Nos termos do artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, das decisões proferidas nos julgamentos de recursos em sentido estrito e de apelação, caberão embargos infringentes e de nulidade quando se tratar de decisões não unânimes e desfavoráveis ao réu.
Esse recurso foi criado por força do artigo 1º da Lei 1.720-B, que modificou a redação do artigo 609.
Para Hélio Tornaghi[1], o melhor entendimento é o que distingue os infringentes dos de nulidade. Os primeiros visam à modificação de acórdão; os segundos, a sua anulação.
O pressuposto é a divergência entre os votos proferidos pelos juízes do tribunal, ou seja, a existência de um ou mais votos vencidos na decisão desfavorável ao réu.
Por decisão favorável ao réu, tem-se, inclusive, aquelas que reconhecem a prescrição, uma exceção substancial, causa de extinção da punibilidade, uma decisão de mérito atípica. Aí se tem uma decisão interlocutória mista, com força de definitiva.
A divergência pode ser total, quando envolve sobre todo o julgado e ainda parcial quando se dará sobre um ponto da decisão.
Tais embargos devem ser opostos no prazo de 10 (dez) dias, dirigidos e apresentados diretamente ao tribunal de segunda instância, responsável pelo julgamento do recurso em sentido estrito ou da apelação.
Por certo teremos para o ajuizamento do recuso: decisão não unânime, que essa decisão seja desfavorável a defesa; que tenha sido proferida no julgamento do recurso de apelação e em sentido estrito, podendo o Ministério Público, desde que em favor da defesa, manejar tal recurso.
Se a decisão não unânime for apenas parcial, será dessa parte da sentença que irá ser ajuizado o recurso de embargos infringentes e de nulidade, no tempo em que pode a defesa interpor recurso especial ou recurso extraordinário com relação a parte unânime da decisão, de forma concomitante, mas que apenas seguirão para julgamento após a decisão no recurso ordinário estudado.
O recurso de embargos infringentes e de nulidade não pode ser interposto pela acusação, pois, e ainda pelo assistente.[2]
Por certo, o Código de Processo Penal Militar oferece a possibilidade do recurso manejado pela acusação, artigo 538, em decisão favorável ao réu.
Não são cabíveis os embargos infringentes e de nulidade: em habeas corpus, em pedido de desaforamento, em julgamento de embargos infringentes.
Por 6 x 5, com o voto de desempate de Celso de Mello a favor do recurso, o plenário do STF acolheu embargos infringentes no caso do mensalão.
Em seu voto, o ministro Celso de Mello argumentou que o artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo (RISTF) não foi derrogado pela Lei 8.038/90, que instituiu normas para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF. Isso porque essa norma não tratou do processamento de recursos na Suprema Corte, limitando-se, segundo o ministro, aos procedimentos cabíveis na fase instrutória desses processos.
Ele lembrou que o artigo 333 foi instituído sob a égide da Constituição de 1969, que outorgou à Suprema Corte competência legislativa ordinária para sua edição. Tal competência foi abolida pela Constituição Federal (CF) de 1988, passando ao âmbito de atribuições do Congresso Nacional. Mas o Poder Legislativo não modificou este dispositivo do RISTF. Portanto, segundo o decano do STF, a norma regimental não foi derrogada, embora a Constituição Federal (CF) de 1988 não previsse esse tipo de recurso no STF. Isso porque, conforme argumentou, essa omissão, também verificada na Lei 8.038/90, foi intencional e deliberada por parte do Legislativo.
O ministro destacou que, em 1998, a presidência da República, acolhendo exposição de motivos dos então ministros da Justiça e da Casa Civil, encaminhou mensagem ao Congresso Nacional, que se transformou no Projeto de Lei 4.070/98, propondo a introdução do artigo 43 na Lei 8.038, dispondo que “não cabem embargos infringentes contra decisão do Plenário do STF”. Entretanto, a proposta foi rejeitada pela Câmara, decisão esta mantida pelo Senado. Assim, a Lei 9.756, promulgada em 17 de dezembro de 1998, dispondo sobre o processamento de recursos no âmbito dos tribunais, foi sancionada sem a abolição proposta pelo então governo. Uma prova, de acordo com o ministro, de que o artigo 333 do RISTF foi deliberadamente mantido e continua em vigor.
O ministro Celso de Mello citou, também, corrente majoritária existente no Supremo Tribunal Federal no sentido do caráter supralegal dos tratados internacionais a que o Brasil aderiu. Embora defenda pessoalmente que tais tratados, particularmente os voltados à garantia dos direitos humanos, têm força constitucional, ele disse que se submetia à maioria até agora formada na Corte, mas que esta permite uma interpretação no sentido de que, por exemplo, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969, a que o Brasil aderiu em 1992, situa-se acima da Lei 8.038.
