Da Portaria nº 6947/15 e o conflito de normas

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21/12/2017 às 08:41
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A ampla defesa e o contraditório são corolário constitucional do devido processo legal, estabelecido no art. 5º, LV.

RESUMO: A ampla defesa e o contraditório, corolário constitucional do devido processo legal, estabelecido no art. 5º, LV, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes nesse sentido temos o Fair Trial, o qual assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé e lealdade dos sujeitos que dele participam, condição indispensável para a correção e legitimidade do conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos.

Palavras Chaves: Administrativo Militar, Devido Processo Legal, Hierarquia das Normas, Portaria nº 6947/15, Lei n° 13.800/01.

ABSTRACT: The broad defense and contradictory, constitutional corollary of due process, established in article 5º, LV, to the litigants, in judicial or administrative proceedings, and to the defendants in general are assured the contradictory and ample defense, with the means and resources inherent therein in this sense we have the Fair Trial, which ensures a guarantor model of jurisdiction, aimed at the effective protection of individual and collective rights, and that depends, for its full functioning, the good faith and loyalty of the subjects who participate in it, an indispensable condition for the correctness and legitimacy of all the acts, relations and judicial and administrative proceedings

Key words: Military Administrative, Due Process of legal, Hierarchy of Norms, Estatuto da PMGO, Ordinance nº 6947/15, Law nº 13.800/01.

Sumário: Introdução. 1. Da hierarquia das normas; 1.1. Das normas na Polícia Militar (PMGO); 1.2. Do conceito de Portaria; 2. Da Portaria nº 6947/15-PMGO; 3. Do conflito entre a Portaria nº 6947/15 e a Lei n° 13.800/01; 3.1. Da citação ou intimação; 3.2. Da capitulação regulamentar provisória da imputação; 3.3. Outras disposições sobre a citação intimação; 4. Da manifestação nos atos procedimentais; 5. Quanto a motivação no procedimento meritório; Conclusão. Referências Bibliográficas. 


Introdução

Com a necessidade de melhorar e modernizar os processos administrativos no âmbito da Polícia Militar do Estado de Goiás antes regida pela Portaria nº 472/94-EMG, considerando que a norma que disciplina a matéria se tornou desatualizada e não mais atende as necessidades procedimentais da Corporação passou por modificações pontuais, nesse esquadro o Comando Geral editou norma interna mediante Portaria nº 6947/15, que doravante passa a servir como normas para elaboração de sindicância, no âmbito da instituição.

Ocorre que existe norma maior, pela Lei Estadual nº 13.800/01, que é fac símile, a Lei Federal nº 9.784/99, sendo a primeira a regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública do Estado de Goiás, a outra o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Nesse sentido a norma inferior (Portaria) não pode confrontar o texto legal (Lei), no entendimento de José Cretella Júnior, a lei ocupa um lugar à parte, na imperatividade jurídica. Nenhum pronunciamento se fará contra texto expresso de lei, o que viola o preceito constitucional do Fair Trial, conforme decisão da Corte Superior:

O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais.

A máxima do fair trial é uma das faces do princípio do devido processo legal positivado na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé e lealdade dos sujeitos que dele participam, condição indispensável para a correção e legitimidade do conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos.

Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que atuam diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os sujeitos, instituições e órgãos, públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente, funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à Justiça.” (STF, AI 529733, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 17/10/2006, DJ 01-12-2006 PP-00097 EMENT VOL-02258-06 PP-01174 LEXSTF v. 29, n. 339, 2007, p. 132-138).

Desta forma utilizar de Portaria quando existe a previsão em Lei, viola o devido processo legal e a hierarquia das normas, em flagrante prejuízo ao Sindicado/Administrado/Acusado/Interessado.


