Lei 13.146/15: inclusão ou desproteção?

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Resumo:


  • O Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe mudanças significativas na teoria das incapacidades do Código Civil, proporcionando maior autonomia para as pessoas com deficiência exercerem seus direitos civis.

  • A Lei de Inclusão visa garantir a igualdade de oportunidades e a não discriminação das pessoas com deficiência, promovendo a plena capacidade civil e o exercício de direitos existenciais.

  • Apesar dos avanços proporcionados pela Lei, questões como a representação total em atos jurídicos de pessoas incapazes totalmente ainda geram debates e preocupações, sendo discutidas propostas como a PLS 757/2015 para oferecer apoio adequado a todos que necessitem.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. Incapacidades no Código Civil brasileiro

A capacidade civil pode ser classificada através do nível de aptidão do indivíduo em compreender e exercer negócios jurídicos em geral. Esses níveis quando observados, são classificados em: (a) Capacidade plena ou de fato: que diz respeito às pessoas que tem capacidade de Direito e de exercício de negócios civis por conta própria, sem a ajuda de um representante ou auxiliar, sendo todos os seus atos guiados por suas próprias vontades.  (b) relativamente incapaz: Pessoas que possuem capacidade de Direitos, mas tem o exercício deles limitados, ou seja, o relativamente incapaz tem o direito de expressar suas vontades nos negócios civis, porém assistido por um auxiliar. (c) O absolutamente incapaz:

É o indivíduo que não possui até uma determinada idade, a aptidão para exercer seus Direitos, sendo eles os menores de 16 anos. Para esses, os negócios civis são feitos por seus representantes. A breve classificação vista anteriormente faz referência ao atual Código Civil Brasileiro que sofreu alterações influenciadas pelo Estatuto da pessoa com deficiência.

É importante observar que o Código Civil quando titula a capacidade das pessoas, tem o objetivo de protegê-las. Essa proteção quando modificada, causa grandes conflitos entre os doutrinadores e operadores do Direito.

Veja a seguir um breve comparativo do Código Civil antes e depois da nova Lei:

 Tabela 1 Alterações sofridas no Código Civil a respeito das incapacidades

Código Civil de 2002

Lei. 13.146/15 – Nova Redação

Art.3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade

Art.3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

I - (Revogado);

II - (Revogado);

III - (Revogado). (NR)

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos.

Parágrafo único.

A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Art.4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

........................................................................

IV - os pródigos.

Parágrafo único.

A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

De acordo com Flávio Tartuce (2017, p. 86): “O sistema de incapacidade anterior não protegia a pessoa em si, mas os negócios e atos praticados, em visão excessivamente patrimonialista”.


3. Considerações sobre o efeito da lei 13.146/15 

A Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência que entrou em vigor no país em Janeiro de 2016, com efeito de emenda constitucional, teve os principais focos em igualdade e inclusão social aos deficientes. Os seus efeitos nas leis, acarretou alterações, como por exemplo, as vistas acima na tabela 1, tirando os deficientes da condição de absolutamente incapazes,  e os incluindo na condição de relativamente incapaz através do inciso III.

Flávio Tartuce explica: “No inciso III, não se usa a expressão excepcionais sem desenvolvimento completo, substituída pela antiga previsão do art. 3º, III, da codificação (pessoas que por causa transitória ou definitiva não puderem exprimir vontade) O objetivo, mais uma vez, foi a plena inclusão das pessoas com deficiência, tidas como capazes no novo sistema e eventualmente sujeitas à tomada de decisão apoiada.” (2017, p. 91). A aplicação desse instituto pode ser considerada como uma forma de trazer avanços sociais para a sociedade brasileira, pois com a inclusão das minorias aqui tratadas, elas não vão se sentir mais excluídas, menosprezadas ou menos humanas. O sentimento de autonomia que elas irão obter com a Lei 13.146/15, traz à tona a isonomia de que tanto a sociedade atual anseia.

No Capítulo II do Estatuto, se trata da Igualdade e da não Discriminação, declarando no art. 4º:

 “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação” (BRASIL, 2015).

A presente declaração de igualdade, explicitada também na Constituição Federal Brasileira de 1988, traz um amparo, de que todos os deficientes devem ser vistos de forma igual aos demais indivíduos. Tal conquista não se limitam apenas em ser vistas como iguais.

A Lei também assegura a capacidade de lhes dar a oportunidade de exercer seus atos pessoais e jurídicos de forma mais autônoma possível. Declaradas no art. 6º:

 “art. 6º  A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (BRASIL, 2015)”

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Ao analisar as considerações feitas no presente art. 6º e ponderar o que os deficientes já passaram nos séculos passados. É possível ver um arco-íris depois de uma era tempestuosa de discriminação e desvalorização humana. Esta Lei tem como finalidade conceder ao deficiente o direito de gozar do que lhe pertence e almeja.

