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Proteção ambiental via sistema tributário

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17/02/2005 às 00:00
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3. PRINCÍPIOS AMBIENTAIS

Considerando-se a idéia do Desenvolvimento Sustentável por si só, muitos a comparam ao Abominável Homem das Neves: muitos acreditam na sua existência, alguns afirmam já o ter visto e outros dizem que é um mito. Essa comparação se dá devido ao fato de não se acreditar no desenvolvimento sem a perturbação da natureza. É inclusive nesta mesma linha que Cristiane Derani se coloca: (...) "a teoria do desenvolvimento sustentável como tradução do ideal de uso parcimonioso dos recursos naturais esgota-se num idealismo pouco factível". (10)

Denota-se então, que observada a real e já utilizada aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável (conforme exemplos acima citados), a futura e ideal estrutura - e não simplesmente a teoria de forma idealizada – é factível de ser alcançada na sua plenitude, desde que auxiliada por um trabalho sério de discussão política de prioridades, de forma a afastar políticas que impõe interesses e barreiras individuais. Além de ter o direito como instrumento orientador do comportamento coletivo, regulando os meios de alcance dos objetivos pelos quais terão seus fins ajustados naturalmente ao dia a dia da sociedade.

Essas políticas de interesses são fatos que emergem a frente de todos nós, uma vez que mesmo existindo legitimidade alcançada pelo aceite popular, técnicas e ciência suficientes para a prática do desenvolvimento sustentável, a manipulação política de países ditos desenvolvidos acaba por muitas vezes desvirtuando as estruturas de proteção ao verde. Dado interesses próprios em manter os países em ascensão à margem do desenvolvimento e excluídos da competitividade internacional.

Como auxilio ao desenvolvimento e sustentabilidade humana e da natureza, destacam-se três importantes princípios que descrevem e propõe maneiras do Poder Público e da coletividade proceder e solucionar os problemas ambientais (11): o princípio da cooperação, o princípio do poluidor pagador e o princípio da precaução.

Cumpre destacar que estes princípios não se tratam exclusivamente de princípios de direito ambiental. São também encontrados em outros ramos do direito, especialmente no direito econômico, fato que se explica facilmente em face da necessidade de interpretação conjunta desses ramos do direito, haja vista o desenvolvimento de políticas econômicas e ambientais (DERANI, 2001).

3.1. Princípio do Poluidor-Pagador

Como já comentado acima, certas ações por parte de determinados indivíduos ou empresas causam, direta ou indiretamente, prejuízos a sociedade. Dentro da linguagem econômica seriam estas, externalidades negativas.

Para corrigir essas externalidades negativas, deve o Estado atuar no sentido de promover a correção desses danos, os quais são na verdade um custo adicionado à sociedade, uma vez que os produtores poluidores privatizam os lucros e socializam as perdas.

Uma forma de o Estado corrigir essas externalidades negativas seria com a aplicação do princípio do poluidor pagador. Através da sua aplicação, estar-se-ia corrigindo esse custo imposto à sociedade, por meio da internalização destes nas estruturas de produção e consumo.

Explicando o termo internalização dos custos ambientais, este seria a contabilização dos custos "com vistas a sua integração no valor dos produtos e serviços postos ao tráfico jurídico". (12) Ou seja, é a atuação direta sobre os preços inserindo os custos ambientais nos custos privados que os agentes econômicos incorrem no mercado em atividades de produção e consumo.

Esse termo é de suma importância face ao que dispõe o princípio 16 da Declaração do Rio: "As autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em conta o critério de que quem contamina deveria, em princípio, arcar com os custos da contaminação, tendo devidamente em conta o interesse público e sem distorcer o comércio nem as inversões internacionais".

Ao repassar estes custos ao produtor, este provavelmente transferirá esse aumento para os preços do produto final. Sendo que desta forma é o consumidor quem arca com o custo de estar utilizando produtos ecologicamente corretos. Desta forma, cumpre ressaltar, que tal processo deve observar a situação mercadológica, vez que dado um aumento de preço no produto final, este pode se tornar menos competitivo.

Distinção importante a ser feita é que na sua concepção ex-ante, o usuário/poluidor faz o pagamento do dano antes do ato do uso. Na concepção ex-post está mais associada á reparação do dano por meios judiciais após o uso ter gerado o dano.

Quantificar o montante a ser internalizado no capital do produtor - dada as externalidades negativas por este produzidas - é uma dificuldade apresentada, vez que para enquadrar o produto numa equação custo benefício, precisar-se-ia calculá-lo em forma de um equivalente monetário correspondente.