1. Da hierarquia das normas

Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, é necessário esclarecer a hierarquia das normas, destacando matéria já abordada quanto a aplicação da Lei nº 08.033/75, relativo ao seu art. 50, in: [https://jus.com.br/artigos/56083/da-aplicacao-do-art-50-da-lei-estadual-n-08-033-75-e-outras-normas-que-tratam-do-direito-do-policial-militar-quando-prejudicado-ou-ofendido-por-qualquer-ato-administrativo-ou-disciplinar], onde o Doutrinador José Péricles de Oliveira, em seu trabalho explica de forma clara o tema:

O ordenamento jurídico de um determinado Estado consiste em um sistema unitário de normas em perfeita harmonia umas com as outras, formando um todo coerente. Assim, de acordo com a teoria do escalonamento das normas, elaborada por Kelsen, pode-se afirmar que o núcleo da unidade de um ordenamento jurídico é que as normas desse ordenamento não estão todas no mesmo plano. Bobbio (1999:49), adotando os ensinamentos de Kelsen, pondera que “há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental.”

Assim, e de acordo diversos doutrinadores, pode-se concluir que existe uma hierarquia entre as normas, que podem ser assim escalonadas:

- Norma fundamental;

- Constituição Federal;

- Lei; (Lei Complementar, Lei Ordinária, Lei Delegada, Medida Provisória, Decreto Legislativo e Resolução);

- Decretos Regulamentadores do Poder Executivo;

- Outros diplomas dotados de menor extensão de eficácia e mais tênue intensidade normativa.

Nesse sentido importante destacar a obra o valor jurídico da portaria, por José Cretella Júnior, in [http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/40205/38944], onde esclarece de forma didática:

No mundo do direito, cabe à lei o primeiro lugar dentre as várias ordens emanadas do Estado. A lei é o rochedo de bronze contra o qual se quebra qualquer outra disposição que lhe seja contrária. E é nisto que reside a superioridade da lei (Fleiner, Fritz. Les princiPes généraux du droit administratif allemand. 1933. p. 48).

Entre os vários tipos de leis ocupa lugar de realce a lei das leis, a Constituição, detentora do mais alto posto no escalonamento da pirâmide mandamental. Declaração solene da norma jurídica feita pelo poder competente, a lei é, considerada do ângulo formal, toda proclamação emanada do órgão que, por excelência, conforme a Constituição, tem a natureza de órgão legislativo.

Acima da lei, a Constituição, em posição hierárquica superior, de natureza formal. Abaixo da lei o regulamento. Entre estes também a hierarquia de caráter formal. Se a lei conflita com disposição expressa do texto constitucional, é lei inválida; se o regulamento ofende o texto legal regulamentado, o valor que deveria ter desaparece. A hierarquia descendente é clara: dispositivo constitucional, dispositivo legal, dispositivo regulamentar. Constituição. Lei. Regulamento. Hierarquia de natureza formal apenas, porque material ou substancialmente o regulamento apresenta os traços comuns à lei.

A lei é ato do legislativo. O regulamento é ato do executivo. Regulamento é ato administrativo geral. E nisto se identifica com a lei.

A lei ocupa um lugar à parte, na imperatividade jurídica. Nenhum pronunciamento se fará contra texto expresso de lei.

