O DIREITO FUNDAMENTAL DA LIBERDADE DE PENSAMENTO

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15/01/2018 às 15:03
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A posição dos Tribunais é que não poderão ocorrer denúncias apócrifas com a intenção de violar a vedação do anonimato garantido constitucionalmente. E, no caso de petição inicial de impetração de Habeas Corpus, se for uma inicial apócrifa, será indeferido liminarmente.

INTRODUÇÃO

A liberdade de pensamento prevista constitucionalmente está diretamente ligada aos princípios da isonomia e da legalidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inseriu em seu artigo 5º, inciso IV, a liberdade de pensamento como sendo um direito fundamental.

No entanto, a liberdade de expressão de pensamento não configura um direito absoluto, portanto, compreender seus conceitos e valores é de suma importância.

Assim, analisar a dimensão na qual o direito fundamental da liberdade de pensamento está inserido contribuirá para a definição do direito fundamental da liberdade de pensamento.

Apesar da Constituição Federal vedar o anonimato, discute-se sobre as denúncias apócrifas, e para tanto, será a posição dos Tribunais que determinará a posição atual dessas denúncias.


1 O PRINCÍPIO DA ISONOMIA E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

A Constituição Federal, no caput de seu artigo 5º, traz a primeira garantia fundamental, regendo que todos são iguais perante a lei, que é o princípio da igualdade ou da isonomia.

Já o princípio da legalidade está previsto no referido artigo 5º, inciso II.

Para entender os princípios da isonomia e da legalidade faz-se necessário saber o que significa o termo princípio, uma vez que existem inúmeras interpretações.

O respeitável doutrinador André Puccinelli Júnior (2012), em sua obra traz a definição do vocábulo princípio. Veja-se:

Há várias acepções para o vocábulo “princípio”. Apesar disso, cremos ser lícito defini-lo como uma norma com alto grau de abstração e generalidade, que assume funções informativas, interpretativas e supletivas, operando como verdadeiro alicerce de determinado sistema. (PUCCINELLI, 2012, p. 87).

Assim, pode-se entender que princípio é o alicerce, é a base que fundamenta um determinado sistema, e, que nesse caso, fundamenta os princípios da isonomia e da legalidade.

1.1 PRINCÍPIO DA ISONOMIA

O princípio da isonomia ou da igualdade é um dos princípios mais complexos, pois abarca uma igualdade formal, e uma igualdade material ou substancial. (PUCCINELLI, 2012).

O doutrinador Pedro Lenza (2010, p. 751), traz a máxima da igualdade, qual seja, “a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.

André Puccinelli Júnior (2012), ilustra o aspecto formal da igualdade. Veja-se:

Sob o aspecto formal, afirma-se retoricamente que todos são iguais perante a lei, sem se preocupar com a efetiva disponibilização de meios ou recursos materiais que propiciem iguais oportunidade de acesso a bens ou interesses próprios. (PUCCINELLI, 2012, p. 215).

O mesmo autor, também ilustra a igualdade substancial. Veja-se:

[...], a igualdade substancial postula tratamento justo a todos os indivíduos, de modo a compensar eventuais desvantagens financeiras, físicas, sociais ou de qualquer outra natureza, sempre com o intuito de assegurar uma fruição igualitária dos bens da vida. (PUCCINELLI, 2012, p. 215).

Assim, ao prever que todos são iguais perante a lei, deve-se preocupar com o aspecto formal, e com a igualdade substancial de tal sorte que estejam de acordo com os valores constitucionais.

1.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade está previsto no artigo 5º, inciso II, da Carta Magna, onde “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Esse princípio rege o comportamento dos particulares e o comportamento que a administração pública deverá ter.

Para os particulares, vigora o princípio da autonomia da vontade, sendo que “no âmbito das relações particulares, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe” (LENZA, 2012, p. 756).

Já, para a administração pública, existe outra concepção, pois “a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei autoriza prévia e expressamente, não bastando a simples ausência de proibição legal”. (PUCCINELLI, 2012, p. 218).

Portanto, ao particular cabe fazer tudo o que a lei não proíbe, e, para a administração pública, só poderá fazer aquilo que a lei permite.


2 O DIREITO FUNDAMENTAL DA LIBERDADE DE PENSAMENTO

O direito fundamental da liberdade de pensamento relaciona-se com os direitos fundamentais estampadas na Carta Magna de maneira que veda o anonimato previsto no inciso IV, do artigo 5º, estando visceralmente ligado ao princípio da legalidade, com previsão no inciso II, artigo 5º da referida Constituição.

