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O Estado brasileiro e a quebra do contrato social

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2. O CONTRATO SOCIAL NO BRASIL

2.1. A formação do Estado Brasil

2.1.1. O Brasil pré República

O início da formação da Península Ibérica se deu ao longo da história pelas lutas contra o domínio romano, contra o domínio germânico, e contra civilizações do ocidente e do oriente, durante muitos anos guerreou dentro de suas fronteiras e por meio da guerra ocorreu a formação de Portugal e de sua sociedade . No topo desta sociedade um rei, o chefe da guerra e general em campanha, que conduziu um povo de guerreiros. Afonso Henriques primeiro rei de Portugal nos idos de 1140 tomando para si as terras conquistadas que adivinham do direito de monhadego ou direito de herdar os bens dos “vilões” que morriam sem prole, formava ali seu poder através da propriedade. Então inicialmente a sociedade se formava pelo Rei (senhor das terras e da guerra), nobreza, clero, soldados, servos, e poucos homens livres todos vivendo da produção agrícola que sustenta a região (súditos e subordinados), um grande traço de cunho feudal65. 12 (p.4 -5).

Em torno de 1383-85 nasce a dinastia de Avis que deu fisionomia definitiva e reuniu os elementos ainda dispersos, alí só o rei comanda , poder absoluto que leva a considerar qualquer opinião contra a palavra suprema uma traição e rebeldia à vontade superior do rei, as concessões de senhorios ou de vilas que a coroa dava a seus nobres era mera liberalidade, e não significava função pública a não ser que fosse assim determinado. Tanto o poder do rei como o poder dos que estavam nas funções públicas adivinham da riqueza que possuíam e não da qualidade de funcionários. Em geral as funções públicas cabiam aos nobres ricos66. 12 (p. 6).

O Rei doava largamente terra aos nobres no intuito de torná-los dependentes do príncipe e estes nobres, senhores feudais, ao montar seus exércitos para proteger as terras os colocava à serviço do rei sempre que o solicitasse sob paga67. 12 (p. 7)

A sociedade feudal existia como classe dominante tendo seus privilégios de isenção de impostos, e os servos contribuindo para eles com seu trabalho. Esta estrutura de poder com relação de exploração e patrimonialismo perdurou por centenas de anos, portanto o Estado era patrimônio das elites, donde então herdamos esta noção de patrimonialismo profundamente arraigado aos nossos governantes e de forma que os poderosos sentem-se donos do Estado68. 12(p.8)

Com o crescimento dos potentados rurais o rei usa uma estratégia política comum da realeza européia, estimulou os municípios na mesma proporção do crescimento destes potentados rurais, no início desvinculados da carta de foral, porém pouco depois sob o domínio desta; – os Forais ou Carta de Foral foi o pacto entre o rei e o povo, assegurando o predomínio do soberano, já encaminhando para o absolutismo69. 3 (p. 375).

As relações jurídicas entre o soberano e os súditos foram colhidos ao longo de uma tradição herdados dos costumes romanos, quanto ao caráter político pode-se situar este na constituição do imperador Diocleciano (285-305) e o direito o de Justiniano (527-565)70. 13

Historicamente a formação do Estado brasileiro, ocorreu com o domínio e ampliação do território pelos portugueses, no período da expansão das navegações, como forma de aumentar os domínios da coroa portuguesa que por aqui estava limitada pelo Tratado de Tordesilhas, ampliando a colonização até fins do século XVII, a fim de garantir espaço para a formação do futuro território do Estado. Portanto o Brasil é um Estado de formação originária por não ter pertencido anteriormente a nenhum outro estado, mas sim aos próprios nativos ameríndios. Esta colonização iniciou a formação do povo que viria a viver neste Estado, três raças contribuíram para a formação deste povo, a européia (portugueses, espanhóis, holandeses, franceses...) a africana (com a chegada mais tarde de escravos negros) e a americana71. 3 (p. 377 e 378).

