O conflito aparente entre a prática da distanásia e os direitos fundamentais

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Resumo: O presente artigo busca demonstrar o constante conflito entre direitos fundamentais constitucionais na distanásia, bem como a devida (in)aplicabilidade dos princípios constitucionais sobre a mesma e a opinião do Conselho Federal de Medicina acerca do tema, assim como a discussão doutrinária atual que envolve os preceitos éticos e morais da prática da distanásia no cenário médico atual. Serão abarcados exemplos de outros embates de direitos fundamentais presentes no ordenamento jurídico vigente em diplomas legais diversos, as definições das terapias semelhantes à distanásia (ortotanásia, eutanásia e suicídio assistido) e o posicionamento trazido pelo Código de Ética Médica acerca da prática da distanásia em pacientes terminais que não possuem chance de cura ou melhora, frente ao estágio da doença ou da condição individual de cada paciente. Restará disposta ainda a possibilidade de presunção de aceitação da distanásia ou não pelo paciente, por meio da existência de prévio testamento vital, bem como a decisão dos familiares em executá-lo ou não. 

Palavras-chave: Distanásia. Autonomia da vontade. Dignidade da pessoa humana. Princípios constitucionais. Morte. 

Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. 2. Aspecto doutrinário sobre a distanásia. 3. Conclusão. 4. Bibliografia


INTRODUÇÃO

A morte é a única certeza que temos na vida desde que damos o nosso primeiro suspiro nesse mundo, e nada podemos fazer para mudar isso, a não ser tentar adiar ao máximo a sua chegada. Porém, ainda que tão certa, é indesejada e temida, tornando-se um verdadeiro tabu nas mais diversas rodas de conversas e debates. Contudo, mais tabu ainda do que tratar sobre a mote, é tratar sobre a opção pessoal de querer morrer, de escolher colocar um ponto final na própria vida quando não há mais esperanças ou meios possíveis para que ela perdure.

A grande maioria das pessoas tratam a eutanásia como algo absurdo, pecaminoso e egoísta, conduzindo a atitude de quem opta por abrir mão do bem da vida pelas vertentes de fraqueza e falta de consideração com aqueles que a amam. Porém, em muitas das vezes, as mesmas pessoas que pensam assim, ignoram o fato de que quem escolhe a eutanásia sofre, sente dor e não possui mais esperanças de que um milagre aconteça. Esquecem que quem sofre está cansado, debilitado e quer libertar-se de toda essa angústia, limitação e sofrimento de vez, para que possa descansar e livrar-se do invólucro carnal decrépito e deficitário.

No entanto, o mais intrigante é que as mesmas pessoas que condenam a eutanásia, enaltecem e concordam com a sua irmã extrema oposta, a distanásia, que consiste em estender a vida além da sua possível duração por meio de estímulos artificiais e demais tratamentos.

Tal prática não é considerada crime e vem sendo exercida livremente em qualquer hospital, sendo a família a maior responsável por exigir que a vida do paciente seja mantida a qualquer custo.

Diante isso, serão abordados a diferenciação, de fato, entre eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio assistido, bem como a devida (in)aplicabilidade dos princípios constitucionais sobre a distanásia e a opinião do Conselho Federal de Medicina sobre tal prática.


1. DESENVOLVIMENTO

Como já foi dito anteriormente, eutanásia e distanásia são tidas como extremo opostos, vez em que uma pretende findar a vida e a outra a estende além da sua possível duração por meios artificiais. Porém, existem ainda dois tipos de terapias semelhantes: a ortotanásia e o suicídio assistido. Tendo sido citados os mesmos, façamos uma breve diferenciação entre os quatro:

  • Eutanásia: meio pelo qual o paciente doente sem chance de cura ou melhora opta por findar sua própria vida, mas não tem condições físicas de que o faça por si mesmo. Necessita então de que um terceiro o faça ou que decida por ele;
  • Distanásia: consiste em prolongar a vida do paciente sem chance de cura ou melhora além da sua normal e esperada duração por meio de aparelhos de respiração e alimentação artificial, entre outros;
  • Ortotanásia: entende-se por ortotanásia a concessão de morte com conforto, onde o paciente não possui chance de cura ou melhora e é encaminhado para a sua casa, onde será submetido a tratamentos paliativos para que não sinta dor e esteja entre seus familiares no momento de seu falecimento;
  • Suicídio assistido: o paciente que opta pelo suicídio assistido encontra-se na mesma situação do paciente que opta por eutanásia, com a exceção de que na presente modalidade o mesmo possui condições físicas para fazê-lo, mas não possui o meio adequado para que alcance o objetivo morte. Normalmente conduz-se a um consultório médico onde recebe um determinado medicamento para que o ingira no momento em que julgar necessário;

Feita tal diferenciação, concentraremos nossa atenção na distanásia. Como já fora expresso, a distanásia não é tomada por prática criminal, uma vez que não há legislação penal que trate sobre o tema.

Quando a família de um paciente opta por exercer a distanásia sobre o mesmo, são lançadas sobre a mesma olhares de certa admiração e respeito, vez em que escolheram manter uma pessoa viva sob qualquer circunstância demonstrando afeto, amor e cuidados pelo paciente.

Porém, não ocorre a tais pessoas que os familiares não estão fazendo isso pela pessoa doente. Fazem isso principalmente por si mesmas, por não aceitarem que um ente querido se vá e, em situações de extrema frieza e soberba, por dinheiro advindo geralmente de benefícios monetários do governo – como aposentadoria, pensão e etc.

De fato, é cruel abordar tal aspecto da situação, mas se faz imperativo demonstrar que nem sempre os motivos para se estender a vida de alguém é um ato de nobreza e carinho. Muito antes pelo contrário! É mais normal ver pessoas optando pela distanásia por razões financeiras do que julgamos ser possível.

Com o novo Código de Ética que entrou em vigência em 2010 tivemos uma importante abordagem sobre a prática da distanásia, qual seja: “Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.”. Ou seja, ainda que não haja nenhuma possibilidade de melhora, o médico não deverá exercer a distanásia, mas sim a ortotanásia em seus pacientes, a fim de evitar o prolongamento de seu sofrimento e oferecer a ele o máximo de conforto em seu derradeiro fim.

Mesmo com essa prerrogativa, os números acerca da distanásia aumentam exponencialmente, vez em que os médicos que não a indicam ou não a praticam assumem o risco de serem processados por recusa de tratamento, pedindo altas somas de danos morais e indenizações diversas. Com isso, torna-se cada vez mais difícil que a prática seja extirpada dos hospitais e do cotidiano social.

É certo apontar que as tecnologias para manutenção e preservação da vida têm sido atualizadas rapidamente, trazendo inovações incríveis a cada dia, mostrando-se mais eficazes e seguras e garantindo máxima eficiência em seu propósito. Porém, ainda que esse avanço exceda em muito nossas expectativas, não serão capazes de refrear a morte em definitivo, portanto, não há motivos para que seja tão almejado.

De acordo com o Conselho Federal de Medicina, 30% dos pacientes internados em UTIs (Unidade de Tratamento Intensivo) estão em estado terminal e não deveriam permanecer internados ali, mas sim recebendo apoio e carinho das suas famílias dentro de suas casas, sob tratamentos paliativos para que a morte os leve com o conforto por eles merecido. Tal preceito evitaria gastos grandiosos com toda a técnica hospitalar terapêutica envolvida, bem como não resultaria no grande sofrimento e aflição que uma internação sem propósito de cura ou melhora oferece.

Diante disso, não podemos deixar de pensar no combate sério entre direitos fundamentais na distanásia, uma vez que não se há a observância da horizontalidade entre os mesmos diante da sobreposição do direito à vida sobre o demais.