Ele citou, no caso, o artigo 8º, inciso II, letra “h”, daquele Pacto, que assegura a toda pessoa o direito ao duplo grau de jurisdição e, se condenada, “de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”. Do mesmo modo, segundo ele, o Brasil, ao ratificar o Pacto de San José, admitiu reconhecer a competência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação daquela Convenção.
A Corte definiu, por maioria, pelo prazo em dobro (30 dias) para interposição dos infringentes conforme pedido pela defesa de Cristiano Paz. Os ministros Teori Zavaski, Rosa Weber, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello deram provimento ao recurso de Cristiano Paz, aplicando, por analogia, regra do art. 191 do CPC, que prevê a duplicação do prazo para recorrer em caso de litisconsortes com diferentes procuradores.
Ali, a matéria está regida pelo artigo 333, I, parágrafo único, do Regimento Interno, que foi editado por força da Emenda Constitucional n.1/69, à época da ditadura militar, que permitia aos tribunais disciplinar matéria de processo. O entendimento era de que tal matéria somente virá por lei federal, de competência privativa da União Federal, reserva de Parlamento.
O certo é que não se pode transformar os embargos infringentes em antecipação do recurso de revisão criminal, uma verdadeira ação rescisória no processo penal, que pode ser ajuizada em qualquer tempo, com pedido liminar de suspensão de cumprimento a pena, uma verdadeira ação constitutiva negativa, que irá guerrear coisa julgada nas hipóteses estritas previstas, dentre as quais: violação literal à disposição de lei, falsidade da prova e erro de fato. Mas isso é tema a enfrentar após o trânsito em julgado, pois com a coisa julgada material e formal, aplica-se o artigo 107 da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, com o recolhimento do apenado mediante guia expedida pela autoridade judiciária.
Data venia, entendo que o Supremo Tribunal Federal não acolheu o duplo grau para o privilégio de foro, como se historia em decisão traçada, no passado, no caso Georgina de Freitas. Tanto nesse caso como em outros fica a ideia de que a Constituição Federal como diploma normativo que é a base do sistema jurídico está acima dos acordos internacionais, inclusive de direitos humanos, como se lê do Pacto de San José.
Pois bem: em matéria de recursos vige a reserva de parlamento, razão pela qual fica a lição de Nelson Néry Júnior e de Rosa Maria de Andrade Nery[3] no sentido de que cabe aos regimentos internos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual. Tal é o caso dos recursos.
Houve com a Constituição de 1988 uma revogação das normas existentes do sistema constitucional anterior com relação ao poder normativo dos Tribunais de regular por regimentos internos matéria de processo. Lembro que a cessação da obrigatoriedade da lei dar-se-á pela força revocatória superveniente de outra norma.
Revogar é tornar sem efeito uma norma.
Na lição de Luis Gonzaga do Nascimento e Silva[4] com a implantação da Constituição, ante a sua supremacia, ter-se-á a subordinação da ordem jurídica aos novos preceitos.
Havendo contradição entre qualquer norma preexistente e o preceito constitucional, esta deve, dentro do sistema, ser aferida com rigor, pois não se duvida do efeito ab-rogativo da Constituição sobre todas as normas e atos normativos (Regimento interno é um exemplo, como norma secundária) que com elas conflitem.
Fica a lição de Maria Helena Diniz,[5]à luz dos ensinamentos de Kelsen, Vicente Ráo, ao estudar o artigo 2º da Lei de Introdução, de que a reforma constitucional ou substituição por outra Constituição não implicará a revogação de todas as normas do regime anterior, mas, tão-somente, das que forem incompatíveis com a nova ordem.
Ainda não é cabível o recurso de embargos infringentes ou de nulidade das decisões, por maioria, em ação penal originária, em caso de recebimento da denúncia ou ainda de não recebimento. Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na APN 220 – 2006.03.00. 026541 – 0 – SP, Relatora Desembargadora Suzana Camargo, 24 de fevereiro de 2002, onde foi dito que não se apresenta cabível o recurso de embargos infringentes e de nulidade, em matéria penal, contra decisões em ações penais de competência originária do tribunal.
Como dito, os embargos infringentes e de nulidade devem ser processados no prazo de 10(dez) dias contados da publicação do acórdão (artigo 609, parágrafo único do Código de Processo Penal).
Os embargos devem ser assinados por advogado com procuração nos autos.[6]
Penso, no entanto, correta a tese, em nome do status libertatis, da petição não ser necessariamente assinada por advogado habilitado.
Não se pode decidir por uma solução qualitativamente superior a divergência, de forma a ultrapassar os seus limites, principalmente em desfavor do réu.
Havendo empate nos votos, deve prevalecer a decisão que favoreça o réu.[7]
Na doutrina, já se entendeu que os embargos infringentes e de nulidade não têm efeito suspensivo, como é a lição de Tornaghi[8]. Data vênia, correta a posição já antiga e cediça da jurisprudência no sentido de que o recurso tem efeito suspensivo, de vez que deve se reservar a pena, seja privativa de liberdade, principalmente, ou ainda a pena restritiva de direito para a execução penal.
Tem o recurso de embargos infringentes enfrentado, durante os últimos anos, muita resistência contra a sua manutenção no sistema recursal. Nesse sentido, nos unimos às vozes que entendem se tratar de recurso que deveria, em nome da celeridade e da razoável duração do processo, ser, desde logo, extirpado do sistema processual penal. A razão de ser para essa ideia é bastante simples: se já houve julgamento no tribunal, ainda que proferido por maioria dos votos, não há razão lógica, e muito menos prática, para se convocar outros integrantes da Turma e se realizar novo julgamento sobre o mesmo assunto, no mesmo processo, desta feita pelo Plenário da Corte.
O Código de Processo Penal difere um pouco em relação ao antigo Código de Processo Civil de 1973, tendo em conta que no processamento penal a interposição de tal recurso independe da natureza da decisão de primeiro grau, quer dizer que pode ser interposto tanto para acórdão que confirmou a decisão do juiz bem como o que tenha reformado a interpretação do magistrado.
Portanto, só devem-se opor embargos infringentes sobre decisão não unânime, sobre a parte unânime tem-se por certo a interposição de outros recursos.
Para clarear a sistemática do controle de prazos e processamento em caso de concomitância de embargos infringentes e recursos para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal, entendo, data vênia, que pode ser aplicado por analogia, o disposto na Lei 10.352, de 26 de dezembro de 2001, quando se estipulou:
- O prazo para o extraordinário e especial contra a parte unânime do acórdão local fica sobrestado no tribunal a quo, até que se julguem os embargos infringentes contra a parte não unânime;
- O sobrestamento durará até que sejam julgados os embargos e intimadas as partes;
- O dies a quo para manejo do especial ou extraordinário contra a parte não unânime, do primeiro acórdão, se dá no momento em que o vencido for intimado do acórdão dos embargos infringentes;
- Se o vencido não embargar a parte não unânime, terá direito de contar o prazo para interpor o especial ou o extraordinário contra a parte unânime a partir do transito em julgado do aresto tomado por maioria de votos (artigo 498, parágrafo único do Código de Processo Civil).
Mister que se veja o quadro do recurso com o anteprojeto do Código de Processo Penal.
Os embargos infringentes (artigo 478) continuam a ser recurso da defesa, desde que, do acórdão condenatório não-unânime, em grau de apelação, haja reforma de sentença de mérito, a serem opostos no prazo de 10 (dez) dias. Aqui a nítida influência do artigo 530 do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei 10.352, de 2001. Esse será o perfil do recurso que sucederá o antigo embargos infringentes e de nulidade (artigo 609 do CPP).
A adoção dos embargos infringentes deve ser lida dentro de um contexto restritivo. Pois em nome do razoável prazo de duração do processo, da garantia do duplo grau, que é já dada, nas instâncias inferiores pela apelação, não se pode eternizar de forma protelatória um feito. Ademais, a própria história dos embargos infringentes no processo civil, com o Anteprojeto Buzaid, serve de argumento a tal. Ali, foi posto de lado recurso de embargos de nulidade e infringentes, salvo como recurso cabível nas causas de alçada, do que se lê do artigo 561.
Reitero que não cabem embargos infringentes: em revisão criminal, em habeas corpus, em pedido de desaforamento, em embargos infringentes, em agravo regimental. Caberão na execução criminal, como se lê do HC 65.988, Relator Ministro Sydney Sanches. Assim pensam RANGEL[9] e NUCCI[10], em correta interpretação da lei de execuções penais, pois o recurso de agravo substituiu o recurso em sentido estrito, na execução penal, onde já se entendia por tal cabimento. A meu entender, não cabe em ação penal originária perante o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal.
Notas
[1] TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal, Saraiva, 1980, v. II, pág. 347.
[2] RT 563/377.
[3] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Comentada, São Paulo, RT, pág. 465.
[4] NASCIMENTO E SILVA. Luis Gonzaga. Efeito ab-rogativo das Constituições, RF, 159: 63-5.
[5] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, São Paulo, Saraiva, 1994, pág. 67.
[6] RT 347/600, 415/270, dentre outros.
[7] RTJ 91/804.
[8] TORNAGHI, Hélio , Curso de Processo Penal, São Paulo, Saraiva, 1980.
[9] RANGEL, Paulo. Direito processual penal, 4ª edição, Rio de Janeiro, Ed. Lumen, Juris, 2001, pág. 583.
[10] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e de execução penal, 3ª edição, São Paulo, RT, 2007, pág. 856.