Com relação a forma federativa de governo, esta foi herdada nos tempos coloniais, nos moldes da organização político administrativa de Portugal, fomos então uma extensão do contrato social português, porém adaptada para a realidade do imenso território em comento, em um complexo processo de descentralização geográfica e centralização política, tudo para manter o controle e proteção das fronteiras, evoluindo de dois governos gerais para a divisão de capitanias, preciso foi dividir o território dominado em quinze subpartes72. 3 (p.378)

O Brasil cresceu e se desenvolveu como um conjunto de regiões autônomas similares às tradições municipalistas de Portugal e aos sistemas feudais germânicos. Mais tarde o povo insurgiu contra o excessivo centralismo de D. Pedro, e este forte movimento de descentralização leva-o a abdicação, e em 1834 concedia autonomia para as Províncias, mais tarde esse movimento da opinião pública contra a centralização de poder foi vitorioso de forma definitiva com a revolução republicana e federalista de 1889 73. 3 (p.378 e 379) .

A vinda da corte de D. João VI em 1808, o fenômeno de abertura dos Portos e a elevação do Brasil à condição de Vice Reino Unido a Portugal e Algarves, tudo isto impulsionou a vontade de se libertar do domínio a que estava submetido, o anseio de liberdade dirigiu a evolução das idéias na colônia que naturalmente tendia para uma forma republicana de governo e para o regime federativo, muitos movimentos revolucionários de emancipação política que traziam os ideais de federação e da República, assim nascia o movimento para a independência do Brasil em 1822 sob a tutela já de D. Pedro I. (surge aqui o terceiro elemento da formação do Estado: O Governo)74. 3 (p. 379).

Em 1822 com o Brasil já independente de Portugal, D. Pedro I convoca a assembléia constituinte para a formação do código político sob a forma de Governo chamada Monarquia Constitucional, em 1824 se estabelecia a Constituição que foi Outorgada e consagrava a forma Unitária de Estado e Governo Monárquico, hereditário, constitucional, representativo independente de Portugal – Surge o Quarto elemento de formação: Soberania. Constituição Imperial esta centralista que deixou todo o povo descontente, com isso nova revolução foi iniciada e consequente abdicação do trono, foi feita reforma constitucional pelo Ato Adicional; De 1834 á 1840 o Brasil foi governado pela Regência Una (Que teve como Regente Diogo Antônio Feijó)75. 3(p. 380)

Em 1840 foi declarada a maioridade de D. Pedro II que assumiu a direção do Estado permanecendo por quase meio século, promovendo a prosperidade pública e contribuindo para o nascimento do ideal democrático, e toda essa paz pública na chamada “idade de Ouro” retardou a instalação aqui da República. Depois com a Idade avançada de D. Pedro II, e com o crescimento da Classe média (profissionais liberais, jornalistas, funcionários públicos, artistas, estudantes e comerciantes) nos grandes centros urbanos, que passou a apriori o fim do império, o desejo de liberdade e maior participação nos assuntos políticos do país também crescia se alinhando com os ideais republicanos, unido ao medo de que o governo passasse para filha de D. Pedro II, armou-se um golpe que com pesar destituiria Pedro II de seu trono e extinguiria a monarquia76. 3(p. 381)

2.1.2. A República brasileira

Com a extinção da Monarquia e proclamada a República em 15 de Novembro de 1889 (chamada de República Velha, que durou até 1930), institui-se o regime provisório, as antigas províncias se reuniram pelos laços da Federação, constituindo os Estados Unidos do Brasil, em 22 de Junho de 1890, reúne-se uma comissão e elabora o anteprojeto, publicado como Constituição Provisória da República que junto com o governo provisório criou a “grande naturalização”, introduzindo o sufrágio universal, determinou a separação entre a igreja e o Estado, instituiu o casamento civil, aboliu as penas de galés, suprimiu a vitaliciedade dos senadores e outros. A constituinte em 24 de Fevereiro de 1891 de forma definitiva, promulga a Carta Magna da República que adotou o sistema presidencialista e a dualidade de câmaras representativas77. 3(P.382)

Após reivindicações, deposições e de muitas tramas políticas a constituição de 1891 teve sua primeira reforma com a renúncia do primeiro presidente eleito pelo sistema indireto, Marechal Deodoro da Fonseca, em 1926. Períodos muito conturbados de guerras no mundo e de mudanças sociais sucederam para todos os lados, o povo clamava por nova Constituição política baseada nas doutrinas do direito social78. 3(p. 383)

No mundo do pós 1ª guerra a fim de acompanhar tantas mudanças, pequenas reformas não supririam as necessidades do novo contexto político mundial, então em 1930 ocorre a revolução que derruba o regime republicano, uma junta militar dirigiu o governo por alguns dias até que Getúlio Vargas, o chefe da revolução toma o poder e impõe através do executivo sua vontade. O povo clama mais uma vez o retorno da Democracia e reivindica nova assembléia constituinte, a convocação ocorre em 1933 e promulgada a 3ª constituição do Brasil em 1934 que institui o Estado Social Democráticos baseado em ideais antagônicos e sem ideologia definida, teve vida curta pois o mundo passava por surtos de ditaduras e pela revolução soviética a qual não foi contida79. 3(p. 384).

Na tentativa de acalmar os ânimos populares e conter o tumulto mundial, com o apoio dos militares decreta nova Constituição. Carta esta outorgada em 10 de Novembro de 1937; O Estado Novo, que autoritário e exaltadamente nacionalista, freando o liberalismo, fortaleceu o executivo e deu a ele autonomia para exercer livremente a função legislativa concentrando os poderes executivo e legislativo nas mão do presidente, restringiu a ação do Parlamento, reformou o sistema representativo de eleição, subordinou os direitos individuais ao interesse público. Declarando que “o poder político emana do povo, e é exercido em nome dele” , porém não foram convocadas eleições, não funcionou o poder legislativo, não houve formação de partidos políticos, e o plebiscito para ratificar a carta outorgada, que constava no texto da própria, não ocorreu; portanto na visão de Pontes de Miranda: “Esta não foi uma Constituição liberal nem democrática, e sim a Carta de uma Ditadura”.E durante 8 anos seguintes esteve o Brasil sob um regime ditatorial80. 3(p. 385)

O chefe do governo não cumpria a própria carta outorgada, e a opinião pública já a muito insatisfeita e inconformada pela usurpação da mínima democracia que haviam conquistado, exige convocação de nova assembléia constituinte. E em 29 de Outubro de 1945 as forças armadas depuseram o chefe de Estado, assumindo o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, enquanto ocorria a 4ª assembléia constituinte, então em 18 de Setembro de 1946 foi promulgada nova Constituição81. 3(p. 385).

Promulgada a Constituição de 1946 que respeitou os direitos e liberdades públicas, deu segurança as instituições, prosperidade social e econômica. Em 1961 o vice de Janio Quadros foi impedido de tomar posse por forças militares interventoras, um Ato Adicional restringe os poderes Presidenciais, que depois foi revogado pela Emenda Constitucional nº 6 de 23 de Janeiro de 1963 devolvendo os poderes ao Sr. João Goulart. Em 1964 a edição do Ato Institucional de 9 de Abril de 1964 instrumento transitório este, que estabelece o golpe dado pelas Forças Armadas que colocam Marechal Humberto de Alencar Castello Branco conduzindo o Brasil por meio de Atos Institucionais até que esta constituição semi autoritária foi substituída por outra outorgada com vigência para 1967, e eleito indiretamente Marechal Costa e Silva pelo mesmo Congresso Nacional 82.3 (p. 386)

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Em 1969 a Emenda Constitucional nº 1 de 17 de Outubro de 1969 reformula a Constituição, e por ter reformulado todo o texto constitucional foi chamada de Constituição de 1969, outorgada à nação pelos Ministros Militares, que estavam no exercício transitório da Presidência da República. Esta manteve a forma federativa de Estado, o sistema republicano do Governo representativo democrático, foi reaberto o Congresso nacional, restabelecidos os partidos políticos e eleito o presidente da República o General Emílio Garrastazu Médici. Em 1974 o General Ernesto Geisel é eleito pelo Colégio Eleitoral que enfrentou pressão dos meios legislativo e jurídicos à revogação dos atos de exceção e a volta do Estado de Direito83.3 (p.386)

Em 1979 assume por eleições indiretas João Baptista Figueiredo com mandato de 6 anos, para tentar redirecionar o Brasil á democracia sem dispor dos poderes discricionários instituídos no período revolucionário de 1964, para promover a abertura política e o restabelecimento do Estado de Direito, determinou eleições para 1984, a nação brasileira num movimento conhecido como “Diretas Já” exige a realização de novas eleições diretas, que não aconteceram, porém o candidato apoiado pela oposição foi vencedor, Tancredo Neves e José Sarney, Tancredo morre antes de assumir e Sarney assume em seu lugar, e através da Emenda Constitucional nº 25 de 1985 restabelece as eleições diretas em todos os níveis, e convoca a Assembléia Nacional Constituinte em 1986 para elaborar a constituição que foi promulgada em 5 de Outubro de 1988 a chamada “Constituição Cidadã”84. 3(p. 387)

2.2. Contratos Sociais e Garantias Constitucionais

Portanto entende-se que as constituições são instrumentos que ao longo da história proporcionam as mudanças e inserções das regras necessárias à organização e estruturação dos contratos sociais, e o poder constituinte originário que é o poder instituído pelo povo, assegura a liberdade de mudança se assim for a vontade geral, porém ficando limitados pelos limites impostos e reconhecidos pela constituição que foi determinada pela mesma vontade geral – as denominadas Cláusulas Pétreas - e a história caminha em direção ao que denomina-se hoje Estado de Direito85. 14(p. 199)

Esta situação jurídica, o Estado de Direito, é mais que uma sociedade organizada, fruto de um consenso entre indivíduos que livremente abrem mão de parcela de poder conferindo-o ao Estado, é uma situação jurídica em que o poder não pode mais ser exercido de forma ilimitada e arbitrária, impondo-se a repartição desse poder entre órgãos do Estado, e que atuando de forma harmônica entre si realizarão um controle mútuo e equilibrado não podendo modificar por ato próprio os limites impostos pelo povo que é o único titular do poder de instaurar nova ordem política de acordo com a vontade comum86. 14(p. 202)

A separação dos poderes foi elemento indispensável para evitar o despotismo e a tirania, porém houve também a necessidade de dotar o Estado de mecanismo de controle efetivo dos atos do legislativo em relação a Constituição, e a chegada do século XX trouxe a consolidação da corte constitucional. Não bastava afirmar que o Estado devia garantir liberdades individuais, advinda da vontade coletiva, e que deveria manter a estabilidade e harmonia social, e não adiantava também dizer que o governante não poderia reunir todos os poderes em si, era necessário que houvesse um órgão que garantisse que os direitos da Constituição não fossem violados nem pelo Estado nem por seus participantes87. 14 (p. 203)

E para maior segurança surge a necessidade de se transferir esta função de fiscalizar e proteger a Constituição a um poder que não se submeta aos interesses político-partidários, que não tenha interesse nas questões de governo, mas que apenas lhe interesse a defesa do ordenamento constitucional. E para que houvesse essa nova forma de atuação foi necessário superar a visão antiga nascida com a revolução francesa de que os juízes eram meros anunciadores da lei, de forma que aplicavam a norma de forma silogística de mera subsunção que subsiste no ordenamento francês mesmo depois da reforma constitucional de 200888. 14( p. 204)

O caso Marbury versus Madison de 1803 (Willian Marbury e James Madison) de forma inédita declarou ser competência do tribunal exercer juízo de adequação das leis à constituição, Onde foi analisado a constitucionalidade do § 3º da lei Judiciária de 1789. Nascia nesse momento o controle de constitucionalidade que é exercido por todo juiz quando necessária a análise de conflitos postos a sua apreciação89. Este sistema é chamado no Direito Constitucional de Controle Difuso, que é um controle posterior ou repressivo realizado quando da lei já em vigor (diferente do controle prévio ou preventivo que é realizado durante o processo legislativo de formação da norma)90. 14. 205) - 15 (p. 14-15)

A sistematização deste controle do legislativo veio com a obra de Kelsen retomando a ideia de uma corte constitucional – que denominou “ júri constitucional” – O objetivo da criação de uma corte constitucional era inserir um órgão estatal imparcial, não interessado na disputa política e com condições de exercer o controle de adequação das leis em conformidade com a constituição, de forma a não destoar desta, não dando ás leis interpretações diversas de forma a ir de encontro com o “Espírito” da lei constitucional. Assegurando a liberdade individual contra a ilegal interferência do Estado, preocupação esta já observada nas obras de Locke e Montesquieu, para ocorrer o controle dos atos legislativos não só antes, como depois, por um órgão externo ao parlamento, evitando que se mantenham válidas leis discordantes da constituição, caindo por terra a teoria de que cabe ao monarca a defesa da constituição, dos direitos individuais e das suas instituições, sem este limite imposto pela corte constitucional seria impossível manter a separação dos poderes anteriormente estabelecida.91. 14 (p. 206)

Nos EUA este controle só ocorre quando viola interesse particular partindo deste a manifestação para que seja revista tal legislação, ficando condicionada a revisão a manifestação da parte eventualmente prejudicada, processo este subjetivo. Kelsen sustenta a necessidade de estabelecer um procedimento que leve diretamente à corte constitucional a questão através de procedimento pré estabelecido e específico – o Controle Concentrado de Constitucionalidade- quando for de interesse público – Controle por Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)92. 14 (p.207)

Mesmo sendo atualmente o legislativo um órgão representante do povo, foi necessário obter uma organização social compatível com a tutela das liberdades individuais e afastá-la do perigo do despotismo e arbitrariedade dos governos e das instituições que podem se corromper no caminho, pela ânsia do poder, no perigo de incorrer em causa própria, então além do controle mútuo das instituições foi necessário complementar com o controle de um órgão externo, para a consolidação do Estado Constitucional de Direito fruto da evolução do estado moderno, evoluindo através de controle de poderes e da efetiva verificação de adequação das leis à Constituição, norma esta Suprema que assegura os direitos e liberdades do cidadão93. 14(p.210)

2.3. A Constituição de 1988

Após muitos anos de ditadura militar, período este que se iniciou em março 1964 e durou até 1985, o Brasil foi governado por militares que tomaram o poder destituindo o presidente eleito democraticamente, e governaram por meio de Atos Institucionais que fortaleceram completamente o Executivo e controlaram a sucessão presidencial, período este de muita repressão, perseguição política, supressão de direitos constitucionais, e ausência total de democracia, com supressão de toda e qualquer organização da representatividade da sociedade como partidos políticos, sindicatos, agremiações estudantis e outras. Cansada e oprimida a população se levanta contra a ditadura imposta, exige eleições diretas e a redemocratização, nesse embate da população contra o governo imposto, o Estado passando por grande recessão e insuperável inflação, finalmente forma a Assembléia Nacional Constituinte94. 3 (p. 387)

