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A Emenda Constitucional nº 42/03 e o princípio da anterioridade tributária no Imposto sobre a Renda

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Resumo

Estudo visa a demonstração da inconstitucionalidade, passando pela idéia de princípios constitucionais, de parte do texto da Emenda Constitucional 42/03, em especial o acréscimo trazido ao bojo do §1, art. 150, da Constituição Federal, concernente a violação ao princípio da anterioridade tributária qualificada no que tange ao imposto sobre a renda e proveitos.

Palavra-chave: Princípio da anterioridade, Imposto sobre a Renda; Emenda Constitucional 42/03


No presente estudo abordaremos a expressiva modificação trazida pela Emenda Constitucional nº 42 de 19 de dezembro de 2003, principalmente no concernente ao princípio da anterioridade tributária em face do imposto de renda, tributo que restou excepcionado da regra alhures, exceção essa que, ao nosso sentir, macula-se de vício constitucional, como restará explicitado no decorrer desse trabalho.

A citada Emenda Constitucional trouxe em seu bojo notável modificação no Sistema Tributário Nacional, contudo, tropeçou em ponto referente ao Imposto de Renda, como se perceberá.

Vale transcrevermos o trecho maculado pelo vício de inconstitucionalidade logo mais explicado e justificado, in verbis:

"Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

...

III – cobrar tributos

...

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

...

§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I". (grifo nosso).

Trazidas essas considerações introdutórias necessárias para o desenvolvimento do raciocínio pretendido, passemos ao estudo do tema proposto.

É sabido que o Estado Democrático Brasileiro encontra-se calcado em uma Constituição Federal que em seu bojo contempla normas jurídicas, algumas de maior conteúdo valorativo e menor especificidade em face das outras, dentro da própria Carta.

As aludidas normas jurídicas são os exaltados princípios constitucionais, os quais, em razão de sua relevância no sistema jurídico brasileiro, merecem a nossa atenção especial nesse estudo.

Importante sabermos que a juridicidade dos princípios constitucionais, ou seja, seu caráter de verdadeira norma jurídica, nem sempre foi reconhecida pelos estudiosos da matéria.

Observavam-se os princípios como exortações de ordem moral, social e política, não estando sob a égide de norma jurídica, principalmente em virtude de não conseguirem enxergar nos mesmos uma sanção imediata, bem como em face de sua alta vagueza e natureza transcendente, atingindo um sem-número de situações fáticas.

Estudiosos da Teoria Geral do Direito se debruçaram sobre a matéria e a doutrina solidificou-se no sentido de que os princípios tratam-se, sim, de verdadeiras normas jurídicas, gozando de força e comandos de Direito, capazes de estender suas determinações nas mais diversas searas da vida social e regulá-las.

Tanto o é, que nos dias atuais, tem-se por cediço que os princípios constitucionais não constituem meros ditames postos à contemplação ou exortação, mas sim, verdadeiros alicerces do Direito, merecendo observância dentre todos na sociedade, inclusive, o próprio Poder Público.

Os conceitos de princípio são os mais diversificados, porém, todos caminham em um paralelo de forma a reconhecer a sua juridicidade, fundamentalidade e fecundidade das demais regras do Direito.

Quer-se dizer que os princípios constitucionais, a bem da verdade, encontram-se cravadas no mais elevado grau de hierarquia das normas de nosso Estado Democrático de Direito, de sorte que essas buscam naqueles os seus fundamentos de validade, sua interpretação e hermenêutica, assim como a própria aplicabilidade das demais regras jurídicas constitucionais e infraconstitucionais.

Podemos perceber os princípios constitucionais em um altiplano de onde comandam, regem e sustentam todas as demais regras jurídicas, conferindo-lhes validade e direcionando a interpretação das mesmas.

