Artigo Destaque dos editores

Do amparo social.

Foro e provas

Exibindo página 2 de 2
12/02/2005 às 00:00
Leia nesta página:

7.A Prova – Anotações

Nesta etapa do escrito, pede-se vênia para resumir os meios de demonstração do pedido. Elementar: direito é prova.

A lei estabelece que o amparo social é o benefício de prestação continuada concedido ao portador de deficiência e ao idoso a partir dos 65 anos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

Destarte, existem alguns assuntos que devem necessariamente ser objeto de prova no curso da instrução do feito.

A primeira matéria que depende de prova, de caráter pericial, a cargo do INSS, diz respeito à comprovação da deficiência da pessoa que pleiteia a concessão do benefício do amparo social, não só a incapacidade física. Pro veritate, a Constituição redige deficiência sem distinguir a moléstia, doença, a origem da incapacitação, parecendo defeso ao seu intérprete operar a diferença (mutatis mutandis, não é facultado desconsiderar a separação quando a lei a considera).

Situação delicada envolve o silêncio do autor do requerimento de interdição sobre o fim visado, isto é, não debuxa o intento de pleitear o benefício do Amparo Social, aspecto que se não enquadra como injuntivo no elenco dos requisitos da curatela, tornando razoável cogitar e aceitar a competência da Justiça Estadual. Assim, em face da previsão do benefício, é interessante e preponderante (eis o grande espectro do ser custos legis) a ação do Ministério Público, mesmo na interdição sem finalidade revelada, suscitando (deve esperar que se esgote o período de defesa do interditando, haja vista o seu ingresso como substituto processual) a convocação do Autor (o interditando apresentando ou deixando de oferecer impugnação) para indicar o alcance da pretensão, informar se há fim previdenciário ou obtenção de benefício social.

Quando o requerente for idoso, o item a ser provado será a idade, o que pode ser feito através da prova documental, a exemplo da certidão de nascimento ou casamento do autor da ação. Aqui, pede-se vênia para vislumbrar dispensável a intervenção do INSS, bastaria uma providência administrativa, fosse o desiderato de servir o toque cívico no exercício da função pública. Tudo transcorreria em setor ou departamento do próprio Ministério da Previdência e Assistência Social.

Outro ponto a ser determinado é a renda mensal do autor da ação, seja portador de deficiência ou idoso, também objeto de prova (o Ministério - MPAS - poderia dispor de equipes para efetivarem justificação administrativa, desobstruindo o congestionado Judiciário e as funções essenciais à jurisdição materializada no processo, instrumento posto à disposição do cidadão para fixar a verdade legal), consoante lapidar lição do insigne jurista SÉRGIO PINTO MARTINS, ipsis verbis:

"A comprovação da renda familiar mensal per capita será feita mediante a apresentação de um dos seguintes documentos por parte de todos os membros da família do requerente que exerçam atividade remunerada: (a) CTPS com anotações atualizadas; (b) contracheque de pagamento ou documento expedido pelo empregador; (c) carnê de contribuição para o INSS; (d) extrato de pagamento de benefício ou declaração fornecida pelo INSS ou outro regime de previdência social público ou privado; (e) declaração de entidade, autoridade ou profissional de assistência social" (Direito da Seguridade Social. 21ª edição. São Paulo: Atlas, 2004. p. 509).

É de se entender que a prova testemunhal tem cabimento, na falta de restrição legal à sua produção em audiência no caso vertente. Por outro lado, deve-se atentar para a circunstância de que as declarações previamente confeccionadas não produzem efeitos jurídicos, pois ferem o princípio de que o juiz deve colher tal prova pessoalmente, mantendo contato imediato com a mesma. Nesse sentido, consulte-se o art. 219 do Código Civil de 2002 e o art. 368 do Código de Processo Civil. Adite-se o seguinte: a declaração faz prova da declaração e do seu fautor, mas não do fato declarado (mero enunciado do art. 368 e parágrafo único, do CPC).


8.O Ministério Público e a Prova

Intervindo em todos os atos do processo para a sua validade (não comparecer é díspar de ser intimado para o cumprimento do dever, pois estar presente é sucedâneo dos predicamentos constitucionais), o agente ministerial deve acompanhar a coleta da prova oral na forma processual. Efluência do art. 246, CPC5. Atuar e fiscalizar, cumprimento do dever.

