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A responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe por conduta culposa da equipe cirúrgica

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09/12/2017 às 22:20
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2 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA

2.1 Pressupostos

No ordenamento jurídico brasileiro, as principais disposições legais inseridas no Código Civil que podemos mencionar são os artigos 186, 187, 927 e 942, que resumem que o ofensor, por ação ou omissão, violador do direito de outrem, comete ato ilícito, ainda que apenas moral; que o ofensor que por ato ilícito causar dano a outrem, deve reparar este dano; que o ofensor do direito alheio responde com seus bens pela reparação do dano que causar.

A legislação brasileira como um todo se baseia na teoria da responsabilidade civil a partir da comprovação da culpa, albergando na reparação os indivíduos vítimas do dano decorrente de determinada conduta culposa.

Contudo, pela legislação, somente haverá a caracterização da responsabilidade civil e a obrigação indenizatória se concomitantemente presentes os seguintes pressupostos: conduta ilícita, dano e nexo de causalidade entre ambos.

Neste norte, se pronuncia Cristiano Sampaio Teles (2010):

Patente a opção do legislador pátrio em responsabilizar pessoalmente o profissional liberal da saúde pelos danos advindos da sua conduta. Nesse sentido, reitera-se que ‘o vigente diploma assume as modalidades de indenização por responsabilidade médica, na forma como a jurisprudência já adotara há décadas. A responsabilidade do médico ou outro profissional da saúde é subjetiva, dependente de culpa’ (VENOSA, 2008).

A jurisprudência demonstra que deve haver comprovação dos elementos que formam a responsabilidade médica, conforme segue transcrito trecho do acórdão:

A atribuição de responsabilidade e condenação por erro médico exige elementos objetivos e seguros e não meras possibilidades ou conjecturas de que males que surgem após a intervenção médica sejam frutos dessa intervenção. (TJRS – Apelação Cível nº 595064916, 6ª Câmara Cível, Relator: Des. Milton Carlos Loff. Julg. 31/10/1995).

Na jurisprudência também, há menção de que se os elementos da responsabilidade civil não estiverem configurados conjuntamente, não há dever de indenizar, conforme ementa a seguir:

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A AÇÃO DO MÉDICO E O RESULTADO. Ausente o nexo causal entre a ação e o resultado, resta afastada a responsabilidade civil do médico. Apelo desprovido. (TJRS – Processo n° 595064916, 6ª Câmara Cível, Relator: João Pedro Freire. Julg. 25/08/1999).

Já na doutrina, há divergência entre a definição dos pressupostos da responsabilidade civil, conforme demonstra-se: 1) Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 13) defende quatro pressupostos, quais sejam, ação ou omissão voluntária, dano, culpa e relação de causalidade ou nexo causal; 2) Maria Helena Diniz (2003, p. 32) entende serem três pressupostos, quais sejam, ação ou omissão, dano e o nexo de causalidade; 3) Sílvio Rodrigues (2002, p. 16) traz como pressupostos a culpa do agente, ação ou omissão, dano e relação de causalidade. 

O mestre Ruy Rosado de Aguiar Junior (2000, p. 133-180) assim resume os pressupostos da responsabilidade civil no direito brasileiro:

A responsabilidade civil que decorre da ação humana tem como pressupostos a existência de uma conduta voluntária, o dano injusto sofrido pela vítima, que pode ser patrimonial ou extrapatrimonial; a relação de causalidade entre o dano e a ação do agente; o fator de atribuição da responsabilidade pelo dano ao agente, de natureza subjetiva (culpa ou dolo), ou objetiva (risco, eqüidade, etc.). O Professor Jorge Mosset Iturraspe acentua que, modernamente, ‘el quid se encuentra en el dãno, pero más em el injustamente sufrido que en el causado com ilicitud’. A responsabilidade civil específica do profissional médico (isto é, daquele que tem habilitação universitária e exerce a Medicina com habitualidade, vivendo do seu trabalho), aspecto que ora nos interessa, tem como pressuposto o ato médico, praticado com violação a um dever médico, imposto pela lei, pelo costume ou pelo contrato, imputável a título de culpa, causador de um dano injusto, patrimonial ou extrapatrimonial.

Desta forma, abaixo serão abordados os pressupostos da responsabilidade civil médica de forma individualizada, separando-os em quatro elementos: conduta omissiva ou comissiva; culpa; dano; e nexo de causalidade entre a conduta culposa e o dano. 

2.1.1 Conduta Omissiva ou Comissiva

A conduta que faz parte dos pressupostos da responsabilidade civil médica se resume em uma atitude positiva, ou seja, uma conduta que o profissional fez e não deveria ter feito; ou em uma atitude omissiva, ou seja, uma conduta que o profissional não praticou e deveria ter praticado.

Esta ação ou omissão do profissional médico e/ou da equipe que o mesmo é responsável, como será verificado no último capítulo deste trabalho com mais detalhes, deve ter o condão de causar dano a outrem, sendo devida, assim, a reparação do dano. 

Sílvio Rodrigues (2002, p. 16) esclarece acerca da matéria:

A responsabilidade do agente pode defluir de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a responsabilidade do agente, e ainda de danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste. A responsabilidade por ato próprio se justifica no próprio principio informador da teoria da reparação, pois se alguém, por sua ação, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, é curial que deva reparar esse prejuízo.

Maria Helena Diniz (2003, p. 37) define a conduta omissiva ou comissa da seguinte forma:

O ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, [...] que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.

[...] Responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco, [...] principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os danos.

[...] Comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se. 

Em suma, observa-se que em nosso ordenamento jurídico tanto a conduta comissiva quanto a conduta omissiva são passíveis de responsabilização civil, podendo, assim, a responsabilidade civil configurar-se através de um ato que não deveria ter sido praticado e o foi, bem como através de um ato que deveria ter sido praticado e não o foi, respectivamente.

2.1.2 Culpa

Apesar de nossa legislação, no artigo 927 do Código Civil, admitir obrigação de reparação do dano independentemente de culpa, na responsabilidade civil médica de forma mais específica a culpa vem sendo cada vez mais tida como um dos pressupostos de sua caracterização.

A culpa resume-se em três tipos de conduta: imprudência, imperícia e negligência.

Quando se refere à imprudência, trata de uma precipitação, uma ausência de atenção no cumprimento de normas, que leva à prática da conduta geradora do dano.

Já a negligência refere-se a uma conduta sem o cuidado, sem a diligência devida.

Por fim, a imperícia trata da ausência de capacidade, de conhecimento técnico para exercer a conduta que praticou e gerou o dano.

Patricia Maria de Carvalho (2013) assim resume:

Do latim neglegentia, tem como característica uma omissão, ou seja, um deixar de atuar.  Trata-se de uma abstenção da conduta médica recomendada para a ocasião.

Em outras palavras, é quando o profissional, por conduta omissiva. Deixa de fazer algo que sua profissão indica para determinada situação, que poderia ter evitado o resultado danoso.

[...] Já a imprudência, que vem do latim imprudentia, tem uma característica comissiva, isto é, quando o agente age de forma precipitada, sem prever as consequências deste ato irrefletido. É um agir intempestivo, caracterizado por uma atuação sem a devida cautela exigida para aquele momento de sua atividade profissional.

[...] Também a imperícia, do latim imperitia, advém de uma conduta comissiva. Entretanto, esta conduta é configurada quando se evidencia a incapacidade técnica para o exercício da profissão. A imperícia consiste num desconhecimento teórico e prático próprios da arte de curar. Em outras palavras, um agir incompetente, inábil à profissão.

Assim, presentes comprovadamente um dos três elementos acima mencionados, resta caracterizada a culpa do profissional, emergindo o dever de reparação caso presentes os demais pressupostos aqui tratados.

Por fim, oportuno mencionar trecho da jurisprudência abaixo colhida, que conclui a matéria de forma clara:

A responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa provada, constituindo espécie particular de culpa. Não resultando provadas a imprudência, Imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em medicina em virtude, mesmo, da presunção de capacidade constituída pelo diploma obtido após as provas complementares. (TJPR – Processo n° 0174970-6, 1ª Câmara Cível, Relator: Lauro Augusto Fabrício de Melo. Julg. 23/04/2002).

Deste modo, verifica-se de forma clara que a culpa atua como um dos requisitos imprescindíveis para autorizar a configuração da responsabilidade civil do médico, possuindo três vertentes, quais sejam, negligência, imperícia e imprudência.

2.1.3 Dano

Como um dos pressupostos da responsabilização civil médica tem-se o dano, haja vista que sem a comprovação de um dano não há responsabilidade, pois não há o que ser indenizado/reparado.

Maria Helena Diniz (2003, p. 112) assim refere-se ao dano: “lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral.”

Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 28) assim complementa:

Somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar dano. Cuida-se, portanto, do dano injusto. Em concepção mais moderna, pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção de lesão a um interesse, expressão que se torna mais própria modernamente, tendo em vista ao vulto que tomou a responsabilidade civil. [...] Trata-se, em última análise, de interesse que são atingidos injustamente. O dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a principio, danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima.

O dano em si é um prejuízo que advém da conduta culposa que fere um bem ou um direito, podendo ser entendido como dano patrimonial ou extrapatrimonial, como a seguir será examinado, objetivando com a reparação ver revertida a situação danificada ou compensado o ocorrido se não há possibilidade de reversão.

Nossa Constituição Federal determina a possibilidade de indenização por dano moral ou material, no artigo 5º, caput e inciso X.

Cristiano Sampaio Teles (2010) assim se manifesta:

O conceito de dano está fortemente vinculado ao prejuízo, patrimonial ou moral, sofrido pela vítima de um ato ilícito, comissivo ou omissivo.

Contudo, nem sempre o ato ilícito produzirá um dano. Mas, para que seja exigível uma reparação (indenização) daquele que agiu ilicitamente, imprescindível a existência de um dano.

Do mesmo modo, para se exigir uma reparação em razão de um dano médico, há de se comprovar a violação de um direito (vida, integridade física, saúde).

Costales, apud Miguel Kfouri Neto (1998, p. 92), salienta que:

Os danos médicos indenizáveis podem abranger quaisquer tipos, admitidos geralmente para qualquer modalidade de responsabilidade civil. Adquirem relevância, evidentemente, os danos físicos, visto que a atividade médica se exerce sobre o corpo humano, nos diversos aspectos contemplados pelo tratamento médico-cirúrgico.

Importante mencionar a lição de Ruy Rosado de Aguiar Junior (2000, p. 133-180), que se resume no entendimento de que o dano atua como pressuposto da responsabilidade civil, podendo ser configurado como patrimonial, material ou econômico, refletindo no patrimônio da vítima ou de ordem extrapatrimonial, relativamente à ordem espiritual, moral, podendo ser cumulados. Continua referido jurista, ensinando que o dano pode ser de natureza variada, provocando morte, doenças, incapacidades orgânicas ou funcionais; consequências de ordem psíquica, sexual ou social; frustração do projeto de vida da vítima; podendo afetar tanto o paciente como sua família.  

Conforme Marcela Faraco (2014), o dano no direito médico e hospitalar assim se resume:

O dano pode ser caracterizado pela não obtenção do resultado pretendido e perseguido, pelas limitações e inibições de atividades físicas ou laborais supervenientes, por todas as restrições, rejeições, angústias e sofrimentos, e pelos gastos patrimoniais decorrentes do erro médico. Assim, o dano poderá ser classificado como material, corporal, moral, existencial e estético.

Segundo Marcela Faraco (2014), o dano material se refere ao patrimônio da vítima que foi lesado pela conduta do profissional de saúde ou estabelecimento de saúde no tratamento ou procedimento de saúde realizado, podendo ser despesas com novos procedimentos, cuidados permanentes, medicamentos, etc., bem como lucros cessantes decorrentes, por exemplo, de afastamento da vítima de sua atividade laboral. Já o dano moral situa-se no universo psicológico ou espiritual da vítima, como um forte abalo moral ou sofrimento psicológico. O dano estético se atém à lesão contra a beleza física ou harmonia corporal, mormente de natureza permanente e irreversível. Por outro lado, o dano corporal é conceituado quando ocorre incapacitação total ou parcial, permanente ou temporária de órgão, membro, sentido ou função do corpo humano. O dano existencial diferencia-se do dano moral por se tratar de uma intensa dor espiritual, incapacitando a vítima, sendo utilizado em menor proporção na realidade jurídica. Por fim, a perda de uma chance se configura também como uma espécie de dano, pouco utilizada, mas admitida quando ocorre perda de uma chance de sobrevivência, de cura, ou mesmo de tratamento.   

Desta forma, verifica-se que os danos podem ser diversos, até mais amplos que os acima mencionados, em conformidade com o estado apresentado pela vítima antes e após o procedimento ou tratamento de saúde realizado em seu favor. Haja vista que, para efetivamente configurar um dano e ser indenizável, deve ser comprovada a existência, extensão e profundidade do dano, por meio de minuciosa análise do(s) dano(s) alegado(s), do estado da vítima antes e após o procedimento ou tratamento de saúde, além dos demais requisitos imprescindíveis à configuração da responsabilização civil, como acima explanado.

Assim, o dano, para ser caracterizado, depende muito de cada caso concreto, devendo sempre restar efetivamente comprovado, nunca presumido, bem como deve restar aliado aos demais requisitos caracterizadores da responsabilidade civil.

Para finalizar, oportuno deixar claro que o presente trabalho não tem a intenção de esgotar a discussão sobre essa temática do dano, mas apenas trazer conceituações a respeito, de modo a facilitar a compreensão sobre o foco do trabalho, situado no último capítulo.

2.1.4 Nexo de Causalidade

O último pressuposto fundamental caracterizador da responsabilidade civil médica é o nexo de causalidade, que se resume no liame que se estabelece entre a conduta lesiva do profissional e o dano sofrido pelo paciente.

Tratando-se de responsabilidade civil médica, o nexo de causalidade é crucial, haja vista que deve restar comprovado que o dano efetivamente adveio da conduta culposa/ilícita do profissional; caso contrário, se o dano for gerado por fatores externos e além da esfera de conduta do profissional, já não haverá qualquer responsabilização do profissional, muito menos dever de indenizar.

Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 39) assim define o nexo causal:

O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.

No mesmo norte, Hildegard Taggesell Giostri (2004, p. 34) assim se manifesta:

Todavia, ao determinar a responsabilidade médica, mister se faz um tipo de cuidado específico, e este diz respeito a uma verificação efetiva se o dano ocorrido foi causado pelo ato do facultativo ou se adveio por evolução natural da enfermidade. Tal diferenciação é de extrema importância, já que evita a confusão entre evolução de um estado patológico (ou de morbidez) do paciente e erro médico.

Desta forma, o nexo de causalidade atua como elemento indispensável para configuração da responsabilidade civil do médico, posto que na seara médica torna-se crucial comprovar que a conduta tida como lesiva efetivamente tenha liame e seja responsável pelo dano ocorrido; devendo ser analisado com muito cuidado este elemento, haja vista que, como será verificado adiante mais detalhadamente, há muitos fatores externos e sem qualquer controle pelo atuar médico ou mesmo pelo atuar de sua equipe que podem ser responsáveis pela ocorrência do dano.

2.2 Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual

A responsabilidade civil do médico pode ser contratual ou extracontratual.

A responsabilidade contratual, como fala por si só, decorre de um contrato firmado entre médico e paciente, de forma tácita ou escrita. Ou seja, há a livre escolha e contratação do médico pelo paciente, geralmente em tratamentos e procedimentos médicos eletivos.

A responsabilidade extracontratual se dá sem a figura do contrato entre as partes, restando caracterizado quando as circunstâncias da saúde do paciente colocam a obrigação do médico ao atendimento do paciente conforme se apresenta, como em acidentes de trânsito, urgências e emergências. Se mostra extracontratual também a situação do médico que labora em hospital público, onde o atendimento médico igualmente é obrigatório, independentemente de qualquer negociação ou contratação. Ou seja, nestes casos não há opção do paciente escolher e contratar o profissional que irá atendê-lo, nem mesmo há a opção do médico aceitar atender o paciente.

