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O Estado ambiental de Direito

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7. DEMOCRACIA AMBIENTAL E CIDADANIA PARTICIPATIVA

Não há como negar que, como se disse precedentemente, a concretização do Estado Ambiental de Direito converge, necessariamente, para mudanças profundas nas estruturas da sociedade organizada. Entre tais mudanças, destacam-se a democracia ambiental e a cidadania participativa.

Com efeito, o Estado Ambiental de Direito pressupõe uma dimensão democrática que propicia a participação dos mais diversos atores sociais (cientistas, juristas, administradores, empresários, trabalhadores, ONGs, Igreja, mídia, entre outros) na defesa e preservação do meio ambiente e na promoção da qualidade de vida, através de ações conjuntas (Estado e sociedade) que visam à formulação e implementação de políticas ambientais e à elaboração e execução de leis e atos normativos sobre matéria ambiental.

Nesta perspectiva de um Estado ambientalmente democrático e participativo,

o bem ambiental não pode ser rotulado como bem público, devendo, sim, ao contrário, ser considerado um bem de interesse público e cuja administração, uso e gestão devem ser compartilhados e solidários com toda a comunidade, inspirado em um perfil de democracia ambiental. Desta forma, no Estado democrático ambiental, o bem ambiental deve pertencer à coletividade e não integra o patrimônio disponível do Estado, impedindo o uso irracional e autoritário de patrimônio ambiental pelo poder público e pelo particular (LEITE, 2000, p. 21).

Cabe ressaltar que a democracia ambiental e a participação popular se completam com a informação e a educação sobre o meio ambiente, indispensáveis à tomada de consciência dos valores ambientais. A consecução (plena) das funções do novo Estado só será possível quando este tiver, ao seu lado, uma coletividade informada, educada, participativa e solidária.

Anote-se, ainda, que outro componente indispensável do Estado Ambiental de Direito é o acesso amplo ao Judiciário, com a garantia do devido processo legal para as questões ambientais. Vale dizer, a efetivação de uma tutela jurisdicional ambiental, célere e eficaz, que garanta à sociedade a responsabilização (penal, administrativa e civil) dos que ameaçam ou degradam o meio ambiente.

Neste sentido, observa Canotilho (1995b, p. 74):

Se o Estado de ambiente não pode construir-se ao arrepio das regras e princípios informadores do Estado de direito, ele não pode respirar livremente se não transportam nos seus vazos normativos a seiva de justiça ambiental.

A class action dos Estados Unidos, a acção popular de Portugal e a ação civil pública, a ação popular e o mandado de segurança do Brasil são os mecanismos mais atuais para a instrumentalização da tutela jurisdicional do meio ambiente e trouxeram um verdadeiro novo rumo ao Direito Ambiental e ao Direito Processual para fazer face aos anseios e às exigências da coletividade por um Estado Ambiental de Direito.

Torna-se mister, pois, que o Judiciário, no Estado Pós-Social, proceda à "uma mudança de paradigmas na percepção da sua própria posição e função" (KRELL, 2000, p. 55), para uma efetiva concretização dos princípios da prevenção, da participação e da responsabilização, evitando que o formalismo e a morosidade processual se tornem obstáculos à uma plena tutela jurisdicional ambiental.


8. CONCLUSÃO

Ao fim e ao cabo deste estudo, verifica-se que a edificação e a estruturação do Estado Ambiental de Direito constituem uma tarefa árdua, em face da complexidade dos problemas (emergentes) de degradação ambiental, da incapacidade (política e regulatória) do Estado de resolvê-los e da necessidade de mudanças (profundas) nas estruturas da sociedade organizada.

Fruto do modelo desenvolvimentista de Estado Social, levado a cabo a partir da década de 60 e cujos sintomas mais agudos ocorreram na década de 70 com a crise do petróleo, obrigando os Estados à tomada de consciência sobre os limites do crescimento econômico e da esgotabilidade dos recursos naturais, a atual crise ambiental tornou indispensável assegurar o desenvolvimento sustentável, cuja principal característica reside na possível (e desejável) conciliação entre o desenvolvimento, a preservação do meio ambiente e a promoção da qualidade de vida humana.

