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A abusividade da cobrança de assinatura básica residencial

16/02/2005 às 00:00
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            Não há nenhuma justificativa para se cobrar R$ 0,34 (trinta e quatro centavos de real) por pulso na assinatura básica e R$ 0,13 (treze centavos de real) por pulso excedente nas chamadas locais. Nota-se que se está cobrando pelo mesmo serviço valores diferenciados sem qualquer justificativa.

            Quanto a cobrança de assinatura básica, estamos diante de verdadeira venda casada, pois o consumidor está sendo obrigado a pagar por um serviço independente de sua utilização, cujo valor não lhe é devolvido ou compensado nas faturas seguintes se ele desse serviço não se utilizar no período válido de faturamento, que é de 30 (trinta) dias, violando o art. 39, inciso I, do CDC.

            Ou seja, o consumidor, ao contrário do que fazem as Empresas Concessionárias de serviço público de telefonia, não é obrigado a consumir 100 pulsos telefônicos e, se não é obrigado a tal, não pode ser obrigado a pagar por eles independentemente de qualquer consumo.

            Está aí a prática de venda casada, posto que o fornecedor o obriga a pagar a título de assinatura mensal o equivalente a 100 pulsos, independentemente do consumidor utilizá-los, o que é até mais grave.

            Ao assim agirem, estão as Empresas Concessionárias de serviço público de telefonia, também, a violarem o artigo 39, inciso IV, do CDC, pois estão "valendo-se da fraqueza ou ignorância do consumidor para impor-lhe produtos e serviços", tanto que nem informam nas faturas que a assinatura básica mensal asseguram aos consumidores o direito a consumirem 100 pulsos e que esses mesmo 100 pulsos são mais caros do que os pulsos normais.

            Ao procederem dessa forma estão as Empresas Concessionárias de serviço público de telefonia discriminando, sem justificativa plausível, consumidores que se encontram em idêntica situação jurídica, violando, também, os artigos 3.º, inciso I, 5.º, Caput e inciso I da Constituição Federal, bem como os artigos 4.º, Caput e inciso III, 6.º, inciso V, 39, inciso V, 51, incisos IV e XV, quebrando o equilíbrio nas relações de consumo, estabelecendo prestações desproporcionais e obtendo vantagem, por esse mesmo motivo, manifestamente ilícita, causando "desarmonia nas relações de consumo", pior estão punindo os consumidores de baixa renda, os quais, por raramente consumirem mais de 100 pulsos, acabam pagando mais do que os demais consumidores, invertendo-se o ônus do custo político do serviço, o qual naturalmente seria o de permitir que as camadas mais pobres da população pudessem usufruir do serviço a um custo menor.

            Em atenção aos princípios da eqüidade e da proporcionalidade, só se admitiria a cobrança de um ônus adicional para aqueles que consomem mais, a exemplo dos consumidores não residenciais (comércio, serviço e indústria), ou mediante o estabelecimento de faixas de consumo, a partir da qual, se pagaria proporcionalmente a mais pelo serviço, ou pela utilização de melhores comodidades (a exemplo dos celulares).

            E, partindo dessa premissa, utilizarem as Empresas Concessionárias de serviço público de telefonia dessa renda adicional para custearem a expansão dos serviços.

            As Empresas Concessionárias de serviço público de telefonia invertem a lógica, e aí está a iniqüidade, o abuso, a desproporcionalidade.

            A discriminação é possível, desde que favoreça os economicamente mais pobres, não o contrário.

            Logo, a disposição contratual seria contrária aos princípios constitucionais e legais da eqüidade e da proporcionalidade, posto que os iguais estariam sendo tratados de maneira desigual, o que violaria o disposto no art. 51, inciso IV, do CDC e art. 5º caput da Constituição Federal.

            Segundo o Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

            "a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.

            Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhaltnismassigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit). Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito)"(Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 72).

