A crise humanitária na Venezuela

04/12/2017 às 11:50
Leia nesta página:

O ARTIGO APRESENTA COMENTÁRIOS SOBRE A GRAVE CRIME HUMANITÁRIA NA VENEZUELA.

Observa-se da leitura do Público – Comunicação Social,  23 de agosto 2017:

“O governo socialista da Venezuela, em risco de desmoronamento, vira-se cada vez mais para a aliada Rússia em busca do dinheiro e do crédito necessários à sua sobrevivência — e oferece em troca valiosos activos petrolíferos estatais, afirmam à Reuters fontes próximas das negociações.

À medida que Caracas se vê em dificuldades para conter o colapso econômico e os violentos protestos nas ruas, Moscovo usa a sua posição como credor de último recurso da Venezuela para obter mais controle sobre as reservas de crude de país da OPEP, e que são as maiores do mundo.

A Petróleos de Venezuela (PDVSA), petrolífera estatal venezuelana, tem estado em negociações secretas com a maior petrolífera estatal russa, a Rosneft, desde o início deste ano, pelo menos. Em cima da mesa está a possibilidade da participação russa em nove dos projetos petrolíferos mais valiosos da Venezuela, segundo um alto funcionário do governo venezuelano e duas fontes da indústria que estão a par das conversações.”

É tamanha a dependência da Venezuela do petróleo que, segundo a Folha, edição do dia 4 de abril do corrente ano, o  ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, lançou no dia 3 de dezembro, uma moeda virtual, o petro, baseada nos preços do ouro, do petróleo, do gás e do diamante, no que chamou de um avanço em direção à "soberania monetária".

O termo passou a ser usado pelo dirigente após as sanções dos EUA que impossibilitaram transações com títulos da dívida pública e da petroleira PDVSA para demonstrar sua intenção de criar uma alternativa ao dólar.

 O petro é criado no momento em que a moeda física, o bolívar, desvalorizou 95% neste ano em relação ao dólar, e semanas após o país ser declarado em calote parcial por não ter reservas para pagar os juros de sua dívida.

A Venezuela viveu um dia caótico na quinta-feira, dia 30 de outubro de 2017. Algumas estações do metrô de Caracas fecharam por falta de luz. Houve queda de energia em várias regiões. Em 17 Estados, a gasolina está no fim. Em Vargas, médicos anunciaram que 24 diabéticos morreram nos últimos quatro meses por falta de insulina. A Organização Mundial de Saúde (OMS) admitiu, pela primeira vez, que o país passa por uma crise humanitária.

Já, em fevereiro, de 2017, informa-se que percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza aumentou na Venezuela quase nove pontos de 2015 para 2016, atingindo 81,8% dos lares, segundo a Pesquisa sobre Condições de Vida na Venezuela (Encovi), feita por universidades e ONGs.

Informou-se que, com 165.000 homens, 25.000 na reserva e outros milhares da chamada Milícia Popular, a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) está, atualmente, no comando de ministérios-chave, como o da Fazenda, o de Alimentação e Terras, o de Pesca e Aquicultura, Energia Elétrica e Moradia, entre outros.

Em fevereiro deste ano de 2017, Maduro, que governa o país de forma ditatorial com apoio das Forças Armadas, criou uma companhia militar de mineração, petróleo e gás, que se somou à lista de empresas controladas pela FANB, como um canal de televisão, um banco, uma montadora e uma construtora.

Mas há os interesses norte-americanos na região que são de grande monta. Os militares hoje se constituem na Venezuela em verdadeiros capitães de indústria, tendo altas participações financeiras na empresa de petróleo, em empresa de comunicação do governo. Esse é o preço que os militares têm para manter Maduro no poder e o sistema chavista já falido.

Como divulgou o El País, os EUA são o principal destino das exportações petroleiras da Venezuela, que é o terceiro maior fornecedor para os Estados Unidos. Caracas vendeu, em média, 741.000 barris por dia de petróleo a Washington em 2016, segundo o registro do Departamento de Energia norte-americano. Tendo em conta o preço de referência do ano passado, o negócio movimenta 32,2 milhões de dólares (mais de 100 milhões de reais) por dia. Controlada pela Pdvsa desde os anos 1980, a Citgo é o principal comprador de combustível venezuelano nos EUA.

