III – QUADRO COMPARATIVO ENTRE O CPC DE 1973 E DE 2015
Nos termos do art. 502 do CPC de 2015, denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso; o CPC de 1973, por sua vez, definia, no art. 467, a coisa julgada material como sendo a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Logo, o termo “sentença”, previsto na legislação pretérita, foi substituído pela expressão “decisão de mérito”, o que abrange também as decisões interlocutórias de mérito.
A coisa julgada formal é a impossibilidade de modificação da decisão judicial dentro do mesmo processo, em razão da preclusão dos recursos. Todavia, o tema atingido pela coisa julgada formal poderá ser questionado em nova relação jurídica processual. A coisa julgada formal é uma qualidade comum a todas as decisões, de mérito ou não.
Já a coisa julgada material é a impossibilidade de alteração da decisão judicial dentro do mesmo processo ou em qualquer outro, tendo em vista que os seus efeitos se irradiam para além do processo no qual foi decidida a questão.
Apenas as decisões judiciais de extinção do processo com resolução de mérito fazem coisa julgada material, uma vez que, nos termos do art. 486, caput, do novo CPC, “o pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação”.
Desse modo, os pronunciamentos judiciais sem resolução de mérito possibilitarão a nova discussão da lide em outro processo, desde que: (a) a parte corrija o vício que levou à sentença sem resolução do mérito nos casos de extinção por litispendência e nas hipóteses dos artigos 485, I, IV, VI e VIII; e (b) o autor comprove, quando da propositura da nova ação, o pagamento ou o depósito das custas e dos honorários de advogado (art. 486, §§ 1º e 2º, do novo CPC).
Pela regra contida no artigo 506 do NCPC, a coisa julgada só opera perante as partes do processo em que ela se estabeleceu, sendo assim uma imposição das garantias do acesso à justiça, devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Em relação aos efeitos subjetivos da coisa julgada, a regra do art. 506 do CPC de 2015 é clara de que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.
O art. 472 do CPC de 1973, por sua vez, prevê que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros, salvo nas causas relativas ao estado da pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados.
É vedado às partes discutir, no curso do processo, as questões já decididas a cujo respeito e operou a preclusão (art. 507 do CPC de 2015, com redação semelhante ao art. 473 do CPC de 1973).
Em relação aos efeitos subjetivos da coisa julgada, a regra do art. 506 do CPC de 2015 é clara de que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.
Tem-se com o CPC de 2015:
Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei.
Pelo artigo 506 do CPC, a sentença faz coisa julgada às partes as quais é dada, não prejudicando terceiros.
Pelo artigo 507 do CPC de 2015, tem-se que é vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou preclusão (temporal, lógica, consumativa).
Pelo artigo 508 do CPC de 2015, transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.
IV – LIÇÕES DE LIEBMAN
Embora inaceitáveis quanto à sujeição de certos terceiros à autoridade da coisa julgada, as classificações de Chiovenda e de Betti, com relação a terceiros, permanecem válidas suas ilações que são até hoje acolhidas pela doutrina brasileira.
Temos, então, em síntese:
Só as partes estão alcançadas pela coisa julgada.
Quanto a terceiros com interesse há várias teorias de aplicação. Tais quais:
– Teoria da representação, apoiada em Savigny, pelos laços de representação que os terceiros têm com as partes.
– Teoria dos efeitos reflexos: dizem respeito aos efeitos ligados aos terceiros, não queridos pelas partes, mas inevitáveis, apoiada por Ihering e outros;
– Teoria de Liebman:
a)terceiros indiferentes;
b)terceiros para o qual a sentença traga prejuízo econômico;
c)terceiros juridicamente interessados;
d)interesse igual ao das partes;
e)interesse inferior ao das partes.
Assim, a sentença que julgue uma reivindicatória entre A e B, pode ser oposta por C. O terceiro cujo interesse é inferior ao das partes pode também insurgir-se contra a sentença (sentença condenatória contra a Fazenda Pública por ato ilícito do servidor), que vem ao processo como assistente.
Para Liebman, na categoria a, reúnem-se os terceiros indiferentes, como tais entendidos todos aqueles que nenhum prejuízo sofrem por motivo da sentença. Estes não têm nada a fazer senão reconhecer a eficácia natural da sentença.
Na categoria b encontram-se os terceiros para o qual a sentença traga prejuízo econômico. Assim, terceiros, credores do vencido na ação de reivindicação, não poderão insurgir-se contra a sentença nesta proferida, porque a sentença não lhes trouxe senão prejuízo prático ou econômico. Não há incompatibilidade entre o seu direito de crédito e o direito de propriedade declarado na sentença.
Na categoria C, reúnem-se os terceiros que têm interesse igual ao das partes. Assim, o interesse de terceiro, que se julgue proprietário de uma coisa reivindicada entre A e B, é da mesma natureza e igual ao interesse destes. Os terceiros desse grupo podem opor-se à sentença que, de modo algum, afeta o seu direito.