            Na mesma linha de raciocínio, pronuncia-se Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição, p.215) afirmando que "o princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça". E mais adiante conclui o jurista citado afirmando que "o princípio da razoabilidade é um mecanismo de controle da discricionariedade legislativa e administrativa. Ele permite ao judiciário invalidar atos legislativos ou atos administrativos quando: (a) não haja relação de adequação entre o fim visado e o meio empregado; (b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual; (c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha"(Ob. cit. p. 234)

            Não discrepa desse pensar Márcia Haydée Porto de Carvalho (Hermenêutica Constitucional, p. 74) esclarecendo que o princípio da proporcionalidade é "uma verdadeira garantia constitucional que tem uma dupla função: protege os cidadãos contra os abusos do poder estatal e serve de método interpretativo de apoio para o juiz quando este precisa resolver problemas de compatibilidade e de conformidade na tarefa de densificação ou concretização das normas constitucionais".

            Outra autora que conceitua o princípio da proporcionalidade é Raquel Denize Stumm, especificando o sentido conforme seja ele em sentido amplo ou em sentido restrito, ensinando que "o princípio da proporcionalidade em sentido amplo é também chamado de princípio da proibição do excesso, possuindo como características que o diferenciam da proporcionalidade em sentido estrito a exigência da análise da relação de meios e fins. A expressão princípio da proibição do excesso é aplicável no âmbito do controle legislativo, onde suscita o problema do espaço de decisão dos órgãos legiferantes (Canotilho, 1982, p. 198), questionando a adequação dos atos legislativos aos fins expressos ou implícitos das normas constitucionais. As valorações do legislador não podem ser isoladas. Elas têm de ser relacionadas com outras valorações que estão por trás da lei e imprimem o seu cunho ao Direito (Engish, 1988, p. 379)(Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro, p. 78 e 79).

            Em nosso entender, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade é aquele que serve como controle do conteúdo dos atos administrativos e dos atos legislativos, na medida em que exige que esses atos passem pelo crivo da adequação entre os meios utilizados e os fins almejados e estejam de conformidade com o ideal histórico de justiça existente em um determinado ordenamento jurídico em determinada época.

            Pelas noções estabelecidas pelos autores a respeito do princípio da proporcionalidade, podemos inferir que ele possui alguns elementos também consagrados pela doutrina.

            São três os elementos do princípio da proporcionalidade: a) a adequação; b) a necessidade; c) a razoabilidade (proporcionalidade em sentido estrito) (Nesse sentido pronunciam-se: Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 360-361; Paulo Arminio Tavares Buechele, O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição, p. 125).

            Vejamos em apertada síntese, como exige o presente trabalho, cada um desses elementos ou subprincípios.

            O primeiro elemento é a adequação, também denominada por Paulo Bonavides de pertinência ou aptidão (Geeignetheit), isto é, "o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público". E, continua mais adiante o autor citado informando que "com o desígnio de adequar o meio ao fim que se intenta alcançar, faz-se mister, portanto, que a ´medida seja suscetível de atingir o objetivo escolhido`, ou, segundo Hans Huber, que mediante seu auxílio se possa alcançar o fim desejado"(Curso de Direito Constitucional, p. 360).

            O segundo elemento do princípio da proporcionalidade é a necessidade (Erforderlichkeit), segundo o qual a medida não deve exceder os limites indispensáveis para alcançar os fins almejados. Como doutrina Xavier Philippe, esse elemento se baseia na seguinte máxima: "de dois males, faz-se mister escolher o menor"(Apud Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 361). Dito de outro modo, esse elemento exige que "a medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa"(Suzana de Toledo Barros, O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais, p. 76).

            Finalmente, o terceiro elemento é a razoabilidade, também denominada por alguns autores como elemento da proporcionalidade em sentido estrito. Explicando esse elemento Paulo Arminio Tavares Buechele (O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição, p. 132) afirma que "aqui, o aspecto chave é a ponderação, a relação custo-benefício, ou seja, a verificação das vantagens e desvantagens resultantes para o cidadão, a partir dos meios utilizados pelo legislador com vistas à obtenção dos fins perseguidos pela norma constitucional.

