Conclusão
O Processo Civil Romano, dividido em três diferentes períodos, contou, em sua maior parte – correspondente ao Ordo Iudiciorum Privatorum –, com a constante presença do instituto da Arbitragem para a resolução de suas lides.
A flexibilização das formalidades presentes no processo privado romano trouxe maior liberdade de atuação ao arbiter ou iudex unus, possibilitando que a arbitragem viesse a consistir em um instrumento a mais na resolução de conflitos – e não mais o único.
Com o advento do período da extraordinem cognitio, a centralização do poder torna-se cada vez mais forte – principalmente no principado e no dominato, na figura dos imperadores, dos césares –, sobrepujando a liberdade privada existente até então. Os magistrados passam a administrar a justiça, em detrimento do papel de destaque até então dado aos árbitros.
O direito justinianeu trouxe a diferenciação no plano da eficácia jurídica: se o compromisso entre as partes contivesse um juramento, as mesmas estariam vinculadas ao cumprimento do combinado. sobrepujar
A arbitragem passou por períodos de significação diferente ao longo dos séculos posteriores. Na Idade Média era valorizada pelos nativos do que houvera sido Roma, fugindo dos julgamentos dos direitos bárbaros [34]. Algumas cidades previam, em suas leis – compilações – a possibilidade da utilização do instituto em julgamentos privados. A Idade Moderna – com seu liberalismo burguês – via com maus olhos a arbitragem, tendo esse sentimento seu cume no século XIX, e seu fim no século posterior.
No Brasil, a arbitragem chega-nos pelas Ordenações Filipinas e ganha já em nossa primeira Constituição (1824) poder vinculante igual ao de uma decisão de um juiz togado. Em alguns códigos estaduais – que tiveram vigência no começo do século XX – estava prevista, culminando no Código Civil de 1916 (Livro III, Título II, Capítulo X) e no Código de Processo Civil de 1939 (Título Único do Livro IX), mantendo-se no Código de Processo Civil de 1973 – inclui-se o compromisso e mais nada.
Em 1996, foi aprovada a Lei 9.307 (conhecida como Lei Marco Maciel), que trata justamente da arbitragem. A nova lei trouxe alguns assuntos interessantes – e, às vezes, divergentes: a criação do tribunal arbitral; a irrecorribilidade da sentença arbitral; a dispensa de homologação pelo Judiciário, para emprestar-lhe executividade, conferindo força executório de sentença, equiparando-a à sentença judicial transitada em julgado.
Bibliografia
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BAPTISTA, Luiz Olavo. Prefácio. In: PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem comercial nos países do Mercosul: análise comparativa da legislação, jurisprudência e doutrina dos Autores da Argentina, Brasil Paraguai e Uruguai relativas à arbitragem. 1ª ed. São Paulo: LTr, 1997.
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MIRANDA, Ersio; AZEVEDO, Antônio Martins; PAES, Elizabeth M. M. Dias Tavares; MARCHETTI, Fernanda Cristina Lizarelli. Ações (Classificação). São Paulo: Suigeneris, 2001. Disponível em: <http://www.suigeneris.pro.br/acoesclass.htm>. Acesso em: 17/fev/2004.
SCHULZ, Fritz. Derecho Romano Clásico. Barcelona: BOSCH, Casa Editorial, 1960. (trad. de José Santa Cruz Teigeiro).
SURGIK, Aloísio. Lineamentos do Processo Civil Romano. Curitiba: Livro é Cultura, 1990.
VELASCO, Ignácio M. Poveda. História Externa e Interna do Direito Romano. In: Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 49. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul/.set. 1989.
Notas
1 "Os tempos modernos tem assistido a ressurgência de algumas instituições jurídicas que haviam desaparecido, ou ficado olvidadas. (...) Desaparecida com o advento da República, (a arbitragem) volta agora a adquirir uma nova importância, social e jurídica." (BAPTISTA, Luiz Olavo. Prefácio. In: PUCCI, 1997, pág. 7).