Bom, deixemos de lado um pouco a distanásia em si para abarcar uma situação parecida entre direitos fundamentais no âmbito penal: o crime de homicídio e o crime de latrocínio. Pois vejamos:

O direito à vida é tido pela maioria da sociedade como o bem maior tutelado pela legislação atual, devendo ser o mesmo valorizado precipuamente sobre os demais, sem discussão ou hesitação. Partindo disso, temos o crime de homicídio sendo um dos que mais causa aversão entre aqueles já tipificados no nosso Código Penal, sendo devidamente previsto em seu art. 121, seguido de suas devidas particularidades e vicissitudes jurídicas. Um crime de extrema reprovação social, trazendo consigo a carga de reprovação também religiosa, uma vez que atentar contra a maior benção de Deus – que é a dádiva da vida – é o maior pecado que o homem poderia cometer contra seus irmãos.

Porém, a isso podemos nos opor partindo da tipificação do crime de maior pena base previsto no nosso Código Penal: o latrocínio, devidamente tipificado no art. 157, §3º, elencado no rol de crimes contra o patrimônio. Sim! O crime com maior pena base de todo o Ordenamento Jurídico é um crime de roubo contra o patrimônio pessoal da vítima, que tem ceifada a sua vida para que seja garantida a subtração do bem em questão.

Mas ora, se é a vida o direito fundamental supremo a ser tutelado pelo Estado e pelo Ordenamento Jurídico pátrio em vigência, por que não é o crime que atenta especificamente contra tal direito o de maior reprovação legal?

Dito isso, retornamos ao objeto do presente artigo. No caso da distanásia encontram-se em conflito o direito à vida contra o direito de autonomia da vontade (no caso de ter sido previamente estabelecida em contrato vital a opção de não admissão de quaisquer meios para prolongar a vida) e dignidade da pessoa humana. Todos são direitos fundamentais, devidamente elencados na Constituição Federal de 1988, e servem como norte para muitas das regras do nosso ordenamento jurídico.

Pois bem, o que vem acontecendo é a simples sobreposição de um direito fundamental sobre o outro, ignorando a força equânime deles entre si com o objetivo de resguardar-se de possíveis sanções administrativas e corporativas (no caso dos médicos) e de garantir o bônus financeiro de beneficiários do governo como aposentadorias, pensão e afins, ou até mesmo por não querer que uma pessoa se vá (no caso dos familiares).

No entanto, o único de fato interessado no desfecho dessa situação é também o único a não ser respeitado ou ouvido. No momento em que uma pessoa descobre a sua situação de doença e recebe a notícia de que não há meios para que ela melhore, é possível que faça um documento chamado “Testamento Vital” que pode ser lavrado em cartório, onde ela esclarece quais são as suas exigências e negativas quanto aos tratamentos que irá ou não receber, podendo incluir a sua negação a receber terapias extensivas de sua vida ou os procedimentos aos quais não gostaria de se submeter. Porém, ainda que tal documento seja de grande valia, cabe aos familiares decidir por cumprir a vontade expressa de seu ente por meio desse instrumento ou não.

Com isso, fica fácil notar a batalha entre o direito à vida e à dignidade da pessoa humana e autonomia da vontade, vez em que o poder de decisão sobre a escolha autônoma de outra pessoa, bem como a sua exposição do que seria digno ou não de exercer sobre seu corpo fica à mercê de um terceiro que pode não cumprir suas vontades no momento em que ele não esteja mais em condições de expressar-se.

Com isso, questionamos frequentemente o princípio de horizontalidade dos princípios fundamentais. Ora, na prática sabemos que o direito à vida irá se sobrepor aos demais em quase todas as circunstâncias. Porém, não podemos deixar de observar que essa frequente sobreposição, principalmente quando se fala em questões envolvendo saúde, causa grande sofrimento e desconforto para quem não pode mais decidir por si.

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 Vamos tomar como exemplo um atleta de altíssimo desempenho, jovem e no auge de sua carreira, descobre que possui uma grave doença degenerativa incurável. Com o passar rápido dos meses começa a sentir dores terríveis, já não tem mais capacidade de competir, seus músculos antes tão bem preparados começam a definhar, passando a ser totalmente dependente de alguém que cuide dele, dê banho, alimente, troque sua fralda, penteie seus cabelos, escove os seus dentes, e etc. Para ele, não há chance de que recupere seus movimentos, muito menos suas atividades normais. O sofrimento é imenso e as dores cada vez mais lancinantes. É justo manter uma pessoa antes tão ativa quanto ele que agora sofre e agoniza em cima de uma cama de hospital não desista de sua vida e aguente esse martírio por meio de aparelhos, frios e inanimados que o fazem respirar, comer e se hidratar de forma mecânica até que seu cérebro desista da batalha e entregue seu corpo ao nada no meio de um inferno que ninguém além dele pode sentir sem que ele queira? Caso ele decida por si mesmo passar por isso, é louvável, mas não denigre a decisão de abrir mão desse martírio para que possa descansar e se livrar de um sofrimento absurdo.

Frente a esse exemplo, fica clara a necessidade de se manter íntegra a horizontalidade dos direitos fundamentais constitucionais, não sobrepondo um aos demais sob o risco de causar ainda mais sofrimento e degradação àquele que não escolheu ser submetido à distanásia, tampouco encontra-se em condições de negar-se a recebe-la.


2. Aspecto doutrinário sobre a distanásia

A distanásia como já dissemos é alvo de grande polêmica, vez em que aqui temos uma disputa sobre o quanto uma pessoa viverá e o quanto sua dignidade e autonomia valem perante a sociedade.

Frequentemente, temos o errôneo enquadramento jurídico de que a vida é um bem maior, mas ter-se-ia de refazer pequenos detalhes nas leis vigentes no nosso país, a começar pelo Código Penal, que como exemplificamos acima, por questão de materialidade, conduz uma tipificação com maior quantidade de pena a um crime cujo seu alvo inicial não é a vida, mas sim o patrimônio.

Sabe-se que desde a concepção presume-se que o ser passe a ter personalidade jurídica sob a condição deste nascer com vida, que é uma prerrogativa necessária para se concretizar a personalidade de que falamos.

Contudo, devemos também entender que, para o direito, o indivíduo é considerado morto quando um documento – atestado de óbito – é expedido por profissional devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina, informando a morte do indivíduo.

Tais definições restam necessárias para que possamos entender a cruel realidade da distanásia, visto que, por definição, a distanásia é considerada como um procedimento de prolongamento da morte e não mais da vida como nos mostra Pessini: “não se prolonga a vida propriamente dita, mas o processo de morrer.” [1]. Temos ainda para os juristas Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: “a Distanásia [...] é o prolongamento artificial do processo (natural) de morte, ainda que à custa do sofrimento do paciente. É a continuação, por intervenção da Medicina, da agonia, mesmo sabendo que, naquele momento, não há chance conhecida de cura.”[2] .

Pode-se explicitar aqui que, historicamente, o processo de morte era tido como um momento natural que a todos acometia de maneira tranquila, sendo comum que no momento morte os familiares se despedissem do enfermo de forma honrosa. Não se tinha nesse momento nenhuma outra alternativa que não fosse a aceitação do curso normal da natureza. Porém, com o evoluir da tecnologia, percebemos que a medicina se tornou uma prática que busca a cura a qualquer preço, ou seja, não temos simplesmente de aceitar o fim, vez em que ele pode ser modificado conforme cada caso.

Com isso, percebemos que surgiram novas finalidades para a morte: a finalidade de estudo, a finalidade de evolução, prolongamento e não aceitação.