Esta Assembléia Nacional Constituinte não foi convocada exclusivamente para esta constituição, de forma a propiciar o desenvolvimento de um trabalho de elaboração constitucional livre, desvinculado de interesses, e totalmente soberano, apesar de ser este o anseio do povo, é que para isto, necessário era a eleição de uma assembléia nova, exclusiva, totalmente desvinculada do Congresso, sendo assim, legítima e independente para defender os interesses do povo se fossem escolhidos estritamente para essa função, e não transformar deputados e senadores em parlamentares, contudo o povo foi derrotado pelo governo responsável pela transição que transformou o Congresso em Assembléia Constituinte95. 3 (p. 388) Depois de aprovada a carta magna, os integrantes da Assembléia Constituinte voltariam as suas funções até o fim da legislatura, o resultado desta assembléia foi uma Constituição com falta de unidade sistemática, com textos que apresentavam as mais diversas correntes ideológicas e interesses pessoais, que reunidos davam vida a um anteprojeto e a um projeto de uma Constituição sem um sistema harmônico de normas, heterogenia, exageradamente preocupada em regulamentar detalhes que deveriam ser da alçada de legislação ordinária96. 3 (p. 389

Como exemplo da mistura ideológica da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, observe-se três incisos do Artgo 5º:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Título II

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

Capítulo I

Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos

Art. 5º (...)

XXII – é garantido o direito de propriedade;

E

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social

E ainda,

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização, em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;97 16 (p.10)

O processo legislativo é revigorado, ao admitir inclusive os projetos de lei de iniciativa popular, além do referendo e do plebiscito. O Congresso Nacional retoma totalmente suas prerrogativas.

A nova Constituição definiu um plebiscito a ser realizado em 1993 para a escolha da forma e sistema de governo do Brasil, vencendo por 66% a forma republicana e ratificado por 55% o sistema presidencialista. E obedecendo ao art. 3º do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias após completos 5 anos de vigência a nova constituição foi submetida a revisão pelo Congresso em sessão unicameral, mediante voto da maioria absoluta dos membros e promulgadas as emendas constitucionais de revisão de 1 a 6 em 1994 sem grandes mudanças98. 3( p. 389)

Por mais que se possa observar pontos controvertidos nesta constituição um dos pontos positivos é que ela é a expressão da vontade do povo brasileiro (na maior parte) e demonstrou dar importância aos direitos individuais, enfatizou e ampliou direitos trabalhistas, criou novos instrumentos de garantia e proteção dos direitos individuais e coletivos, se preocupando de uma forma geral em erradicar a miséria, com a busca de uma sociedade livre, com a tentativa de diminuição das diferenças entre classes sociais, e de erradicar a fome e o analfabetismo, garantias estas que realmente podem vir a produzir justiça social e que são também a principal meta dos povos modernos99. 3( p.391)

Até 2007 houveram 55 Emendas Constitucionais, porém dessas, 16 foram feitas entre 1995 à 1998. Ainda Existem novas propostas de Emendas Constitucionais com a intenção de acompanhar as mudanças do mundo100. 3( p. 391)

Apesar de muitos conteúdos negativos a serem observados, a Constituição de 1988 possui pontos extremamente importantes quando por exemplo estabelece nela o Mandado de Segurança Coletivo, o Habeas Corpus, o Mandado de injunção, o Habeas Data, quando reforça a proteção aos direitos e as liberdades constitucionais, quando restitui ao Congresso prerrogativas que lhe haviam sido retiradas, quando valoriza a função do controle parlamentar sobre o Executivo através das comissões parlamentares de inquérito com poderes idênticos aos da autoridade judiciária, quando determina os princípios da ordem econômica, a defesa do meio ambiente, a proteção aos índios, e outras conquistas101. 17(p. 485).

Este foi um momento de reconstitucionalização da nossa nação, da transição discricionária para a transição constitucional, passamos do governo de um só poder para o governo dos três poderes. Este processo de redemocratização espelhou em muitas partes o desejo popular legitimando garantias básicas e inseparáveis de um Estado de Direito Democrático Constitucional, depois da vitória da democracia materialmente expressa no texto constitucional, houve a consulta ao povo por meio de plebiscito (para a escolha entre presidencialismo ou monarquia), para reafirmar o presidencialismo, sistema que vigorava em caráter provisório, se seria ou não legitimado, que acabou por ocorrer102. 17(p. 486).

A atual Carta Magna é sem precedentes na história constitucional do Brasil, vencendo o período de ditaduras, cerceamento de direitos e governos tiranos divorciados das aspirações da população, Porém ficou parcialmente acabada restando ainda para ficar completa: As leis complementares e ordinárias destinadas a complementá-la materialmente, e sem as quais dificilmente ela se aplicará, o que diminui e muito sua eficácia, embargando assim todas as esperanças postas em tão valioso instrumento de direitos e garantias constitucionais103. 17(p. 490) Mesmo com os problemas envolvendo a formação da Assembléia Constituinte e a divergência de ideais, a Constituição 1988 só se acha completa do ponto de vista formal, entendendo que a elaboração das Leis Complementares e Ordinárias nela determinadas são de máxima urgência e necessidade para conferir a devida aplicação ao texto constitucional, sua eficácia então está comprometida104. 17(p. 492)

Nesta constituição o legislativo começa a ser poder, com estrutura democrática nela inserida consagrando a tripartição de poderes, Executivo, Judiciário e Legislativo. Com as atribuições novas é necessário para que o executivo bem funcione, uma grande quantidade de leis que ora precisarão de maioria absoluta, no caso da legislação complementar, ora precisarão de maioria simples, no caso da legislação ordinária. E convertido em poder, o legislativo que antes apenas referendava os atos do executivo, tem agora necessidade de um arcabouço sólido para atender as exigências do texto da nova constituição para não correr o risco de não ser levada a prática105. 3(p. 488) .

O fortalecimento do poder legislativo é notável quando o texto constitucional formaliza a Comissão Mista Permanente do Orçamento, participando assim da feitura dos orçamentos e extinguem o decreto lei (autoritário e pouco democrático que era), e também mostra-se reforçado tendo competência para fixar ou modificar o efetivo das Forças Armadas, na indicação de 2/3 dos Membros do TCU - Tribunal de Contas da União, na sustação de atos do governo, nas decisões de veto presidencial com maioria absoluta e não mais com exigência de 2/3 como na carta anterior, no veto do Legislativo aos acordos e tratados internacionais e na ampla participação e fiscalização do Executivo. Aparentemente começa o Executivo a perder sua até então ilimitada competência,106. 17 (pag. 498-500)

Desde a Constituição do império de 1824 pode-se observar a evolução do conceito de separação dos poderes enquanto princípio constitucional no direito brasileiro, e na Constituição de 1988 ela se encontra em destaque.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Título I

Dos Princípios Fundamentais

Art. 2º São poderes da União, Independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 107 16 (p. 9)

Por mais que se possa verificar a excessiva participação do Poder Executivo no processo legislativo, incluindo a possibilidade da edição de medidas provisórias pelo Presidente da República, com força de lei, e a concentração exagerada de matérias reservadas ao legislador federal por uma questão de repartição de competências adotadas pelo constituinte de 88, houve uma importante evolução no que tange ao reforço na atuação do judiciário e do Ministério público na tutela dos interesses coletivos e difusos, na defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais, saindo o sistema de separação de poderes mais fortalecido no último processo constituinte108. 18

(p. 15-16)

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Título IV

Da Organização dos Poderes

Capítulo III

Do poder Judiciário

Seção II

Do Supremo Tribunal Federal

Art. 101 Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: ...”109 16(p. 42)

E

Título IV

Da Organização dos Poderes

Capítulo IV

Das funções essenciais à justiça

Seção I

Do Ministério Público

Art. 127 O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§1º. São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

...110 16 (p. 49)

Porém, necessário é observar com prudência que um bom instrumento de governo nas mãos de governantes com interesses adversos aos da população pode significar um perigoso desastre se manobrado indevidamente.

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Sobre a autora
Rejane Smênia de Oliveira Saturnino Borges

aluna de Mestrado em Filosofia e formada em Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada no Curso de Direito da Universidade Cândido Mendes, Unidade Padre Miguel, Rio de Janeiro, 2015.

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