A natureza do tema dispensa comentários sobre os artigos regulamentadores das provas e da realização da audiência, permitida a referência numérica (arts. 332 - todo meio lícito encerra o comentário do presente lavor - usque 443, e arts. 444 a 457, CPC). Uma ligeira ressalva: no caso da deficiência psíquica é rotineira a cautela (não se confunda providência de cautelar, aqui é ato de prudência) do segredo de justiça, sendo admissível que a autoridade processante aplique tal reserva processual (não é segredo, ato oculto, mas preservando a dignidade e a intimidade da pessoa) nos demais casos (art. 155, do CPC, e art. 93, IX, da CF/88).

Interessante trazer à baila o papel fundamental do Ministério Público (apesar da magnitude do Ministério Público Federal na área e aqui não se ensina padre-nosso ao vigário, escreve-se para o leitor de todos os níveis e principalmente o estudante de direito) quando o benefício de amparo social é pleiteado por pessoa portadora de deficiência. A propósito da ressalva, o desejo maior é informar para uniformizar com as sugestões e críticas, sendo afastada qualquer motivação de orientar, pois como disse GUIMARÃES ROSA, no seu magistral Grande Sertão, Veredas, "mestre não é quem sempre ensina, mas de repente aprende". Imagine-se uma escrita ab imo pectore ao sertão e assim ao Mundo, pois foi a dimensão que da terra tostada e ressequida pelo Sol forneceu o citado GUIMARÃES ROSA – "o Sertão é do tamanho do mundo". E não só de pão vive o homem, daí o parêntese de lirismo ser um refrigério na aspereza da leitura jurídica; aliás, o Brasil é a "miscigenação de muitos Brasis".

Retoma-se, já era tempo de fazê-lo, o tema. A noção primeira é ser o exame pericial obrigatório e o Magistrat début terá oportunidade de apresentar quesitos para serem respondidos pelo perito do INSS ou outro nomeado pelo magistrado. Um destaque: tendo o INSS quadro capacitado, que se não veste do manto da reprovação como rotina, haja vista a base ética do esculápio apto para emitir o laudo, por economia e celeridade, evitando questionamentos em devaneio, é recomendável o aproveitamento de médico oficial para o exame técnico. Dir-se-á: integra os quadros de um dos sujeitos processuais. Ora, a qualidade maior é de servidor autárquico, sob o regime jurídico único, vinculado à verdade pelo desempenho da Medicina e de agente público. Parece possível suavizar alguma preocupação sobre a lisura da pesquisa da deficiência, cumprindo ao Juiz fazer a escolha certa do experto, observando a especialização do nomeado em harmonia com a natureza da deficiência a ser investigada.

Adotando o quod abundant non nocet: anota-se que embora o Magistrado (alberga o Estadual e o Federal) tenha plenos poderes para nomear perito de sua confiança para realização do exame no deficiente, o que se não afasta em princípio, convém prestigiar os serviços de perícia médica do INSS, cuja fiscalização deverá ser incentivada pela atuação jurisdicional e não relegada a segundo plano. Prestígio funcional, engrandecendo o serviço público, tornando-o padrão. Tal sugestão não exclui a possibilidade de realização de primeira ou segunda perícia, por equipe médica neutra, sem qualquer vínculo com o autor ou com a autarquia previdenciária. É fundamental que se consolide a função pública como expressão de cidadania e responsabilidade.

Há sempre uma curiosidade em todo estudo, aquela pertinente à parte prática do assunto em comento. Assim, a título de exemplo, é possível elencar os quesitos abaixo:

1.O autor sofre de incapacidade para os atos da vida independente e para o trabalho?

2.Em caso afirmativo, qual a deficiência atribuível ao autor? Congênita ou derivada?

3.Essa deficiência é irreversível ou passível de cura? Na segunda hipótese, oferecer uma previsão temporal ou declarar ser imprevisível (cabe diferenciar: dizer incurável é afirmar que nunca terá recuperação o(a) examinado(a) e dizer que pode obter plena aptidão sugere uma observação temporal, breve, longa, indefinida, pois a decisão seria orientada no sentido do si et quantum permanecer o abalo físico ou psíquico).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos
4.Qual a duração da deficiência sofrida pelo autor? O quesito direto evita a ressalva interna na terceira indagação, espancando dúvidas dos experimentados (lembra-se: nihil obstat que o sujeito ativo indique, o próprio INSS - enfrentará uma difícil contradição ética se o louvado for dos seus quadros, Assistente Técnico nos moldes da lei processual civil).

