Posse e porte de arma de fogo: quem são os privilegiados?

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O problema, claro não está na arma. Porém, num país de vastos tributos, de desigualdades sociais, quais cidadãos têm direito à arma? Além disso, entre abuso de autoridade e dignidade humana o Estado não age corretamente.

Desde que a LEI Nº 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003 ingressou no ordenamento jurídico brasileiro, discussões são criadas sobre o absurdo de tal lei. Há os cidadãos que são contra o Estatuto de Desarmamento, pois o Estado tirou o direito dos civis usarem arma. E há quem contra-argumenta que o Estado quis proteger os cidadãos, pois o fato de haver poucas armas em mãos dos civis garante maior controle do Estado (segurança pública) sobre criminalidade.

No site do Senado Federal, posse-e-porte-de-arma-podem-dispensar-declaracao-de-efetiva-necessidade" target="_blank">Dê sua opinião: posse e porte de arma podem dispensar declaração de efetiva necessidade

ESTATUTO  DO DESARMAMENTO

Art. 4º Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:

I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

O Brasil, assim como outros países, possui suas cifras negras. Os bons cidadãos não são condenados, muito menos percebidos com comportamentos anticivismo. Os bons cidadãos agem, "sem" saber ou por "necessidade", enquanto os criminosos agem pelo instinto de maldade. Os bons cidadãos picham banheiros de universidades — nas privadas, as mensalidades não são baixas; nas públicas, a maioria é da antiga classe média, ou da classe média alta —, fraudam Enem, processo de habilitação de trânsito terrestre, concurso público — pensando nos milhões de brasileiros que sobrevivem através dos Programas Sociais, logicamente tais crimes são de pessoas muito acima da linha limítrofe entre miséria e mínimo existencial; há casos de concurseiros pagarem mais de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para serem aprovados. Obter habilitação de trânsito terrestre fraudando o processo, tem cidadão que paga mais de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).

Criminoso no Brasil vende droga, mas estes criminosos são os cidadãos que ficam visíveis, enquanto os invisíveis vendem drogas como ecstasy, em festas acessíveis para pessoas "distintas" socialmente. Maconha e crack são drogas baratas, tipo povãoEcstasy, cocaína, LSD, drogas para cidadãos com poderes econômicos bem acima da média. Não à toa, os presídios brasileiros estão abarrotados de pessoas negras, com escolaridade básica, ou mal terminaram. Dificilmente existirá algum cidadão morador de bairro nobre, que vende anabolizante, ketamina e o GHB, na prisão. O único local "democrático" no Brasil, pode-se matar e não ser preso, é na via pública. Não importa se a pessoa está ou não dirigindo um automotor de luxo, qual a sua escolaridade, qual o seu nível socioeconômico; matou, ficará livre. Quando condenado, alguma ajuda de custo ao infeliz que sobreviveu. "Quando condenado", pois a maioria dos processos prescrevem. Realmente, a democracia — todos são iguais, menos as vítimas — funciona.

II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

Pensemos, quanto moradores de rua há no Brasil? Possuem "residência certa"? Esses moribundos, esquecidos num país que tem escrito nas cédulas "Deus Seja Louvado", são brasileiros? Não, pois se há, realmente, o sentimento de patriotismo, não existiriam brasileiros moradores de rua. Pior, quando o moribundo dorme em frente de alguma loja, o infeliz é expulso para não incomodar os clientes. Em algumas localidades do Brasil, sejam nas entradas de lojas ou bancos, nos assentos nas praças públicas, os dispositivos "antimendigo" mantêm "Ordem e Progresso".

Já escrevi vários artigos sobre a Arquitetura da Discriminação. Quando adolescente ouvia:

Se são mendigos, em outras vidas fizeram mal e devem pagar nesta.

São assim pelo motivo de não quererem trabalhar.

Na primeira frase, alguns irão pensar que tem a ver com o Kardecismo. Ledo engano. Escutava de evangélicos. Na segunda frase, com tempo de estudos e pesquisas, o darwinista social em ação. Na Arquitetura existe a Máquina Antropofágica. Na Máquina as mudanças comportamentais, por ideologias , variam conforme o temperamento e interpretações do Homo Sapiens Sapiens Conflictus. Quanto aos Católicos, alguns davam esmolas para não salvarem o mendigo, mas a si mesmos: boas ações levam ao Paraíso Celestial. Que fique claro, independentemente de crença, pessoas com fé davam esmolas por real caridade, assim como os não religiosos. Tudo depende do âmago de cada pessoa seja porque assim entende, desde criança, ou pelo tipo de educação que teve dos genitores. Pode numa geração de racistas nascer algum membro com pensamentos não racistas? Sim. Como é verdade que família não racista possa nascer uma pessoa racista. Por exemplo, uma pessoa de etnia "x" tem alguma frustração com outra pessoa, de etnia "y". Se a frustração é agonizante, pode "x" achar que toda pessoa da etnia "y" seja má. É o Homo Sapiens Sapiens Conflictus

Interessante observar às pinceladas de sentimentalismo para "minorar" o sofrimento alheio. De 'pecador' (religião) para 'mendigo' (darwinismo social), de 'mendigo' para 'sem-teto' (semidireitos humanos, de 'sem-teto' para 'morador de rua' (direitos humanos). Tentou-se "humanizar" o cidadão sem teto e sem parede. Como não é mais possível espancá-lo, os "antimendigos".