Um pequeno parênteses merece aqui ser posto. Infelizmente, podemos denotar que o positivismo jurídico exagerado e "cego", por inúmeras vezes, fez com que a aplicação de princípios constitucionais fosse relevada em face de meras regras infraconstitucionais, o que é temerário. Essa corrente de pensadores fez com que em casos concretos a regra simples se sobrepusesse em face dos princípios, o que, nós cientistas do direito, jamais podíamos e poderemos admitir, vez que esse são a base forte de nosso Estado.

Fechada essa observação, necessário se faz trazermos à baila um conceito para os princípios constitucionais e nesse trilhar temos a sábia lição de Celso Antonio Bandeira de Melo:

"Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear do sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico." (1)

Buscando-se o conceito para os mesmos Walter Claudius Rothenburg leciona que "os princípios constitucionais são conteúdos intelectivos dos valores superiores adotados em uma sociedade política, materializados e formalizados juridicamente para produzir uma regulação política no Estado." [2]

Em não menos relevantes palavras Roque Antônio Carrazza que assim nos brinda:

"...princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.

...

Nenhuma interpretação deve ser havida por boa (e, portanto, por jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico-constitucional.

...

Em suma, os princípios são normas qualificadas, exibindo excepcional valor aglutinante: indicam como devem aplicar-se as normas jurídicas, isto é, que alcance lhes dar, como combiná-las e quando outorgar precedência a algumas delas." [3]

Assim, podemos denotar que os princípios constitucionais irradiam seus efeitos sobre a atividade do legislador, da judicatura e de todos aqueles que o invocam, estendendo-se em todos os segmentos sociais.

Cediço que não se pretende por meio do presente trabalho fazer mera demonstração retórica dos princípios constitucionais, mas sim, conscientizar àqueles que laboram no Direito da sobre posição dos mesmos, conscientizando-nos que observando os princípios encartados em nossa Carta Suprema, estaremos vivendo em um Estado mais justo, certo e juridicamente seguro.

Sem pretender-se fazer tabula rasa à atual e lamentável realidade fática, onde contribuintes são massacrados por uma das maiores cargas tributárias de todo o planeta, em gritante desrespeito ao princípio da capacidade contributiva, pertinente, ou até mesmo, indispensável se faz a consagração dos princípios da Constituição Federal, sob pena de, em breve lapso, vivermos em uma anarquia jurídica, onde leis, simples normas jurídicas, serão mais agraciadas que àqueles, verdadeiros suportes do Estado Democrático de Direito.

Não podemos admitir que uma Constituição Federal "remendada" por aqueles que detém o poder, na sanha arrecadatória, possa ser indiscriminadamente utilizada como meio de justificação para manobras políticas autoritárias, arbitrárias e violadoras dos direitos individuais do contribuinte. Portanto, ainda que por meio de emendas à Constituição, resta inadmissível a modificação da Carta de Outubro, como se salientará.

Ressaltado o conteúdo normativo dos princípios constitucionais e seu caráter permanente de alicerce e sustentáculo de nosso Estado de Direito, na medida que são nortes hermenêuticos e fonte primária e maior das demais normas jurídicas_ natureza normogenético como menciona Canotilho [4]_ guardando esta estrita observância aos mesmos sob pena de inconstitucionalidade, passemos a estudar o princípio constitucional tributário da anterioridade.

O sistema constitucional pátrio é subdividido em diversos outros subsistemas, cada qual com seus princípios e ditames peculiares, exatamente como ocorre com a anterioridade tributária, princípio de ordem eminentemente ligada à posição estatal perante os contribuintes.

Em pensar paralelo ao aqui trazido Paulo de Barros Carvalho esclarece:

"Empreende, na trama normativa, uma construção harmoniosa e conciliadora, que visa a atingir o valor supremo da certeza, pelas relações jurídicas que se estabelecem entre Administração e administrados.

...