Sobre a responsabilidade contratual:

Portanto, para existir a responsabilidade contratual deve existir antes do dano um contrato entre as partes, cabendo ao prejudicado comprovar que a outra parte não adimpliu o contrato e que o inadimplemento lhe causou dano. O dever de ressarcir é devido ao dano, ao prejuízo sofrido pela vítima em virtude do descumprimento do contrato e não pelo descumprimento em si. Caso aquele que não adimpliu o contrato comprove que o não cumprimento se deu devido à ocorrência de uma das excludentes da responsabilidade, fica isento da obrigação de reparar o dano, conforme o artigo 393 do Código Civil que determina que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes do caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. (OLIVEIRA, D., 2008).

E sobre a responsabilidade extracontratual:

A responsabilidade extracontratual é aquela que não deriva de contrato e sim da inobservância de regras referentes a direitos pessoais ou reais. A existência de vínculo anterior ao fato que cria a responsabilidade é desnecessária, bastando apenas que haja um dever contido em uma norma legal e que este dever seja violado pelo agente, causando dano a vítima.

Esta responsabilidade é também chamada de responsabilidade Aquiliana, pois se originou da Lex Aquilia, que previa que poderia se responsabilizar alguém pelo dano mesmo sem a existência de um contrato anterior. (OLIVEIRA, D., 2008).

Na responsabilidade contratual, há uma análise acerca do cumprimento do contrato existente entre as partes. Se há descumprimento contratual, deve ser analisada também a conduta do profissional e a ocorrência de dano, com liame entre os mesmos, a fim de se verificar a responsabilização civil do profissional. Ou seja, há de se perquirir se o profissional efetivamente causou o dano com o descumprimento contratual. Do contrário, não restarão configurados os requisitos exigidos para caracterização da responsabilidade civil médica.

Já na responsabilidade extracontratual não há acordo ou contrato entre as partes, então, o objeto de análise será a norma legal, se foi violada ou não, do mesmo modo acima descrito.

Em complementação, José Carlos Maldonado de Carvalho (2009, p. 22/23) disserta sobre o tema:

Enquanto a responsabilidade contratual tem sua origem na convenção entre as partes, a extracontratual tem origem na inobservância do dever genérico de não lesar ou causar dano a outrem.

Ressalte-se, todavia, que em qualquer dessas modalidades a configuração da responsabilidade dependerá da presença de três requisitos básicos: o dano, a violação ou descumprimento de um dever jurídico ou contratual e o nexo de causalidade.

Assim, para que ocorra a responsabilidade contratual, é básico, além da existência de um contrato válido entre as partes, a ocorrência da inobservância contratual, materializado pelo inadimplemento ou pela mora das obrigações assumidas pelas partes.

Por outro lado, a ocorrência de uma lesão a bens ou quaisquer direitos integrantes da esfera jurídica alheia, independente da existência de vínculo contratual, impõe ao causador do dano, como consequência, o dever de indenizar.

Ocorrendo a transgressão de um dever imposto através de um negócio jurídico, há um ilícito negocial ou contratual. Em sentido contrário, se a violação se refere a um dever jurídico legal, o ilícito é extracontratual.

Cristiano Sampaio Teles (2010) também comenta a matéria:

A despeito de figurar dentre os atos ilícitos, não há dúvidas que a responsabilidade civil do médico integra o campo da responsabilidade contratual, apesar de existir responsabilidade médica fora da relação contratual, como se pode verificar nos casos em que o médico atende alguém acidentado na rua.

Este é o posicionamento da jurisprudência, sustentado na idéia de que quando um médico atende um paciente, entre estes, surge um contrato, pois, conforme defende Venosa (2008), o médico, mediante remuneração, fornece os seus serviços.

Mas, o fato de surgir da relação médico-paciente um contrato, não impõe ao médico o dever de curar o paciente, tampouco se presumirá a culpa do médico por seus atos. Todavia, conforme dito alhures, o médico está obrigado a agir conforme os ditames da profissão, pois a sua obrigação é de meio e não de resultado.

Independente da existência de um contrato, sempre existirá a obrigação de reparar o dano se agir com culpa o médico. Porém, em se tratando de uma obrigação de meio, incumbe à vitima a prova de que o médico agiu com culpa.

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Oportuno mencionar posicionamento de Patricia Maria de Carvalho (2013) sobre o tema:

Em suma, na responsabilidade contratual o dano decorre do atraso ou da inexecução de uma obrigação prevista no contrato celebrado entre as partes, o que gerará ao devedor a obrigação de indenizar, salvo prova de que o descumprimento do contrato sobrevenha de causa estranha a sua vontade.  Já na responsabilidade extracontratual, o dano surge sem a precedente vinculação jurídica de um contrato, e sim de uma inobservância de um dever legalmente previsto.

Vale deixar claro que, independentemente da relação entre médico e paciente se configurar como contratual ou extracontratual, em ambos os casos somente se preenchidos todos os requisitos configuradores da responsabilidade civil médica, o profissional médico poderá ser efetivamente responsabilizado, surgindo o dever indenizatório.

Para finalizar, Ruy Rosado de Aguiar Junior (2000, p. 133-180) comenta sobre a diferença destas espécies de responsabilidade no ônus probatório:

A diferença fundamental entre essas duas modalidades de responsabilidade está na carga da prova atribuída às partes; na responsabilidade contratual, ao autor da ação, lesado pelo descumprimento, basta provar a existência do contrato, o fato do inadimplemento e o dano, com o nexo de causalidade, incumbindo ao réu demonstrar que o dano decorreu de uma causa estranha a ele; na responsabilidade extracontratual ou delitual, o autor da ação deve provar, ainda, a imprudência, negligência ou imperícia do causador do dano (culpa), isentando-se o réu de responder pela indenização se o autor não se desincumbir desse ônus. Na prática, isso só tem significado com a outra distinção que se faz entre obrigação de resultado e obrigação de meios.

Portanto, verifica-se que a responsabilidade contratual deriva de contrato, com liberdade de escolha do paciente e do médico; já a extracontratual deriva de situações em que exigem do médico obrigatoriedade no atendimento ao paciente, não havendo escolha mútua.

Sobre o ônus probatório relativo a cada uma destas espécies de responsabilidade, verifica-se que a extracontratual deve ser provada conduta culposa do profissional, já a contratual pode ser configurada a culpa não só pela conduta culposa do médico, mas também pelo inadimplemento contratual.

2.3 Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva

2.3.1 Responsabilidade Civil Subjetiva

Nosso ordenamento jurídico adotou a teoria subjetiva para apuração da responsabilidade civil médica, tanto pelo Código Civil (artigos 186, 927 e 951), quanto pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 14, parágrafo 4º.).

A responsabilidade civil subjetiva é embasada na teoria da culpa, sendo imprescindível a apuração da culpa do médico, a comprovação da conduta de forma culposa do profissional, bem como a comprovação do nexo causal entre a conduta culposa do médico e o dano havido. Sem isso, não há qualquer dever de reparação.

A respeito da responsabilidade civil subjetiva, colhe-se da lição de Patricia Maria de Carvalho (2013):

Como há pouco afirmamos, no ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade civil do médico é considerada como subjetiva, devendo haver sempre a apuração de culpa do mesmo. O profissional médico só terá a obrigação de indenizar caso reste comprovado que agiu com imprudência, imperícia ou negligência, e que sua ação ou omissão, teve nexo de causalidade com o dano. Vale lembrar que, regra geral, cabe à vítima provar o dolo ou culpa do profissional médico.

Hodiernamente se encontra pacificado de que a relação médico-paciente é uma relação de consumo, isto é, o médico é um prestador ou fornecedor de serviços, onde o paciente é o consumidor final. Desta forma, esta relação esta regida pelo Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 14, § 4º dispõe: ‘A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.’ Muito embora o caput deste artigo prescreva que o fornecedor de serviço responderá sempre, independente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores, o citado parágrafo torna-se, portanto, uma exceção à regra.