O atual momento do cenário médico reflete que a evolução da tecnologia pode ter consequências não tão boas quanto esperamos, frente a realidade de que a sociedade não está preparada para aceitar certos limites no que tange a vida e a morte. Nesse sentido, Lawson apud Romano; Watanabe; Troppmair (2006): "a introdução da tecnologia de salvar vidas é muito bem vinda, porém não veio acompanhada por um consenso social, o que dificulta saber quando tanta tecnologia pode ser inapropriada ou quando um tratamento deve ser interrompido". Ou seja, não temos mais uma visão do que deve ser feito no momento da morte, temos apenas a esperança de que com a tecnologia, avançada como está, poderá tornar mais longínquo possível o inevitável fim.

 Tendo demonstrado isso, é necessário refletir sobre o processo de morte, vez em que nessa situação não há mais um ser humano devidamente capacitado para tomar as necessárias decisões sobre sua vida ou o que está restando dela, visto que ele está sendo mantido sob tais condições por uma via de completa ignorância e egoísmo por quem o está mantendo vivo a custas econômicas de descobertas medicinais e familiares que não sabem lidar com a dor da perda.

Se aceitarmos que a distanásia está no patamar de mantenedora de um prolongamento do processo morte, estaremos aceitando que é necessário rever os conceitos existentes no momento de um tratamento terminal, pois este processo está batendo de frente aos princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro vigente, visto que não se encaixa mais na concepção de personalidade jurídica na sua plenitude e por conseguinte não se pode admitir autonomia de vontade a um sujeito sem plena capacidade de decisão.

Portanto, a conclusão que se tem disso é de que a dignidade humana deste indivíduo está agora disposta a terceiros, ele não mais possui direitos a serem exercidos, então por qual motivo manter um corpo?

A dignidade humana é baseada nas decisões morais que cada um toma frente ao que vive em sociedade, onde as pessoas tendem a seguir aquilo que aprendem e o que julgam ser socialmente correto e moral. Assim, a moralidade em manter uma pessoa sob as condições da distanásia não se fazem justificadas, pois não existe moralidade em atribuir sofrimento indevido e desnecessário a uma pessoa, bem como não se deve submeter alguém a tratamentos degradantes – ponto mais do que presente no exercício da distanásia.

A Constituição Federal preceitua a garantia da autonomia da vontade e da dignidade da pessoa humana como princípios fundamentais, bem como a vida e a liberdade, seja ela de ir e vir, de expressão, de escolhas, entre outras, mas não garante o respeito as escolhas, e aqui está o maior problema de toda a doutrina. O embate está na concepção de garantias fundamentais instituídas pela CF/88, pelo posicionamento dos médicos frente a situação, pela vontade e incapacidade dos familiares de lidar com a perda e com um indivíduo que não pode sequer se manifestar diante de seu estado atual ou de uma decisão anterior que pode não ser respeitada, – pelo testamento vital, caso exista.

Diante isso, faz-se necessário que o Estado se ponha a frente de tal situação e faça valer seu dever de legislar sobre o assunto de maneira completa, fazendo com que a vontade precedida do indivíduo enfermo seja respeitada em caso de prévio testamento vital, e que seja possível a determinação da morte por uma junta médica, sem prolongamento desnecessário da morte deste que está em estado terminal e sem chance de cura ou melhora.

Para demonstrar o desrespeito aos princípios constitucionais presentes na distanásia, vejamos a seguir:

“Em uma visão ampla e principiológica, pode-se afirmar que prolongar a morte de um doente terminal, submetendo-o a imensos sofrimentos e retardando o seu processo de morte, dando-lhe uma falsa esperança constitui desrespeito à dignidade da pessoa humana”. (CABRAL; GEGÓRIO, 2012)

 Se temos aqui uma violação clara a dignidade da pessoa humana, por óbvio que temos também a violação da autonomia da vontade, que como o primeiro, constitui um princípio fundamental resguardado pela Constituição Federal.