Esse tratamento amplo e minucioso, encartado numa Constituição rígida, acarreta como conseqüência inevitável um sistema tributário de acentuada rigidez..." (5)

O referido princípio possui tratamento no artigo 150, inciso III, alíneas b e c, está última acrescida com a Emenda Constitucional nº 42/03, o qual também trouxe modificações no §1º da mesma regra constitucional.

A modificação trazida pela referida Emenda 42/03 _princípio da anterioridade tributária qualificada_ advém de muita crítica e estudos realizados pela doutrina pátria, a qual relutava com a idéia anterior de anterioridade, vez que não consagrava a segurança jurídica, princípio maior tutelado por tal preceito constitucional.

É escorada na anterioridade nonagesimal prevista no art. 195, §6º, da Constituição Federal, a qual determina que nenhuma contribuição social poderá ser exigida antes de decorridos noventa dias da data de sua publicação. Porém, por não ser este o cerne dos estudos não iremos nos alongar nesse ponto.

É sabido que antes da promulgação da EC nº 42/03, vigia o princípio da anterioridade do exercício, previsto na alínea b, do inciso III, do art. 150, da Carta Máxima, segundo o qual restara vedado aos entes tributantes exigir tributo _salvo as contribuições sociais que possuem tratamento diverso prevista na regra alhures_ no mesmo exercício em que houvera sido publicada a lei que os instituiu ou majorou.

Tal regra causava grande desconforto na doutrina, vez que no mais das vezes, não tinha seu escopo de segurança jurídico alcançada, posto que os entes de direito público tributantes publicavam as leis tributárias em 30 ou 31 de dezembro, passando a cobrar a exação logo dois ou três dias depois de publicada a lei, maculando a finalidade do princípio em comento.

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Estudando o propósito do princípio da anterioridade tributária o nobre Prof. Roque Antônio Carrazza preconiza brilhantes palavras:

"... o princípio da anterioridade é corolário lógico do princípio da segurança jurídica. Visa evitar surpresas para o contribuinte, com a instituição ou majoração de tributos,...

De fato o princípio da anterioridade veicula a idéia de que deve ser suprimida a tributação surpresa (que afronta a segurança jurídica dos contribuintes). Ele não permite que, da noite para o dia, alguém seja colhido por uma nova exigência fiscal. É ele, ainda, que exige que o contribuinte se depare com regras tributárias claras, estáveis e seguras. E, mais do que isso: que tenha o conhecimento antecipado dos tributos que lhe serão exigidos ao longo do exercício financeiro, justamente para que possa planejar sua vida econômica." (6)

Às vistas do escopo do princípio da anterioridade tributária acima melhor explicado, qual seja, segurança jurídica e previsibilidade dos tributos a serem quitados, o princípio retro estava se mostrando inócuo, principalmente, em razão da atitude ardilosa do Fisco.

Ainda assim, alguns tributos eram excepcionados dessa regra, posto que são exações de caráter evidentemente extrafiscal, ou seja, sua finalidade não é meramente arrecadatório, mas sim, tributos de cunho estratégico.

Tal exceção fora consagrada pelo art. 150, § 1º, da CF, compreendendo, antes da EC nº 42/03, o imposto de importação (II) e exportação (IE), o imposto sobre produtos industrializados (IPI), o imposto sobre operações financeiras (IOF) e o imposto extraordinário de guerra.

Salientado está que os impostos supra mencionados possuem natureza muito além da fiscal, prestando-se como mecanismo de regulação política econômica e proteção do território e soberania pátria, possuindo vasta carga de extrafiscalidade, justificando-se, pois, como exceção ao princípio da anterioridade.

A lei que institui ou majora esses impostos entra em vigor e tem sua eficácia conferidos de forma imediata, dispensando o aguardo do exercício financeiro subseqüente para que possam ser exigidos, o que se funda na próprio extrafiscalidade.

Até então, tudo acertado, porém exigir os demais tributos sem a observância da segurança jurídica, o que efetivamente ocorria no sistema antes vigente, não era aceitável.