9.Conclusão

Impende desmitificar essa figura assombrosa que é o Estado moderno, abolir o capricho dos "ismos" e fugir das noções radicais de política e vida, pois o maior bem a ser alcançado é a unidade como base da Nação. O sucesso de um povo depende da ação organizada e conjunta dos Poderes Públicos e da sociedade civil, atuação oriunda do matiz constitucional em várias de suas normas programáticas voltadas para o elemento social. Um fator preponderante, antes de mais nada e acima de tudo, é cumprir a lei. Fora da lei, advertiu o inesquecível RUY BARBOSA, não há salvação.

O Estado deve prover os meios para que os administrados tenham acesso aos benefícios legais independentemente da opção derradeira de invocar a tutela jurisdicional. É evidente que o exercício do direito de ação já constitui uma atitude do particular diante da inércia do Estado em observar o cumprimento de ofício das leis e a proteção dos direitos dos jurisdicionados. Com maior razão, a Assistência Social deveria afastar o gravame da lide, evitando as despesas e a demora que um processo judicial acarreta ao cidadão. Em outras palavras, imaginando uma situação ideal, a via de acesso ao Poder Judiciário deveria ser o último caminho a ser trilhado pelo cidadão brasileiro, posto que conste como princípio e regra expressa da tão alterada Carta Republicana vigente.

Na prática, a Administração não raras vezes obriga o administrado a bater às portas da Justiça, a Instituição destinada a resolver os conflitos individuais, entre o indivíduo e o Estado, como bem supremo da liberdade, tudo norteado pelo due process of law, do contraditório, da ampla defesa, respeitados os postulados que norteiam a inspiração da Federação, como forma de Estado, da República, como forma de Governo, da supremacia constitucional, como corolário do Estado de Direito.

Em esforço de síntese, as ações judiciais nas quais o deficiente ou o idoso pleiteia a concessão do benefício do amparo social deverão ser ajuizadas concomitantemente contra o INSS e a União, perante o órgão competente da Justiça Federal. No curso da instrução de tais feitos deverão ser coligidas as provas documental, testemunhal e pericial (se for o caso), com intervenção decisiva do órgão do Ministério Público na fiscalização do processo.

Indagará o leitor: por que a sucessiva evocação do Ministério Público? Não é entono, mas revelação de dever, mostrar à coletividade a missão dos seus membros, pois têm a aptidão de promover, investigar, tudo situado entre as linhas fundamentais da função essencial à jurisdição, o Poder de dizer o direito. Aqui, uma faceta da importância do Promotor de Justiça, dos Procuradores da República, da Instituição que é una e nacional, a serviço do Povo, pelo Povo e para o Povo, pois a sua ação preventiva, punitiva e fiscalizadora é o oxigênio da Democracia neste País-Continente.


BIBLIOGRAFIA:

DANTAS, Raimundo Nonato de Alencar. Curatela. 1ª edição. Fortaleza: Public, 2001.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 21ª edição. São Paulo: Atlas, 2004

MAZZILLI, Hugo Nigro. O Acesso à Justiça e o Ministério Público. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2001.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª edição. São Paulo: Malheiros, 2001.

NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor. 36ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 31ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2003.


NOTAS

1 Para usar terminologia exata, a ação é o direito público subjetivo de invocar a tutela jurisdicional do Estado-Juiz.

2 O bom e distinto professor HUGO DE BRITO MACHADO critica o uso da expressão União Federal, expondo que nenhum artigo do texto da Carta Magna utiliza semelhante terminologia.

3 O art. 126 do Código de Processo Civil prevê que "o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei".

4 Embora alguns operadores do direito insistam no uso da expressão União Federal, é curial esclarecer isso constitui uma tautologia, pois a União é o ente federal por excelência! Para ter uma melhor idéia, basta imaginar a respectiva adjetivação dos Estados e Municípios.

5 "Art. 246. É nulo o processo, quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.

Parágrafo único. Se o processo tiver corrido, sem conhecimento do Ministério Público, o juiz o anulará a partir do momento em que o órgão devia ter sido intimado".

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Afonso Tavares Dantas Neto

Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Ceará desde 2002, com atuação específica na área de Família e Sucessões a partir de 2010. Especialista em Direito Público pela Faculdade Christus (Fortaleza, CE, 1999). Especialista em Direito Tributário pela UNIFOR (Fortaleza, CE, 2001).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS NETO, Afonso Tavares. Do amparo social.: Foro e provas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 591, 12 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6308. Acesso em: 23 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos