Em se tratando de responsabilidade do Estado convém trazer à baila a celeuma doutrinária no que tange a aplicação ou não do art. 37 § 6 da CF/88 nas hipóteses de omissão estatal, isto é, quanto à aplicabilidade da teoria objetiva da responsabilidade. Recomenda-se ao leitor, antes de prosseguir com a leitura, perlustrar o trabalho retro para maior compreensão do tema em testilha. Doravante, consoante alguns, a teoria aplicável é a mesma para a conduta e a omissão do Poder Público; outros, porém, entendem em caso de omissão, pela aplicação da teoria subjetiva da responsabilidade, mais precisamente na modalidade teoria da culpa do serviço público.
É notório que o Estado tem a obrigação de tutelar os novos direitos no alcance em que a sociedade evolui e necessita, para que assim, a convivência social consiga ser agradável. Desta maneira, com o aparecimento das vias públicas e a circulação dos veículos, o Estado adquiriu a responsabilidade de olhar pela segurança da população que se utiliza destes dispositivos. O trânsito seguro não só é um direito de todos é, ainda, um dever dos órgãos e entidades partes do Sistema Nacional de Trânsito.
Há quem entenda que o referido preceito constitucional abrange tanto os atos comissivos quanto os omissivos do agente. Destarte, seria suficiente a demonstração do dano com o respectivo nexo de causalidade. Não se cogitaria de dolo ou culpa, ainda mediante omissão. Por outro lado, existem aqueles que escudam a tese da responsabilidade subjetiva na hipótese de omissão, adotando a teoria da culpa anônima ou culpa do serviço público. Consoante essa teoria, haveria responsabilidade por parte do Estado contanto que o serviço público não funcione, quando deveria funcionar; funcione atrasado; ou funcione mal.
A Constituição de 1988 regulamenta a responsabilidade civil do Estado em seu artigo 37, § 6º, com a seguinte composição: “As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa.”
Para fins de referencial teórico, escopo cardinal deste profícuo trabalho interdisciplinar, menciona-se entre aqueles que perfilham pela teoria da responsabilidade subjetiva em caso de omissão: Celso Antônio Bandeira de Mello (RT 552/14), Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1979, vol. II:487), José Cretella Júnior (1970, v. 8:210). Valendo-se das lições desse último insigne doutrinador:
A omissão configura a culpa in omittendo ou in vigilando. São casos de inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou não se vigia, quando deveria agir, oagente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente.Devendo agir, não agiu.Nem como o bônus pater familiae, nem como bonus administrator. Foi negligente. Às vezes imprudente, ou até imperito. Negligente, se a solércia o dominou; imprudente,se confiou na sorte;imperito, se não previu a possibilidade de concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à ideia deinação, física ou mental. (JÚNIOR, 2010,p. 23)
Trocando em miúdos, preleciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
[...] para configuração da responsabilidade por omissão, há de haver o dever de agir por parte do Estado e possibilidade de agir para evitar o dano. A culpa está embutida na ideia de omissão. Não há como falar em responsabilidade objetiva em caso de inércia do agente público que tinha o dever de agir e não agiu, sem que para isso houvesse uma razão aceitável. A dificuldade de teoria diz respeito à possibilidade de agir; tem que se tratar de uma conduta que seja exigível da Administração e que seja possível. Essa possibilidade só pode ser examinada diante de cada caso concreto. Tem aplicação, no caso, o princípio da reserva do possível, que constitui aplicação do princípio da razoabilidade: o que seria razoável exigir do Estado para impedir o dano [...] (PIETRO, ano 2013, p. 40)
Por derradeiro, colacionam-se alguns julgados pertinentes à temática para corroborar e incrementar o presente feito:
[...] o Estado tem o dever de, em se tratando de via pública, zelar pela segurança do trânsito e pela prevenção de acidentes, incumbindo-lhe o dever de manutenção e sinalização, advertindo os motoristas dos perigos e dos obstáculos que se apresentam, como eventuais buracos, desníveis ou defeitos na pista. Nesse sentido, sua omissão culposa consiste, justamente, em não conservar em condições adequadas de uso e segurança o seu sistema viário [...]. (3ª Turma Recursal do TJDFT proc: 2013.01.1.166869-3)
[...] o DER, como também o DNER e o Dersa, deve arcar com as conseqüências da existência de defeitos, como buracos e depressões nas estradas de rodagem, decorrentes do seu deficiente estado de conservação e da falta de sinalização obrigatória [...] (RT, 504:79 e 582:117)
Acidente de trânsito – Responsabilidade civil do Estado – Sinistro ocasionado pela falta de serviço na conservação de estrada – Ausência de prova de culpa do particular, bem como de evento tipificador de força maior – Comprovação de nexo de causalidade entre a lesão e o ato da Administração – Verba devida – Aplicação da teoria do risco administrativo, nos termos do art. 37, § 6º da CF (RT, 777:365).