O objetivo principal desse princípio seria a determinação de normas do que se pode e ou não fazer, além de apresentar regras flexíveis tratando de meios disponíveis que autorizariam o uso de determinado recurso natural (DERANI, 2001). E para um melhor resultado, ideal seria se sua aplicação se desse de forma a incentivar atividades não poluidoras e desestimular aquelas que agridem o meio-ambiente. Até porque "o proprietário de um bem natural só participará para a sua conservação, à medida que os custos para evitar o dano ambiental fiquem abaixo do custo de reparação do dano. Acima desse limite, perde-se o interesse por uma redução da poluição". (13)

Essa forma de incentivar atividades não poluidoras assume caráter ainda mais importante, face às diversas formas que o principio do poluidor pagador pode ser aplicado e interpretado. Basta atentar-se a sua nomenclatura, a qual passa a falsa idéia de que uma vez pago os danos ao meio ambiente, pode-se poluir. Seria a equação: "pago, logo poluo". Em conseqüência disso é que alguns doutrinadores preferem a expressão "usuário-poluidor" à "poluidor-pagador".

José Marcos Domingues de Oliveira esclarece em sua obra as formas jurídicas de se aplicar o princípio do poluidor pagador: "Juridicamente, o princípio do poluidor-pagador pode realizar-se tanto através do licenciamento administrativo, da imposição de multas, da determinação de limpeza ou recuperação ambiental, como pela cobrança de tributos, enquanto fonte de recursos para custeio da proteção ambiental". (14)

Um exemplo interessante de financiamento estatal de preservação ambiental é dado pelo chamado Superfund, nos Estados Unidos. Este fundo público estimado na ordem de 10 bilhões de dólares - provenientes da arrecadação do imposto de renda, do imposto sobre petróleo e derivados sobre produtos químicos perigosos e derivados – objetiva o combate à poluição por resíduos perigosos (OLIVEIRA, 1999). Esse é um exemplo importante a ser observado, ressalvando-se o fato de que no Brasil, tendo-se em vista disposição constitucional, não há a possibilidade da vinculação das receitas arrecadas por impostos.

Para que se pratique de fato a "não poluição", não basta apenas sancionar o poluidor de forma a solucionar imediatamente o dano. O princípio do poluidor-pagador também propõe a atuação preventiva observando as normas ambientais, ou até mesmo o poluidor alterar medidas uma vez poluidoras para outras menos. Assim sendo, em conjunto com a atuação estatal, deve-se também participar ativamente o particular para uma melhora no ambiente.

3.1.1. O Poluidor-Pagador e a Responsabilidade Civil

Analisando-se o artigo 159 do Código Civil, o qual preceitua que: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direitos, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano", percebe-se que a apuração da culpa está baseada na teoria clássica da culpa, ou subjetiva.

"Tal fato, do ponto de vista processual, implica em que deve ser provada a relação de causa e efeito entre uma determinada situação e o dano que desta tenha sido originado, esta prova deve ser feita por aquele que aciona o causador do dano". (15)

Diante da norma civil pátria, denota-se a tendência pela aplicação da teoria subjetiva da culpa. Porém, para fins de proteção ambiental este modelo torna-se inviável. Tal afirmação se justifica pelo fato de que ao tratar-se de meio ambiente, trata-se de direito difuso e não individual. Haja vista o que prevê o artigo 225 caput da Constituição Federal: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (...)".

Apesar de que, conforme acima destacado, o princípio do poluidor-pagador não vise somente a sanção aos poluidores de forma irracional, ou seja, sem agregar benefícios ou resultados positivos a essa ação de punição; em casos em que essa sanção se faz necessária, a lei impõe a reparação dos danos causados sem a comprovação de culpa, bastando apenas a verificação do fato danoso e a relação de causalidade entre o fato e o dano. Ou seja, responsabilidade civil objetiva, ou teoria do risco.

Um exemplo da atuação da teoria objetiva seria a instalação de empresa que utiliza água de rio para o processo produtivo e a despeja de volta com potencial risco de poluição. Em caso de ocorrer algum dano ambiental, não importa o dolo ou a culpa, mas simplesmente a constatação de que a poluição ocorreu em conseqüência da atividade da empresa.

Em congruência ao dispositivo constitucional (art. 225) (16), a Lei 6.938/81 em seu artigo 14, § 1.º, confirma a aplicação da teoria objetiva da culpa: "Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causado ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (...)".

Desta forma, face ao exposto, constata-se que a forma mais ágil de se aplicar o princípio do poluidor-pagador e outras situações que assim se façam necessárias, a teoria objetiva da culpa é certamente a mais condizente em termos ambientais.