Sílvio Rodrigues (2002, p. 11) ensina que:

Se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na idéia de culpa. [...] Concepção tradicional a responsabilidade do agente causador do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito.

Néri Tadeu Câmara Souza (online) também se manifesta:

Nesta teoria a responsabilidade civil está embasada, em todos os casos, na presença certa de culpa por parte do agente do ato que causou o dano. Chama-se de subjetiva em virtude de estar caracterizada na pessoa um aspecto volitivo interno, ou, pelo menos, revelar-se, mesmo de uma maneira tênue, uma conduta antijurídica. O agente do prejuízo quer o resultado danoso ou assume o risco de que ele ocorra, ou ainda atua com imprudência, negligência ou imperícia. Ocorreria, no primeiro caso, dolo e no segundo caso, culpa. A legislação admite-os, na prática, como equivalentes, com o nome comum de culpa. A conduta do agente responsável pelo dano estaria sempre viciada pela culpa. Está, assim, esse agente obrigado a ressarcir o prejuízo quando seus atos ou fatos sejam lesivos a direito ou interesse alheio, desde que possa ser considerado culposo – com culpa - o seu modo de agir.

Esta teoria explica-se na seara médica, pois entender de modo contrário seria exigir do profissional médico conduta impossível, tendo em vista todos os riscos e fatores inerentes em um tratamento ou procedimento médico, muitos deles independentes do atuar médico.

Na responsabilidade subjetiva será analisada de forma detida a culpa do agente e o seu comportamento, devendo restar devidamente comprovada uma conduta antijurídica, culposa. Além disso, deve restar comprovado o dano, bem como o liame entre a conduta culposa/antijurídica do agente e o dano. Somente assim será verificada a responsabilidade civil do agente.

No mesmo norte, acompanha a jurisprudência pátria:

A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a responsabilização do referido profissional a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade subjetiva. (STJ – REsp 1.104.665/RS, Relator: Min. Massami Uyeda. Julg. 09/06/2009).

De igual direcionamento, mais um julgado sobre responsabilidade subjetiva:                               

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. PRESSUPOSTOS. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES DESABONADORAS. DISSEMINAÇÃO DE BOATOS PREJUDICIAIS À ATIVIDADE PROFISSIONAL. PREJUÍZOS MATERIAIS E MORAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. ART. 333, I, DO CPC. FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR. NÃO COMPROVAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO.

O dever de reparar o dano advindo da prática de ato ilícito, em se tratando de ação baseada na responsabilidade civil subjetiva, regrada pelo art. 927do Código Civil, exige o exame da questão com base nos pressupostos da matéria, quais sejam, a ação/omissão, a culpa, o nexo causal e o resultado danoso.

Para que obtenha êxito na sua ação indenizatória, ao autor impõe-se juntar aos autos elementos que comprovem a presença de tais elementos caracterizadores da responsabilidade civil subjetiva.

Não tendo o autor logrado êxito em se desincumbir do encargo de comprovar o fato constitutivo do seu direito alegado na inicial, deixa de atender ao imposto pelo art. 333, I, do CPC, restando imperativa a improcedência do pedido formulado em ação indenizatória. APELO DESPROVIDO. (TJRS – Apelação Cível nº 70041683558, Relator: Des. Leonel Pires Ohlweiler. Julg.14/09/2011).

De acordo com o entendimento da Corte Superior de Justiça e de uma das Cortes estaduais, verifica-se que eventual responsabilidade civil do médico será perquirida através da responsabilidade subjetiva, devendo ser demonstrada a ação ou omissão, a culpa, o nexo de causalidade e o resultado danoso; caso contrário, não haverá responsabilização do profissional médico.

Dessa forma, a teoria subjetiva à responsabilidade civil médica é aplicada para que haja a efetiva análise da conduta do profissional médico, bem como o nexo de causalidade entre a conduta culposa e o dano gerado, para que esteja configurada efetivamente a responsabilidade e dever de reparação do médico.

Isto porque não é possível atribuir ao profissional médico ocorrências que estão além de seu atuar, além de seu controle, não sendo permitido exigir-lhe conduta impossível.

Todavia, se restar provada a culpa do médico e o nexo de causalidade entre esta e o dano, pela teoria subjetiva aplicada, será atribuído, mesmo que proporcionalmente, o ônus da reparação ao profissional médico.

2.3.2 Responsabilidade Civil Objetiva

Na teoria objetiva da responsabilidade civil não há a indagação da culpa, não sendo necessária sua presença para a configuração do dever de indenizar.

Basta a presença de um ato do agente - serviço falho, de um dano e do nexo de causalidade entre ambos para existir o dever de reparação, não necessitando se discutir a existência ou não de culpa.

Ou seja, a obrigação de reparo independe de comprovação de culpa.

O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, traz esta teoria, bem como os artigos 12 a 14 do Código de Defesa do Consumidor, mormente a responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço, não levando em consideração o elemento culpa.

Importante deixar claro que, no cenário nacional, a teoria objetiva dentro da seara médico-hospitalar é uma exceção à regra da responsabilidade subjetiva.

No direito médico-hospitalar esta teoria aplica-se principalmente a hospitais e entidades prestadoras de serviços de saúde, considerando-se o risco inerente à atividade exercida, como abaixo será devidamente aprofundado.

Néri Tadeu Câmara Souza (online) traz de forma cristalina o conceito da teoria objetiva:

Em essência essa teoria está vinculada à idéia do risco – quem provoca uma lesão ao valor alheio é, ipso facto, responsável pelo ressarcimento do lesado. Essa obrigação pela recomposição do prejuízo independerá da verificação – comprovação – de culpa na conduta do agente lesante. A culpa é presumida pela legislação ou simplesmente é dispensada a sua comprovação. É suficiente ter ocorrido o dano e sua associação à conduta que o causou, para haver a responsabilidade. Portanto, a responsabilidade objetiva se caracteriza por ser independente da presença de culpa, no agir do que ocasionou a lesão, mas não prescinde da presença dos demais elementos da responsabilidade civil.

Urge mencionar breve posicionamento de Antônio Lindbergh Montenegro (1996, p. 30) sobre a teoria objetiva vista como teoria do risco:

Na segunda hipótese, a responsabilidade (objetiva) se assenta na implantação de um determinado risco da coisa ou da empresa, em razão de um prejuízo injusto causado a outrem.

[...] Há também os que preferem estabelecer distinção entre responsabilidade objetiva, responsabilidade pelo risco, responsabilidade sem culpa. Na responsabilidade objetiva o fundamento da indenização decorreria da existência de um evento lesivo ligado ao agente por um nexo de causalidade. A responsabilidade pelo risco teria o seu suporte em um risco específico, de perigo geral, produzido pela atividade do homem, de tal sorte que incidiriam a em seu campo de ação tão somente os riscos imprevisíveis ou excepcionais. Para minimizar questões mais de ordem bizantina do que técnico-jurídica, a doutrina passou a empregar o termo responsabilidade sem culpa para abarcar todas as hipóteses que escapassem da órbita da responsabilidade subjetiva.

Silvio Rodrigues (2003, p. 286) assim continua a discorrer sobre a temática:

A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.

No mesmo norte, transcreve-se lição de Orlando Gomes (2011, p. 86/87):

Dessas direções que o movimento de reação tomou, a mais radical é da eliminação, na responsabilidade, da própria ideia de culpa. Importa a substituição do ponto de vista subjetivo pelo objetivo. Segundo a nova concepção, quem quer que crie um risco deve suportar as conseqüências. Abstrai-se completamente a culpa. A ideia de que a produção do dano, nessas condições, deveria obrigar à sua reparação por parte de quem criou o perigo correspondia à necessidade de segurança, e, em pouco, seria consagrada legislativamente. Dissociando-se inteiramente a responsabilidade da culpa, processou-se verdadeira revolução em matéria de responsabilidade civil, que passou a comportar dois polos, o polo objetivo, onde reina o risco criado, e o polo subjetivo, onde triunfa a culpa, girando toda a teoria em torno desses dois polos.

