RESUMO:A pesquisa trata, de forma específica, sobre a Medida Provisória no âmbito municipal de acordo com a Constituição da República, das Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas. Partiu-se da ampla autonomia que a Constituição de 1988 outorgou aos Municípios. E identificou que antes da Medida Provisória (MP) havia o chamado decreto-lei. A mudança foi importante para o país. Pela Emenda Constitucional 32/2001 houve restrições na Medida Provisória quanto ao conteúdo, prazo e reedição da mesma sessão legislativa. Nesse ínterim, discutiu-se sobre a possibilidade dos Estados e Municípios editarem Medidas Provisórias com base no princípio da Simetria. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 435 no Supremo Tribunal Federal (STF) foi extremamente esclarecedora. Logo em seguida, passamos a averiguar casos atuais sobre edição de MP no âmbito Municipal.
Palavras-Chaves: Medida Provisória, Prefeito, Princípio da Supremacia, Urgência e relevância.
ABSTRACT:The research deals specifically with the Provisional Measure in the municipal scope according to the Constitution of the Republic, the State Constitutions and the Organic Laws. It started from the broad autonomy that the 1988 Constitution granted to the Municipalities. And he identified that before the Provisional Measure there was the so-called decree-law. The change was important for the country. By the Constitutional/ Amendment of 32/2001 there were restrictions in the Provisional Measure regarding the content, term and reissue of the same legislative session. In the meantime, it was discussed the possibility of States and Municipalities editing Provisional Measures based on the principle of Symmetry. The ADI 435 in the STF was extremely enlightening. Afterwards, we began to investigate current cases of MP editing at the municipal level.
Keywords: Provisional Measure; Mayor; Principle of Supremacy; Urgency and relevance.
1. INTRODUÇÃO
Na seara jurídica busca-se encontrar mecanismos que contribuam para uma melhor gestão na Administração Pública. E o chefe do Poder Executivo em todos os níveis da federação enfrenta desafios que devem ser solucionados de forma rápida e eficiente.
Pensando nesse desafio, o presente artigo trata da Medida Provisória no Âmbito municipal que surge após do Decreto-Lei como mecanismo de utilidade em casos de urgência e relevância.
A modificação pela Emenda Constitucional (EC) 32 traz no seu epicentro viva preocupação sobre o excesso. Porém, a Medida Provisória continua sendo necessária e será demonstrado por meio de exemplos em algumas cidades no ano de 2017.
A pesquisa é bibliográfica e o conteúdo é alicerçado em doutrinadores de renome que analisam o instrumento normativo, em artigos científicos sobre a matéria e nos diários oficiais de 4 Municípios. O intuito é esclarecer o quanto a Medida Provisória ainda está em evidência num momento tão necessário como no quadro político e econômico que o Brasil enfrenta.
No primeiro momento haverá um conteúdo sobre a autonomia municipal e logo depois acerca do histórico da Medida Provisória, segue com a abordagem sobre a Medida Provisória dividido da seguinte forma: Conteúdo formal, Princípio da Simetria.
A relevância do tema trata, primeiramente, da importância de Poder Executivo Municipal ter mecanismo para resolver situações urgentes e relevantes. Devido à crise em todas as áreas no país os mais prejudicados são os Municípios que na escala dos entes federados são os que mais sofrem com limitações de pessoal, orçamentários e problemas pertinentes à gestão do cotidiano. Por isso, quanto mais formas de auxiliar o chefe do Executivo Municipal melhor será para os munícipes.
Portanto, se faz interessante buscar respostas doutrinárias e jurisprudenciais nesse tema que envolve diretrizes Constitucionais.
O problema de pesquisa proposto é: Qual a importância da Medida Provisória no âmbito Municipal? As questões norteadoras do trabalho são: A) O que é Medida Provisória? B) Quais são os casos de urgência e relevância? C) O princípio da Simetria se aplica a Medida Provisória no âmbito municipal?
O objetivo geral do trabalho é de analisar a aplicabilidade da edição de Medida Provisória no âmbito municipal. Os objetivos específicos são: 1) Definir o instituto da Medida Provisória; 2) Analisar os limites de competência do chefe do Poder Executivo Municipal e; 3) Analisar o princípio da Simetria e sua aplicabilidade na edição de Medida Provisória no âmbito municipal.
