Os fundamentos constitucionais na proteção da família e a sua concretização

14/01/2018 às 23:24
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Este trabalho dedica-se ao estudo de princípios constitucionais que norteiam valores sociais dentro do direito da família, abordando mais especificamente os direitos da criança e do adolescente.

INTRODUÇÃO

 A Constituição Federal de 1988 instigou um fenômeno chamado que constitucionalização, o qual atingiu seu ápice no direito civil, especificamente o ramo do direito de família. Portanto, foi na vigência de nossa atual Constituição que foram fortificados valores há muito aclamados pela sociedade, propiciando um total redirecionamento no conteúdo dos Direitos de Família.

Foram edificados alguns princípios ao estado de fundamentais e estruturantes, como o princípio da solidariedade e o da dignidade humana. O artigo 1º, inciso III, da Carta Magna prenuncia que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. A doutrina trata tal condição como sendo um “superprincípio”, ou ainda “princípio máximo”.

Tal princípio situou o ser humano em si próprio como o ponto central das demandas do ordenamento jurídico, de forma que todo um conjunto, compreendendo a Constituição com sua orientação e fundamentos, volta-se para a proteção das pessoas, independentemente de sua condição, raça, sexo, idade, cultura ou quaisquer características.  

Posto isto, importante ressaltar que a união homoafetiva aponta algumas imposições para o seu reconhecimento, quais sejam: a estabilidade, seriedade e propósito de constituição familiar. Tais requisitos não podem ser restritos ao juízo clássico da autoridade pública ou religiosa, mas sim avaliados conforme um rol de valores constitucionais que devem fixar na realização da pessoa humana e de sua dignidade, de modo objetivo e democrático, o parâmetro para a certificação de uma entidade familiar.

Tal caminho representa tanto a personalidade de cada sujeito, como a sua tutela. Assim, demonstra-se imprescindível a observância de tais parâmetros para a realização da dignidade da pessoa humana (nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 1º, III), no Estado Democrático de Direito (conforme o artigo 1º., caput, da Constituição Federal), cujo objetivo é a solidariedade social (artigo 3º., I, CF), que pressupõe a convivência com a diversidade e uma barreira a todo e qualquer preconceito (CF, art. 3º., IV).

A sexualidade é um direito fundamental resultante da condição inerente de ser humano. Em outras palavras, é um direito natural, imprescritível e inalienável de todos, sendo, portanto, um componente da própria natureza, abrangendo, assim, a dignidade da pessoa humana.  Assim, a homossexualidade não deve ser percebida meramente como uma opção sexual, mas sim como uma condição sexual, ou seja, condição devida pela própria essência íntima do ser humano, a qual não deve ser repreendida ou censurada, mas sim respeitada segundo a proteção ao direito de intimidade de cada um.

Já quanto ao princípio da solidariedade, Paulo Lôbo (2008, p.40) ensina: “O princípio jurídico da solidariedade resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez, é a superação do modo de pensar e viver da sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais.”. Por sua vez, a República Federativa do Brasil, em correspondência ao inciso I, do artigo 3º, da Constituição Federal de 1988, reconhece a solidariedade social como objetivo fundamental, no sentido de buscar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Portanto, tal princípio acaba ecoando nas relações familiares, já que a solidariedade deve estar presente em tais relacionamentos pessoais. Uma situação em que se pode concretizar a existência do princípio da solidariedade diz respeito ao pagamento de alimentos, no caso de sua necessidade, como dispõe o artigo 1694 do Código Civil.

Entretanto, necessário atentar-se para o detalhe de que a solidariedade não diz respeito a algo apenas patrimonial, mas sim afetivo e psicológico. Ao se tratar de crianças e adolescentes, a solidariedade é reservada primeiramente à família, em seguida à sociedade e, por fim, ao Estado (art. 227, CF), como o dever de assegurar de forma prioritária os direitos inerentes aos cidadãos em formação. Se, por um lado, o princípio da dignidade humana protege o indivíduo, o princípio da solidariedade não exclui um caráter de reciprocidade, onde cada indivíduo vive em relação para com o outro. Juridicamente, os deveres de cada um para com seus iguais instituíram uma fixação de novos direitos e deveres jurídicos, e, com isso, foi possível perceber um rol de princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família, como o princípio da liberdade, da igualdade, da afetividade, do melhor interesse da criança e do adolescente e da convivência familiar.

Quanto ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, dispõe o artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) ratifica a família como parte natural e fundamental da sociedade, e mecanismo autêntico de crescimento e bem-estar de todos os seus componentes, em especial ao das crianças. O princípio do melhor interesse da criança é um dever jurídico exigido à família, à sociedade e ao Estado,  criança esta que deve ser observada como uma pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade, nas relações familiares.

Há de se falar, ainda, dentro desse núcleo de direitos fundamentais, do direito à convivência familiar e comunitária, que é internamente relacionado ao princípio do melhor interesse. Segundo Fabíola Albuquerque (2009, p.25) “esse direito decorre diretamente do reconhecimento atribuído à família enquanto núcleo natural e fundamental da sociedade”.

É sabido que toda criança necessita de amor e compreensão para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade, devendo, preferencialmente, crescer sob o amparo e responsabilidade dos pais. Porém, em todo caso, tal obrigação deve ser cumprida em um ambiente de afeto e segurança moral e fraternal. Assim, a convivência familiar deverá ser entendida como uma relação duradoura e afetiva, entrelaçada pelas pessoas que integram o grupo familiar, em razão de parentesco ou não, no ambiente comum. É, portanto, o lar no qual as pessoas se sentem, recíproca e solidariamente, acolhidas e, especialmente no caso das crianças, protegidas.