[...] Mas, apesar dos progressos da teoria da responsabilidade objetiva, não se pretendeu, jamais, tomasse o lugar da responsabilidade subjetiva. Sempre se advogou a sua adoção nas hipóteses em que o princípio da responsabilidade fundada sobre a culpa se revela insuficiente. A bem dizer, os casos de responsabilidade baseada no risco, por mais numerosos que sejam, continuam a ser exceções abertas ao postulado tradicional da responsabilidade subjetiva.

Em suma, na responsabilidade objetiva não há discussão da culpa em si, ou seja, a perquirição da responsabilidade civil independe da análise da culpa da conduta ou do serviço prestado. Ocorrerá sim a análise da conduta ou do serviço configurado falho em si, sendo suficiente que esta conduta ou serviço falho associe-se com o dano causado. Esta responsabilidade civil deve-se a atividades que geram risco, considerando-se que quem pratica atividade geradora de risco deve suportar as consequências.

A jurisprudência assim se manifesta a respeito do tema:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA CONTRA HOSPITAL. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICO-HOSPITALARES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO CDC.

1. Demanda indenizatória proposta por paciente portador da Síndrome de Down, que, com um ano e cinco meses, após ser submetido a cirurgia cardíaca, recebeu indevidamente alta hospitalar, tendo de retornar duas vezes ao nosocômio, com risco de morte, sendo submetido a duas outras cirurgias, redundando na amputação de parte da perna esquerda.

2. A regra geral insculpida no art. 14, "caput", do CDC, é a responsabilidade objetiva dos fornecedores pelos danos causados aos consumidores.

3. A exceção prevista no parágrafo 4º do art. 14 do CDC, imputando-lhes responsabilidade subjetiva, é restrita aos profissionais liberais.

4. Impossibilidade de interpretação extensiva de regra de exceção.

5. O ônus da prova da inexistência de defeito na prestação dos serviços médicos é do hospital recorrente por imposição legal (inversão 'ope legis'). Inteligência do art. 14, § 3º, I, do CDC.

6. Não tendo sido reconhecida pelo tribunal de origem a demonstração das excludentes da responsabilidade civil objetiva previstas no parágrafo 3.º do artigo 14 do CDC, a pretensão recursal esbarra no óbice da Súmula 07/STJ, pois exigiria a revaloração do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado a esta Corte Superior.

7. Precedentes jurisprudenciais desta Corte.

8. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STJ – REsp 1331628/ DF, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julg. 05/09/2013).

Na mesma direção:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE MÉDICO E DE HOSPITAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO VERIFICADA. INOVAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR. SÚMULA 7/STJ. 1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, pois, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente. 2. O fato de a parte haver pleiteado a inversão do ônus da prova não é suficiente para afastar o argumento do acórdão recorrido de que houve inovação na causa de pedir. 3. A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação dos médicos que neles trabalham ou são ligados por convênio, é subjetiva, dependendo da demonstração da culpa. Não se pode excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital. A responsabilidade objetiva para o prestador do serviço prevista no art. 14 do CDC, no caso o hospital, limita-se aos serviços relacionados ao estabelecimento empresarial, tais como à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos e serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia). Precedentes. 4. "O hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si" (REsp 629.212/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2007, DJ 17/09/2007, p. 285). 5. A responsabilidade objetiva prescinde de culpa (parágrafo único do art. 927 do Código Civil). No entanto, é necessária a ocorrência dos demais elementos da responsabilidade subjetiva, o que não ocorreu no caso dos autos. 6. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula 7/STJ). 7. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no REsp 1.385.734/RS, Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Julg. 26/08/2014).

Concluindo, na teoria objetiva da responsabilidade civil não há a verificação da culpa, bastando a conduta danosa, o dano e o liame causal entre os mesmos para que surja o dever indenizatório.

Esta teoria é aplicada como exceção em nosso ordenamento jurídico.

Alguns compreendem esta teoria como teoria do risco, que pode ser entendida como um serviço prestado que possa causar dano a outrem, sendo que o prestador desse serviço sustenta o risco de exercer essa atividade que pode causar o dano, o qual deve ser reparado se efetivamente ocorrer, isto porque nessa teoria o que conta é o risco criado pela atividade e não a culpa.

2.4 Obrigação de Meio e de Resultado

2.4.1 Obrigação de Meio

Na obrigação de meio o profissional médico não é obrigado a um resultado específico, mas sim a envidar todos os seus esforços e conhecimento técnico e prático para buscar a cura ou melhora do quadro de saúde do paciente.

Ou seja, o médico deve utilizar todo seu conhecimento e habilidade para proporcionar o melhor e o devido tratamento ao seu paciente, todavia sem garantia de resultados, até porque o fator álea, a resposta do organismo do paciente, o descumprimento pelo paciente das orientações médicas pré, trans e pós-tratamento, a própria doença que o acomete e inúmeros fatores externos podem interferir no tratamento médico sem que o médico tenha qualquer possibilidade de atuar em contrário.

Nesse tipo de obrigação, adotada de forma majoritária no Brasil, na hipótese do resultado esperado não ter sido alcançado, deve restar provado que o médico agiu de forma culposa, não utilizando dos meios disponíveis para atingir o resultado possível e desejado.

Wanderlei Lacerda Panasco (1984, p. 112) discorre acerca do tema:

Se seus meios e sua atividade não atingirem o resultado da cura, não descumpriu um contrato. O médico por meio do uso da técnica e dos recursos disponíveis não se obriga a curar o paciente. O adimplemento da obrigação do médico ocorre no momento em que ele utiliza todas as técnicas disponíveis, agindo com prudência e diligência, empregando todos os meios para obter a cura do paciente, no entanto, não está obrigado a alcançá-la.

Por oportuno, transcreve-se o posicionamento de Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 77/78):

[...] obrigações de meio, deve ser aferido se o devedor empregou boa diligência no cumprimento da obrigação. [...] Nas obrigações de meio, por outro lado, o descumprimento deve ser examinado na conduta do devedor, de modo que a culpa não pode ser presumida, incumbindo ao credor prová-lo cabalmente.

[...] Na grande maioria dos casos, o que caracteriza a obrigação de meio é o fato de o credor insatisfeito ter de provar não apenas que a obrigação não foi executada, [...] mas também [...] que o devedor não se conduziu como devia.

Ruy Rosado de Aguiar Junior (2000, p. 133-180) também comenta a matéria:

A obrigação é de meios quando o profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidado e diligência exigidos pelas circunstâncias, de acordo com o seu título, com os recursos de que dispõe e com o desenvolvimento atual da ciência, sem se comprometer com a obtenção de um certo resultado. O médico, normalmente, assume uma obrigação de meios.

[...] Na obrigação de meios, o credor (lesado, paciente) deverá provar a conduta ilícita do obrigado, isto é, que o devedor (agente, médico) não agiu com atenção, diligência e cuidados adequados na execução do contrato.

Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 257) assim se manifesta:

Portanto, para o cliente é limitada a vantagem da concepção contratual da responsabilidade médica, porque o fato de não obter a cura do doente não importa reconhecer que o médico foi inadimplente. Isto porque a obrigação que tais profissionais assumem é uma obrigação de “meio” e não de “resultado”. O objeto do contrato médico não é a cura, obrigação de resultado, mas a prestação de cuidados conscienciosos, atentos, e, salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência.

Patricia Maria de Carvalho (2013) menciona o conceito da obrigação de meios e casos de exceção desta obrigação, apontando obrigação de resultado para determinadas especialidades:

Na seara da responsabilidade médica, há muito é sabido que a obrigação do médico é de meio, isto é, deve o médico usar de todo avanço da ciência médica e agir de forma diligente, prudente e hábil, bem como tomar todas as precauções para evitar danos previsíveis. Isto porque, o paciente ao procurar um médico, contrata com este, uma obrigação de meio, não podendo, portanto, ser o médico responsabilizado se o paciente não alcançou a cura, uma vez que o profissional tenha dispensado cuidados atentos e diligentes ao paciente.