Noutro grupo, acham-se os terceiros com interesse inferior ao das partes. Diz-se que o seu interesse jurídico é de categoria inferior ao das partes porque são titulares das relações jurídicas dependentes da relação jurídica julgada no processo. Tais terceiros estão sujeitos à sentença, com a faculdade de insurgir-se contra ela, demonstrando a sua injustiça ou ilegalidade. Assim, a sentença condenatória da Fazenda Pública, por ato ilícito de funcionário, que não é parte no processo, não faz coisa julgada em face deste. O funcionário na ação de regresso que aquela lhe intentar, poderá insurgir-se contra a sentença, demonstrando a sua ilegalidade ou injustiça.
Ressalva-se o art. 472 do Código de Processo de 1973, cuja segunda parte foi suprimida (nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros). Assim, permanecem em aberto as velhas discussões sobre: (i) o que realmente é tornado imutável e indiscutível na decisão de mérito transitada em julgado; (ii) os limites subjetivos da coisa julgada.
Fala-se em coisa julgada nas chamadas ações de estado.
Tinha-se no Código revogado:
Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros
O artigo 472, segunda parte, do Código de Processo Civil de 1973, determinava que “nas causas relativas ao estado da pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”. Essa parte já foi objeto de cogitação anterior.
Condição para isso é que fossem citados para a ação, em litisconsórcio necessário, todos os interessados.
Disse claramente Liebman (obra citada, pág. 201), "que tampouco os terceiros, em face de sentença que decide questão de estado entre os contraditores legítimos, porque a natureza personalíssima e indivisível dessas relações não permite reconhecer aos terceiros um interesse protegido pelo direito para discutir e intervir em um debate sobre elas.".
Disse, ainda, Liebman, estudando a aplicação às questões de estado que essa coisa julgada vale erga omnes, pois ficaria excetuado somente aquele terceiro que defendesse interesse equivalente ao das partes, caso que é, sem dúvida, possível, porém assaz difícil de se verificar. Por exemplo, uma sentença declaratória de filiação entre o filho e o suposto pai não poderia impedir terceiro de afirmar, por sua vez, ser pai do mesmo filho.
Mas, se o pai morreu, haverá, entre os terceiros, alguns cujo interesse na mesma questão será, todavia, maior que o de todos os outros; tal será o caso dos parentes próximos, os membros do núcleo familiar. Serão eles, pois, legítimos contendores secundários; em face dos contendores primários, atrás mencionados, seu interesse e, em consequência, sua posição ficam necessariamente pospostos; em face de qualquer outro terceiro, porém, são eles que levam vantagem, excluindo-os de toda ingerência indiscreta. Disse, ainda, Liebman (obra citada): “Se considerarmos agora a relação que se forma entre os mesmos legítimos contendores secundários, evidencia-se que ela se caracteriza por uma legitimação do mesmo grau. Cada um deles tem igualmente o direito de disputar sobre a questão; de conseguinte, aplicando-se o princípio estabelecido anteriormente, vemos que nenhum deles pode prejudicar, com sua atividade, a posição dos ouros, nem impedir-lhes o exercício livre, sem obstáculos, de seu direito.”,
Concluiu Liebman, na matéria, que a sentença pronunciada entre os legítimos contendores primários é oponível erga omnes, porque ninguém tem na questão direito comparável ao dos sujeitos da relação controvertida. Se a sentença, porém, foi pronunciada em face do legítimo contendor secundário, a coisa julgada é oponível a todos os terceiros, exceto aos outros legítimos contendores secundários, porque estes têm, em comparação com quem foi parte no processo, interesse e direitos iguais.
Assim, a coisa julgada, em questões de estado, vale erga omnes, com a única exceção daqueles terceiros que tenham interesse e, por conseguinte, legitimação da mesma natureza e proximidade que a das partes.
Afirmou Liebman, que “o terceiro, citado no processo, assiste ao debate entre as partes, formula - se assim deseja - suas observações e a sentença proferida lhe é oponivel; ao contrário, quando duas pessoas se colocam como rés, com pedidos similares, porém, distintos e pessoais, subsiste dentro da unidade puramente formal do processo a autonomia das ações respectivas, as rés ficam reciprocamente terceiras e estranhas à ação e à decisão relativa a seu litisconsorte.”.
A doutrina brasileira, como se lê de Jorge Salomão (Da coisa julgada nas ações de estado, 1966, pág. 115), já entendia que, para que a coisa julgada e a eficácia da sentença se equivalessem, seria necessário que o ordenamento determinasse a presença, no feito, não apenas dos interessados diretos, mas também dos interessados secundários.
Daí o entendimento de que entende-se por “interessado” o legítimo contraditor, inclusive o secundário. Na esteira de Liebman, afirma-se que “condição, portanto para estes (terceiros) sejam atingidos pela coisa julgada, é que sejam citados para a ação, em litisconsórcio necessário( que surge pela vontade da lei ou pela natureza da relação jurídica), todos os interessados, sejam interessados diretos ou indiretamente interessados. Aliás, tem-se que à vista dessa condição, não há terceiros que possam se considerar prejudicados pela sentença, como afirmou Amaral Santos.” (Primeiras linhas de direito processual civil, volume III, 1979, n. 759).