Retornando ao caso, cidadãos de bem com armas, sem a burocracia do Estatuto. Do jeito que está o Brasil, principalmente "coxinhas" versus "PTralhas", quantos corpos cairão nos solos? E quanto corpos, já deitados nos solos, os corpos dos moradores de rua, permanecerão deitados agora sem vida? Será que o Estado criará algum Programa Social para dar alguma arma de fogo para os moradores de rua se defenderem de ataques de concidadão civilizados? Se há um direito, tem que ser para todos. Será que cada morador de localidades tomadas pelo tráfico de drogas e por milicianos terão condições de comprarem armas para se defenderem? Na esteira, será que os moradores de comunidades carentes terão armas de fogo para se defenderem de policiais ímprobos? Claro que não. A Máquina Antropofágica não funciona assim. Os bons cidadãos querem se proteger dos criminosos que estão deambulando sobre as calçadas dos bairros "não de favelados", que dirigem automotores roubados e querem assaltar os bons cidadãos.

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Agora, caso o policiamento ostensivo seja efetivo nos bairros dos não favelados, que se dane os moradores das favelas. São impulsionadores da economia: mão de obra barata, já que dificilmente conseguem ascensão social, econômica e, principalmente, educacional; devem se submeter a qualquer tipo de trabalho, por mais (análogo) escravo que seja. Antes do jornalismo, por atos corajosos de jornalistas e cineastas, evidenciarem as misérias nas favelas, das abordagens policiais criminosas, o que importava às classes média, média alta e alta — não me refiro à Nova Classe Média —, era que a paz reinasse para eles. Leio muito em comunidades virtuais que no Brasil há tentativas de criar raiva entre os brasileiros. Os mesmo defensores da paz jamais dizem que durante os séculos XIX e XX foi aplicado a criminologia positiva de Cesare Lombroso. Ou seja, um negro era sempre um potencial criminoso, o criminoso nato. Apesar de tal teoria não ser mais aplicada no ordenamento jurídico brasileiro, ainda permanece tal estigma. 

Termino, a quem irá beneficiar o uso de arma sem burocracias estatais? Os bons cidadãos continuarão impunes? Muito comum as brigas entre juízes e advogados, por abuso de autoridade dos juízes, não todos, serão resolvidas pelos dedos nos gatilhos? E como serão resolvidos os barulhos após às 22h? Vizinho com som altíssimo, o outro vizinho reclama, mas é ironizado. Geralmente, a polícia pede para o vizinho conversar com o vizinho barulhento. Não resolvendo, a polícia pode aparecer na localidade, dependendo, claro, da localidade. Será que o morador trabalhador de comunidade carente tem o mesmo serviço público eficiente que o não morador de comunidade carente? Nas vias públicas, pedestres estão revoltados com os motoristas anticívicos — há algum motoristas os quais ainda bradam impropérios para os 'atrevidos pedestres' —, armados, como será?

O funcionamento da Máquina Antropofágica. Salve-se, quem puder. Para não ser moído, moa o outro. Num país de desigualdades sociais, seculares, desde 1891, qual cidadão terá o "direito" de posse e porte de arma de fogo? Morador de rua? Morador de comunidade carente? Moradores de palafitas ou lixões? O cidadão que sofre abuso de autoridade nas vias públicas? O cidadão, consciente de seus deveres cívico, que aponta sua arma para outro concidadão pichador de banheiro universitário? Os consumidores revoltados com os contumazes atos negativamente exemplares (danos sociais) das concessionárias de serviços públicos? Os trabalhadores análogos ao trabalho escravo? Se a ideia de que todos armados com armas com projéteis de chumbo e pólvora permitirá ao Homo Sapiens Sapiens Conflictus não cometa mais crime, o engodo existe, duas Guerras foram deflagradas. A Terceira não aconteceu porque ambas as potências, EUA e URSS, tinham ogivas nucleares. Entretanto, como outros países têm armas nucleares, será que o Homo Sapiens Sapiens Conflictus manterá, por mais tempo, o verniz civilizatório?

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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