a maioridade, aplica-se imediatamente; se, ao contrário, amplia esse número de anos, aplica-se aos que ainda não haviam atingido a maioridade na vigência da lei antiga, mas não fará recaírem na incapacidade aqueles que já haviam atingido a maioridade na vigência da lei antiga.

Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho(Lei de Introdução, volume I, pág. 398) e ainda no Tratado, volume II, pág. 291, sustentavam que o maior, de acordo com a lei antiga, não pode recair na incapacidade resultante da idade requerida pela lei nova. No mesmo sentido a lição de Carlos Maximiliano no seu Direito Intertemporal, pág. 87: “Lei que abrevia ou prolonga a menoridade aplica-se imediatamente a todos os menores; porém não aos que atingiram já a maioridade em virtude e sob o império de norma anterior.

Entretanto, se a lei nova abrevia o tempo da incapacidade, nem por isto valida os atos praticados por alguém em época em que seria menor segundo a lei então vigente, e maior, se estivesse já em vigor o diploma recente.”

Essa a linha do Código Civil suíço, artigo 5º, parágrafo segundo.

No ensinamento de Savigny(Traité de droit romain, VIII, pág. 407) toda a lei nova que prolonga ou reduz a minoridade aplica-se imediatamente a todos os menores, de maneira que nenhum deles poderia pretender possuir em virtude da antiga lei direito adquirido de tornar-se maior à época fixada por esta lei.

Diversa solução para os que, segundo à antiga lei, se haviam tornado maiores, mesmo que devessem ser ainda menores, segundo a nova lei; nessa hipótese a maioridade constitui um direito adquirido pelo decurso do termo fixado pela lei antiga.

No ensinamento de Savigny (obra citada, pág. 219), uma vez caracterizada a incapacidade, citando o exemplo da prodigalidade, as leis novas que agravam ou melhoram a situação do incapaz aplicam-se imediatamente. Diga-se o mesmo com relação a questão das interdições de direito.

A emancipação regula-se pela lei vigente ao tempo em que se verificou, não sofrendo influências da lei nova acerca dos casos em que se caracteriza ou da maneira porque se concretiza. Mas não seria, porém, retroativa, teria efeito imediato a lei nova que estabelecesse limitações à capacidade de menores emancipados, ressalvada a validade dos atos praticados na vigência da lei que não consagrasse tais limitações.

A lei que reduz o prazo necessário para a configuração da morte presumida aplica-se a partir da data de seu início de vigência, salvo se o prazo maior, previsto pela lei antiga, completar-se antes de completado o prazo menor previsto pela lei nova e computado a partir da data do início de vigência desta.

A comoriência, as presunções de morte simultânea ou sucessiva, regulam-se pela lei vigente ao tempo em que ocorreram os fatos em que tais presunções se norteiam.

A personalidade das pessoas jurídicas regula-se pela lei vigente ao tempo de sua constituição; mas, a lei nova pode impor limitações ou modificações estatutárias ou subordiná-las à autorização governamental para funcionar, desde que ressalvada a validade de todos os atos praticados na vigência da lei anterior que não estabelecia limitações, que não impunha essas modificações, nem exigia autorização governamental.

Do ensinamento de Carlo Francesco Gabba(Teoria della Retroattività delle Leggi - Torino, 1891) tem-se que os direitos adquiridos são aqueles que por lei anterior os tenham efetivamente incorporado ao patrimônio material ou moral do indivíduo, em plenas condições se ser exercido. Diz-se núcleo do princípio da irretroatividade. Entende-se a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, espécies do gênero Direito Adquirido, pois são apenas exteriorizações deste.

Henri de Page (apud Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, p. 100-101. v. I). enuncia quatro regras para solucionar o problema da irretroatividade da lei:

“A lei nova não atinge as situações nascidas e definitivamente cumpridas sob o império da lei antiga; a lei nova aplica-se imediatamente, mesmo aos efeitos futuros das situações nascidas sob o império da lei anterior; os contratos nascidos sob o império da lei anterior permanecem a ela submetidos, mesmo quando os seus efeitos se desenvolvem sob o domínio da lei nova; a lei nova aplica-se aos contratos em curso quando o legislador o declara expressamente, ou quando a lei nova é de ordem pública.”

Disse Clóvis Bevilácqua(Teoria geral do direito civil, p. 27-28) que as leis relativas ao estado e à capacidade pessoais, desde que se tornam obrigatórias, aplicam-se aos que se acham nas condições a que elas se referem.

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Quando a lei restringe ou amplia os requisitos ou os limites da capacidade de agir, deve receber imediata e geral aplicação.

Se a lei nova estabelece para a maioridade um número maior ou menor de anos, os indivíduos que se acharem com a idade prevista tornar-se-ão imediatamente maiores e os que não a tiverem alcançado serão considerados menores, ainda que pela lei anterior já fossem maiores.

Para Chironi e Abello(apud Eduardo Espínola, Sistema de direito civil brasileiro, pág. 232) a lei nova se estenderia a quem tivesse alcançado a maioridade, segundo a lei precedente e que a afirmação contrária parte dos que argumentam rigorosamente com a diferença entre os direitos adquiridos e as expectativas.

A maioridade assegura somente a possibilidade de agir juridicamente de um certo  modo, como assegurou Windscheid(System, volume I, 1892, citado por Eduardo Espínola, Sistema de direito civil brasileiro, pág. 232).

Baudry-Lacantinerie e Hourques-Fourcade(apud Eduardo Espínola, obra citada) citaram, a propósito, a lei francesa de 20 de setembro de 1792, que fixou a maioridade aos 21 anos, tornando maiores imediatamente os que tinham mais de 21 anos e menos de 25 e que eram menores segundo a maior parte dos costumes, inversamente tornou menores os que, tendo 20 anos completos e menos de 21 já tinham sido declarados maiores pelos costumes da Normandia. No Piemonte, porém, quando entrou em vigor o Código Albertino prescreveu o real édito de 1837 que continuam a ser maiores os que já o eram pela legislação anterior.

De toda sorte, a segurança jurídica é essencial nos negócios, de modo que as relações no dia a dia não podem ficar perturbadas pela mudança de legislação com relação a estado da pessoa.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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