2 ALVES, 1991, págs. 224-225.
3 Moreira ALVES (1991, pág. 233) explicita em poucas palavras pequena diferença entre o iudex privatus e o arbiter: "... alguns textos, ao invés de aludirem ao iudex, se referem ao arbiter (árbitro). Qual a diferença entre eles? As fontes não nos esclarecem suficientemente sobre esse ponto. Daí, divergirem os romanistas. Segundo parece, o arbiter é o juiz popular que tem de deslocar-se para o lugar do litígio (...), e que, em face da natureza destas lides, tem poderes mais amplos do que o iudex".
Giuliano CRIFO (In: CARMONA, 1993, pág. 71), assim analisa a questão: "Nas fontes, arbiter e iudex aparecem bem distintos, seja porque o iudex é necessariamente nomeado pelo magistrado, qual escolhe em um elenco de cidadãos que tenham os requisitos para ser iudices privati; seja porque não necessariamente o arbiter era chamado a decidir uma lide, devendo limitar-se a dar a exata configuração da relação intercorrente entre as partes que a ele recorriam (...) e que lhe pediam uma declaração da vir bonus, seja porque – e é o elemento por certo mais interessante – enquanto o iudex é vinculado, no pronunciar a sua decisão, a quanto prescreve a fórmula dada pelo magistrado, o arbiter, ao invés, é vinculado quanto as partes mesmas, no negócio que instaura o juízo arbitral, previra." (trad. Carlos Alberto Carmona).
José Rogério CRUZ e TUCCI; Luiz Carlos AZEVEDO (1996, pág. 67), ao comentarem acerca da legis actiones per arbitrive postulationem, dizem que nesta ação "era requerida, ao magistrado, a nomeação de um árbitro (arbiter). E isso, porque, dada a natureza daquela ação, a tarefa do julgador não se restringia à aplicação das normas jurídicas, mas, na verdade, implicava a medição e avaliação de glebas de terra, de animais e de vários outros bens que compunham o patrimônio a ser por ele dividido, o que, certamente, reclamava conhecimento e experiência extrajudicial".
4 ALVES, 1991, pág. 226.
5 O ex-professor da Universidade de Freiburg, Fritz SCHULZ (1960, pág. 1), acentuando o caráter privatista do Direito Romano, chega mesmo a afirmar a dificuldade de isolar-se das relações privadas quando estudamos outros ramos do Direito de Roma: "los Derechos constitucional, administrativo, criminal y procesual (...) tienen gran importancia para el Derecho privado, pero no pueden ser estudiadas adecuadamente en un sistema rigurosamente jusprivatista y constituyen la materia propria de otros tratados."
6"Esse poder, no entanto, não pode ser tido como sinônimo de iurisdictio, porquanto o conceito desta é distinto daquele de imperium.
"Enquanto o imperium é considerado pela doutrina como um poder unitário e indeterminado, a iurisdictio podia ser delegada, como ocorria com os magistrados municipais, que, desprovidos de imperium, detinham aquela por delegação do pretor" (CRUZ e TUCCI; AZEVEDO, 1996, pág. 43).
7"É de ter-se, ainda, presente que a função jurisdicional era faculdade inerente à condição de magistrado, não existindo um poder judicial autonomamente estruturado, porquanto os romanos encartam o mister de distribuir justiça entre as funções de natureza administrativa" (1996, pág 43).
8 Na verdade, esta foi uma mera simplificação. CRUZ e TUCCI; AZEVEDO (1996, pág. 44) lembram que, além da presença do iudex unus, as lides entre romanos e estrangeiros seriam perante o tribunal dos recuperatores; e, ainda, em questões que versem sobre sucessão hereditária, perante o tribunal dos centumviri.
9 SCHULZ, 1960, pág. 13.
10O dilema consiste na problemática da natureza da ação, baseando-se em uma confusão entre direito material e direito processual – para Windcheid, a "ação é um meio auxiliar para pedir a manutenção de um direito preexistente, em cujo exercício fomos turbados ou lesados"; já para Müther, a "ação é a pretensão do titular do direito, em relação ao Estado, à concessão de uma fórmula no caso de violação desse direito" (MIRANDA, et alii, 2001).
