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Doença profissional não é matéria do juízo trabalhista.

Emenda Constitucional nº 45/2004

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Com a Reforma do Judiciário, especialmente com a publicação da Emenda Constitucional nº 45, surgem controvérsias em relação à competência material envolvendo as ações de indenização por danos materiais e morais decorrentes das relações de trabalho, de forma que diversos Juizes Cíveis estão se apressando em remeter processos dessa natureza para seu processamento pela Justiça do Trabalho.

Queremos enfatizar nosso entendimento, todavia, no sentido de que as ações indenizatórias fundadas em doença profissional continuam de competência do Juízo Cível. Para tanto, dentre outras coisas, deve se entender que a espécie Doença Profissional (direito comum) faz parte do gênero Acidente do Trabalho (direito especial), nos termos do artigo 20 da Lei 8.213/91, verbis: Art. 20 – Considera-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social. (vide também Lei 6.367/76 – art. 2º, § 1º, inciso I).

No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sobre a interpretação do art. 109-I, da CF, eis que tal artigo não sofreu alteração com a Reforma, como será visto mais abaixo.

O Juízo Cível é competente em razão da matéria mesmo após a Emenda Constitucional nº 45, exatamente porque tal Emenda manteve intacto o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, no tocante à competência para processar e julgar as ações de acidente do trabalho, permanecendo com o seguinte texto: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

A ausência de modificação do artigo 109-I da Constituição Federal no tocante às ações de acidente de trabalho e o entendimento de que Doença Profissional é espécie do gênero Acidente do Trabalho, não permite outro entendimento que não seja o de que permanece a Justiça Estadual como a única competente para julgar demandas acidentárias, haja vista decisões do Colendo Supremo Tribunal Federal nesse sentido.

Bem que se tentou incluir na Reforma, como competência da Justiça do Trabalho, o julgamento das ações de acidente do trabalho, bem como das de doença profissional, o que, todavia, foi rechaçado pela Comissão de Reforma do Judiciário, conforme se constata do que foi o relatório da Ilustre Deputada Federal Zulaiê Cobra, na Proposta de Emenda Constitucional (Pec 96/92), perante a Câmara dos Deputados, verbis:

Art. 26 - O art. 115 [que permaneceu 114] passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 115 [114] - Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: ... IV – as ações relativas a acidentes de trabalho, doença profissional e de adequação ambiental para resguardo da saúde e da segurança do trabalhador;

A Comissão de Reforma do Judiciário não aceitou essa redação nem quis manter a expressão "doença profissional" no texto do novo inciso VI, do artigo 114. Para fazer tal alteração seria necessário modificar-se a redação do artigo 109-I, que exclui da competência da Justiça Federal as ações acidentárias contra o INSS, transferindo-as para a Justiça Comum. Conclui-se pelo ato de rechaço da Comissão ao relatório da Ilustre Deputada, de forma bastante cristalina, como pode ser visto dos anais da Câmara, que o espírito da mens legislatoris não foi pautado por qualquer intenção de mudar a competência material para se processar e julgar as causas de acidente do trabalho (e de doença profissional), exigindo-se a mantença no entendimento de que o referido artigo 109-I, imputa à Justiça Comum referida competência.

O art. 109-I excetua as quatro classes distintas de ações que não se coadunam entre si, eis que de naturezas diversas (Falência, Acidente do Trabalho - nesta incluindo-se doença profissional -, Justiça Eleitoral e Justiça do Trabalho), permitindo se inferir que se fosse a intenção do legislador constitucional transferir a competência da Justiça Estadual para a Justiça do Trabalho para que esta processasse e julgasse as ações de acidente de trabalho, bastaria, quando da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, que a expressão "...as de acidente de trabalho..." tivesse sido deslocada do inciso I do artigo 109 da Constituição Federal, para um dos incisos do artigo 114, o que in casu não ocorreu. A redação adotada para o inciso VI do artigo 114, não induz essa deslocação.