É pacífica e remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que norma de hierarquia inferior (portaria) não tem o condão de alterar/modificar disposições contidas em lei:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MILITAR. CABO DA MARINHA. CRITÉRIOS DE PROMOÇÃO NÃO PREVISTOS EM LEI. CRIAÇÃO POR MEIO DE PORTARIA. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. JUROS MORATÓRIOS. NATUREZA MATERIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. "Para o atendimento do requisito do prequestionamento, não é necessário que o acórdão recorrido mencione expressamente os preceitos legais tidos como contrariados nas razões do Recurso Especial, sendo suficiente que a questão federal tenha sido apreciada pelo Tribunal local" (AgRg nos EDcl no Ag 1.335.973/SP, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 14/12/10). 2. Versando a lide acerca de suposta preterição do autor quanto ao direito de participar do Estágio de Habilitação a Sargento e, por conseguinte, de ser promovido à graduação de Terceiro-Sargento da Marinha, está-se diante de típica relação de trato sucessivo, uma vez que tal ilegalidade estaria consubstanciada na manutenção do militar na graduação de Cabo, que se renova a cada dia. Incidência da Súmula 85/STJ. 3. "Os atos da Administração Pública devem sempre pautar-se por determinados princípios, entre os quais está o da legalidade. Por esse princípio, todo e qualquer ato dos agentes administrativos deve estar em total conformidade com a lei e dentro dos limites por ela traçados" (REsp 983.245/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 12/2/09).4. As portarias são "atos administrativos internos pelos quais os chefes de órgãos, repartições ou serviços expedem determinações gerais ou especiais a seus subordinados" (MEIRELLES, Hely Lopes. In "Direito Administrativo Brasileiro". 30ª ed. atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade et al. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 184). 5. Nos termos do art. 17 da Lei 6.880/80 c/c 24 do Dec. 4.034/01, o critério de antiguidade refere-se ao tempo no posto ou graduação, que não pode ser alterado por mero ato administrativo - portaria expedida pelo Comandante da Marinha. 6. Reconhecido pelo Tribunal de origem que a Administração, utilizando-se de critério não previsto nos arts. 17 da Lei 6.880/80 e 24 do Decreto 4.034/01, mas em Portaria expedida pelo Comandante da Marinha, concedeu a promoção de Terceiro-Sargento a Cabos mais modernos que o ora recorrente, fica caracterizada a afronta direta aos respectivos dispositivos legais. 7. Tem o autor o direito de ser incluído no Estágio de Habilitação a Sargento e, cumpridas as demais determinações legais pertinentes, de ser promovido à graduação de Terceiro-Sargento, retroativamente à data de edição da Portaria 1.011, de 12/12/02, data de sua preterição, em virtude da promoção concedida pelo Comandante da Marinha a Cabos mais modernos, inclusive no que concerne aos efeitos financeiros, respeitada a prescrição quinquenal, nos termos da Súmula 85/STJ.8. "A Corte Especial, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.205.946/SP, pelo rito previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil (Recursos Repetitivos), consignou que os juros de mora são consectários legais da condenação principal e possuem natureza eminentemente processual, razão pela qual as alterações do art. 1º-F da Lei 9.494/97, introduzidas pela Medida Provisória n.2.180-35/2001 e pela Lei 11.960/09, têm aplicação imediata aos processos em curso, com base no princípio tempus regit actum (cf. Informativo de Jurisprudência n. 485)" (AgRg no AREsp 68.533/PE, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe 9/12/11). 9. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "tratando de condenação imposta à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, os juros de mora incidirão da seguinte forma: (a) percentual de 1% ao mês, nos termos do art. 3.º Decreto n.º 2.322/87, no período anterior à 24/08/2001, data de publicação da Medida Provisória n.º 2.180-35, que acresceu o art. 1.º-F à Lei n.º 9.494/97; (b) percentual de 0,5% ao mês, a partir da MP n.º 2.180-35/2001 até o advento da Lei n.º 11.960, de 30/06/2009, que deu nova redação ao art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97; e (c) percentual estabelecido para caderneta de poupança, a partir da Lei n.º 11.960/2009" (REsp 937.528/RJ, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe 1º/9/11). 10. Inversão do ônus da sucumbência, com a condenação da UNIÃO a pagar ao autor, ora recorrente, honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 4º, c/c 260 do CPC. 11. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1215714/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 12/06/2012, DJe 19/06/2012)

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1.1. Das normas na Polícia Militar (PMGO)

A Auditoria Militar deste Estado já se manifestou sobre a questão dos militares estaduais, por não existir lei stricto sensu que regulamente o procedimento administrativo na caserna, conforme decisão em Sentença proferida nos Autos nº 201004296244, ratificada em Embargos de Declaração, litteris:

Lembremos que os servidores civis estaduais estão sujeitos a legislação própria disposta no Estatuto de Servidor Público (Lei n° 10.460/88) e na Lei Estadual que regulamenta o processo administrativo, Lei n° 13.800/01.