            Vale dizer, se a fórmula legal adotada, além de adequada e necessária, for a que mais benefícios trouxer aos (s) titular (es) do direito fundamental, no tocante à sua proteção e concretização, terá ela atendido ao Princípio da Proporcionalidade em todos os seus elementos".

            Até o princípio da "capacidade contributiva" implícito no princípio constitucional da "função social da propriedade", previsto nos artigos 5.º, inciso XXIII e 170, inciso III, da CF e que tem como variante a "proibição do excesso (confisco)" não está sendo observado.

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            Estaria sendo violado, também, o princípio da função social da propriedade, visto que, o comportamento negocial não estaria atingindo o fim supostamente pretendido, qual seja o de favorecer às camadas mais pobres, estabelecendo-se uma espécie de compensação econômico-financeira.

            Com a adoção de valor superior para a Tarifa Básica, que por isso mesmo deveria ser mínima e em montantes inferiores a quaisquer outras modalidades de tarifas, está se adotando uma matemática que prejudica aqueles a quem se deveria privilegiar: os mais pobres. Está se prejudicando aqueles que menos ônus causam para o funcionamento do sistema. Está se incentivando um consumo irracional, visto que pela lógica do possível: os que consomem mais deveriam pagar mais, enquanto que os consomem menos deveriam pagar menos.

            Até o princípio da "capacidade contributiva" implícito no princípio constitucional da "função social da propriedade", e que tem como variante a "proibição do excesso (confisco)", não está sendo observado.

            Todos os argumentos possíveis levam à inafastável conclusão de que a tão propalada "Tarifa Básica Telefônica" sob o nome de "Assinatura Telefônica Básica" é uma verdadeira agressão jurídica aos consumidores, uma patética e patente prática abusiva.


A COBRANÇA DA ASSINATURA RESIDENCIAL BÁSICA VIOLA O DIREITO DE INFORMAÇÃO DOS CONSUMIDORES.

            O artigo 4.º Caput do CDC, ao tratar da Política Nacional das Relações de Consumo estabelece diretrizes, altamente interpretativas e aplicativas, destacando entre os seus objetivos "a proteção dos interesses econômicos dos consumidores", "a transparência nas relações de consumo" e a "melhoria na qualidade de vida dos consumidores".

            Para proteger os "interesses econômicos dos consumidores", estabeleceu-se: um rol exemplificativa de práticas e cláusulas abusivas, a previsão de ações coletivas em defesa desses interesses, a instituição de Promotorias de Justiça para a defesa dos consumidores, a criação de Delegacias especializadas no atendimento dos consumidores, a inversão do ônus da prova, o reconhecimento da vulnerabilidade dos consumidores, o direito de informação sobre os mais diversos produtos e serviços existentes no mercado e a criação de Juizados Especiais Cíveis.

            Para atingir o objetivo, dotou o legislador os instrumentos. A defesa dos interesses dos consumidores não ficou amputada.

            Ao objetivo da transparência nas relações de consumo, que nada mais representa do que a aquilo que pode ser visto, dotou o legislador outros instrumentos, entre eles "o direito/dever de informação", estabeleceu restrições a não observância do direito de informação.

            O comportamento desonesto, desleal, as informações sigilosas tem no CDC um inimigo.

            O fornecedor de serviços tem no dever de informação, a maior de suas obrigações. Na emissão de faturas para pagamento, nas cláusulas contratuais, tem ele o dever de informar tudo aquilo que seja essencial para a harmonia nas relações de consumo.

