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Síndrome do juiz monocrático.

Observações sobre o novo art. 557 do CPC

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"Tudo nos é lícito, mas nem tudo nos convém"

Paulo de Tarso, II Coríntios


INTRODUÇÃO

O artigo 557 do Código de Processo Civil com sua reforma tende a facilitar os julgadores e dificultar as partes.

A utilização deste artifício vem aumentando significativamente nos tribunais. E esse crescimento vem atestar a falência de nosso sistema de recursos. Não é de hoje que existem recursos demais, sendo que a esmagadora maioria, é de cunho manifestamente protelatório. Como o sistema jurídico fornece essa oportunidade, é natural que os advogados aproveitem. Até porque a parte desfavorecida pela decisão buscará sempre distender a ação. Afinal, no célebre ensinamento de Rui Barbosa "justiça tardia é injustiça". Destarte, tudo conspira para o uso descontrolado desta triste inovação processual.

Contudo, primeiramente, insta analisar o conteúdo do dispositivo e então delimitar o alcance do mesmo. Vejamos:

"Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§1º-A Se a decisão recorrida estiver em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

§1º Da decisão caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, senão houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

§2º Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre 1% (um por cento) e 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor."

Passemos, pois, à análise de alguns aspectos relevantes do novo instituto.


ASPECTOS PROCESSUAIS

1- Dos Recursos Passíveis da Aplicação do Julgamento Monocrático:

O artigo localiza-se topograficamente no Código de Processo Civil, no Capítulo VII do Título X, isto é, incluso nos recursos, onde se dispõe sobre a ordem dos processos no tribunal, abrangendo os recursos inclusos neste capítulo.

Agravo de Instrumento:

A reforma deste artigo veio à lume com o intuito de "salvar" os julgadores após a modificação do Código de Processo Civil com a lei do agravo (Lei 9.139/95). Anteriormente, os agravos de instrumento eram processados no próprio juízo a quo, que intimava o agravado para contra-razoar o recurso, e cuidava da instrução do mesmo; Após, encaminhava os autos para que o órgão de segundo grau apenas julgasse. Então, o juiz de 2ª instância recebia o agravo já devidamente instruído e pronto para ser julgado, tendo como única providência, incluir o recurso em pauta para julgamento. Porém, tornou-se perceptível o fato de que aquele que julgava o recurso ficava assaz distante de quem ansiava para que o recurso fosse julgado. Isto é, por não proceder à instrução do recurso, o julgador de 2º grau ficava demasiadamente alheio aos interesses da parte, às questões que mais lhe afligiam. Além disso, o juiz de 1º grau, que já é assoberbado de trabalho acabava por receber mais um: o de instruir um recurso que não lhe cabia julgar. Assim, o juiz de 1º grau instruía um processo contra a sua própria decisão e o juiz de 2º grau ficava com uma carga de trabalho muito menor e pouco contato tinha com o que devia julgar.

A lei do agravo levou a instrução do recurso para quem deve julgá-lo. Então, o agravo, após a reforma, deverá ser interposto perante o próprio juízo ad quem, que irá instruí-lo até sua decisão final.

Para que o juízo a quo tome ciência de que uma decisão sua foi agravada e, se achar que deve, exercer o juízo de retratação, o artigo 526 impõe ao agravante juntar aos autos principais cópia da petição de interposição do agravo, com sua razões.

E, para que o julgador de 2º grau não julgue sem maiores informações sobre o caso, poderá (poderá infere uma faculdade, não uma obrigação) solicitar informações a quem proferiu a decisão, esclarecendo-a e também quanto ao andamento do processo principal.

De maneira sucinta, este é o processamento do agravo de instrumento após 1995, o que gerou um crescimento imenso de trabalho para os juízes de 2º grau. De repente as câmaras ou turmas se viram assoberbadas de processos, expedindo ofícios a todo o tempo.

Em seu socorro, acorreu o legislador reformando o artigo 557, em 1998, concedendo ao relator, que tem a função de guiar o processo até chegar ao colegiado, a possibilidade de voltar a ser juiz de 1º grau e julgar sozinho, diminuindo a demanda de processos ao colegiado.

Todavia, o artigo que se avalia neste momento não é de aplicação exclusiva aos agravos de instrumento. Neles principalmente, mas não apenas. O julgamento monocrático não está adstrito ao agravo de instrumento, mas pode ser usado para qualquer recurso, mesmo que sua incidência seja menor.

Apelações Cíveis

Inicialmente, nas apelações cíveis, havia um certo receio por parte dos julgadores em decidir monocraticamente, pois isso poderia implicar também na declaração de nulidade de uma sentença de um juiz monocrático por um outro juiz monocrático. A conseqüência pode vir a ser a necessidade de uma nova sentença ser proferida por um juiz de opinião diversa (uma vez que havia prolatado sentença em outro sentido), o que atenta contra o Princípio do Livre Convencimento do juiz. Poderá, ainda, resultar em um julgamento da lide por quem não cuidou da instrução do processo, o juiz de 2º grau. Originando uma dessas duas hipóteses, a decisão tende a ser teratológica.

Porém, com o tempo, o temor tem diminuído e há uma expansão da utilização do disposto no artigo 557 do CPC nas apelações, principalmente diante daquelas que só visam a retardar a execução da sentença. E, hoje, o número de apelações decididas é praticamente o mesmo que o de agravos.

Embargos de Declaração

Os embargos de declaração têm objetivo de sanar obscuridade, contradição ou omissão do julgador em sentença ou acórdão; como estamos tratando de 2º grau de jurisdição, os embargos de declaração a que nos referimos são interpostos contra acórdãos. A jurisprudência nos mostra que a maioria dos embargos de declaração que são providos, o são por erros materiais, como o nome da parte, o número do processo, ou a ementa que não corresponde ao teor do acórdão, por exemplo. Assim, além dos casos de erro material, os embargos de declaração são interpostos como pré-questionamento para recurso especial e/ou extraordinário ou simplesmente para protelar o trânsito em julgado da decisão, rediscutindo matéria já decidida (isso pode ser visto claramente com a criação do embargos de declaração com efeitos infringentes). Aqueles que pretendem rediscutir matéria julgada ou protelar o cumprimento das decisões, estes são mais facilmente percebidos, pois, por rasa fundamentação, a petição tenta aduzir antigos argumentos, rediscutir o que foi decidido no processo, normalmente gerando petições de muitas laudas. Em algumas dessas petições o embargante visa a sanar obscuridade, contradição e omissão, em conjunto, o que seria dizer que um mesmo acórdão é obscuro, contraditório e omisso ao mesmo tempo. Não que isto seja impossível, contudo não é tão comum quanto essas imensas petições.

Nesses casos, onde o recurso possui cunho manifestamente protelatório, torna-se perfeitamente admissível que a ele seja negado seguimento com fulcro no artigo 557 do CPC. Assim os embargos não serão levados ao colegiado.

Reside neste ponto uma questão: Será que este recurso realmente não será levado ao colegiado? Ao utilizar o artigo 557 estará o julgador poupando trabalho ou criando ainda mais? Observe: No caso de os embargos de declaração serem inconsistentes, o relator poderá colocar o recurso em mesa e julgá-lo na próxima sessão de julgamento, lavrando um acórdão que deverá fundamentar a improcedência do recurso. O recurso foi julgado pelo colegiado em seu procedimento normal.

Poderá, ainda, o relator, negar seguimento pelo 557 do CPC, o que gerará a interposição de um agravo interno, o qual será colocado em mesa e julgado na próxima sessão e, para ele, será lavrado um acórdão. O recurso novamente chegou ao colegiado, mas com uma demora maior.

Na primeira situação, foi proferido um acórdão e na segunda, uma decisão e um acórdão. Será que o julgamento monocrático reduziu trabalho?

Vislumbra-se, ainda, outra hipótese, pois existe a possibilidade de o colegiado, em sede de agravo interno, reformar a decisão e concluir pela admissibilidade do agravo, que deverá levar os embargos de declaração ao colegiado para serem julgados. Ocorrendo isto, o relator proferiu uma decisão monocrática, um voto vencido, e depois terá de proferir novo acórdão o que possivelmente será novamente embargado de declaração onde novo acórdão ainda será lavrado.

Em sede de embargos de declaração, por uma questão de respeito ao princípio da celeridade e economia processual, podemos concluir que é possível a aplicação do artigo 557 do CPC, mas não aconselhável.

Apenas uma última observação, com relação à possibilidade de ser dado provimento aos embargos de declaração. É perfeitamente plausível e aconselhável que o julgador o faça caso perceba de plano a obscuridade, contradição ou omissão contida na decisão embargada, principalmente quando há mero erro material na mesma. Assim, evita-se levar ao colegiado uma questão que pode ser resolvida pelo próprio relator.

Embargos Infringentes:

Em relação aos embargos infringentes, tememos pela não aplicação do dispositivo, uma vez que, antes de ser redistribuído a outro órgão julgador, deverá passar pelo juízo de admissibilidade do relator que julgou a apelação ou a ação rescisória. Caso o relator perceba que o recurso não cumpre com os pressupostos recursais genéricos e específicos poderá inadmiti-los, sem utilizar-se do art. 557. Depois de admitidos os embargos, devem estes ser levados a colegiado, que inclusive prevê um quorum maior, o que, pela aplicação da decisão monocrática, feriria sua própria natureza.

Recurso Especial e Recurso Extraordinário:

No que tange aos embargos infringentes não se aplicam as regras dos recursos especial e extraordinário; pois apesar de também passarem por um juízo de admissibilidade bastante rigoroso e, às vezes, até mesmo protecionista, onde o próprio tribunal, muitas vezes inadmite recursos que deveriam ser admitidos para evitar que uma grande quantidade de decisões reformadas nos tribunais superiores retorne (o que não se insere no contexto por ser outra discussão). O julgamento monocrático aplica-se aos ministros. Os recursos especial e extraordinário podem ser conhecidos e julgados pela turma ou plenário, ou podem não ser conhecidos, o que autorizaria a utilização do artigo 557 do CPC para apenas negar seguimento ao recurso. Mas a jurisprudência dos tribunais nos mostra que os julgadores estão utilizando o referido artigo inclusive para dar provimento ao recurso de plano, sem levar ao colegiado, como se pode ver, por exemplo, no Resp nº 623.440 – RS (2004/0014740-3), onde o relator conhece em parte do recurso e nesta parte conhecida dá provimento ao recurso em decisão monocrática. Isso nos prova que não apenas os juízes de 2º grau dos tribunais estaduais e Tribunais Regionais Federais estão sofrendo da síndrome, mas também os ministros estão utilizando largamente o artifício do julgamento monocrático, o que pode ser explicado pelo crescimento excessivo do número de processos nos tribunais superiores.

2- Da Negativa de Seguimento

No caput do artigo, a lei oferece ao relator a oportunidade de negar seguimento ao recurso. Esta é a modalidade mais difundida na jurisprudência dos tribunais: nega-se seguimento ao recurso. Negar seguimento a um recurso significa que ele não será julgado pelo colegiado, o que aliás, é o principal objetivo de um recurso: ser conhecido pelo colegiado, o que visa a garantir um julgamento justo, o qual não será feito novamente por um só juiz com suas próprias convicções, mas por pelo menos três juízes. O referido artigo permite ao relator, o juiz que irá orientar o processo até sua decisão final, abster o recurso da apreciação do colegiado, impedindo que um recurso inadmissível obste o julgamento dos outros recursos, sobrecarregando a pauta de julgamento.

Ainda no caput do artigo 557 do CPC, o legislador estabeleceu quatro fundamentos impeditivos de o recurso ser levado ao colegiado. São eles: os recursos manifestamente inadmissíveis, improcedentes, prejudicados ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante.

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A primeira hipótese, o recurso manifestamente inadmissível, implica em não conhecimento do recurso. Inexiste qualquer dos pressupostos de admissibilidade do recurso. A parte não tem legitimidade para recorrer, ou não tem interesse recursal, não houve preparo, ou não juntou as peças obrigatórias por lei, v.g.. O mérito, em verdade, não será avaliado pelo relator, pois não há como conhecer do recurso.