Entretanto, não existe lei, estrito senso, aplicável ao servidor público militar estadual. Lembremos, ainda, que o Corpo de Bombeiros Militar possui Lei especifica, estrito senso, para regulamentar a aplicação de sanção disciplinar, Lei Estadual nº 11.416/91. Negritei.

Desta forma os militares estaduais têm como legislação que regulamenta o processo administrativo a Lei n° 13.800/01, tendo efeito erga omnes, onde em seu art. 1o determina que essa lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Estadual direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração, torna mais especifica no § 1o onde o disposto nesta lei aplica-se, no que couber, aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e ao Ministério Público, quando no desempenho de função administrativa.

Nesse sentido é indiscutível a aplicação da Lei n° 13.800/01 como regulamentadora do processo administrativo no Estado de Goiás, vez que o Decreto Estadual nº 4.717/96 aprova o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás - RDPMGO, de 07 de outubro de 1996, codificando a norma, que deveria ser instituía por Lei, por se tratar de Regulamento, discussão não contemplada no presente artigo.

Ocorre que o Corregedor da PMGO tem entendimento diverso no Despacho nº 1103/2016, que a Polícia Militar de Goiás possui regramentos castrenses próprios para a apreciação de seus processos administrativos, sendo esses o Decreto nº 4.717/1996 e a Portaria nº 6947/2015, litteris:

Após reanálise fiel dos autos, bem como das preposições obtemperadas pelo requeredor no presente recurso, ressalta-se inicialmente, que a Polícia Militar de Goiás possui regramentos castrenses próprios para a apreciação de seus processos administrativos, sendo esses o Decreto nº 4.717/1996 e a Portaria nº 6947/2015. Assim, derroga-se que a lei nº 13.800/01 não dispõe de subsídio combustível para servir como regulamentação para processos administrativos na esfera marcial, restando prejudicada a análise de qualquer fato escorado por tal legislação, já que a corporação, tendo como pilares os princípios da hierarquia e da disciplina, não pode violar o disposto no art. 5º, inciso XLVI, da constituição federal de 1988, nem os princípios da isonomia, da proporcionalidade e o da razoabilidade, pois qualquer decisão proferida por esta casa censora deve observar os preceitos legais, estatuídos na normativa material e adjetiva castrense, sendo prudente destacar em sede de preliminar a inépcia do pedido, visto que não se verifica a contemplação do efeito pretendido pelo autor frente à administração pública castrense, já que a própria Lei nº 13.800/01 é jubilante ao estatuir em seu art. 68 sua inaplicabilidade nessa seara, pois é recalcitrante delimitar ao pretendente que a Polícia Militar de Goiás possui regulamentação própria, diversa da que aponta o requerente ao embasar o seu pedido, coabitando-se desde logo a preclusão deste pleito. (Despacho nº 1103/2016, DOPM nº 194/2016). Negritei.

Na visão restrita dessa Autoridade que a Polícia Militar de Goiás possui regulamentação própria, que concede legalidade, eficiência e segurança jurídica aos feitos, sendo o Decreto nº 4.717/1996 e a Portaria nº 6947/2015.

Assim, o ato do Poder Executivo foi o citado decreto, no sentido de regularizar e instituir o Regulamento Disciplinar da PMGO, vez que a Lei nº 08.033/75 em seu artigo 46, na seção II, das transgressões disciplinares, faz referência ao citado instrumento, sendo necessária sua positivação, litteris:

Art. 46 - O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar especificará e classificará as transgressões disciplinares e estabelecerá as normas relativas à amplitude e à aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento Policial-Militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.

Desta forma o Decreto Estadual nº 4.717/96 que aprova o Regulamento Disciplinar não rege o procedimento administrativo disciplinar, apenas define e gere os Recursos Disciplinares e a Nulidade desses atos.

Como exposto, não existe lei, estrito senso, aplicável ao servidor público militar estadual, onde os servidores civis estaduais estão sujeitos a legislação própria disposta no Estatuto de Servidor Público pela Lei n° 10.460/88.

Nesse sentido a PMGO para promover uma apuração mais justa e eficiente lavra a Portaria nº 6947/2015, que aprova Normas para Elaboração de Sindicância no âmbito da Policia Militar do Estado Goiás, exarada pelo Comandante Geral da PMGO, que revoga a Portaria nº 472/94 – EMG que também aprova normas para elaboração de sindicância no âmbito da Polícia Militar do Estado de Goiás.

Conforme entendimento da Procuradoria Geral do Estado, o Comandante Geral da PM não pode expedir portaria para regulamentar lei, conforme Parecer PA 002436/2011, no processo 201100003002358, da lavra da Procuradora Drª. Deusa de Fátima Pereira, solicitado pelo ofício 530/11 da Polícia Militar, em seu item 12, esclarece:

12. Os Comandantes Gerais, não podem expedir decretos, portarias ou instruções para regulamentar uma lei. Com fundamento no texto constitucional somente o chefe do executivo poderá regulamentar uma lei, sob pena de nulidade. Negrito meu.

Desta forma a Portaria nº 6947/2015, pode ser aplicada de forma subsidiaria desde que não conflite com a Lei n° 13.800/01, devido a hierarquia das normas, que prejudica o devido processo legal, dentro do Fair Trial, pois nesse confronto ocorre a ilegalidade pelo fato do ato administrativo se encontrar contra texto expresso de lei, sendo nulo.

Mesmo entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça:

3. É pacífica e remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que norma de hierarquia inferior (portaria) não tem o condão de modificar disposições contidas em lei (in casu, cálculo de atualização de MVR em UFIR'S) sem que haja expressa autorização legal. Inaplicabilidade da Portaria 236/92. Recurso especial improvido. (REsp 1138276/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe 17/08/2010). Negritei.

Trata-se de invocação irrelevante, uma vez que um ato regulamentar não pode restringir o âmbito de incidência de uma lei federal, em razão do princípio da hierarquia das normas (sumula nº 44). - Recurso especial conhecido e provido. (REsp 74.856/SP, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 10.10.1995, DJ 18.12.1995 p. 44695).

II - Portaria ministerial (norma terciária) que restringe direito previsto em lei (norma primária) atua "ultra vires". Se a lei (estatuto, art. 92) concede o principal (direito de o funcionário se afastar remuneradamente para exercer mandato classista), logicamente concede o acessório (direito ao abono pelo terço das ferias). III - "WRIT" CONCEDIDO. (MS 3.143/DF, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Terceira Seção, julgado em 16.06.1994, DJ 12.09.1994 p. 23710).

1.2. Do conceito de Portaria

Aproveito o ensinamento de José Cretella Júnior, que esclarece o mundo administrativo:

Em sentido formal, o ato administrativo classifica-se em geral e especial. "Geral" é o ato administrativo cuja declaração diz respeito a uma pluralidade de pessoas ou casos indeterminados e indetermináveis, ou seja, é geral e abstrata (regulamentos, circulares). "Especial" é o ato administrativo cuja declaração se refere a uma ou mais pessoas ou casos individualmente determinados ou determináveis, ou seja, concreta (decretos de nomeação de vários administrados, que foram aprovados em concurso público, ou decreto de nomeação de um só administrado que foi aprovado em primeiro lugar e foi nomeado para cátedra universitária; demissões; ato que concede licença; portaria que suspende funcionário).