Segundo a Constituição, em seu artigo 226, caput, a família é a base da sociedade. Em nenhum momento há qualquer distinção quanto ao tipo de formação das famílias que será receptora desta tutela legal. Portanto, tal processo de personalização deve ser compreendido como um deslocamento da tutela jurídica do indivíduo proprietário, para a tutela do indivíduo enquanto pessoa, dotada de dignidade.

Dessa forma, conceituado Paulo Lôbo, engrandece a doutrina sobre o assunto com as seguintes palavras:

O desafio que se coloca ao jurista e ao direito é a capacidade de ver a pessoa humana em toda a sua dimensão ontológica e não como simples e abstrato sujeito de relação jurídica. A pessoa humana deve ser colocada como centro das destinações jurídicas, valorando-se o ser e não o ter, isto é, sendo medida da propriedade, que passa a ter função complementar. (LOBO, 2007, p.51).

Também importante destacar:

A pluralidade das entidades familiares se manifesta quando a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, reconhece outras espécies, para além do casamento, todavia não significa que alberga, apenas aquelas, expressamente, previstas, pelo contrário, sua natureza principiológica e contemplativa da cláusula geral de inclusão tutela todo e qualquer tipo de arranjo familiar, ainda que implícito.(ALBUQUERQUE, 2009, p.88).

Neste caso, o princípio da liberdade é verificado em relação à escolha, que fazem os cônjuges ou companheiros, sobre o tipo de entidade familiar na qual será constituída a sua permanência ou não. Além do mais, pode-se observar a liberdade de planejamento familiar, de aquisição e administração de patrimônio, além da escolha do regime de bens para o casamento.

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Em relação às pessoas integrantes de um arranjo familiar, quanto à incidência do princípio da liberdade, bastante pertinentes são as considerações de Rodrigo da Cunha Pereira:

Uma sociedade justa e democrática começa e termina com a consideração da liberdade e da autonomia privada. Isto significa também que a exclusão de determinadas relações de família do laço social é um desrespeito aos direitos humanos, ou melhor, é uma afronta à dignidade da pessoa humana. O direito de família só estará de acordo com a dignidade e com os Direitos Humanos a partir do momento em que essas relações interprivadas não estiverem mais à margem, fora do laço social. (PEREIRA, 2006, P.100).

Em relação aos filhos, o princípio da liberdade também alcança fundamento com o artigo 227 da Constituição Federal, que serve de base para o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), em seu artigo 4º, cujo teor alcança o reconhecimento da liberdade de opinião e expressão, além da liberdade de participar da vida familiar e comunitária, sem qualquer tipo de discriminação, conforme dispõe literalmente o artigo:

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Não obstante, importante ressaltar que a liberdade proferida, proveniente das relações fraternais entre pais e filhos, dá-se em conformidade com a idade e a maturidade da criança, de acordo com a evolução de sua capacidade, em razão da situação constante de pessoas em desenvolvimento. Logo, a liberdade do filho tem como limite os direitos dos pais, assim como a liberdade dos pais encontra limite nos direitos dos filhos. Tal acontecimento tem margem no pressuposto de socialização da realização afetiva de seus membros.

A Constituição Federal de 1988 proclamou a igualdade entre os filhos, independentemente da origem, proibindo a discriminação. Logo, os filhos tidos por adoção foram abrangidos, aflorando assim a família socioafetiva e dando novo lugar e atribuições a cada componente. Nas contribuições de Rodrigo da Cunha Pereira:

“Lugar de pai, lugar de mãe, lugar de filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. Tanto é assim, uma questão de ‘lugar’ que um indivíduo pode ocupar o lugar de pai ou mãe, sem que seja o pai ou a mãe biológicos”. (PEREIRA, 1997, p.62).

Assim, vemos que o afeto pode ser indicado, atualmente, como o um fundamento essencial entre as relações familiares, mesmo não constando literalmente a palavra “afeto” no texto constitucional, como sendo um direito fundamental. Assim, correto dizer que o princípio da afetividade decorre da valorização permanente da dignidade humana.

O princípio da afetividade vem sendo muito empregado na jurisprudência nacional, com o reconhecimento da paternidade socioafetiva, predominante sobre o vínculo biológico. A razão de ser da formação dos vínculos familiares funda-se na liberdade e no desejo, portanto na afetividade, não mais no critério econômico/patrimonial e consanguíneo/genético.


CONCLUSÃO

Nos tempos atuais, não é mais possível perceber os conceitos de direitos de família, dignidade, direitos humanos e cidadania de modo dissociado, pois todos estão intrinsecamente ligados, e apenas dessa forma é possível concretizar tais direitos em sua plenitude, o que significa a legitimação e a inclusão no laço social de todas as formas de família, respeitados todos os vínculos afetivos e todas as diferenças existentes.

Considerando as mudanças ocorridas no contexto do direito de família, especialmente após o advento da Constituição Federal de 1988, necessária é a valorização, cada vez maior, da paternidade calcada no carinho e na real intenção de ser pai/mãe em sua integralidade, com todos os direitos e deveres inerentes à função.

Portanto, em conformidade com o explanado no presente trabalho, cabível a aplicação dos princípios do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da solidariedade e da afetividade, no enfrentamento dos conflitos envolvendo o contexto do Direito de Família.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Lei No 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.  (Código Civil)

Lei Nº 8.069, de 13 De Julho De 1990.   (Estatuto Da Criança E Do Adolescente)

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Livaria Del Rey, 1997.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa. 1997

LÔBO, Paulo. CF. Princípio da solidariedade familiar. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre. 2007

ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Direito das Famílias. Editora Revista dos Tribunais. 2009)

WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. 8 ed. São Paulo: RT, 2005

DIAS, Maria Berenice. União Homossexual. O preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000.

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Sobre a autora
Ana Karisia Andrade Lopes

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