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, percebe-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado o comprometimento que lhe compete de melhorar economicamente os danos danosos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em consequência de condutas unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.
Para melhor entender o que seria o dano, Rui Stoco explica “deriva do latim damnum, que significa o mal, ou ofensa, que uma pessoa tenha causado a outra, da qual possa resultar uma deterioração à coisa desse terceiro, ou até mesmo um prejuízo ao seu patrimônio”.
Hely Lopes Meirelles coloca-se da seguinte maneira:
Nessa substituição da responsabilidade individual do servidor pela responsabilidade genérica do Poder Público, cobrindo o risco de sua ação, é que assenta a teoria da responsabilidade objetiva da Administração, vale dizer, da responsabilidade sem culpa, pela só ocorrência da falta anônima do serviço, porque esta falta está, precisamente na área dos riscos assumidos pela Administração para a consecução de seus fins. (MEIRELLES, 2006, p.654)
Reminiscente ao tema, José Joaquim Gomes Canotilho, em seu livro “O problema da responsabilidade do Estado por atos lícitos, Coimbra, Livr. Almedina” (1974, p.13), o autor já ilustrava: “conquista lenta, mas decisiva do Estado de Direito, a responsabilidade estadual é, ela mesma, instrumento de legalidade. Assim, o Estado de Direito impõe a responsabilidade estatal pelos danos causados a terceiros”.
Em voto exemplar proferido, ensina o Ministro Moreira Alves no RE nº 130.764-PR, 1992:
A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no art. 107 da Emenda Constitucional nº 1/69 (e, atualmente, no § 6º do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.
Consoante lição de Sergio Cavalieri Filho:
A administração Pública gera risco para os administrados, entendendo-se como tal a possibilidade de dano que os membros da comunidade podem sofrer em decorrência da normal ou anormal atividade do Estado. Tendo em vista que essa atividade é exercida em favor de todos, seus ônus devem ser também suportados por todos, e não apenas por alguns. Consequentemente, deve o Estado, que a todos representa, suportar os ônus da sua atividade, independentemente de culpa dos seus agentes. (CAVALIERI FILHO, S., 2006, p. 223)
Conforme acórdão proferido no RE 179.147 (rel. min. Carlos Velloso, Segunta Turma, DJ 27.02.1998):
A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa.
Destarte, pode-se entender que “tal responsabilidade tem por fundamento a teoria do risco administrativo, acolhida pela nossa CF, que sujeita as entidades de direito público aos ônus ínsitos na prestação de serviços, respondendo objetivamente pelos danos causados a terceiros.” (Gonçalves, 2003, p. 847).
REFERÊNCIAS
BACCELAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade civil extracontratual das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Revista interesse público. N 6, 2000, p. 18.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 292 p.
CASTILHO, Auriluce Pereira; BORGES, Nara Rúbia Martins; PEREIRA, Vânia Tanús, (orgs.) Manual de metodologia científica do ILES Itumbiara/GO. 2°. ed. Itumbiara: ILES/ULBRA, 2014. Disponível em: <http://www.ulbraitumbiara.com.br/wp-content/uploads/2012/02/Manual-de-Metodologia-ILES-2014.pdf > Acesso em: 21/09/2014, às 10h00’.
DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores. 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 25ed. São Paulo Saraiva 2011.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14. Ed. São Paulo: Editora Malheiros 2007.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v.4. 6ed. São Paulo: Saraiva 2011.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil – 5 ed – São Paulo. Atlas. 2005.
BRUNINI, Weida Zancaner. Da responsabilidade extracontratual da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 39-74.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 965