11 O Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071), revogado recentemente, estava ainda sob a influência deste pensamento que tirava a autonomia do processo: "Art. 75. A todo o direito corresponde uma ação, que o assegura".
12Apud CRUZ e TUCCI; AZEVEDO, 1996, pág. 45.
13"O mais antigo conceito de Ação, de que se tem notícias, é aquele atribuído a Celsus, adotada pelo Direito, ‘Nihil aliud est actio quam persequendi in judicio quod sibi debeatur’, ou seja, ‘Ação nada mais é do que o direito de reclamar em juízo aquilo que nos é devido.’" (MIRANDA, et alii, 2001)
14"En conjunto, la exposición gayana, es fuente fidedigna para el estudio del Derecho clásico, si bien sería absurdo considerarla como definitiva e intangible ya que es, como toda obra, de carácter elemental y, en ocasiones, defectuosa y descuidada. Por outra parte, no faltan interpolaciones en la obra de Gayo y esto hace indispensable una labor crítica." (SCHULZ, 1960, pág. 11).
15 Como lembram-nos CRUZ e TUCCI; AZEVEDO (1996, pág. 55), todas as ações só se exerciam diante do pretor e com o comparecimento do adversário, com exceção da pignoris captio – na qual o credor se apoderava dos bens móveis pertencentes ao devedor.
16 Tradução anexa a CRUZ e TUCCI; AZEVEDO, 1996.
17 Apud CRUZ e TUCCI; AZEVEDO, 1996, pág. 55. Livre tradução de: D., 50.17.123, Ulpiano, libro XIV ad edictum: "Nemo alieno nomine lege agere potest".
18 GAIO, I., 4. 83-84.
19D. 2. 4. 18, Gaio, Libro I ad legem duodecim tabularum.
20"O vadimonium consistia numa promessa solene efetuada pelos vades (parentes ou amigos do réu), garantindo – sob pena de pagarem certa quantia (summa vadimonii) ao autor – o comparecimento do demandado na data aprazada (se certo die sisti – Gaio, I. 4.184)" (CRUZ e TUCCI; AZEVEDO, 1996, pág. 57).
21 Lei das XII Tábuas, 1. 6-9.
22 Para ser um advocatus, o cidadão deveria possuir certas características, sendo o ministério proibido a alguns: os ditos infames (ignominiosus) (GAIO, I., 4. 182).
23 GAIO, I., 4. 44.
24 CRUZ e TUCCI; AZEVEDO, 1996, pág. 90.
25 GAIO, I., 4. 52.
26 JUSTINIANO, em suas Institutiones – livro que faz parte, juntamente com o com o Codex, com o Digesto (ou Pandectas) e com as Novellæ, do Corpus Iuris Civilis –, também comenta sobre as exceções (4, 13 pr.): "Foram elas instituídas por amor à defesa dos réus; pois muitas vezes sucede que, embora justa a demanda intentada pelo autor, é todavia iníqua em relação ao réu".
27 CRUZ e TUCCI; AZEVEDO, 1996, págs. 100-103.
28 A exceção se encontra em ações ajuizadas imperio continens, não sendo reconhecido o efeito extintivo da litis contestatio (GAIO, I., 4. 106).
29 GAIO, I., 3. 180.
30 Utilizamos no direito brasileiro esta regra – art. 131, do Código de Processo Civil. Porém, diferentemente do que acontecia em Roma, nossos juízes devem especificar na sentença o que lhe levou a tomar determinada decisão.
31 A opinião aqui exposta é a de CRUZ e TUCCI; AZEVEDO (1996, pág. 130) e a de SURGIK (1990, pág. 71). De forma diferente pensa SCHULZ (1960, pág. 14), que afirma só ser possível a declaração non liquet no procedimento criminal, não no civil.
32 CRUZ e TUCCI; AZEVEDO, 1996, pág. 128).
33 GAIO, I., 4. 52.
34 O Direito Canônico contribui para este quadro ao adotar as práticas do antigo direito romano em seus julgamentos.