A Lei Maior em seu inciso IV, artigo 5º, veda o anonimato, assegurando assim a liberdade de manifestação de pensamento. Caso esta manifestação de pensamento cause danos a outrem, seja material, moral ou à imagem, caberá direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização correspondente ao dano causado, inciso V, artigo 5º. (LENZA, 2010).

Para Mauricio Krieger (2013), o ser humano tem a liberdade fazer escolhas conforme sua própria vontade se é de seu agrado ou não, será o que ela fará. No entanto, o direito de liberdade não é um direito absoluto, pois uma pessoa só poderá fazer aquilo que não é proibido por lei, pois esse conceito baseia-se no princípio da legalidade, previsto na Constituição Federal no seu inciso II, artigo 5º.

Portanto, o direito fundamental da liberdade de pensamento está intimamente ligado ao princípio da legalidade, de tal sorte que as liberdades dos indivíduos poderão ser limitadas.

2.1 CONCEITO DE LIBERDADE DE PENSAMENTO

Quando se vê a expressão liberdade de pensamento, a reação imediata é de interpretar que a palavra liberdade quer dizer que se pode fazer todas as coisas, e, unindo as expressões liberdade e pensamento, entende-se que se pode expressar o pensamento de forma livre.

André Puccinelli Júnior (2012), traz o seguinte conceito:

A liberdade de pensamento consiste no direito de expressar, por qualquer meio ou forma existente, opiniões, pensamentos ou ideias particulares em matéria de arte, ciência, política, religião ou qualquer outra atividade humana. (PUCCINELLI, 2012, p. 219).

O artigo 220 da Lei Maior corrobora com esse conceito, onde reza que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nessa Constituição. ”

Clever Vasconcelos (2015) traz a definição da liberdade de pensamento. Veja-se:

Define-se a liberdade de pensamento como o direito de exteriorização do pensamento. Mas não só. Mencionado conceito é restrito perto de sua real amplitude, eis que compreende também o direito ao pensamento íntimo, fruto da consciência humana, e o direito ao silêncio, o direito de não manifestar o pensamento. Dentro da primeira perspectiva (o direito de exteriorização), o pensamento engloba a manifestação verbal, corporal e simbólica (como, por exemplo, queimar a bandeira do país). (VASCONCELOS, 2015).

Assim, pode-se conceituar a liberdade de pensamento como sendo o direito que todo homem tem de exteriorizar seu pensamento, utilizando-se de qualquer meio ou forma sem restrição, desde que não cause danos ao terceiro.


3 OS VALORES DA LIBERDADE DE PENSAMENTO

Para Simões (2013), o Estado em sua acepção ontológica deverá salvaguardar e promover o direito fundamental da liberdade de pensamento, para que assim possa vir a cumprir sua finalidade, garantindo que o princípio da dignidade da pessoa humana seja aplicado em sua totalidade.

André Puccinelli Júnior (2012), ainda demonstra que o direito fundamental de pensamento, de expressar opinião sobre algo, é conjugado em dois valores, quais sejam: a indiferença e o respeito. Veja-se:

[...] a livre expressão do pensamento enlaça a noção de indiferença ou tolerância na medida em que ninguém pode ser discriminado ou sofrer sanções pelas convicções externadas. [...] garantindo-se ao particular o direito de expressar suas opiniões sem o risco de sofrer penalidades.

De outro vértice, a liberdade de pensamento tomada na acepção de “exigência” implica o pleno respeito às opiniões manifestadas pelos particulares, que poderão inclusive exigir que o Estado as leve em consideração para eximi-los de alguma obrigação legal. (PUCCINELLI, 2012, p. 219-220).

O inciso VIII, do artigo 5º, da Lei Maior, prevê a aplicação dos dois valores. Veja-se:

Art. 5º […]

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; (BRASIL, 1988).

Assim, a “tolerância” ou “indiferença” está inserta na primeira parte do inciso VIII, onde prevê que o Estado deve agir de forma neutra, não podendo aplicar sanções que privem os direitos do homem em decorrência da exteriorização de opiniões. Já a noção de “exigência” ou “respeito” está inserida na segunda parte do inciso VIII, onde se permite ao particular cobrar, exigir do Estado o cumprimento de prestações, de obrigações alternativas. (PUCCINELLI, 2012, p. 220).

Nesse diapasão, são os valores indiferença e respeito que salvaguardam a aplicação da liberdade de pensamento ou de opinião.  