Tal deslocação, todavia, significaria a extinção das varas acidentárias da organização judiciária dos Estados passando-as para a Justiça do Trabalho. Significaria a exoneração, transferência ou aposentadoria dos juizes e funcionários estaduais dessas Varas em todo o Brasil. Significaria o desmantelamento das instalações e equipamentos dos respectivos cartórios. Significaria a extinção das atuais 16ª e 17ª Câmaras do Tribunal de Justiça de São Paulo, com competência preferencial para as ações relativas à acidente de trabalho fundada no direito especial.

Também não havia como dissociar das ações acidentárias movidas contra o INSS, aquelas acidentárias movidas contra o empregador, duas ações decorrentes de um só acidente, na maioria dos casos. Tanto não havia como dissociar que a Comissão reformadora rechaçou a redação proposta pela referida relatora, pois não havia como desagregar o elemento doença profissional do conteúdo de ações acidentárias, a menos que se introduzisse a expressão: decorrentes de doença profissional e de relações do trabalho, no inciso VI do artigo 114, o que não foi o caso. Fato que também geraria conflitos interpretativos.

Que o conceito de ação de doença profissional se subsume no de ação de acidente do trabalho, não existe dúvida. Trata-se de espécie concebida no gênero, que nesse caso não importa seja a parte passiva o INSS ou o empregador. Não é outro o maciço entendimento jurisprudencial oriundo do Colendo Supremo Tribunal Federal, o qual não deixa pairar dúvidas acerca dessa interpretação, in verbis:

a) RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL. DEMANDA SOBRE ACIDENTE DE TRABALHO. COMPETÊNCIA. ART. 109, I DA CONSTITUIÇÃO. 1 - Esta Suprema Corte tem assentado não importar, para a fixação da competência da Justiça do Trabalho, que o deslinde da controvérsia dependa de questões de direito civil, bastando que o pedido esteja lastreado na relação de emprego (CJ 6.959, rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 134/96). 2. Constatada, não obstante, a hipótese de acidente de trabalho, atrai-se a regra do art. 109, I da Carta Federal, que retira da Justiça Federal e passa para a Justiça dos Estados e do Distrito Federal a competência para o julgamento das ações sobre esse tema, independentemente de terem no pólo passivo o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ou o empregador. 3. Recurso extraordinário conhecido e improvido (1);

b) Competência: Justiça comum: ação de indenização fundada em acidente de trabalho, ainda quando movida contra o empregador. 1. É da jurisprudência do STF que, em geral, compete a Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos decorrentes da relação de emprego, não importando deva a controvérsia ser dirimida a luz do direito comum e não do Direito do Trabalho. 2. Da regra geral são de excluir-se, porém, por força do art. 109-I, da Constituição, as ações fundadas em acidente de trabalho, sejam as movidas contra a autarquia seguradora, sejam as propostas contra o empregador (2).

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Disse o v. acórdão acima que compete à Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos decorrentes da relação de emprego, exceto as fundadas em acidente do trabalho, sejam as movidas contra a autarquia seguradora, sejam as propostas contra o empregador. Portanto, em plena consonância com a atual redação da EC nº 45.

Restou o inciso VI, no artigo 114, depois da EC nº 45, com a seguinte redação: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: ... VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho...;"

Verifica-se que esse novo inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal ampliou, sem dúvida, a gama de ações de indenização que poderão ser julgadas pela Justiça Especializada do Trabalho, não só pela inclusão dos danos patrimoniais, mas também pela nova expressão relação de trabalho, indo além das causas que vinham sendo julgadas até então por aquela Especializada, as quais eram fundadas obrigatoriamente numa relação de emprego.

Ademais, deve o hermeneuta constitucional atentar para uma interpretação sistemática e de bom senso, sob pena de se perpetuar eventual antinomia entre normas constitucionais, de forma que, por uma questão de antecedência no próprio corpo da Constituição Federal, o artigo 109, I deve ser aplicado em detrimento do novel inciso VI do artigo 114, cuja generalidade para efeito de ações indenizatórias neste tratada não inclui a espécie acidente do trabalho e nem a espécie doença profissional. Como foi dito acima a Comissão de Reforma não incluiu as expressões "acidente do trabalho e doença profissional" do corpo do artigo 114, justamente por já estar essa matéria contemplada no artigo 109-I.