Neste diapasão, diante dos apelos e esclarecimento da doutrina, restou-se acertada a inclusão da alínea c, retro transcrita instituindo o denominado princípio da anterioridade qualificada.

Advinda no bojo da mini reforma tributária a mencionada alínea inclui um plus ao princípio da anterioridade tributária antes vigente. A bem da verdade, a anterioridade qualificada introduzida pela EC 42/03 é meio muito mais eficiente de consagração da esperada segurança jurídica, visto que confere um lapso mínimo ao contribuinte para se adequar à nova ou majorada tributação, diferentemente da anterioridade do exercício financeiro, que nem sempre assim servia.

Por meio desta alínea importante modificação fora realizada em nosso sistema constitucional tributário, de modo que, atualmente, não basta o respeito à anterioridade do exercício financeiro, mas também, que se aguarde, cumulativamente, o acréscimo de noventa dias.

Portanto, para que a exação seja eficaz no primeiro dia do exercício subseqüente a instituiu ou majorou a lei que assim proceder deve ser publicada no dia primeiro de outubro. Ou, por exemplo, lei que crie tributo em julho de dado exercício, somente será exigido em primeiro de janeiro do exercício subseqüente.

Com esse pensar restou consagrada a tão almejada segurança jurídica pretendida pelo princípio constitucional da anterioridade tributária, porém, a EC 42/03 não trouxe apenas alegrias e satisfação ao contribuinte brasileiro.

Em que pese a notória relevância da modificação sofrida pelo princípio da anterioridade do exercício e consagração da anterioridade qualificada, noutra vista a EC 42/03, quando acrescenta texto ao § 1º, do art. 150, da Carta da República, encontra-se maculada pelo vício da inconstitucionalidade. Senão vejamos.

O artigo 150, § 1º, da Constituição Federal, como não poderia ser diferente, instituiu regras que excepcionam o princípio da anterioridade tributária, principalmente, em razão da extrafiscalidade dos tributos excepcionados.

A Emenda Constitucional 42 de dezembro de 2003 trouxe uma segunda parte ao aludido parágrafo mencionando novas exceções, agora à anterioridade qualificada e não à do exercício financeiro. São essas exceções: imposto de importação (II) e exportação (IE), imposto sobre operações financeiras (IOF), imposto extraordinário de guerra, o empréstimo compulsório e, por fim, propositalmente, o imposto sobre renda e proveitos de qualquer natureza (IR), com permissivo constitucional de exercício de competência para instituição previsto no art. 153, inciso III..

Esses tributos não se sujeitam ao princípio da anterioridade previsto pela alínea c, muito embora devam obediência ao previsto na aliena b do inciso III, do art. 150, da Carta Suprema.

Com essa nova visão restou configurado em nosso sistema constitucional tributário brasileiro algumas importantes considerações. A primeira delas é que somente o II, o IE, o IOF e o imposto extraordinário de guerra constituem tributos que verdadeiramente não estão abrangidos pelo princípio da anterioridade, sendo exceção total a essa regra, tanto à anterioridade do exercício financeiro quanto da anterioridade qualificada, logo, passando a ser exigido desde o momento da publicação da lei, salvo disposição em contrário desta.

Noutra seara, o IPI e não deve observância ao princípio da anterioridade tributária do exercício (art. 150, §1º, primeira parte, CF), todavia, merece cumprir o preceito da anterioridade qualificada (art. 150, §1º, in fine, CF). Assim agindo, atualmente, para se exigir ou majorar o IPI, basta a estrita obediência aos noventa dias de anterioridade, contados da data de publicação da lei que desse modo proceder, v. g., caso lei majore o IPI em 1º de abril de certo exercício, o tributo majorado será exigido a contar de 30 de junho do mesmo exercício, não devendo observância à anterioridade do exercício.