3.2. Princípio da Cooperação

O princípio da cooperação é aquele que leva em consideração a idéia de que a sociedade em cooperação com o Estado atue na escolha de prioridades ambientais, através da participação de diferentes grupos sociais por meio da informação, formulação e execução de políticas ambientais.

Esses grupos podem ser deveras distintos, envolvendo organizações ambientais, sindicatos, indústria, comércio e agricultura, os quais, valendo-se de instrumentos judiciais e administrativos de controle dos atos do poder Executivo, tendem a otimizar e fortificar a concretização de normas voltadas à proteção ambiental.

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Essa participação da sociedade é legalmente assegurada pela Lei n.º 6.938/81 a qual prevê que as pessoas legitimamente interessadas poderão requerer informações dos órgãos ambientais, ressalvadas exceções constitucionais de sigilo em proteção à defesa do Estado e da sociedade.

Permite-se ainda, dentro do escopo desse princípio, a possibilidade de normas de incentivo à ciência e tecnologia, de maneira a estimular a proteção ambiental substituindo-se práticas depredatórias por outras menos prejudiciais e sustentáveis.

3.3. Princípio da Precaução

Uma forma bastante simples de explicar o princípio da precaução, o qual é tido como o mais importante dos princípios ambientais, seria pela mesma idéia de bom senso presente no ditado popular, "melhor prevenir do que remediar".

Já uma definição mais técnica proposta na Conferência RIO em 14 de junho de 1992, foi a seguinte:

O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano.

Relativo a proteção e educação ambiental, este é o princípio norteador que age em conjunto da política econômica. O princípio da precaução é tido como o princípio que propõe cuidado, cautela, com o presente e com o futuro de forma que o seu alcance "depende substancialmente da forma e da extensão da cautela concernente às disposições relativas ao grau de exigência para implementação de melhor tecnologia e ao tratamento corretivo da atividade inicialmente poluidora". (17)

O Princípio da Precaução não deve ser encarado como um obstáculo ao desenvolvimento econômico, às atividades assistenciais e de pesquisa. Pois é uma proposta atual e necessária como forma de resguardar os legítimos interesses de cada pessoa em particular e da sociedade como um todo. Reconhecer a existência da possibilidade da ocorrência de danos e a necessidade de sua avaliação com base nos conhecimentos e tecnologias já disponíveis, é um grande desafio mundial.

Essa necessidade de avaliação não deve permanecer unicamente na observação do risco, mas deve sim, ser avaliado mediante o grau de necessidade a que esteja vinculado, de forma a esclarecer a razão final do que se deseja produzir partindo-se do prisma da melhora da qualidade de vida que determinada atividade poderá gerar.

Um exemplo paralelo e pertinente é a forma que se aplica o princípio da precaução em relação medicamentos. Antes de um medicamento ser lançado no mercado, o fabricante deve comprovar sua segurança e eficácia, gerando assim, maior qualidade de vida. E a população deve ser informada dos riscos e efeitos colaterais antes de usá-lo.

Para uma atividade industrial a de se aplicar o critério geral da sua necessidade, visando a melhora da qualidade de vida e não o oposto. Para operacionalizar esse critério, observam-se três estágios nos quais a atividade humana é potencialmente danosa ao meio ambiente: apropriação dos recursos naturais, trânsito de produtos e emissões industriais (DERANI, 2001).

Uma vez que o princípio da precaução visa a prevenção e não a cura, acredita-se que com a sua aplicação, muitas atividades poluidoras do meio ambiente nem estariam em uso. "Desta forma, uma maneira de colocá-lo em prática é estimulando a exploração de alternativas, maneiras melhores, mais seguras e mais baratas de se fazer as coisas e o desenvolvimento de produtos e tecnologias "mais limpos"" (18).

Princípios e definições apresentados, revela-se o constante movimento da norma jurídica, produto das relações sociais e modificadora da própria sociedade, aumentando as condições para a elaboração de leis melhores adaptadas à realidade buscando qualidade de vida, sustentabilidade ecológica e econômica etc. Demonstra-se então a seguir, a forma de atuação do direito com intuito de garantir essa relação, por meio da atuação do Estado enquanto responsável pela ordem tributária.

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Sobre o autor
Leonardo Martim Lenz

Advogado e administrador, consultor tributário da PricewaterhouseCoopers

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LENZ, Leonardo Martim. Proteção ambiental via sistema tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6343. Acesso em: 18 abr. 2024.

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