A portaria é um ato administrativo especial, ou seja, "declaração concreta de vontade, de opinião, de juízo, de ciência, de um órgão administrativo do Estado ou de outro sujeito de direito público administrativo no desdobramento da atividade de administração" (Ranelletti, Oreste. Teoria degli atti amministrativi speciali. 7. ed. 1945. p. 3).

Há, entretanto, a portaria geral, que consiste em declaração dirigida, de modo abstrato, a situações ou pessoas indeterminadas, impessoais, não concretas, não-identificadas. Dirige-se a um conjunto de administrados, funcionários ou não.

Por sua vez, o ato administrativo encerra um conteúdo - a vontade da Administração, que pode coincidir ou não com a vontade do destinatário do ato.

A Portaria é documento oficial, de ato administrativo, baixado por autoridade pública, que tem destinação de dar instruções ou fazer determinações de várias ordens, esclarece o doutrinador que a Portaria pode ser administrativo Geral ou Especial. Geral quando traça normas, como se fosse regulamento ou lei; Especial quando concreta, individual, específica, a portaria dirige-se, outras vezes, a pessoa determinada, administrado ou agente público. Continua:

A natureza jurídica da portaria é incontestável. Inscreve-se entre os atos administrativos, ou seja, encerra a manifestação da vontade do Estado, por seus representantes, no exercício regular das funções que exercem, que tem por finalidade imediata a criação, o resguardo, o reconhecimento, a modificação ou a extinção de situações jurídicas subjetivas, em matéria administrativa (cf. nosso Do ato administrativo. 1972. p. 32).

São competentes para expedir Portaria todos os Funcionários Hierarquicamente Superiores, mas como norma interna delimita os servidores inferiores como destinatários do ato (erga omnes, interna corporis), vincula somente os servidores daquela repartição aos efeitos do ato administrativo com efeito inter partes, pela implicação somente daquele órgão especifico.

Cretella Júnior, ainda colaciona diversos conceitos de Portaria:

Do mesmo modo, Lopes Meirelles, preso ainda ao antigo conceito de portaria, define-a como os "atos administrativos internos, pelos quais o chefe do Executivo (ou do Legislativo e do Judiciário, em funções administrativas), ou os chefes de órgãos, repartições ou serviços, expedem determinações gerais ou especiais a seus subordinados, ou nomeiam servidores para funções e cargos secundários." (Direito administrativo brasileiro. 2. ed. 1966, p. 192).

Themístocles Brandão Cavalcanti prende-se também ao conceito rígido e interno das portarias, conceituadas como "o meio, ou melhor, a forma de que se revestem os atos administrativos destinados a produzir efeito dentro das repartições, e a regular a ordem interna dos serviços. Constitui também a portaria o instrumento das autoridades administrativas para nomear, demitir, suspender, licenciar certos empregados, quando não gozem estes de garantias e prerrogativas legais" (Curso de direito administrativo. 6. ed. 1961. p. 63).

Tais conceituações da doutrina chegaram aos tribunais, a ponto de a mais alta Corte de Justiça do país ter consagrado a tese, válida até certa época, de que "as circulares, instruções e portarias não se incluem entre as fontes de direito administrativo; falecem-lhes as características de lei, pois apenas se dirigem aos funcionários administrativos, traçando-lhes diretrizes, ministrando-lhes esclarecimentos e orientações" (STF, em RDA, 7 p. 120). Do mesmo, em outras ocasiões, o Supremo Tribunal Federal decidiu que "entre as fontes do direito administrativo não se encontram as portarias ministeriais, simples instruções a seus subordinados e incapazes de revogar a lei"; que "as circulares e portarias das autoridades superiores a seus subordinados não obrigam a particulares"; que "as portarias são ordens internas de serviço e prescindem da publicidade dada para as leis e atos de maior hierarquia no direito administrativo" (STF, em RF, v. 107, p. 65; RF, v. 107, p. 277 e RF, v. 112, p. 202-3).