Entretanto, a doutrina majoritária brasileira entende existir ainda especialidades médicas excluídas desta categoria, destinando às cirurgias plásticas estéticas e à anestesia, a obrigação de resultado, defendendo que nestas especialidades o profissional se compromete com o resultado final.

Das lições doutrinárias supracitadas, observa-se que na obrigação de meio, o médico não se compromete com a cura do paciente, não se compromete com um resultado, mas sim a utilizar-se de todas as técnicas disponíveis e empregar todos os meios disponíveis para buscar a cura, agindo de forma diligente, prudente e perita, precavendo-se de eventuais danos quando previsíveis.

Em outras palavras, na obrigação de meio, o fato de o médico não ter alcançado a cura de determinado paciente não corresponde automaticamente à prática de conduta culposa e danosa, muito menos à responsabilização civil.

Nesta mesma linha de raciocínio, segue o entendimento jurisprudencial no que tange à obrigação de meio na seara médica:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. OBRIGAÇÃO DE MEIO, E NÃO DE RESULTADO. ERRO MÉDICO. REEXAME DE PROVAS. SUMULA 07/STJ.

1. O Superior Tribunal de Justiça entende que a relação entre médico e paciente é de meio, e não de fim (exceto nas cirurgias plásticas embelezadoras), o que torna imprescindível para a responsabilização do profissional a demonstração de ele ter agido com culpa e existir o nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado – responsabilidade subjetiva, portanto.

2. Todavia, o acórdão recorrido entendeu que houve responsabilidade da União mediante ter ocorrido erro médico, por meio de seu agente, pericialmente comprovado, o que afasta qualquer dúvida sobre a sua responsabilidade em ressarcir os danos materiais e compensar o dano moral. O valor arbitrado pela sentença proferida pelo juízo singular em R$10.000,00 (dez mil reais) foi majorado – em razão da gravidade do dano sofrido, que acarretou a incapacidade parcial e permanente do autor, com a perda de parte dos movimentos da perna esquerda, conforme o Tribunal de origem – para R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

3. Resta nítido que a convicção formada pelo Tribunal de origem decorreu dos elementos existentes nos autos. Rever a decisão recorrida importaria necessariamente no reexame de provas, o que é defeso nesta fase recursal, nos termos da Súmula 07/STJ.

4. Segundo entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, somente é possível a modificação da indenização por danos morais, se o valor arbitrado for manifestamente irrisório ou exorbitante, de modo a causar enriquecimento sem causa e vulnerar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não ocorre no presente caso.

5. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no Ag 1269116/RJ, Relator: Min. Castro Meira. Julg. 06/04/2010).

Conforme verificado acima, a obrigação do médico é tratada como de meio em nosso ordenamento jurídico, ao passo que ao médico é esperado que dispense o tratamento médico com toda diligência, denodo e atenção, empregando sua dedicação e comprometimento para buscar a cura do paciente, no entanto, sem obrigação de atingir determinado resultado.

Até porque não é possível exigir tal feito de um médico, haja vista que concorrem fatores aleatórios e sem controle do médico que podem interferir de forma significativa no resultado do tratamento médico dispensado, tais como, conduta do próprio paciente, caso fortuito, força maior, fato de terceiro, resposta do organismo do paciente, resposta da doença que o paciente foi acometido, iatrogenia, dentre outros.  

Estas situações, estes fatores aleatórios acima mencionados que não se encontram na seara de controle do médico e que podem interferir no resultado do tratamento de saúde, são conhecidos como excludentes da responsabilidade civil, ou atenuantes da responsabilidade civil, resumindo-se em culpa exclusiva ou concorrente da vítima, caso fortuito, força maior, fato de terceiro e iatrogenia.

Oportunamente, urge delinear acerca das principais causas excludentes e atenuantes da responsabilidade civil médica; explicitando desde já que a excludente opera quando a causa for efetiva e exclusiva para a ocorrência do dano, e a atenuante opera quando a causa apenas concorrer para a ocorrência do dano.

Quanto à excludente/atenuante denominada conduta do próprio paciente acima citada, esta se verifica quando a conduta do próprio paciente interfere e acaba por provocar o dano, mormente em situações de descumprimento das orientações médicas, podendo ocorrer no pré, trans, pós-tratamento, ou até mesmo na recusa de tratamento, sendo conhecida também como culpa exclusiva ou concorrente da vítima, dependendo se atuar como excludente ou atenuante da responsabilidade médica.

Já o caso fortuito remete a situações imprevisíveis e inevitáveis. E a força maior, embora até pudesse ser prevista, não poderia ser evitada. O caso fortuito e a força maior são tratados como sinônimos pela maioria da doutrina e jurisprudência na prática da seara da responsabilidade civil médica.

A causa denominada como resposta do organismo do próprio paciente pode ser denominada também como caso fortuito ou força maior, sendo uma reação do organismo do próprio paciente que o médico não poderia prever e evitar, ou mesmo se pudesse prever, não poderia evitar, como a prescrição de um medicamento de uso corrente que acarrete uma reação imprevisível e inevitável no paciente.

A evolução da doença que acomete o paciente também pode ser uma causa de caso fortuito ou força maior, quando a própria doença e sua evolução provoca o dano ao paciente, independentemente do atuar médico.

O fato de terceiro pode se resumir como uma causa que exclui ou atenua a responsabilidade do médico quando um terceiro estranho à relação médico-paciente intervém de forma a causar o dano ao paciente, como um dano causado por interferência indevida de um farmacêutico ou de um familiar do paciente.  

Cabe mencionar, ainda, a iatrogenia, que se caracteriza como uma sequela decorrente do procedimento/tratamento realizado pelo médico, definida também como uma patologia terapêutica, podendo ser mencionado como exemplo a amputação de um membro a fim de preservar a vida de um paciente diabético.

Apesar de muita discussão a respeito, é tratada pela maior parte da doutrina e jurisprudência como excludente de responsabilidade civil, quando obviamente não decorrente de comportamento doloso ou culposo do médico.

Senão vejamos.

Acerca da iatrogenia, o eminente jurista Sylvio Capanema de Souza (apud DIAS, 2006, p. 355) leciona que:

[...] agindo o profissional com perícia e prudência, utilizando-se das técnicas indicadas pela literatura médica para evitar danos ao paciente, e efetuando o procedimento mais indicado para o objetivo pretendido, não lhe deve ser atribuída qualquer responsabilidade pelas sequelas que decorrem do procedimento utilizado, que se caracterizam como lesões iatrogênicas, que são lesões previsíveis, porém inevitáveis, provocadas por um ato médico.

A jurisprudência entende da mesma forma, como pode ser observado do julgado ora transcrito, que examinou um caso em que uma paciente faleceu após reação anafilática no procedimento do exame de tomografia computadorizada de crânio durante injeção de contraste iodado, restando “[...] afastada a responsabilidade civil objetiva da Clínica radiológica, ante do reconhecimento da iatrogenia, com a quebra do nexo causal. [...].” (TJRJ – Apelação Cível n. 0011823-63.2000.8.19.0002, Relator: Des. Antonio Saldanha Palheiro. Julg. 08/11/2005).

Assim, observa-se que a iatrogenia é entendida pela grande parte da doutrina e da jurisprudência como uma excludente da responsabilidade civil do profissional médico.

Vale lembrar que todas as causas acima mencionadas são alguns exemplos de excludentes ou atenuantes da responsabilidade civil médica, podendo ser definidas de modo diverso, com mais detalhes e maior extensão do que aqui apresentadas, até porque não é a intenção do presente trabalho exaurí-las, mas sim mencioná-las visando possibilitar maior compreensão da matéria foco deste trabalho.

Por fim, cabe salientar que no Brasil, como exceção, parte de doutrinadores e juristas admitem em algumas especialidades médicas, tais como cirurgia plástica embelezadora (puramente estética) e anestesiologia (atualmente com minoria de adeptos), a aplicação da obrigação de resultado que a seguir será tratada.