Até aí nada temos a protestar no que concerne às reformas e ao novo quadro inserto em nosso sistema tributário, em especial, no tocante ao princípio da anterioridade tributária e sua nova estrutura, haja vista que as exceções se justificam pelo caráter que reveste as tributações excepcionadas. São tributos eminentemente extrafiscais e nessa condição não podem aguardar o lapso de noventa dias ou a chegada do novo exercício financeiro para que possam ter sua eficácia, pois são reguladores de nossa economia e regras de mercado.

Em sentido antagônico, encontra-se a exceção à regra estendida ao Imposto sobre a Renda (IR), posto que após a reforma introduzida pela EC 42/03, esse imposto fora retirado da necessidade de observância ao princípio da anterioridade tributária qualificada, o que é repugnante socialmente e inconstitucional, em seu aspecto jurídico.

Sabemos que os demais tributos excepcionados à regra da anterioridade qualificada são de alto conteúdo extrafiscal, o que não se pode mencionar no caso do IR.

Aliás, noção de extrafiscalidade é bem elucidativa nos dizeres de Eduardo Marcial Ferreira Jardim:

"..., a extrafiscalidade é o emprego do arsenal tributário sem finalidades arrecadatórias, mas como instrumento de ação política... . Como se pode notar, nesses casos o governo deixa de arrecadar, mas utiliza os tributos com o fito de perseguir o desenvolvimento de uma região ou indústria nacional, o que configura, a bem de ver, o instituto examinado. (7)

Em obra clássica o ilustre Prof. Ruy Barbosa Nogueira já vislumbrava o conceito preciso de extrafiscalidade, assim nos dirigindo:

"Esta intervenção, no controle da economia, é realizada pelo Estado sobretudo por meio de seu poder impositivo. É, pois, no campo da Receita, que o Estado transforma e moderniza seus métodos de ingerência. O imposto deixa de ser conceituado como exclusivamente destinado a cobrir as necessidades financeiras do Estado.

É também, conforme o caso e o poder tributante, utilizado como instrumento de intervenção e regulamentação de atividades. É o fenômeno que hoje se agiganta com a natureza extrafiscal do imposto. (8)

Resta indubitável que a extrafiscalidade não pode ser estendida ao IR do modo que o fora no bojo da EC 42/03, como forma de justificativa para excepcionar esse imposto da regra da anterioridade qualificada.

Essa atitude do constituinte derivado gritantemente afronta ao princípio da segurança jurídica, de modo que a EC 42/03, nesse ponto, encontra-se maculada pelo vício de inconstitucionalidade, nascendo em confronto com o princípio constitucional basilar da segurança jurídica.

Como admitir que o Imposto sobre a renda, exação que atinge diretamente o bolso do contribuinte, possa ser instituído ou majorado na maior surdina e surpresa fiscal, sendo exigido logo em seguida a sua publicação em lei?

O contribuinte já massacrado pela altíssima carga tributária brasileira, ainda se defronta com a surpresa na tributação do imposto mais pessoal existente em nosso ordenamento constitucional. Exemplos disso são algumas das leis do IR, por exemplo, Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995; Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991; Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1991, dentre tantos outros.

Percebemos uma conotação em comum em todos os diplomas legais retro mencionados, quais sejam: todos foram instituídos poucos dias antes da entrada do novo exercício financeiro, assim como todos atingiram os contribuintes poucos dias após sua publicação. Indiscutível que essa temerária atitude do Fisco poderia ter sido sanado pelo constituinte derivado_ não excluindo o IR da observância do princípio da anterioridade tributária qualificada_, contudo, esse quedou-se para a banda dos detentores do Poder de Tributar e, mais uma vez, o maltratado povo é obrigado a suportar, de forma repentina, a exigência do Imposto sobre a "suada" Renda.

O IR é exemplo típico de imposto direto, vinculado estritamente ao dinheiro do contribuinte, de modo que sua exceção ao princípio da anterioridade qualificada é inconstitucional, vez que viola o princípio maior da segurança jurídica.