O trabalho está estruturado em quatro capítulos – o primeiro trata da introdução com destaque para a apresentação do tema, do problema, objetivos, relevância e delimitação. O segundo foca a questão metodológica. O terceiro capítulo trabalha a questão histórica, doutrinária e jurisprudencial. O quarto capítulo é o desfecho no artigo.
2. METODOLOGIA
Esse estudo tem a característica de uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa; sendo esta alinhada e, também, entendida quando aplicada ao Direito, de pesquisa doutrinária. É na doutrina e na Constituição da República e nas Leis Orgânicas onde focaremos a nossa análise.
3. DESENVOLVIMENTO
3.1 Autonomia dos Municípios
O Brasil teve um papel importante no mundo quando pensou em dar uma autonomia aos municípios. Os países democráticos sempre buscam dar autonomia a União e aos estados, porém a Constituição Brasileira de 1988 deu um poder bem maior aos municípios.
Segundo a professora Flávia (2017, p.263) estes entes da federação têm:
Capacidade de autogovemo - elegem os seus prefeitos e os seus vereadores, não havendo, no entanto, Poder Judiciário próprio; Capacidade de auto-organização - Lei orgânica própria (art29, CRFB/88). O STF entende que as leis orgânicas dos Municípios não são manifestações de poder constituinte decorrente, e assim não é possível que sejam parâmetro para controle de constitucionalidade; Capacidade de autolegislação - elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar; Capacidade de autoadministração existência de uma Administração Pública municipal própria, para manter e prestar os serviços de interesse local; Capacidade de autonomia tributária e financeira - instituição de tributos próprios para aplicação de suas rendas.
Para ela a capacidade desse ente da federação é bem ampla, indo de autogoverno à autonomia tributária e financeira. Assim, percebe-se quão importante é tratar-se dessa temática na esfera municipal, considerando o quantitativo de 5.570 4 municípios em todo o território nacional. Sendo, portanto relevante e de interesse público.
3.2 Histórico da Medida Provisória
O decreto-lei estava descrito na Constituição de 1967 e 1969 e em suas bases normativas proibia a edição por governadores de Estados de editá-lo, só era possível sua edição pelo chefe do Poder Executivo Federal. Porém na Constituição de 1988, o decreto-lei foi extinto e inspirada no modelo italiano, foi criada a Medida Provisória com o intuito que auxiliar o Chefe do Poder Executivo em situações de relevância e urgência.
A Medida Provisória surge para se colocar no lugar do antigo decreto-lei. Porém, apesar das críticas quanto à permanência em nosso ordenamento jurídico, se firmou tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Dentre outras coisas, o Constituinte originário priorizou atos de urgência e relevância, protegendo os cidadãos de efeitos danosos devido à demora em trazer uma resposta ao caso.
A Medida Provisória foi usada excessivamente pelos Presidentes da República depois de 1988. Todavia, não esquecendo, que todos os instrumentos disponíveis na Constituição devem passar por adequações compatíveis com a realidade brasileira.
Por isso, em 2001, foi aprovada a Emenda Constitucional 32 que trouxe algumas modificações. Vejamos no quadro comparativo abaixo:
Quadro 1 – Diferença do antes e do depois da Emenda Constitucional 32/2001
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MP antes de EC 32 |
MP depois de EC 32 |
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Limites Materiais: Qualquer assunto |
Limites Materiais: Vedações estabelecidas |
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Prazo: 30 dias |
Prazo: 60 dias |
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Reedições Sucessivas permitidas na mesma sessão legislativa |
Reedições Proibidas na mesma sessão legislativa |
Fonte: CAVALCANTE, 2015
No quadro comparativo são definidas quais as diferenças e, nas mesmas, se percebe que houve restrições quanto ao limite material, prazo e reedição. O que se quis após a Emenda Constitucional 32 é um maior controle para que se diminua o abuso e que esse instrumento viesse a ser usado somente em casos realmente necessários.
Especificamente quanto à leitura do dispositivo Constitucional sobre a matéria depois de 2001 ficou assim o art.62 da nossa Constituição: quem pode editar, quais as limitações materiais e formais, sua eficácia, prazos, proibida reedição e a apreciação pelo Congresso Nacional.