            As Empresas Concessionárias de serviço público de telefonia, regra geral, não informam os consumidores adequadamente nas faturas de pagamento a justificativa da cobrança dessa tão propalada "Assinatura Básica Residencial". Na maior parte dos casos, se limitam a informar que o consumidor deve pagar um Valor X a título de "Assinatura Residencial Básica" sem nunca informar o por quê está cobrando tal valor. Nem os contratos são claros ou contém a justificativa da cobrança. É uma daquelas cobranças cujo pagamento não se justifica. As Empresas Concessionárias de serviço público de telefonia não informam que tipo de serviço está sendo ou devia ser prestado pelo pagamento dessa Tarifa. Aliás, há consumidores e até profissionais do direito que vem sustentando e acreditando que isso é uma Taxa, quando na verdade isso é uma Tarifa, um preço público que deve corresponder a algum tipo de serviço.

            Isso só ocorre por que as Empresas Concessionárias de serviço público de telefonia e a Agência Reguladora (ANATEL), a que elas estão vinculadas, desrespeitam vergonhosamente os direitos dos consumidores, em flagrante prejuízo aos interesses dos consumidores.

            Ao não informar o por quê dessa cobrança, se está violado o direito básico de informação dos consumidores, previsto diretamente nos artigos 4.º, inciso IV e 6.º, inciso II, do CDC e indireta e implicitamente previstos no princípio da boa-fé objetiva (art. 4.º, inciso III) e na cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 51, inciso IV) que impõem às partes uma atuação, um comportamento negocial, conforme a boa-fé, um comportamento correto, leal, honesto e transparente. Pelo princípio, qualquer comportamento ou prática negocial que seja contrário à boa-fé deverá ser considerado uma prática abusiva, enquanto pela cláusula geral da boa-fé objetiva, a cláusula contratual que for contrária à boa-fé objetiva, que for contrária ou que justificar um comportamento contratual contrário aos deveres de honestidade, transparência, harmonia, lealdade e correção será nula.

            O comportamento contratual que consiste em negar ao consumidor o direito de ser informado do por quê ele está pagando um valor a título de "assinatura básica residencial" é contrário ao objetivo da transparência, viola o dever de informação e, conforme previsto no art. 46 do CDC "não obriga o consumidor".


A TARIFA DE "ASSINATURA BÁSICA RESIDENCIAL" TEM AUTÊNTICA NATUREZA JURÍDICA DE "CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO". VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL.

            Ao contrário do que muitos afirmam, em nada parece ou se assemelha a cobrança de tarifa de "assinatura básica residencial" a uma taxa. Fala-se em preço político ou em solidariedade social, onde aqueles que consomem mais ou que gozam de melhor poder aquisitivo estariam, "em tese", custeando a expansão dos serviços ou, de igual modo, compensando a utilização do serviço pelas camadas mais pobres da população.

            Isso não é verdade, mas se o fosse, o meio empregado para atingir tal finalidade é inadequado, posto que isso só poderia ser feito mediante a instituição de algum tipo de "Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico", o que certamente dependeria de lei.

            Ocorre que não há lei que justifique essa exação e a tarifa é um meio inadequado para atingir-se tal finalidade. A cobrança da tarifa em questão, ao contrário, está prevista em Contrato, tanto no de concessão, quanto no de prestação de serviço. Não sendo a tarifa o instrumento adequado para dar-se concretude aos fins pretendidos, também por esse motivo, a cobrança é abusiva.

            Deixamos claro que não estamos dizendo que a propalada "Assinatura Básica Residencial" seja uma "Contribuição Social de Intervenção no Domínio Econômico". O que estamos a afirmar é que só por intermédio desse tipo de exação tributária, que expressamente depende de lei, é que se poderia atribuir a terceiros a responsabilidade e o custo político da expansão e prestação de serviços subsidiados às camadas mais pobres da população, no que a "Tarifa" em questão teria e tem autêntica natureza jurídica dessa modalidade de contribuição social, daí resultando outras ilegalidades na cobrança.

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Sobre o autor
Fábio Santos da Silva

Advogado em Santos (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Fábio Santos. A abusividade da cobrança de assinatura básica residencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 588, 16 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6273. Acesso em: 19 abr. 2024.

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