Seria, então, letra morta o novíssimo inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal ? Absolutamente, não! De acordo com o espírito dos acórdãos do STF citados acima, aplica-se o inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal a toda e qualquer pretensão indenizatória que seja decorrente de ato ilícito no curso da relação de trabalho, tais como: assédio sexual; fraudes e estelionatos cometidos no desempenho das funções; prática de furto ou roubo ou acusações descabidas desses crimes; eventual indenização decorrente de sentença penal absolutória constante de processo instaurado; danos materiais decorrentes de exigência de atividades extra funcionais; danos físicos sofridos pelo empregado por inobservâncias de regras de segurança e saúde pelo empregador; danos morais por preconceitos em razão de sexo, raça ou crença religiosa; ofensa e difamação; e toda e qualquer outra pretensão indenizatória por ato ilícito que entenda uma das partes, sejam estas: empregado, empregador ou qualquer outro participante da relação de trabalho, excetuando-se, contudo, as indenizações decorrentes de acidente do trabalho (aqui incluídas as doenças profissionais, por força do disposto no artigo 20 da Lei 8.213/91, com apoio da jurisprudência do STF), conforme visto acima, eis que tais ações já se encontram abrangidas no artigo 109, I da Constituição Federal.

Posições nesse sentido já estão sendo observadas em recentíssimas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, como, por exemplo, nos AI-879.433-0/0, 869.577-0/1 e 875.205-0/8.

Por derradeiro, corroborando o entendimento levantado nestas notas, mister enaltecer a precisão e a coerência jurídica trazida pelo Excelentíssimo Desembargador aposentado Nelson Hanada, constante de recente trabalho jurídico de sua autoria, denominado: "LIMITES DA AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO" (docs. nº 70 a 75), inserido em 22.02.2005 no Centro de Estudos e Debates – CEDES do extinto Egrégio Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, atuais 25ª a 36ª Câmaras do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Seção de Direito Privado, nos trechos que seguem in verbis:

"Importante, neste passo, dizer que o inciso I, do art. 109, da Constituição Federal, que distingue, portanto exclui, expressamente as causas de "acidentes de trabalho" das ações "sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho" não foi alterado ou suprimido pela Emenda Constitucional nº 45.

A competência da Justiça do Trabalho para "as ações de indenização por dano moral ou patrimonial", portanto, diz respeito apenas às "decorrentes da relação de trabalho", não envolvendo as ações de "indenização de dano advindo do acidente do trabalho" (vale dizer, as ações de indenização de direito civil decorrentes de acidentes de trabalho), que não têm "natureza trabalhista."

Destarte, não sendo as ações de acidente de trabalho de competência da Justiça Federal e, tampouco, sujeitas à Justiça do Trabalho e à Justiça Eleitoral, resta como competente tão somente a Justiça Comum para processá-las e julgá-las.


NOTAS

  1. RE 345486 / SP, Relator Ministra Ellen Gracie, DJ DATA – 24/10/2003
  2. RE 349160 / BA, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ Nr.50 – 14/03/2003
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Sobre os autores
Nelson Renato Palaia Ribeiro de Campos

Advogado formado pela USP em 1970, Professor de Prática Forense na PUC/SP de 1977 a 2006, Mestre e Doutor em Processo Civil pela PUC/SP, Autor de quatro livros de Direito editados pela Editora Saraiva. Palestrante AASP. Frequentou cursos de Processo Civil e Direito Comparado em Paris, Coimbra, Roma e Dallas-USA, titular do escritório Nelson Palaia - Advogados

Glauco Pereira Barranco

advogado em São Paulo, integrante do Escritório Nelson Palaia Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Nelson Renato Palaia Ribeiro ; BARRANCO, Glauco Pereira. Doença profissional não é matéria do juízo trabalhista.: Emenda Constitucional nº 45/2004. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 574, 1 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6252. Acesso em: 20 abr. 2024.

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Título original: "Doença profissional não é matéria do Juízo Trabalhista".

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