Sob uma inflação galopante que caminha para níveis insuportáveis, consequência dos danos causados pela política monetária totalmente submetida à vontade do Estado, e um índice de criminalidade que atinge nível de epidemia.

Um prédio de escritório em Caracas guarda um segredo: 20 computadores que "mineram" bitcoins- moeda eletrônica ilegal no país usada como maneira de escapar da galopante hiperinflação venezuelana. As criptomoedas, como são chamadas ess espécie de dinheiro virtual contestado em muitos países, estão se popularizando na Venezuela. Alguns usuários conseguem milhares de dólares por mês ao destinar computadores especiais para a mineração dos bitcoins.

Pessoas comuns adaptam seus computadores e conseguem tirar mais ou menos US$ 15 por mês. Parece pouco, mas no mercado negro esse dinheiro se transforma em 500 mil bolívares, quase o dobro do salário mínimo atual, cotado em 35o mil bolívares. 

Há uma impressionante migração da população venezuelana para outros países.

A Venezuela já não é mais apenas aquele pedaço de terra entre Brasil, Colômbia, Guiana e o mar do Caribe. A Venezuela é também a Espanha. É o México, os Estados Unidos. Se os países são seus habitantes, e tantos deles já se foram da Venezuela, então onde fica a Venezuela? “No mundo todo. Os venezuelanos se expandiram tanto que estão construindo uma nova geografia. Uma geografia que não se vê no mapa tradicional”, reflete o sociólogo Tomás Páez, organizador do livro La Voz de la Diáspora Venezolana (editora Catarata, 2015).

Uma quantidade notável dos venezuelanos que emigram para o Brasil são da etnia indígena warao. A maioria deles, ao migrar, se assentam no estado de Roraima, na qual é limítrofe com a Venezuela.

A Venezuela tem combatido a revolta da população que lá ainda está por milícias armadas.

Os chamados ¨coletivos¨, cujo território mais importante é o bairro pobre 23 de janeiro, em Caracas, foram formados durante os anos do governo Hugo Chávez para, originalmente, colocar em prática os programas do governo do líder de esquerda. Eram os defensores da Revolução, que se comunicavam por rádio do topo dos edifícios em seus bairros sempre que um desconhecido ingressava na área. Hoje, nos protestos que ocorrem naquele País, há diversas notícias de confrontos envolvendo os chamados ¨coletivos¨ e os manifestantes. Ali existe uma milícia bolivariana, de 120 mil voluntários, que recebem instrução paramilitar com armamento moderno. Numa versão mais local, há os chamados ¨coletivos¨, bandos de militantes extremistas que patrulham e intimidam a população. Fácil é ver a repressão violenta que se tem contra quem faz oposição. Fácil é ver que a Democracia está à deriva naquele País.

A economia e a democracia estão à deriva naquele país governada por um ditador, seu grupo, e uma assembleia constituinte, a serviço do grupo chavista que se vinculou ao poder.

Há na América do Sul uma séria crime humanitária. Ela está na Venezuela. 

Fala-se na possibilidade de uma sublevação. 

Ensinaram Hildebrando Aciolly e Geraldo Eulálio do Nascimento Silva (Manual de direito internacional público, 15.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 99.) que “se se tratar de um Estado surgido de um movimento de sublevação, o reconhecimento será prematuro enquanto não cessar a luta entre a coletividade sublevada e a mãe-pátria, a menos que esta, após luta prolongada, se mostre impotente para dominar a revolta e aquela se apresente perfeitamente organizada como Estado; 2º) desde que a mãe-pátria tenha reconhecido o novo Estado, este poderá ser reconhecido logo que apresente todas as características de um Estado perfeitamente organizado e demonstre, por atos, sua vontade e sua capacidade de observar os preceitos do direito internacional. 3°) se se tratar de um Estado surgido de outra forma, ele poderá ser reconhecido logo que apresente todas as características de um Estado perfeitamente organizado e demonstre, por atos, sua vontade e sua capacidade de observar os preceitos do direito internacional.”

Contudo, não se pode descartar a hipótese do reconhecimento prematuro de um Estado, o que pode ser perigoso, devendo ser realizado com extrema cautela, uma vez que sua prática poderá ser interpretada como ingerência indevida em assuntos internos do Estado. Segundo alguns autores o reconhecimento da Croácia por parte de certos membros da Comunidade Europeia, e Suíça (ocorrido em 15 de janeiro de 1992), foi prematuro, eis que a Croácia, a época, controlava apenas um terço de seu próprio território, como ensinou Valério de Oliveira Mazzuolli(Curso de direito internacional público, 2009, pág. 400).

 A doutrina majoritária faz referência a duas teorias relativas ao reconhecimento de governo:

1) Doutrina Tobar. Instituída pelo Ministro das Relações Exteriores do Equador, Carlos Tobar (1853-1920), em 1907, pregava que a única forma de evitar golpes de Estado no continente americano seria a comunidade internacional se recusar a reconhecer os governos golpistas como legítimos, rompendo relações diplomáticas e apresentando a eles uma declaração de não-reconhecimento, até que aquele governo fosse confirmado de forma democrática. Esta tese esteve presente na América Latina, inclusive na Venezuela, que aplicou-a rompendo relações com Estados cujos governos não concordava, inclusive o Brasil.

2) Doutrina Estrada. Em 1930, o Ministro das Relações Exteriores do México, Genaro Estrada (1887-1937), proferiu uma declaração sustentando que o reconhecimento de uma nova soberania é uma prática afrontosa, e de desrespeito à soberania da nação preexistente, pois o reconhecimento é um elemento dispensável para que o Estado inicie suas atividades. Em outras palavras, quer dizer que se um Estado não concorda com determinado governo, basta simplesmente não manter relações diplomáticas com ele. Mas emitir um juízo de valor seria considerado uma ofensa.

Na prática, percebe-se que esta teoria obteve maior aceitação na América Latina. Pode haver, para o caso, um reconhecimento especial que são alternativas que podem ser estudadas pela Organização dos Estados Americanos e, se for o caso, apesar da posição do Uruguai, pelo Mercosul, em grau de economia local: 

a) Reconhecimento de beligerância. Ocorre quando parte da população de um Estado desencadeia uma revolução contra o governo, com a finalidade de criar um novo Estado ou modificar a forma de governo existente. A beligerância é um estado jurídico “precário”, dada a existência de duas situações distintas, onde ou o governo preexistente retomará ao poder, ou os rebeldes tomarão o poder definitivamente e instituirão um novel governo, baseado em seus ideais revolucionários. Como exemplo, cabe mencionar o caso da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela que reconheceram a Frente Nacional de Libertação Sandinista como beligerante na guerra civil da Nicarágua, em junho de 1979.

b) Reconhecimento de insurgência. A insurgência (insurgency, em inglês, ou insurgence em francês), é deflagrada no momento em que uma revolta de proporções consideráveis, mas sem a qualidade de guerra civil, com fins políticos, comandada por um movimento armado com o fim de impedir a soberania e as relações exteriores de um Estado. Esta espécie de reconhecimento faz com que os atos praticados pelos “insurretos” deixem de serem de serem qualificados como atos criminosos, de banditismo, terroristas ou de pura violência. A base de uma insurgência pode ser política, econômica, religiosa, étnica, ou uma combinação de fatores. Podem ser citadas insurgências históricas, como a Guerra Civil Russa (1918-1921), e a Guerra Civil Angolana (1975-2002).

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c) Reconhecimento como Nação. Ocorre quando um ou mais Estados admitem que determinado grupo reúne todos elementos necessários para ser considerado como verdadeira Nação. O termo “Nação” refere-se a um conjunto de pessoas que possuem a mesma origem, as mesmas tradições, os mesmos costumes e aspirações comuns. Comumente os membros de uma nação falam a mesma língua e habitam o mesmo território, podendo, entretanto, haver exemplos em sentido contrário. O que liga o povo de uma nação é um laço puramente moral, ao passo que no Estado, existe uma relação política. O reconhecimento como Nação teve origem na primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, gerando efeitos mais políticos do que jurídicos, por tratar-se de uma espécie de “promessa” de reconhecimento, quando a respectiva Nação tornar-se formalmente um Estado soberano, após reunidos os requisitos que lhe são inerentes.

Explicou, por fim, Josué Scheer Drebes(O estado no direito internacional: formação e extinção) que o Direito Internacional comporta também os chamados “reconhecimentos especiais”. Tais atos jurídicos tem lugar a partir da emergência de situações peculiares como, por exemplo, um processo revolucionário, em que parte da população se levanta contra o governo com intuito de modificar o poder central ou até mesmo criar um novo Estado (reconhecimento de beligerância); quando se verifica um sublevação de caráter eminentemente político, não comparada aos atos de guerra civil (reconhecimento de insurgência); na situação em que se confere a determinado povo a qualidade de Nação politicamente organizada (reconhecimento como Nação). Como revelou José Scheer Drebes, esses “reconhecimentos” são de suma importância não apenas para o Direito Internacional como também para a Ciência Política, uma vez que seus efeitos alcançam esta disciplina. 

Disse John Paul Rathbone, do Financial Times(Deposição de Mugabe mostra como poderá ser o fim de Maduro:

"Primeiro há a importância de perder o apoio das superpotências. A China negou insistentemente qualquer papel na derrubada de Mugabe. Mas, como disse um relatório de inteligência de seus espiões, revisto pela agência Reuters em 30 de outubro, "a China e a Rússia procuram mudanças... estão cansadas da liderança de Mugabe".

O mesmo poderá acontecer na Venezuela. A China tem um interesse estratégico nas vastas reservas energéticas da Venezuela, mas só se elas forem extraídas do solo. E, ao contrário, a produção está diminuindo depressa.

Isso sustenta os preços da energia e, como maior importador de energia do mundo, vai contra os interesses econômicos da China. Pequim, que tem créditos de US$ 20 bilhões com a Venezuela, mostrou-se indisposta a socorrer Caracas muito mais.

Segundo, há o papel dos "insiders". No Zimbábue, o ímpeto por transição veio de dentro dos corredores do poder, mais que da oposição ou das ruas."

........

E concluiu:

"Mantendo o Exército feliz, porém, Maduro cimentou o controle político e afastou potenciais cismas, pelo menos por enquanto. O chamado "diálogo" com a oposição, como aconteceu neste fim de semana, compra tempo.

Terceiro, se o ímpeto de transição vier de dentro do regime, as figuras depostas também precisam de uma saída segura, pois isso torna a mudança mais rápida e menos violenta.

Mugabe teria conseguido um pagamento de US$ 10 milhões como parte do acordo de transição, enquanto "insiders" corruptos garantiram uma anistia de três meses para devolver parte do que roubaram.

Fazer o mesmo na Venezuela pode parecer moralmente repugnante, diante dos abusos aos direitos humanos e os estimados US$ 300 bilhões que foram roubados. Também pode ser um requisito necessário para a mudança.

Há sempre um perigo de se generalizar demais a partir do particular. Cada país tem sua própria dinâmica. A Venezuela está mais na mira dos EUA do que o Zimbábue jamais esteve. Maduro também não goza da mesma estatura que Mugabe já teve, como ex-combatente pela libertação.

Mas as comparações são claras, pelo menos a quarta lição, a mais séria de todas. O Zanu-PF sob Mugabe reinou por 37 anos. Na Venezuela, o "chavismo" governou apenas 17. Embora quase falido, à beira de declarar a moratória e com uma população quase literalmente esfaimada, ele ainda poderá durar muito mais."

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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