No quadro atual, os dados são no mínimo interessantes, pois considerando somente o período de 2015 a 2018 temos informação pelo site oficial do governo federal5 que: 23 Medidas Provisórias estão em tramitação, 7 Medidas Provisórias foram revogadas, 74 Medidas Provisórias foram convertidas, 23 Medidas Provisórias tiveram sua vigência encerrada e apenas 1 foi rejeitada.
Reconhecida as discussões no âmbito das edições pelos Presidentes, não se exclui a necessidade de que governadores e prefeitos tenham em determinados momentos de sua gestão a necessidade de tomar atitudes rápidas para que o dano possa ser reparado ou minimizado nesse ambiente econômico, político e social tão conturbado que o país enfrenta. É conhecido por todos o caos no país.
Nesse ambiente os governadores e principalmente os prefeitos que são os mais afetados nessa crise precisam de mais mecanismos para contribuir em sua gestão. Corroborando com essa necessidade, as Medidas Provisórias surgem como forma de auxiliar os prefeitos em suas gestões limitadas. A questão da interpretação do texto Constitucional se estender aos governadores e aos prefeitos é bastante discutida. Passaremos a análise de forma pormenorizada do instrumento.
3.3 Natureza Jurídica
A natureza jurídica da MP é debatida para se compreender se é um ato legislativo ou administrativo. O Dr. André Ramos Tavares depois de citar várias posições em seu livro de eminentes juristas, conclui que:
Não pode restar dúvida de que as medidas provisórias caracterizam-se pela natureza legislativa que lhes acompanha desde o momento de sua edição até o seu termo final. Embora sendo medidas excepcionais, essa característica não deve entorpecer a verificação de sua natureza acentuadamente legislativa, embora proveniente do Poder Executivo (2017, p.1304 e 1305).
No anseio de uma construção sólida a primeira discussão é quanto a natureza jurídica da Medida Provisória. E o jurista acima, acompanhado de diversos doutrinadores, vê que é um ato legislativo. É cediço por todos que existem funções atípicas nos poderes e a edição de MP é função atípica do Executivo. Não se olvida que sendo de natureza legislativa deve-se buscar tratar com muita seriedade esse instituto.
3.4 Edição de Medida Provisória por Prefeitos
Vários juristas entendem que não é possível a edição de Medida Provisória no âmbito Municipal, por exemplo, Hely Lopes Meirelles e José Nilo de Castro. Para eles, o fundamento principal é que não há expressa previsão autorizativa na Carta Maior retirando quaisquer outras interpretações sobre a matéria.
Para aqueles que concordam que é possível Medida Provisória existe pelo menos três correntes quanto a possibilidade de MP no âmbito municipal, as posições foram bem definidas pelo Dr. Flávio Martins Alves Nunes:
A primeira afirma que se houver que, se houver previsão de tal possibilidade pelo Governador na Constituição de determinado Estado em que se localiza um Município, a Lei Orgânica poderá incluir a medida provisória no processo legislativo municipal. A segunda corrente defende que, ainda que a Constituição Estadual não contemple a previsão de Medidas Provisórias no âmbito do Estado, os prefeitos podem editá-las desde que a Lei Orgânica autorize esses atos. A terceira corrente doutrinária defende a hipótese do prefeito editar Medidas Provisórias a despeito da própria Lei Orgânica não contiver previsão nesse sentido (2017, p. 1424 e 1425).
Seguindo nesse diapasão deve-se compreender qual a melhor doutrina para fundamentar o tema. Partindo da segunda corrente que afirma não depender de autorização da Constituição estadual entendemos que esta visão é difundida sem análise muito consistente e fere o caput, do art. 29 da Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado.
Ora, como se observa a Lei Orgânica se guiará pela Constituição da República e pela Constituição Estadual, conjuntamente e não isoladamente, de acordo com o artigo acima exposto. Desta forma não há que se falar em compatibilidade com a melhor interpretação a segunda corrente.
Agora ao se deter na terceira corrente fica ainda mais dificultoso, pois o chefe do Poder Executivo editar uma Medida Provisória sem fundamento legal é no mínimo incoerente com o princípio da legalidade e sua interpretação mais acurada.
Já nas balizas da primeira corrente é que nos ateremos na medida em que o intuito desta é fazer uma sequência lógica de determinações até compreendermos o cerne da questão mais amparados por normas.
Antes de continuarmos o conteúdo, logo de início, devemos saber que vários Estados brasileiros propõem em suas Constituições autorização para utilização de Medidas Provisórias: Tocantins, Santa Catarina, Piauí, Acre e Maranhão.
E vários Municípios têm em suas Leis Orgânicas autorização para a edição de tal instrumento legal. Em um panorama mais específico traz-se à baila alguns casos recentes de Medidas Provisórias em alguns Municípios do país.
A MP n 49/2015 de João Pessoa, no estado da Paraíba, instituiu desconto para o pagamento do imposto sobre transmissão de bens imóveis e de direitos relativos a eles e dá outras providências.
A MP n 1/2017 de Palmas, no estado de Tocantins, trata sobre a criação da subprefeitura da Região Sul de Palmas e da outras providências. Foi convertida na Lei Ordinária 2.295, de 30 de março de 2017.
A MP n. 16/2017 de Palmas, no estado de Tocantins, estabelece normas para a prestação do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros no município de Palmas. Foi convertida no Decreto n. 1.394, de 7 de junho de 2017 e logo após pelo Decreto n. 1.428, de 31 de julho de 2017.
As Medidas Provisórias em Palmas foram bem-sucedidas, no sentido de serem convertidas pelo Poder Legislativo Municipal. É necessário observar que o interesse local foi alcançado: primeiro uma Subprefeitura na Região Sul da cidade e depois a regulação do Uber.
A MP n 1/2017 Bonito de Santa Fé, no estado da Paraíba, que trata sobre a atualização do piso salarial dos profissionais do magistério público do Município e altera dispositivo da Lei n 573 de 31 de dezembro de 2009. A importância da MP em Bonito, no estado da Paraíba, traz de forma relevante a preocupação da Gestão em melhorar o salário e o piso salarial adequado para os profissionais do Magistério alterando uma lei que permaneceu durante 7 anos no Município.
A MP nº 1/2017 de Açailândia, no estado do Maranhão, altera a Lei n. 349, de 22 de dezembro de 2010, que dispõe sobre o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração do Magistério Público do Município de Açailândia e dá outras providências.
Assim vê-se que chefes de Poder Executivo Municipal usam esse instrumento e com efetivos resultados tem demonstrado a coerente responsabilidade com a Administração Pública.
Voltando a primeira corrente dita pelo professor Flávio, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p.554) corroboram com o assunto e concluem que:
Nessa esteira entendemos que seria também legítimo aos Municípios instituírem a espécie legislativa medida provisória, desde que prevista na sua Lei Orgânica, e na sua adoção, fossem fielmente observados os limites estabelecidos pela Constituição Federal.
A manifestação dos autores contribui para o diálogo quando afirmam que em havendo norma autorizativa a legitimidade não pode ser questionada justamente pela autonomia que lhe é dada na Constituição vigente.
Primeiramente, a lume do assunto a doutrina é majoritariamente favorável à edição de Medida Provisória pelos prefeitos.
Em seguida, a doutrina em sua maioria concorda com a primeira posição definida pelo eminente jurista Flávio Martins. Nesse diapasão é pressuposto básico a autorização da Constituição Estadual e concomitantemente da Lei Orgânica do Munícipio.
O voto do Ministro Rogério Schietti Cruz no AREsp 839082 (2017) afirma que:
Depreende-se dos autos que a Lei Orgânica do Município de Santa Rita PB (fls. 203-250) não traz em seu bojo a possibilidade de o chefe do executivo municipal editar medidas provisórias, o que, de início, torna as nomeações ilegais. Dessarte cumpre esclarecer.
No voto acima o caso concreto trata-se de uma Medida Provisória editada pelo Prefeito do Município de Santa Rita/PB. Como a Lei Orgânica não autoriza a edição o ato é ilegal. Em outras palavras, se a Lei Orgânica tivesse um artigo que autorizasse a edição de Medida Provisória de início poderia se discutir melhor a questão. De pronto essa possibilidade foi descartada.
O Ministro do STF e doutrinador, Alexandre de Morais (2017, pg.709), ensina em seu livro que:
Conforme já estudado no tópico anterior, o Supremo Tribunal Federal considera as regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição Federal como modelos obrigatórios às Constituições Estaduais. Tal entendimento, que igualmente se aplica às Leis Orgânicas dos Municípios que acaba por permitir que no âmbito estadual e municipal haja previsão de medidas provisórias serem editadas, respectivamente pelo Governador do Estado ou Prefeito Municipal e analisadas pelo Poder Legislativo local, desde que, no primeiro caso, exista previsão expressa na Constituição Estadual e no segundo, previsão nessa e na respectiva Lei Orgânica do Município. Além disso, será obrigatória a Observância do modelo básico da Constituição Federal.
O Ministro entende que se fixa uma relação obrigacional de modelo. Compreende a importância dos entes federados manterem harmonia entre si. A edição de Medida Provisória fica restrita a expressa determinação de norma Estadual e de norma municipal, conforme já dito.
Contribuindo com o debate poderíamos indicar outros doutrinadores favoráveis, tais como: Marcelo Novelino e Flávia Bahia que adicionando com os escritores citados acompanham o mesmo raciocínio.
No conteúdo, a fundamentação se vincula ao princípio da simetria. A linguagem deste princípio é usada de base para várias respostas sobre as competências dos entes federados e nessa seara preenche a interpretação dos dispositivos constitucionais referentes as Medidas Provisórias. E o que vem as ser esse Princípio da Simetria?
3.5 Princípio da Simetria
É o princípio que preconiza a ideia de federação, onde os entes seguem os ditames Constitucionais. Passa-se a ter maior equilíbrio nesse cenário quando as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas seguem estes ditames. Se for de forma contrária a norma torna-se inconstitucional. A prioridade é a harmonia para que as mesmas regras sejam seguidas tanto no âmbito federal, como estadual e municipal.
Diferente das Constituições em outros países, os Municípios tiveram um papel bem mais consistente na norma brasileira para delimitar sua importância no sistema federativo, até porque, eles têm muitas responsabilidades e combinando com isso nada mais coerente do que lhe outorgar competências mais elásticas.
A doutrina majoritária entende, segundo o professor Paulo Mascarenhas, no seu Manual de Direito Constitucional que (2010. p. 26):
Este princípio postula que haja uma relação simétrica entre as normas jurídicas da Constituição Federal e as regras estabelecidas nas Constituições Estaduais, e mesmo Municipais. Isto quer dizer que no sistema federativo, ainda que os Estados-Membros e os Municípios tenham capacidade de auto organizar-se, esta auto-organização se sujeita aos limites estabelecidos pela própria Constituição Federal. Assim, pelo princípio da simetria, os Estados-Membros se organizam obedecendo ao mesmo modelo constitucional adotado pela União. Por este princípio, por exemplo, as unidades federativas devem estruturar seus governos de acordo com o princípio da separação de poderes.
Veja que o propósito é ter o mesmo modelo que a União segue e prosseguir no liame das competências já estabelecidas na Constituição para os estados e os Municípios. O Dr. Uadi Bulos (2015, p. 925) preleciona que o princípio da Simetria é implícito no texto Constitucional e que sua existência:
Dessume-se de vários princípios explícitos, tais como a legalidade, a isonomia, o devido processo legal, e, também, de inúmeros ditames implícitos, a exemplo da supremacia constitucional, da presunção de constitucionalidade dos atos normativos, da boa-fé, da razoabilidade (proporcionalidade ou proibição de excesso) etc.
Na construção doutrinária há base sólida para que este princípio tenha validade tanto em princípios explícitos como em ditames implícitos. Não é crível usar o princípio da simetria para análises sobre a federação e esquecer-se de sua aplicação no sentido mais amplo.
Para a corrente majoritária o postulado é norma expressa estadual e municipal, o procedimento deve ser o mesmo tanto do Presidente, como do Governador e do Prefeito, sempre com manifestação posterior do Poder Legislativo com o objetivo de trazer a legalidade para o centro do debate.
O controle sempre terá guarida quando o uso do instrumento for excessivo. Contudo, negar este princípio fundamental é contraditório, senão vejamos o que diz Uadi Bulos (2015, p. 927) novamente:
Muitos podem dizer que essa análise não seria propriamente jurídica, porquanto toma de empréstimo formulações metanormativas. Então passam a conceber a assimetria como uma distorção do próprio modelo federativo. Os que advogam essa tese, contudo, caem numa contraditio in terminis, pois a simetria é um ideal intangível de alcançar. Até mesmo no Canadá, onde viceja o federalismo operacionalizado, existem conflitos culturais profundos, diferenças étnicas, políticas, econômicas e sociais, demonstrando que inexiste perfeição nessa seara.
Os que entendem de forma oposta usam a ideia de ausência de análise jurídica. Mas o art. 59 da Constituição Federal é fulcral quando todos os atos no processo legislativo, como por exemplo: leis ordinárias, Emendas Constitucionais etc., podem ser descritos e exercidos pelos estados e também Municípios. Como seria concebível que todos os atos do processo legislativo fossem possíveis, exceto à medida provisória. A congruência está delimitada no próprio artigo que fala quais as diretrizes do processo legislativo e de forma expressa fala da Medida Provisória.
O art. 626 da Constituição Federal em nenhum momento restringe quanto a legitimidade e sim quanto a competência. Pensando no conteúdo da Constituição, o art. 29, caput, diz que as Leis Orgânicas dos Municípios devem seguir as balizas constitucionais e os princípios de suas respectivas Constituições Estaduais. Partindo da leitura desse dispositivo percebe-se o cuidado que o legislador constituinte teve em amarrar os atos municipais com o princípio da simetria, no interesse de trazer a harmonia entre os entes federados e que cada um deles exerça seus atos de acordo com a sua competência.
O princípio, portanto, traz um esclarecimento totalmente compatível com os preceitos legais.
O raciocínio dessa matéria na doutrina e na jurisprudência para que haja a edição de Medidas Provisórias no Município é a obrigatoriedade de um dispositivo que o autorize concomitantemente na Constituição Estadual e na Lei Orgânica do Município. Sem autorização na Constituição Estadual ou na Lei Orgânica não é possível sua edição.
No informativo 2897, O STF na ADI 435 já se manifestou sobre o assunto há tempos e o relator Ministro Maurício Côrrea com voto substancial descreve a autorização de Medida Provisória nos Estados e Municípios com fundamento no princípio da simetria e na alegação de que não há expressa vedação constitucional para que o proíba. Nesse julgado o tribunal concordou em sua maioria com os fundamentos elencados nesse voto, ele se vale da doutrina:
No mesmo sentido, ressalta Carrazza (1981):
Nada impede, porém, que exercitando seus poderes constituintes decorrentes, os Estados, Municípios e o Distrito Federal prevejam edição de medidas provisórias, respectivamente, estaduais, municipais e distritais. A elas, mutatis mutandis, devem ser aplicados os princípios e limitações que cercam as medidas provisórias federais ( p.157)
A elucidação da preliminar nessa ADI foi doutrinária e a importância do conteúdo oriundo do professor Carrazza foi no sentido de estender a fundamentação no poder constituinte decorrente e na aplicação dos princípios e limitações que está contido na Carta Magna.
O medo de excessos não pode ultrapassar a base técnica, principalmente quando os alicerces foram construídos pela doutrina e pela maior corte do país.
Logo depois do límpido e esclarecedor voto, surgiu um debate entre os Ministros acerca da preliminar em relação a possibilidade de Estados terem permissão para edição de Medidas Provisórias com bases na Constituição Federal e na Constituição Estadual, respectivamente e em certa hora o Ministro Marco Aurélio se manifesta de forma brilhante:
Compreendo a preocupação do Ministro Carlos Velloso, levando em consideração não só as unidades federadas, como também cerca de cinco mil Municípios brasileiros. Não posso, porém, deixar de distinguir entre o instituto da Medida Provisória e os possíveis desvios de conduta de ocorram tendo em vista esse mesmo instituto (. . .) Muito embora entenda haver base para a preocupação de Sua Excelência, não chego a ministrar ao ’doente’ um veneno. Desse modo, porque houve uso de excessivo ou extremado desse instituto no campo federal, não chego a obstaculizar a adoção das medidas provisórias pelos Estados.
Assim, o crivo não deve recair no histórico de excessos, mas de acordo com as linhas normativas fixadas e interpretadas em nosso país.
Como sempre, o Ministro Marco Aurélio traz o componente jurídico para tratar assuntos jurídicos. Óbvio!
3.6 Urgência e Relevância
Levando adiante, referente aos requisitos urgência e relevância é muito importante abordar que existe controle. Pois, pode parecer que o interesse é dar “carta branca” ao chefe do Poder Executivo e na verdade é ampliar o debate nos Municípios onde já existe e naqueles em que ainda há ausência de norma que autorize. O Constitucionalista Flávio Martins Alves Nunes (2017, p. 1425) sempre com um conteúdo esclarecedor escreveu que:
Relevância é sinônimo de importância. Assim, somente poderá ser editada uma medida provisória sobre assuntos considerados relevantes, de destaque. Por sua vez, urgência é pressa, a necessidade de se elaborar o ato normativo já, sem poder esperar os trâmites normais de um processo legislativo regular.
Na construção argumentativa, não há como separar da Medida Provisória a relevância da urgência, exatamente por se tratar de medida de caráter imediato. Sem esses dois requisitos, ela se tornará ilegal.
Os termos foram postos e interesses partidários não podem justificar essa medida urgente, nas palavras clarividentes do Constitucionalista Uadi Bulos (2015 p. 1214):
Jamais terá relevância, por exemplo, o interesse concernente ao governo, aos partidos políticos, aos grupos de pressão, ou algo equiparado a isso, mesmo se erigidos em base séria e bem fundamentada. Todavia, se houver necessidade social imperiosa, que demande imediata resposta, para que situações concretas não pereçam, a competência excepcional do Chefe do Executivo estará configurada de modo irretorquível.
Uma necessidade social imperiosa traz uma resposta coletiva e não partidária. Se assim não fosse, todos iriam usar de modo pessoal para autopromoção, destruindo o princípio da impessoalidade8 da Administração Pública.
Atitudes claras do real interesse coletivo justificam tal medida excepcional, desde que não ultrapasse as vedações quanto à matéria e quanto à competência nas regras Constitucionais.
Várias indagações nascem quando estudamos o assunto. É possível surgir a seguinte pergunta: Comete crime o prefeito que edita Medida Provisória sem expressa autorização da Constituição Estadual e da Lei Orgânica?
A resposta já tem precedente e é jurisprudencial, consta no Resp nº 78.425/RS no STJ com o Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro em 1997. Consta em seu voto que o prefeito não praticou ato de ofício, pois não existia autorização prévia de edição de Medida Provisória tão pouco houve comprovação de dano ao Município.
Entende-se desse julgado que há dois pressupostos básicos: “ato de ofício” e “dano ao município”. Em nenhum dos dois pressupostos o prefeito no caso concreto se enquadrou.
Então na hipótese de um Chefe do Poder Executivo Municipal editar Medida Provisória sem autorização legal, comete conduta atípica, isto é, não comete crime. Por mais que seja levado em consideração possíveis sanções administrativas e/ou cíveis, não há o que se falar em crime. Nessa linha, o precedente, deixa claro que em casos extremos prefeitos não podem ser punidos criminalmente, se não cumprirem os pressupostos já citados.
Chega-se a pensar em todos então do cuidado com a interpretação da lei e a possibilidade de sanções. Em sendo permitido pela Constituição Estadual e Municipal o prefeito deve usar quando necessário esse meio legal.
Que as Câmaras de vereadores possam alterar as Leis Orgânicas de seus respectivos Municípios para incluir a possibilidade de edição. Àquelas que estão amparadas pelas Constituições estaduais.
Também, que os Estados da federação que ainda não permitem possam mudar suas Constituições para incluir a possibilidade de edição de Medidas Provisórias pelos seus respectivos governadores e assim dar a possibilidade de seus Municípios também o fazerem.
A política está desacreditada, mas precisamos de mecanismos para que brasileiros comprometidos com o voto e o interesse coletivo possam usar esse instrumento da melhor forma.