De acordo com Flávio Tartuce: “Podem existir limitações para os atos patrimoniais, e não para os atos existenciais, que visam a promoção da pessoa humana” (2016, p. 85, grifo nosso).

Apesar de todas as conquistas agora asseguradas, o que entra em discussão e causa grande preocupação, é em relação aos que necessitam de uma representação total em seus atos jurídicos.

Veja o que o advogado e também professor da universidade de São Paulo José Fernando Simão diz a respeito da incapacidade relativa de quem não pode exprimir sua vontade “A mudança legislativa é extremamente prejudicial àquele que necessita de representação e não de assistência e acarreta danos graves àquele que o Estatuto deveria proteger”, ele expressou sua opinião com base na situação de que: uma pessoa em coma induzido por questões médicas, e por consequência durante um determinado tempo não tenha nenhum discernimento.

Ao examinar essa situação, nota-se o seguinte questionamento; ela poderá exercer um ato com apenas um auxílio ou assistência?  É em circunstâncias como essas que questionamos se a atual lei realmente é capaz de produzir plenos efeitos fáticos.

Em contrapartida, a respeito da incapacidade absoluta, o Dr. Nelson Rosenvald diz:

 “A incapacidade absoluta é incompatível com o sistema civil brasileiro pelo fato de que não se admite em um ordenamento jurídico guiado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e pela Convenção Internacional de Pessoas com Deficiência que regras de direito civil possam “a priori“ estabelecer categorias de “não pessoas”. Inversamente, os diversos tons da incapacidade relativa permite agasalhar todo tipo de assistência – desde as menos às mais extensas - conforme indique o projeto terapêutico individualizado levado a efeito por uma avaliação biopsicossocial que verifique, simultaneamente, o histórico clínico e social do indivíduo, com um olhar voltado para a pessoa e outro para o entorno“.

Como o objetivo de solucionar as questões discutidas em relação a representação, auxílio e curatela, está em tramitação no Senado Federal o projeto de lei 757/2015 que pede a não vinculação automática das pessoas com deficiência a qualquer determinação prévia de incapacidade, garantindo assim que qualquer pessoa com ou sem deficiência tenha apoio necessário para os atos da vida civil.

Alguns juristas considera esse projeto como um retrocesso, outros já acreditam na regulação dos processos civis, onde há situações específicas de pessoas sem qualquer condição de exprimir suas vontades.

Por enquanto, é de total responsabilidade dos juízes determinar de forma mais justa e coerente possível se o curador vai auxiliar ou apenas assistir a pessoa com deficiência em seus atos civis, já que no art. 85º deixa claro apenas que o curador atuará em assuntos patrimoniais.

“Artigo 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

§ 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

§ 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. “(BRASIL, 2015, grifo nosso).

É preocupante o que pode acontecer às pessoas com deficiência, pois boa parte deles não possuem capacidades cognitivas para compreender de fato o que será bom ou ruim para si mesmo ao, por exemplo: assinar um contrato. José Simão cita uma situação que causa grande preocupação a respeito disso. Veja:

“Alguém com deficiência leve, mas com déficit cognitivo, e considerado relativamente incapaz por sentença, assinar um contrato que lhe é desvantajoso (curso por correspondência de inglês ofertado na porta do metrô) (...) Com a vigência do Estatuto esse contrato passa a ser, em tese, válido, pois celebrado por pessoa capaz. Para sua anulação, necessária será a prova dos vícios do consentimento (erro ou dolo) o que por exigirá prova de maior complexidade e as dificuldades desta ação são enormes.” (grifo nosso).

Não dá para negar que as pessoas com deficiência, dependendo da patologia, têm maior risco de serem alienadas por pessoas más intencionadas. Se um deficiente é lesado em ações contratuais, dentre outros, para reverter o ato que o prejudicou será mais dificultoso.  Por esse motivo, cabe aos familiares/curadores, zelar ainda mais por seus filhos, esposa, pais, irmãos e parentes com deficiência, pois a nova Lei embora possua inúmeros direitos benéficos, também causa vulnerabilidade e desproteção.

A responsabilidade dos juízes também deve ser levada em consideração ao nomear curador, pois é de suma importância que o deficiente tenha alguém que o auxilie de forma benéfica e não exploratória.

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Sobre as autoras
Thalita Rodrigues

Acadêmica em Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente artigo foi o resultado de uma pesquisa a respeito das incapacidades no Direito Civil Brasileiro.

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