Aliás, por se tratar de dinheiro decorrente do fruto do trabalho do contribuinte, a segurança jurídica é indispensável, fazendo com que o mesmo possa saber a tributação com que arcará de forma antecipada, "tal sentimento tranqüiliza o cidadão, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras". [9]

Em espaço resumido, mas com sabedoria que lhe é peculiar, o eminente Prof. Luiz Alberto David Araújo, versa sobre o princípio da anterioridade tributária, antes mesmo da promulgação da EC 42/03, lecionando o seguinte:

"Embora o princípio seja objeto da exceções acima indicadas, parece que esse rol não pode ser ampliado, mesmo por eventual emenda constitucional. É que o princípio da anterioridade, por seu caráter histórico de princípio limitador do poder estatal, tem natureza de direito fundamental, de índole individual. Sendo assim, por força do disposto no art. 60, § 4º IV, de nossa Lei Maior, deve ser considerado imutável, ou seja, nem mesmo a emenda constitucional é outorgada a prerrogativa de ampliar o rol de exceções fixadas pelo constituinte originário." (10)

Corroborando estamos, mutatis mutantis, com a sábia lição retro transcrita, vez que o Imposto sobre a Renda não poderia ter sido excepcionado à regra da anterioridade qualificada, haja vista que atinge diretamente ao dinheiro advindo do labor contribuinte e fere de morte ao princípio da segurança jurídica, o que não podemos admitir.

Mencionamos no início desse texto que os princípios constitucionais existem como alicerce de nosso ordenamento jurídico, não podendo ser esquecido pelos legisladores e, muito menos, pelos cientistas do Direito, de modo que a nós cabe a rebeldia pela exceção do IR ao princípio da anterioridade tributária, trazida pelo constituinte derivado.

Saliente-se que a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade em se tratando de modificação advinda de emenda constitucional que viole os direitos fundamentais, em especial o princípio da anterioridade tributária, encontra-se pacificada, embasando-se no leading case do IPMF instituído pela EC 03/93, decretado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no seguinte julgado:

"Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. IPMF. Imposto Sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – IPMF.

Artigos 5º, § 2º, 60, § 4º. Incisos I e IV, 150, inciso III, "b", e VI "a", "b", "c" e "d" da Constituição Federal.

1. Uma emenda constitucional, emanada, portanto, de Constituinte Derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, a, da CF).

2. A Emenda Constitucional nº 3, de 17.3.1993, que autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2º desse dispositivo que, quanto a tal tributo, não se aplica o art. 150, III, ‘b’ e VI, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis:

1º O princípio da anterioridade, que é garantia do indivíduo contribuinte (art. 5º, par. 2º, art. 60, par. 4º, inciso IV, e art. 150, III, ‘b’, da Constituição)." (11)

Com esse pensar resta consolidada a possibilidade do exercício do controle de constitucionalidade, pela via direta, das emendas constitucionais inconstitucionais. Explica-se. Emendas à Carta Maior que em seu bojo trazem preceito violador de cláusula pétrea, ditames constitucionais imutáveis, inclusive, pelo próprio Constituinte Derivado, em razão de expressa determinação constitucional do art. 60, §4º, devem ser rechaçadas de nosso sistema constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, via ação direta de inconstitucionalidade.

É a subsunção perfeita ao caso posto em estudo. A EC 42/03, ao excepcionar o IR da regra do princípio da anterioridade tributária qualificada, esvaziou o sentido do princípio da segurança jurídica que é corolário lógico daquele primeiro.

Por evidente, o Constituinte Derivado na disposição alhures atinge princípio constitucional basilar do Estado de Direito brasileiro, ferindo-o de morte, vez que excepciona imposto de garantia fundamental consiste no princípio da segurança jurídica.