A proteção ambiental deixou de ser uma questão ligada a grupos radicais (partidários e apartidários) para se tornar patrimônio comum de todas as forças sociais. Isto contribuiu para a difusão de uma consciência ambiental que se manifesta tanto no âmbito individual como no âmbito institucional. Daí o extraordinário desenvolvimento das ciências e das políticas ambientais, bem com a proliferação de leis e atos normativos sobre matéria ambiental.

O direito ao meio ambiente (ecologicamente equilibrado) é um direito da pessoa humana, integrando a denominada terceira geração dos direitos fundamentais, e a proteção do meio ambiental é um dever do Estado e da coletividade, redundando em verdadeira solidariedade em torno de um bem comum.

O Estado Ambiental de Direito a que todos aspiramos, assentado nos princípios da prevenção, da participação e da responsabilização e incumbido da proteção do meio ambiente e da promoção da qualidade de vida, sob os auspícios do desenvolvimento sustentável, pressupõe a realização de novos direitos e valores, como a educação ambiental, a democracia ambiental, a cidadania participativa e solidária e a tutela jurisdicional ambiental adequada.

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Os ordenamentos jurídicos do Estados aqui estudados, tanto no âmbito nacional como no âmbito supranacional (Brasil, Portugal, e União Européia), têm transformado consideravelmente o Estado Social, na sua vertente ambiental, aproximando-o do modelo do novo Estado o Estado Ambiental de Direito.

Assim é que a Constituição Federal (art. 225), a Constituição da República Portuguesa (art. 66º) e o Tratado CE (art. 174º) consagram a proteção do meio ambiente e a promoção da qualidade de vida, mediante princípios e regras ambientais e políticas públicas ambientais. (6)

Queremos crer que a construção do Estado Ambiental de Direito, detendo perfil do Estado de Direito Democrático e Social, além de Ambiental, não seja uma utopia com afirma Santos (7) (1994).

Essa tarefa constitui, sem dúvida, um dos maiores desafios colocados pela sociedade contemporânea, que suscita uma revolução de costumes, uma alteração radical na perspectiva de encarar o mundo, obrigando à escolha entre uma aposta no futuro ou sem futuro.

Essa tarefa impõe-se, pois, a reconciliação do homem com o meio ambiente, através do desenvolvimento sustentável, que assegure a compatibilização do crescimento com a preservação ambiental e a melhoria da qualidade de vida; a reconciliação do homem consigo mesmo, através da conscientização da inexorabilidade da finitude dos recursos ambientais; e, por fim, a reconciliação do homem com as gerações futuras numa perspectiva de solidariedade, através da assunção da responsabilidade da preservação e da gestão racional dos recursos ambientais.

Trata-se, em última análise, de garantir a dignidade da pessoa humana , como valor ético-jurídico fundamental, que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. É tempo de preservar, de salvar, de desenvolver sem destruir.

Esperamos que a busca do ajustamento mútuo entre o homem e o meio ambiente tenha um "final feliz" e que, daqui a alguns séculos, olhando para o nosso planeta, o implacável juízo histórico seja positivo, para a felicidade de todos nós, seres vivos.


NOTAS

  1. Sobre o conceito de meio ambiente, diz José Afonso da Silva (2000, p. 20): "O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto dos elementos naturais, artificiais e culturais, que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais".
  2. A proteção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento são desafios interligados. Essa relação é necessária, haja vista que o desenvolvimento não pode se manter quando a base de recursos que o sustenta se esgota. Deve-se buscar, pois, uma ação preventiva e não apenas reparadora.
  3. Milaré (2000, p. 102) esclarece: "Prevenção é substantivo do verbo prevenir, e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes, induz uma conotação da generalidade, simples antecipação no tempo, é verdade, mas com intuito conhecido. Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do Latim prae= antes e cavere= tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação que não venha a resultar em efeitos indesejáveis. A diferença etimológica e semântica (estabelecida pelo uso) sugere que prevenção é mais ampla do que precaução e que, por seu turno, precaução é atitude ou medida antecipatória voltada preferencialmente para casos concretos".
  4. Em nível infraconstitucional, a responsabilização por danos ambientais, no Brasil é tratada na Lei nº 6.938, de 31.08.1981, na Lei nº 9.605, de 12.02.1998, e em leis estaduais e municipais. Em Portugal, na Lei nº 11/87 – Lei de Bases do Ambiente.
  5. Citem-se, ainda, os seguintes diplomas legais estrangeiros relativos à responsabilização por danos ambientais: nos Estados Unidos, o Oil Pollution Act, de 1989; na Grã-Bretanha, o Environmental Protection Act, de 1990; na Alemanha, a Umwelthaftungsgesetz-Umweltgh, de 1990; e, na Itália, a Lei 349, de 1986.
  6. Na Alemanha, a Grungesetz, de 1949, não fazia referência à proteção ambiental, salvo na regra de repartição de competência entre a Federação e os Estados federados e depois, com a introdução do art. 20ª do texto constitucional, que imputa ao Estado o dever de proteção e promoção do meio ambiente.
  7. Segundo Santos (1994, p. 42), "a edificação de um Estado de Ambiente importa a transformação global, não só dos modos de produção, mas também dos conhecimentos científicos, dos quadros de vida, das formas de sociabilidade e dos universos simbólicos e pressupõe, acima de tudo, uma nova paradigmática com a natureza, que substitua a relação paradigmática moderna".

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Contitucionales, 1993.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais de nºs 1, de 1992, a 31, de 2001, e pelas Emendas Constitucionais de Revisão de nºs 1 a 6, de 1994. São Paulo: Atlas, 2000..

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2000.

_______. Direito público do ambiente. Coimbra: Faculdade de Direito de Coimbra, 1995a.

_______. Juridicização da ecologia ou ecologização do direito. Revista do Instituto do Direito do Urbanismo e do Ambiente, Coimbra, n. 4, p. 69, dez./1995b.

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CAPELLA, Vicente B. Ecologia: de las razones a los derechos. Granada: Ecorama, 1994.

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.

KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In: SARLET, Hugo Wolfgang (Org). A constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

LEITE, José Rubens Morato. Estado de direito do ambiente: uma difícil tarefa. In: LEITE, José Rubens Morato (Org.). Inovações em direito ambiental. Florianópolis: Fundação José Arthur Boiteux, 2000.

MATEO, Ramón Martín. Derecho Ambiental. Madrid: Instituto de Estudios da Administración, 1977.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2000.

ODUM, Eugene P. Fundamentos da ecologia. Lisboa: Fundação Clouste Gulbenkian, 1997.

PORTANOVA, Rogério. Qual o papel do estado no século XXI?: rumo ao estado do bem estar ambiental. In: LEITE, José Rubens Morato. Inovações em direito ambiental. Florianópolis: Fundação José Arthur Boiteux, 2000.

PORTUGAL. Constituição (1976). Constituição da República Portuguesa de 1976, com as alterações adotadas pela Lei Constitucional nº 1, de 1997. Lisboa: Almedina, 2000.

PRIEUR, Michel. Droit de L´enviromente. Paris: Dallez, 1996.

PUREZA, José Manuel. Tribunais, natureza e sociedade: o direito do ambiente em Portugal. Coimbra: Centro de Estudos Sociais, 1997.

SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. Porto: Afrontamento, 1994.

SERRANO, José Luis. Concepto, formación y autonomia del Derecho Ambiental. In: BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro; VARELLA, Marcelo Dias. O novo em direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.

Tratado da Comunidade Européia. Disponível em: <http://europa.eu.in/abc/obj/treaties/pt/pttoc01.htm>.Acesso em: 15 jul. 2003.

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Sobre o autor
Amandino Teixeira Nunes Junior

consultor legislativo da Câmara dos Deputados, professor do UniCEUB e da UniEURO, em Brasília (DF), mestre em Direito pela UFMG, doutor em Direito pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. O Estado ambiental de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6340. Acesso em: 21 nov. 2024.

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