2.4.2 Obrigação de Resultado

Na obrigação de resultado, diferentemente da obrigação de meio, o médico obriga-se a praticar sua conduta para atingir determinado resultado, estando vinculado seu trabalho a alcançar o referido resultado contratado com o paciente.

Caso não atingir o resultado pretendido, o médico responde pelo dano provocado, somente eximindo-se caso comprovado que não alcançou o resultado contratado pela ocorrência de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiros, em conformidade com o artigo 393 do Código Civil, dentre outros casos, conforme supramencionado (“2.4.1 Obrigação de Meio”).

Esta modalidade de obrigação é geralmente aplicada aos médicos cirurgiões plásticos em cirurgia plástica embelezadora, quando o objetivo é puramente estético. Aos médicos anestesiologistas esta modalidade também era aplicada e defendida por doutrinadores e juristas, porém, atualmente é aplicada com menos freqüência e conta cada vez com menos adeptos.

Observa-se que a diferença entre a obrigação de meio e de resultado, na prática, se dará principalmente do ônus probatório, posto que na obrigação de meio deve ser comprovado que o médico não agiu de modo devido e na obrigação de resultado basta a verificação da não realização do resultado pretendido.

Ruy Rosado de Aguiar Junior (2000, p. 133-180) explica de forma clara a matéria aqui tratada:

A obrigação será de resultado quando o devedor se comprometer a realizar um certo fim, como, por exemplo, transportar uma carga de um lugar a outro, ou consertar e pôr em funcionamento uma certa máquina (será de garantia se, além disso, ainda afirmar que o maquinário atingirá uma determinada produtividade). O médico a assume, por exemplo, quando se compromete a efetuar uma transfusão de sangue ou a realizar certa visita.

Sendo a obrigação de resultado, basta ao lesado demonstrar, além da existência do contrato, a não-obtenção do resultado prometido, pois isso basta para caracterizar o descumprimento do contrato, independentemente das suas razões, cabendo ao devedor provar o caso fortuito ou a força maior, quando se exonerará da responsabilidade.

Rui Stoco também se posiciona a respeito:

O que impede considerar é que o profissional na área de cirurgia plástica, nos dias atuais, promete um determinado resultado (aliás, essa é a sua atividade-fim), prevendo, inclusive com detalhes, esse novo resultado estético procurado. Alguns utilizam-se mesmo de programas de computador que projeta a nova imagem (nariz, boca, olhos, seios, nádegas, etc.), através de montagem, escolhida na tela do computador ou na impressora, para que o cliente decida. Estabelece-se, sem dúvida, entre médico e paciente, relação contratual de resultado que deve ser honrada. Portanto, pacta sund servanda.

No mesmo norte:

Nesta obrigação, o médico assume a obrigação de proporcionar ao paciente o resultado desejado. Sua conduta não será somente a de exercer sua atividade, mas sim de produzir um resultado previamente acordado entre as partes, médico e paciente. Caso o fim buscado não seja alçando, quer de seja forma parcial ou total, o médico não adimpliu sua obrigação, havendo presunção de sua culpa e inversão do ônus da prova, cabendo ao paciente apenas comprovar que não foi obtido o resultado esperado, portanto não foi cumprida a obrigação. 

[...] Portanto, neste tipo de obrigação o resultado é o compromisso fundamental do contrato, por este motivo, caso o resultado não seja obtido, há o inadimplemento da obrigação. Desta forma, haverá a inversão do ônus da prova, pois há presunção de culpa do contratado, cabendo ao prejudicado, no caso da obrigação médica o paciente, apenas comprovar o descumprimento. (OLIVEIRA, D., 2008).

Oportuno destacar manifestação de Miguel Kfouri Neto (2001, p. 175):

a) a cirurgia de caráter estritamente estético, na qual o paciente visa a tornar seu nariz, por exemplo – que de modo algum destoa da harmonia de suas feições -, ainda mais formoso, considerando, por vezes, um modelo ideal de beleza estética. Neste caso, onde se expõe o paciente a riscos de certa gravidade, o médico se obriga a um resultado determinado e se submete à presunção de culpa correspondente e ao ônus da prova para eximir-se da responsabilidade pelo dano eventualmente decorrente da intervenção (a jurisprudência alienígena registra caso de cirurgião que, no propósito de corrigir a linha do nariz, terminou por amputar parte do órgão).

Apesar da maior parte da doutrina admitir como exceção a obrigação de resultado ao médico nos casos de cirurgia plástica embelezadora e puramente estética, e uma pequena minoria admitir igualmente como exceção a obrigação de resultado para a especialidade de anestesiologia, cabe mencionar a argumentação da minoria da doutrina e dos próprios profissionais médicos, que inadmitem imputar a um profissional médico um resultado que o mesmo não possui condições de garantir, haja vista os fatores aleatórios a sua conduta e ao seu controle, conforme abaixo será explanado.

Patricia Maria de Carvalho (2013) expõe seu posicionamento da seguinte forma:

Na seara da responsabilidade médica, há muito é sabido que a obrigação do médico é de meio, isto é, deve o médico usar de todo avanço da ciência médica e agir de forma diligente, prudente e hábil, bem como tomar todas as precauções para evitar danos previsíveis. Isto porque, o paciente ao procurar um médico, contrata com este, uma obrigação de meio, não podendo, portanto, ser o médico responsabilizado se o paciente não alcançou a cura, uma vez que o profissional tenha dispensado cuidados atentos e diligentes ao paciente.

Entretanto, a doutrina majoritária brasileira entende existir ainda especialidades médicas excluídas desta categoria, destinando às cirurgias plásticas estéticas e à anestesia, a obrigação de resultado, defendendo que nestas especialidades o profissional se compromete com o resultado final.

Os estudiosos, tanto da medicina como do direito, têm se esmerado em defender e mudar o atual quadro de injustiça relegado aos cirurgiões plásticos, no sentido de acabar com a diferenciação hoje existente nesta especialidade. O que justifica tal discriminação? Não são ambas realizadas num mesmo campo de trabalho: o corpo humano? Afinal, são inúmeras as cirurgias estéticas realizadas hoje por orientação de psicólogos e psiquiatras, visando à saúde mental do paciente. Então, não são estas cirurgias terapêuticas? Ou trata-se apenas de vaidade? Estes são questionamentos que, em nosso ver, encerram a discussão.

Oportunamente, colhe-se a menção de Hildegard Taggesell Giostri (2004, p. 113/114) ao posicionamento e perspectiva de um cirurgião plástico sobre o tema abordado:

Não aceitamos, em primeiro lugar, o mau uso do termo cirurgia plástica estética. Nossa especialidade é a Cirurgia Plástica e tudo que fazemos é ao mesmo tempo reparador e estético: estas qualidades não se separam em nenhuma de nossas atitudes como médicos. [...] As pessoas que procuram a Cirurgia Plástica sentem dor. Não somente a dor física, mas a dor emocional. Sobre esta, vamos esclarecer com os seguintes exemplos: - Encontre uma solução para uma criança que tem os melhores anos de sua vida entristecidos e o seu desenvolvimento escolar comprometido, pelas agressões cruéis que seus coleguinhas lhe fazem por ter as orelhas abertas. – Force uma adolescente a ser alegre e agir de maneira normal, quando não há roupa que lhe permita esconder seus enormes seios que são causa de segregação por parte de suas amigas, pelo destaque da anormalidade. – Repita mil vezes para uma jovem que depois de ter tido seus filhos, não deve esconder seu abdômen flácido de seu companheiro e deve se sentir a vontade em sua sensualidade. Exemplos iguais se repetem em todas as outras deformidades plásticas, dependendo dos conceitos pessoais de anormalidade. [...] Nossa atividade é um meio de alcançar a saúde. Só a atividade de Deus é um fim.

Já sobre a discordância no que tange à especialidade de anestesiologia, Hildegard Taggesell Giostri (2004, p. 52/53) reproduz parte de esclarecedor texto da Revista Argentina de Anestesiologia sobre o risco anestésico:

I) O anestesiologista administra de forma pessoal e em um período de tempo muito breve (desde minutos até algumas horas) o maior numero de drogas que qualquer outro médico.