Quer-se dizer que o princípio da anterioridade qualificada_ modificação advinda visto que o seu antecedente, previsto na alínea b do art. 150, III, da CF, mostrava-se inócuo_ é direito fundamental do contribuinte e conseqüência lógica da segurança jurídica, cabendo-lhe exceções somente em hipóteses plenamente justificáveis, imposto de caráter de urgência como retro transcrito.

Parece-nos inquestionável que a modificação do IR não possui a urgência paralela aos impostos aduaneiros _reguladores da economia_ ou ao imposto extraordinário de guerra a ponto de ser excetuado da regra da anterioridade qualificada.

Outrossim, entende-se o Constituinte Originário ser o IR caso de necessidade de exceção à anterioridade tributária o teria feito na ocasião da promulgação da Carta Maior, na redação originária do art. 150, § 1º, o que não ocorreu.

Portanto, não pode o Constituinte Derivado nessa ocasião assim pretender, posto que, excetuar o IR da regra do princípio da anterioridade tributária qualificada, afronta direito fundamental do contribuinte e faz vista grossa ao norte concernente à segurança jurídica.

Corroborando com o aqui apresentado, trazemos à lume os dizeres de Paulo de Barros Carvalho que versando acerca da segurança jurídica preleciona:

"Desnecessário encarecer que a segurança das relações jurídicas é indissociável do valor justiça, e sua realização concreta se traduz numa conquista paulatinamente perseguida pelos povos cultos." [12]

Em um país como em que vivemos onde os tributos atingem quase 40% do PIB_ média de países com renda per capita de US$ 25 mil; em países como o Brasil esse montante varia em torno de 20%_, sendo que, tão somente, o IRPF assume a feição de 6% desse mesmo produto interno bruto, é repugnante admitir mais essa escorcha do Fisco e do legislador em face dos contribuintes, em gritante afronta aos direitos individuais.

Indispensável que nós, cientistas do direito, mais uma vez nos conscientizemos que, diante da atual realidade fática que se mostra insustentável, onde o Governo se propõe a "remendar" a Carta Maior para oferecer-lhe governabilidade, necessário se faz transformarmos essa triste situação, de modo a trazer mobilização social e consagração dos princípios constitucionais abalizadores do nosso Estado Democrático de Direito.

Não deixemos de elevar aos mais altos pedestais de nosso sistema os princípios tributários constitucionais, como o da anterioridade, da capacidade contributiva, da segurança jurídica e da justiça fiscal e social, sob pena de fazermos de nossa Carta Suprema verdadeira "colcha de retalhos" "costurada" ao livre alvitre dos que detêm o controle do Governo.


REFERÊNCIA

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 2. ed.. São Paulo: Saraiva, 1999.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed.. São Paulo: Malheiros, 2004.

BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

FERREIRA JARDIM, Eduardo Marcial. Manual de direito financeiro e tributário. 5. ed.. São Paulo: Saraiva, 2000.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 14. ed.. São Paulo: Saraiva, 1995

ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1999.


NOTAS

1Curso de direito administrativo, 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 807.

2Princípios constitucionais, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 22.

3Curso de direito constitucional tributário, 19 ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 33-36

4Direito Constitucional, 6.ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 167.

5Curso de direito tributário, 12.ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 139-140.

6 Op. cit., p. 174.

7Manual de direito financeiro e tributário, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 218.

8Curso de direito tributário, 14. ed.., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 184-185.

9 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 146.

10Curso de direito constitucional, 2.ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 332.

11 STF, ADI nº 939, Rel. Min. Sydney Sanches, D. J. 18.03.94

12 Op. cit., p. 146.

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Sobre o autor
André Murilo Parente Nogueira

advogado tributarista junto ao escritório Colenci Advogados Associados, em Botucatu/SP, pós-graduando em Direito Público – ênfase em Direito Tributário pela Instituição Toledo de Ensino, em Bauru/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, André Murilo Parente. A Emenda Constitucional nº 42/03 e o princípio da anterioridade tributária no Imposto sobre a Renda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 601, 1 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6336. Acesso em: 22 nov. 2024.

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