Nesse primeiro período de nosso direito administrativo, o regime jurídico da portaria é o seguinte: a) ato administrativo interno; b) editado por autoridades administrativas superiores (ou por Ministros de Estado, exclusivamente); c) dirigindo-se a funcionários subalternos; d) matéria de serviço (geral); e) formalizando situações concretas e individuais (especial): nomeações, demissões, suspensões, advertências; f) dispensam a publicidade, sendo afixadas no âmbito da própria repartição; g) são baixadas (verticalidade) e não expedidas (horizontalidade), porque descem na escala administrativa.

Como já discutido no artigo sobre a aplicação da Lei nº 08.033/75, relativo ao seu art. 50: Resumidamente, lato senso, a iniciativa da lei compete ao Executivo ou ao Legislativo, em caso excepcional ao Poder Judiciário. Conforme estabelece a Constituição “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, fica evidente que a força da Lei e seu Poder, vem justamente dessa questão, por ser a representação da vontade popular, que emana do povo através dos seus representantes eleitos.

De forma que, pela hierarquia das normas a Lei está logo abaixo da Constituição, por ser, em tese, a representação da vontade popular. Da mesma forma que nenhuma lei pode contrariar os princípios constitucionais, as demais normas não podem violar o texto legal e assim sucessivamente, demonstrada a hierarquia e a obediência a Norma Fundamental, que nesse confronto o ato será nulo.

Sobre o tema Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky, quanto ao princípio da legalidade dissertam que:

“Destarte, o primeiro aspecto a ser observado diz respeito à expressão “lei” que deverá ser interpretada em seu sentido mais estrito.”

Em outro dizer não poderá o administrador público coartar interesses e direitos de terceiros a não ser que sua atitude tenha um embasamento em lei previamente editada não sendo outro entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo para quem: “Nos temos no art. 5º, II, “ninguém ....”. Aí não se diz, “em virtude de decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos”. Diz-se “em virtude de lei”. Logo, a administração não poderá proibir ou impor comportamento algum terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja.

Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria, ou seja, lá que ato for para coarctar a liberdade dos administrados, salvo se, em lei, já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudecear. (curso de direito administrativo, 5º ed. Malheiros, 1994, p. 50).

Aliás, a grande diferença entre o direito público e o privado está em que este é regido pela autonomia da vontade. Em outro dizer, o particular, aqui, pode dispor do seu patrimônio do modo como melhor lhe pareça, desde que não agrida a lei.

Já no campo do direito público o contrário se verifica, não havendo lugar para a autonomia da vontade. Em outro dizer, o particular, aqui, pode dispor do seu patrimônio do modo como melhor lhe pareça desde que não agrida a lei.”

Conforme esclarece decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que Portaria não tem o condão de alterar disposições emanadas por norma de hierarquia superior:

A portaria que instituiu as normas para o Concurso, deu vigência integral ao caput do artigo 6º, do Decreto n.º 76.323/75, mas ignorou o disposto em seu parágrafo 1º. Uma portaria, por ser norma de hierarquia inferior e de cunho meramente complementar, não tem o condão de alterar disposições emanadas de Decreto-Lei (princípio da hierarquia das normas). Se a Administração, mesmo no exercício de seu poder discricionário, não atende ao fim legal, a que está obrigada, entende-se que abusou do poder. Quando o administrador indeferiu o pedido de efetivação de matrícula do impetrante, tendo este sido considerado apto para ingresso no ITA, em certame que seguiu as normas estabelecidas no Decreto n.º 76.323/75, agiu ilegalmente, violando direito líquido e certo. (MS 5.698/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26.04.2000, DJ 30.10.2000 p. 118).

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Sobre o autor
Rogerio Goulart

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Uni-Anhanguera em Goiânia Goiás. Estudioso, pesquisador e escritor sobre Direito Administrativo Militar

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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