II)   Nenhum outro médico enfrenta tão frequentemente, de forma direta e pessoal, quadros de hipotensão arterial.

III) Nenhum outro médico enfrenta tão frequentemente e resolve de forma direta e pessoal, a parada respiratória, seja induzida ou não.

IV)  Em nenhuma outra especialidade o médico produz, necessariamente, situações para a desestabilização e obstrução da via aérea superior.

V) Nenhuma outra especialidade médica utiliza tantas drogas com tão alta potencialidade letal intrínseca.

VI)  Nenhuma outra especialidade assume a responsabilidade de resolver situações vinculadas com a atividade de outros profissionais (cirurgiões, especialistas em diagnósticos por imagem, etc.), já que se trata de uma especialidade que não é terapêutica, mas dirigida a auxiliar no sentido que outras especialidades cumpram seus objetivos.

VII)  Os anestesiologistas dispõem de muito pouco tempo para a tomada de decisões críticas e esta situação não só é produto de situações de emergência, como pode estar afeita aos procedimentos normais no exercício de sua especialidade.

VIII) Pelas circunstâncias apontadas nos parágrafos precedentes, em nenhuma especialidade é imperativo diferenciar prematuramente uma reação normal e esperada a uma droga ou a contingências associadas com a operação e anestesia, de uma reação inesperada ou de uma situação anormal que possa repercutir negativamente no paciente.

IX)  Nenhuma outra especialidade deve assimilar, analisar e processar de forma permanente e em um curto espaço de tempo (desde minutos até horas) uma gama tão ampla de dados e informações sobre as condições e a evolução do paciente.

Apesar da divergência na doutrina, a jurisprudência claramente aplica a teoria da obrigação de resultado aos médicos na área de cirurgia plástica embelezadora, contudo isso não quer dizer que não há a perquirição e comprovação da conduta médica para que haja condenação indenizatória, como pode ser facilmente verificado nos julgados abaixo transcritos:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO. SUPOSTOS DANOS ESTÉTICOS. NÃO COMPROVAÇÃO. REVISÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. PROVIMENTO NEGADO. 1. A despeito do reconhecimento de que a cirurgia plástica caracteriza-se como obrigação de resultado, observa-se que, no caso, foi afastado o alegado dano. As instâncias ordinárias, mediante análise de prova pericial, consideraram que o resultado foi alcançado e que eventual descontentamento do resultado idealizado decorreu de complicações inerentes à própria condição pessoal da paciente, tais como condições da pele e do tecido mamário. 2. A modificação do julgado demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é incompatível com a via estreita do recurso especial, conforme dispõe a Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – AgRg no REsp 1.442.438/SC, Relator: Min. Raul Araújo. Julg. 03/02/2015).

No mesmo norte:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CIRURGIA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REGRA DE INSTRUÇÃO. ARTIGOS ANALISADOS: 6º, VIII, E 14, CAPUT E § 4º, DO CDC. 1. Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais, ajuizada em 14.09.2005. Dessa ação foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 25.06.2013. 2. Controvérsia acerca da responsabilidade do médico na cirurgia estética e da possibilidade de inversão do ônus da prova. 3. A cirurgia estética é uma obrigação de resultado, pois o contratado se compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da própria obrigação, sem o que haverá a inexecução desta. 4. Nessas hipóteses, há a presunção de culpa, com inversão do ônus da prova. 5. O uso da técnica adequada na cirurgia estética não é suficiente para isentar o médico da culpa pelo não cumprimento de sua obrigação. 6. A jurisprudência da 2ª Seção, após o julgamento do Reps 802.832/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 21.09.2011, consolidou-se no sentido de que a inversão do ônus da prova constitui regra de instrução, e não de julgamento. 7. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – REsp 1.395.254/SC, Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julg. 15/10/2013).

Já quanto à aplicação da obrigação de resultado à anestesiologia, o cenário não é o mesmo, sendo cada vez mais inadmitida a obrigação de resultado à perquirição da responsabilidade civil dos médicos anestesiologistas,

Isto porque, mesmo com todas as cautelas pré-anestésicas, exames e toda precaução devida, o médico anestesiologista não possui capacidade de prever muitos resultados infortúnios que podem ocorrer, até porque há inúmeros fatores que fogem ao controle do médico, como já verificado acima, citando-se como alguns exemplos, a resposta do organismo do paciente, falha de equipamentos, caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiros.

Nesta direção, oportuno registrar julgado do Superior Tribunal de Justiça, no qual se entendeu como única exceção à obrigação de meios a cirurgia plástica embelezadora, e não mais a anestesiologia no mesmo sentido. Senão vejamos:

O serviço médico é considerado, em geral, uma obrigação de meio, segundo a qual os profissionais de saúde se comprometem a utilizar a melhor técnica disponível e a diligência necessária para alcançar a cura do paciente (salvo nos casos de cirurgia estética), que, ainda assim, muitas vezes, não é possível. Por isso, em caso de danos, é necessário comprovar a culpa do médico. (STJ – EResp 605435/RJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi. Julg. 14/09/2011).

Grande parte da doutrina acompanha a mesma trilha de raciocínio, a exemplo de Genival Veloso de França (online):

Entretanto, face outra forma de entendimento, alguns defendem a teoria de que o dano produzido em anestesia tenha configuração mais grave, por entenderem existir entre esse especialista e o seu paciente uma obrigação de resultado. A prevalecer tal idéia, diante de um mau resultado, qualquer que sejam suas causas, a vítima tem o direito de fazer-se indenizar sempre.

Nesse aspecto, com todo respeito, discordamos frontalmente, pois difíceis e delicados são os momentos enfrentados por esses especialistas, notadamente nos serviços de urgência e emergência, quando tudo é paradoxal e inconcebível, dadas as condições excepcionais e precárias, e diante da essência dolorosamente dramática da eminência de morte. Exigir-se deles uma obrigação de resultado é, no mínimo, desconhecer os princípios mais elementares dessa especialidade.

Hoje, mesmo em especialidades consideradas obrigadas a um resultado de maneira absoluta, como na cirurgia puramente estética, já se olha com reservas esse conceito tão radical de êxito sempre, pois o correto é decidir pelas circunstâncias de cada caso.

[...] Em síntese, o que se afirma não é que o anestesiologista não cometa erros - sejam eles de diagnostico, de terapêutica e de técnicas -, ou que ele não seja nunca negligente quando se afasta da sala ou imprudente quando desnecessariamente atua de forma simultânea em duas anestesias. Mas, tão-só, que a anestesia tal qual vem se aplicando hodiernamente no conjunto das ações de saúde e em que pese a relevância que se dê à modalidade de obrigação, não pode constituir um contrato de resultado, mas de meios ou de diligência, embora em casos de manifesta negligência ou imprudência venha se ampliar sua responsabilidade quanto os métodos usados ou à terapêutica escolhida.

Portanto, verifica-se que a obrigação de resultado é aplicada ao médico no Brasil como uma exceção à obrigação de meio, em determinados casos, mais precisamente nas cirurgias plásticas embelezadoras e puramente estéticas, onde se exige uma conduta-fim do profissional, apesar de parte minoritária da doutrina e os próprios profissionais médicos discutirem a aplicação prática desta teoria.

Outrossim, observa-se também que a anestesiologia já não mais é tratada como uma obrigação de resultado atualmente, tendo uma minoria que ainda a defende como uma exceção à obrigação de meios.

Em outras palavras, não há consenso sobre a matéria, sendo aplicada atualmente a obrigação de resultado em maior concentração às cirurgias plásticas puramente embelezadoras, apesar de discussão séria e crível de modo contrário.

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Sobre a autora
Carolina Heloisa Guchel Berri

Advogada. Pós-Graduanda em Direito Tributário Integrante da banca Nemetz & Kuhnen Advocacia Empresarial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERRI, Carolina Heloisa Guchel. A responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe por conduta culposa da equipe cirúrgica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5274, 9 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62644. Acesso em: 3 mai. 2024.

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