Devemos inferir uma consciência respeitável perante a situação do indivíduo em estado terminal, diante da aplicabilidade dos recursos que estão disponíveis para seu tratamento, mas, que no momento correto, se possa contar com o respeito de todos para não interferir de maneira grosseira no ciclo natural de término da vida, visto que morrer é um direito natural do nascimento com vida. E, sendo m direito natural que se adquire com o nascimento, então não deve ser modificado a qualquer custo por terceiros, mas apenas respeitado.

A dignidade da pessoa humana, encarado como o axioma no nosso ordenamento jurídico vigente, e como valor máximo (PERLINGIERI, 2007), obriga que a pessoa enferma possua um tratamento digno e cauteloso posto que se faz necessário cessar a dor e também o sofrimento pelo qual o paciente passa

Demonstrado os aspectos legais sobre a dignidade da pessoa humana, devemos também demonstrar que a autonomia da vontade possui lugar de destaque no que diz respeito a distanásia, posto que é um princípio constitucional que garante pelo artigo 5º, II, ao versar: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.  Assim, vemos nitidamente que a CF/88 protege o direito de uma pessoa escolher morrer sem que tenha seu corpo violado ou seu momento de descanso prolongado pelas maiores barbáries usadas como desculpa ao usar a distanásia em um paciente terminal.


3. CONCLUSÃO

Dado o exposto, conclui-se que a prática da distanásia possui diretrizes opostas ao prolongamento da vida, visto que ela é realizada como meio de prolongar o processo de morte objetivando diversas finalidades consideradas desumanas, como exemplo, o estudo do estado daquele paciente, movimentação econômica por recebimento de verbas governamentais e a instabilidade emocional familiar em aceitar o fim de um ente querido. Por óbvio que não restam limitadas a essas, mas pode-se entender que a distanásia é um procedimento inconstitucional, desumano e degradante que não respeita preceitos legais, tampouco a dignidade da pessoa enferma ou a autonomia de sua vontade – quando falamos em testamento vital existente.

Assim, necessário se faz discutir uma legislação atual e própria para o assunto, posto que o direito de morrer está tendo sérios problemas para ser realmente respeitado.

Sendo a prática rejeitada até mesmo pelo Conselho Federal de Medicina e tendo a Constituição Federal protegido a autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana, não se pode julgar a distanásia como benéfica ao paciente, vez que submete o mesmo a tratamentos desnecessários e degradantes.

Com isso, deve-se criar legislação específica para tal, capaz de impor limites no que tange à prática da distanásia, uma vez que não se pode falar em respeito e aplicabilidade das normas éticas da medicina e constitucionais existentes.


4. BIBLIOGRAFIA

BARROSO, Luís Roberto; MARTEL, Letícia de Campos Velho. A morte como ela é. Dignidade e autonomia individual no final da vida. 2012. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2012-jul-11/morte-ela-dignidade-autonomia-individual-final-vida#_ftn8. Acesso em: 21/11/2017. 

CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat; MUNIZ, Manuela Soares de Freitas; CARVALHO, Vívian Boechat Cabral. Distanásia: Lesão à Dignidade à Beira do Leito. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutrina_27040757_DISTANASIA_LESAO_A_DIGNIDADE_A_BEIRA_DO_LEITO.aspx. Acesso em: 21/11/2017. 

PESSINI, Léo. Distanásia: por que prolongar o sofrimento?. 2013. Disponível em: http://www.cienciahoje.org.br/revista/materia/id/707/n/distanasia:_por_que_prolongar_o_sofrimento. Acesso em: 23/10/2017.


Notas

[1] Cf. PESSINI, Leo. Distanásia... Op. cit., p.30.

[2] FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 314-315.

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Sobre as autoras
Renata Cardoso Campos

Acadêmica em Direito pela Faculdade Pitágoras de Betim.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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