Importante ressaltar que a negativa de seguimento ao recurso não significa negar provimento ao mesmo. Data vênia, equivocam-se os magistrados que negam provimento ao recurso com base no art. 557 do CPC por manifestamente inadmissível. Negar provimento significa julgar o mérito e isso, nesta hipótese, não se enquadra.

Pode-se notar a criação de uma situação cômoda ao relator a partir da utilização deste dispositivo ao negar seguimento ao recurso que não cumpriu seus pressupostos, ou gerais, ou específicos de admissibilidade, o que pode vir a gerar injustiças. Por exemplo: um agravo de instrumento contra uma decisão interlocutória de um juiz de 1º grau é interposto sem a juntada da cópia da procuração da parte agravada, requisito obrigatório, pelo artigo 525, I, do CPC, por um descuido do agravante, o relator poderá negar seguimento ao recurso, por manifestamente inadmissível. Sem dúvida a aplicação é correta, porém se o fizer sem dar uma chance ao recorrente de consertar seu erro, estará punindo a parte por uma falha de seu procurador e poderá colaborar para manter em vigor uma decisão possivelmente injusta. A injustiça, no exemplo citado, será em dobro: do juiz de 1º grau e do de 2º grau, que nem chegou a analisar o mérito da questão.

Então, esta hipótese é aquela a qual merece receber maior cuidado por parte do julgador em sua aplicação. Deve-se notar, ainda, que a aplicação do art. 557 é uma FACULDADE, não uma obrigatoriedade.

A segunda hipótese é a dos recursos improcedentes. Improcedência é julgamento de mérito. O julgador deixou o recurso passar pelos crivos dos pressupostos gerais e específicos de admissibilidade, porém este não possui fundamentação suficiente para embasar-lhe, não merecendo ser levado ao colegiado. O juiz, movido pelo Princípio do Auto-Convencimento, entende que o recurso não merece ser provido, tal hipótese deve ser notória, a ponto de ser desnecessário o conhecimento pelo colegiado, de forma que o relator deve fundamentar devidamente sua decisão. Normalmente essa hipótese decorre de um possível cunho protelatório do recurso, o que autoriza o relator a negar seguimento ao mesmo. Mas, há que se perceber que pela subjetividade desse critério, a não ser que o problema seja evidente, o relator deverá levar a colegiado o recurso para que outros juízes possam ou não compartilhar de sua opinião.

Há que se fazer uma ressalva neste ponto, pois existe uma grande confusão entre o recurso manifestamente inadmissível e o improcedente, havendo decisões que chegam a dizer "manifestamente improcedente", o que também não é errado, levando-se em consideração ser a palavra "manifestamente" mero advérbio. Os conceitos não são claros, pois subjetivos, e analisados segundo os critérios de cada julgador, o que leva a uma divisão muito tênue entre eles, que é feita através de jurisprudência e doutrina, tornando normal e corriqueira a confusão entre as duas modalidades; porém, convém anotar que recurso inadmissível não tem mérito conhecido, enquanto o recurso improcedente revela julgamento do mérito.

A terceira hipótese, e a mais fácil de ser notada, é a referente aos recursos prejudicados. Está prejudicado o recurso quando o mesmo perde o objeto, perece o seu direito, ou mesmo o juízo a quo se retratou e modificou a decisão recorrida (quando cabível o juízo de retratação).

Os magistrados mais antigos ainda não se acostumaram ao uso deste dispositivo e muitas vezes levam ao conhecimento do colegiado um recurso prejudicado para que o declare prejudicado, o que poderia fazer sozinho. É um costume que tende ao desuso. Ressalte-se, porém, que não é ilícito, mas pode ser evitado negando seguimento ao recurso e deixando livre a pauta para julgamentos mais urgentes.

Por último e não menos polêmica, é a quarta hipótese, na qual se encontra o recurso que contraria súmula ou jurisprudência dominante do mesmo tribunal ad quem, de tribunal superior ou do STF. Este dispositivo dá a possibilidade ao relator de analisar o processo de forma genérica e superficial, ignorando suas particularidades e aplicando a súmula ou jurisprudência impeditiva do recurso. Muitas vezes o fato de haver súmula sobre determinado assunto não significa que o mesmo encontra-se pacificado e, inclusive no caso de haver jurisprudência pacífica, ainda não consta do texto constitucional a súmula vinculante. O julgador não é obrigado a seguir o que dita a súmula ou o que articula a jurisprudência, uma vez que cada caso possui uma especificidade, que é levada a juízo exatamente para ser analisada e não simplesmente pelo fato de assemelhar-se a outras causas, não merece análise.

Demasiada cautela é exigida ao relator ao negar seguimento com base em súmula ou jurisprudência dominante, pois isso pode ser a porta para grandes injustiças, e mais, para o engessamento do poder judiciário, que tende a julgar apenas de acordo com súmulas e jurisprudências, o que colabora para a manutenção de um pensamento, não atualizando sua orientação; um judiciário que não cria, não pensa.

Há situações em que a aplicação da súmula ou da jurisprudência merece acolhida, pois as similitudes dos casos, se houvesse decisões divergentes, estas poderiam ser teratológicas, abalando todo o mundo jurídico. O artigo que se analisa agora inovou no sentido de permitir que o julgador negue seguimento a um recurso que vai de encontro a súmula ou jurisprudência do próprio tribunal, normalmente, um tribunal de 2º grau. Então, muitas vezes a questão não está pacificada no mundo jurídico como um todo, apenas naquele tribunal. Pode, inclusive, acontecer de o pensamento daquele tribunal ser divergente em relação a todos os outros Tribunais ao longo do país e, dos tribunais superiores. Desta forma, o relator alcança sua finalidade, julga aquele recurso, monocraticamente, sem apreciação do colegiado, mas gera deste um recurso especial e/ou extraordinário. O seu órgão não ficou assoberbado, mas sim os tribunais superiores. Desta forma, retardou-se o procedimento, apenas, pois os autos voltarão dos tribunais superiores e possivelmente deverão ser levados a julgamento pelo colégio de juízes.

Conclui-se, então, que em muitas vezes a possibilidade de decisão monocrática do relator de um recurso é um meio de o julgador protelar o seu julgamento, tal qual a parte vencida o faz.

Bom, pode-se perceber que a negativa de seguimento de um recurso deve ser muito bem analisada e feita com extremo cuidado por parte do relator, que deve rechaçar os recursos protelatórios, impróprios, mal fundamentados e que contrariam maçante jurisprudência sobre o assunto. Em havendo dúvida, o procedimento correto do julgador é colocar o recurso em pauta para julgamento e, mesmo que o colegiado decida pelo não conhecimento do recurso ou pela sua improcedência, ainda assim é preferível à simples possibilidade de gerar uma injustiça, alterando profundamente a vida de pessoas que ainda confiam no Poder Judiciário para a resolução de seus litígios.

Um alerta aos advogados, há um grande perigo neste dispositivo. O advogado, de quem já era exigido zelo, agora o é em demasia! Se antes já não tinha o direito de cometer erros, agora, a partir da reforma do artigo 557, essa possibilidade deve ser absolutamente inexistente, pois se o fizer poderá perder a chance de modificar uma decisão que contrarie o interesse de seu cliente, simplesmente porque esqueceu de juntar uma peça facultativa, mas fundamental para o entendimento do conteúdo do recurso, por exemplo.

Ressalte-se a necessidade de haver um respeito mútuo entre advogado e juiz, o que deve rechaçar excessos por parte de ambos.

3- Do Provimento

O §1º-A do artigo 557 do CPC oferece a possibilidade de o relator dar provimento, de plano, ao recurso. Note-se: nesta hipótese o que faz o relator é dar PROVIMENTO, não seguimento, mas provimento; isto é, o relator analisa o mérito e percebe que a decisão deve ser modificada. A decisão de primeiro grau necessita de reforma, o juiz equivocou-se ao proferir uma decisão e o relator possui nas mãos a possibilidade de modificá-la sem levá-la à analise do colegiado. A única hipótese que autoriza a utilização deste dispositivo vem a ser no caso de a decisão contrariar súmula ou jurisprudência dominante do STF ou de Tribunal Superior.

A primeira consideração a ser feita reside no fato de que na hipótese apresentada, no §1º-A, a súmula ou jurisprudência que ao ser contrariada autoriza o julgamento monocrático APENAS pode ser oriunda de Tribunais Superiores ou do STF, não mais se admite que contrarie jurisprudência ou súmula do próprio Tribunal, se este não for um tribunal superior.

Mais uma vez percebe-se o engessamento dos julgadores. Este dispositivo faz com que o juiz perca seu poder de decidir et in casu, ao contrário, deverá seguir fielmente a jurisprudência, mesmo que de Tribunais Superiores, porém adotar o que dizem aqueles

que não conhecem o caso, que não tiveram acesso aos autos. Assim, o juiz que acompanhou o processo e pretende inovar porque aquele caso "pede" uma inovação, poderá não fazê-lo, pois estará se arriscando a ter a decisão modificada por um único julgador de instância superior.

E isto é gravíssimo, pois no caso de uma sentença, o relator poderá vir a proferir uma nova decisão de mérito sem ter acompanhado o desenrolar de todo o processo.

Então, tanto quanto a negativa de seguimento, o provimento de plano do recurso deve ser aplicado com extrema cautela para evitar que o Judiciário torne-se mero repetidor de decisões do STF e do STJ e criador de mais injustiças do que justiça, que é o seu ideal, mesmo que utópico.

4- Do Agravo Interno

O §1º prevê a possibilidade de se agravar da decisão monocrática do relator. Se o relator negou seguimento ao recurso, o recorrente poderá agravar da decisão. Se, porém, o relator deu provimento ao recurso, o recorrido é quem poderá agravar da decisão para que a primitiva decisão seja restabelecida. A este agravo dá-se o nome de interno ou inominado, exatamente por não ter sido batizado.

Este agravo interno deve ser interposto em cinco dias a partir da intimação das partes, normalmente por via de publicação, e também não possui muitos requisitos. Pelo contrário, não necessita de juntada de peças, apenas a fundamentação e o pedido de reconsideração da decisão atacada e, caso não seja reconsiderada, que o recurso seja levado ao colegiado. O artigo afirma que o agravo será levado em mesa caso o relator não reconsidere sua decisão. "Em mesa" significa que não entrará em pauta para julgamento, mas será julgado na sessão seguinte à decisão de não reconsiderar do julgador. Destarte, o patrono deve manter-se atualizado com o andamento do processo, pois não há intimação, tanto da decisão quanto do julgamento.

Uma observação importante acerca deste agravo é o fato de requerer preparo em alguns tribunais, como no TJ/RJ por exemplo, e a ausência do mesmo pode levar a uma nova decisão monocrática que julgue deserto o recurso, isto é, por falta de um pressuposto geral de admissibilidade.

Há, ainda, a previsão de, levado o recurso ao colegiado, este não confirme a decisão monocrática do relator. Neste caso, o recurso principal (agravo de instrumento, apelação cível, etc.) não foi julgado, julgou-se apenas o recurso da decisão monocrática que encerrava o processo. Destarte, o recurso terá seguimento, em seus trâmites normais, gerando sua inclusão em pauta, e julgamento pelo colegiado.

5- Da Multa

A larga utilização deste dispositivo poderá conduzir a uma seqüência interminável de recursos, o que tornará o seu final ainda mais distante. Por exemplo: agravou-se de uma decisão interlocutória de 1º grau; o relator, ao receber o agravo de instrumento, utilizou-se do artigo 557 do CPC e negou seguimento ao recurso por contrariar determinada súmula daquele mesmo tribunal. Inconformado com a decisão, o agravante interpõe um agravo inominado como previsto no art, 557, §1º do CPC. O relator, por sua vez, não se retrata e coloca o recurso em mesa para julgamento. Ao ser julgado no colegiado, a decisão é mantida. Do acórdão, o agravante interpõe embargos de declaração, aos quais o relator novamente nega seguimento. Novo agravo inominado do agravante/embargante que é levado em mesa e novamente é improvido. Novo acórdão. Desta vez, embargos de declaração dos embargos de declaração...

A seqüência poderia se estender ainda mais, o que mostra a fragilidade do sistema, que permite tamanha abertura para se protelar a decisão final. Isto gerou o §2º no artigo 557, o qual prevê a aplicação de multa em caso de recurso manifestamente protelatório. Esta multa não será em favor do Judiciário, mas sim em favor do recorrido que tem de suportar tanta demora desnecessária. Infelizmente, a jurisprudência nos mostra que a multa ainda não está difundida, mas a tendência é que na medida em que proliferarem os recursos protelatórios os julgadores diminuam seu compadecimento e passem a aplicar mais a multa. Porém, contra a Fazenda Pública, grande gerador de recursos procrastinatórios, a multa não produz qualquer efeito intimidativo, uma vez que sua execução depende de precatório, o que acaba por tornar inócua a sua aplicação. E há, nesta situação, mais um agravante: o condicionamento de novo recurso ao pagamento da multa previsto no §2º do artigo 557, CPC, não é aplicável à Fazenda Pública em virtude de previsão na medida provisória número 2180/01.

A multa, porém, deve ser aplicada com prudência; subsistindo dúvida, deve ser abstraída. Ainda assim, parece-nos que não é o suficiente para conter aqueles que pretendem retardar ao máximo o cumprimento de decisões desfavoráveis, principalmente por não possuir qualquer eficácia contra a Fazenda Pública.


CRÍTICA

O fato principal, agora que já sopesado o conteúdo do artigo 557 do CPC, é sua utilização quase que indiscriminada pelos juízes de grau recursal. Muitas vezes, os julgadores não percebem que não necessitam mais julgar todos os processos de forma monocrática e começam a sofrer da chamada "Síndrome do Juiz Monocrático", passando a decidir tudo sozinhos, levando muito pouco ao colegiado. Até o duplo grau obrigatório de jurisdição tem sido vítima desta síndrome. No duplo grau, remete-se a decisão contra a Fazenda Pública a uma "revisão" por juízes de 2º grau, que possuem maior experiência. Mesmo que não haja qualquer recurso, a decisão deve ser novamente analisada e, atualmente, tem crescido consideravelmente o número desse tipo de procedimento julgado monocraticamente sem ser levado ao colegiado.


CONCLUSÃO

Isto posto, devemos concluir que o nosso sistema de recursos encontra-se em vias de falência, pois proporciona ao julgador de 2º grau a faculdade de não levar ao colegiado um recurso, mitigando o princípio do duplo grau de jurisdição, uma vez que a possibilidade de recorrer está tão grande que muitos recursos são inadmissíveis ou não têm fundamento. Portanto, o âmago do problema e sua solução é o que permite o sistema: meios demais de se retardar o cumprimento de decisões judiciais; tentando contê-los, o art. 557 do CPC surge como um paliativo, agindo não na raiz do problema, mas em suas conseqüências. A este fato, deve-se somar a questão do prestígio pessoal dos julgadores, que contam as decisões para suas estatísticas pessoais, o que pode levá-los a crer que isto seja mais importante do que resolver os conflitos reais que alteram as vidas de muitas pessoas.

Destarte, percebemos a solução do problema com a criação de um sistema de recursos mais simples e funcional e a conscientização por parte dos operadores do direito de que o objetivo principal não é ganhar causas, promoções ou glórias, mas sim promover a JUSTIÇA.

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Sobre os autores
Sylvio Clemente da Motta Filho

Professor De Direito Constitucional da Escola da Magistratura no Rio de Janeiro, Prof. Da FGV, coordenador do Curso Cia dos Módulos no RJ e prof. em diversos cursos preparatórios no RJ, SP, MG e Brasília

Lanna Schmitz Corrêa

Acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Técnica Processual junto à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTTA FILHO, Sylvio Clemente ; CORRÊA, Lanna Schmitz. Síndrome do juiz monocrático.: Observações sobre o novo art. 557 do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 568, 26 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6216. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Título original: "Síndrome do juiz monocrático".

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