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A não incidência do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre aeronaves e embarcações

23/02/2005 às 00:00
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Primeiramente, é mister salientar que, são os Estados e o Distrito Federal os entes políticos possuidores de competência tributária para instituição, arrecadação e fiscalização do IPVA, consoante disposição do artigo 155, inciso III, da Constituição Federal.

O fato gerador desse tributo se depreende de sua própria nomenclatura — propriedade de veículo automotor.

Ocorre que o Fisco vem entendendo que incide o IPVA sobre a propriedade de aeronaves e embarcações, o que, à evidência, é absolutamente condenável, haja vista que a propriedade de tais bens móveis não configura a hipótese de incidência do imposto, não gerando, dessa forma, o nascimento da respectiva obrigação tributária.

Para que não pairem dúvidas acerca da expressão veículo automotor, segue abaixo conceito extraído do Anexo I, do Código de Trânsito Brasileiro, nos seguintes termos: "Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas".

Por outro lado, o conceito legal do termo embarcação, consoante disposição do artigo 10 do Regulamento de Tráfego Marítimo (Decreto nº 87.648/82) "significa qualquer construção, capaz de transportar pessoas ou coisas, suscetível de se locomover na água por meios próprios ou não" e, aeronave, conforme o conceito constante do artigo 106 do Código Brasileiro de Aeronáutica, é "todo o aparelho manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas".

Conforme se observa dos conceitos trazidos à colação, é impossível incluir as aeronaves ou embarcações no conceito de veículo automotor para efeito de incidência do IPVA.

Isto porque o fato gerador de qualquer espécie tributária deve estar bem definido, bem delineado pelo constituinte — outorgante da competência tributária aos entes que possuem competência legislativa plena —não podendo gerar dúvidas quanto sua incidência no mundo fático. No caso, o constituinte quis tributar o veículo automotor, assim, não pode o legislador estadual ou distrital, querer abranger outros meios de transporte que não seja o previsto na Carta Magna.

Caso o constituinte pretendesse que os proprietários de aeronaves e embarcações fossem tributados, indubitavelmente, teria trazido previsão nesse sentido de forma explícita, não deixando a bel sabor dos Estados a tributação sobre outros meios de transporte.

Tal entendimento foi recentemente manifestado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Paraná, por meio do v. acórdão prolatado na Apelação Cível nº 4.104, assim como, no v. acórdão do Mandado de Segurança nº 155.193-7. Há ainda afamada decisão prolatada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 255.111, onde restou decidido que "no campo de incidência do IPVA não inclui embarcações e aeronaves".

Destarte, resta inarredável que a expressão veículo automotor trazida pelo legislador constituinte se restringe apenas aos veículos de transporte terrestre.

Especificamente no Estado do Espírito Santo, é inconstitucional o artigo 2º, da Lei º 6.999, de 27 de dezembro de 2001, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, na medida em que reza que há incidência sobre "veículo automotor de qualquer espécie" e, em seguida, no § 2º do mesmo dispositivo dispõe que "veículo automotor é qualquer veículo aéreo, terrestre, aquático ou anfíbio, dotado de força motriz própria, ainda que complementar ou alternativa de fonte de energia natural".

Ora, a Lei nº 6.999/01, ao incluir no § 2º, do artigo 2º, as aeronaves e embarcações como hipótese de incidência do IPVA, acabou por alterar o fato gerador por meio de mera Lei Ordinária Estadual, em total descompasso com o ordenamento jurídico vigente, haja vista que o artigo 146, inciso III, alínea "a", do Texto Magno, prevê que a definição do fato gerador deve estar prevista em Lei Complementar.

Como se não bastassem os argumentos até aqui expendidos para afastar a incidência do IPVA sobre embarcações e aeronaves, frise-se que o Texto Constitucional dispõe em seu artigo 22, inciso I, que compete privativamente à União legislar sobre direito marítimo e aeronáutico, bem assim é de sua competência explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária (artigo 21, inciso XII, alínea "c", da Constituição Federal).

Portanto, diante de todo o exposto, demonstra-se inconstitucional a tributação de aeronaves ou embarcações por meio do IPVA, o que leva à conclusão de que eventual lançamento tributário efetuado pelo Estado ou Distrito Federal deve ser contestado, pois restou ultrapassado o âmbito de sua competência tributária.

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Sobre o autor
Eduardo Correa da Silva

acadêmico de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Eduardo Correa. A não incidência do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre aeronaves e embarcações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 595, 23 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6312. Acesso em: 16 abr. 2024.

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