4 A DIMENSÃO DO DIREITO DA LIBERDADE DE PENSAMENTO

A Declaração de Direitos do Homem de 1789 em seus artigos 10º e 11º traz que ninguém pode ser molestado por suas opiniões e que a livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Veja-se:

Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.

Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

Para André Puccinelli Júnior (2012), o direito à liberdade de manifestação do pensamento é um direito fundamental de 1ª (primeira) dimensão, pois é carregado de traços que são característicos dos regimes democráticos, que deverão ser exercidos de forma responsável e harmoniosa, garantindo a privacidade, a honra e a intimidade de cada ser humano, visão essa já inclusa na Declaração de Direitos do Homem de 1789.


5 POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS QUANTO ÀS DENÚNCIAS APÓCRIFAS

O Ministro Celso de Mello, em um de seus julgados, entende não ser possível, para a instauração de procedimento investigatório, a utilização da denúncia anônima, pois viola a vedação ao anonimato previsto no artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal. (Inquérito 1.957, Rel. Min. Carlos Veloso, voto do Min. Celso de Mello, j. 11.05.2005.).

Nessa mesma linha de entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, entende que em caso de impetração de Habeas Corpus o impetrante deve assinar a petição inicial para que não se torne apócrifa, de tal sorte que não viole os requisitos de admissibilidade da ação constitucional. Veja-se:

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IMPETRANTE : LEONARDO RIBEIRO LOPES PACIENTE : EDUARDO APARECIDO PIRES DA CRUZ SILVA RELATOR : DES. IVO FAVARO D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Leonardo Ribeiro Lopes em favor de Eduardo Aparecido Pires da Cruz Silva, qualificado, preso em flagrante em 1º.09.2015, com conversão em preventiva no dia 03.09.2015, e denunciado pela suposta prática do crime previsto no artigo 180 do Código Penal. Aponta autoridade coatora o Juiz da 2ª Vara Criminal da Comarca de Jataí. O impetrante alega que é inviável a prisão preventiva para delito cuja pena abstrata máxima não ultrapassa quatro anos, nos termos do artigo 313, I, do Código de Processo Penal. Sustenta que estão ausentes fundamentos e requisitos legais para amparar a custódia, devendo ser observados os bons predicados pessoais do paciente e o princípio da presunção de inocência. Pugna pela liminar e, ao final, pela concessão definitiva da ordem, para que o paciente seja colocado em liberdade com aplicação de medidas cautelares. Juntou documentos de fls. 16/219. É o relatório. Constata-se, de pronto, que a petição inicial não foi assinada pelo impetrante, estando, portanto, apócrifa, violando os requisitos de admissibilidade da presente ação constitucional. Não obstante a natureza célere do rito do writ, que pode ser impetrado por qualquer pessoa, inclusive sem habilitação legal, sua exordial deve preencher condições mínimas para que seja apreciada, nos termos do artigo 654, § 1º, “c”, do Estatuto Processual Penal. Nesse sentido: “HABEAS CORPUS. PETIÇÃO APÓCRIFA. AUSÊNCIA DE REQUISITO LEGAL. INDEFERIMENTO LIMINAR. Indefere-se liminarmente a petição de habeas corpus que não contém a assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever. Inteligência do artigo 654, parágrafo 1º, alínea “c”, do Código de Processo Penal. PETIÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE” (TJGO, HC nº 201094227129, Rel. Des. Itaney Francisco Campos). Ante o exposto, indefiro liminarmente a petição inicial (art. 235, I, do RITJGO). Intime-se. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa na distribuição. Goiânia, 27 de novembro de 2015. Des. Ivo Favaro Relator 08. (TJGO, HABEAS-CORPUS 425659-95.2015.8.09.0000, Rel. DES. IVO FAVARO, 1A CAMARA CRIMINAL, julgado em 27/11/2015, DJe 1931 de 16/12/2015). (Grifei).

D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Trata-se de habeas corpus impetrado por Waltercides Domingos do Prado em favor de Marcelo Ferreira Mendonça, preso em flagrante no dia 23.10.2015, com conversão em preventiva, e denunciado pela suposta prática do crime do artigo 33 da Lei 11.343, por vender 01 (um) tablete de maconha e manter em depósito outras 09 (nove) porções da mesma substância, pesando 6,395 Kg (seis quilogramas e trezentos e noventa e cinco gramas). Aponta autoridade coatora o Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Jataí, ao argumento de que excesso de prazo para o término da instrução. De logo, constata-se que a petição inicial não foi assinada pelo impetrante, estando, portanto, apócrifa, o que viola os requisitos de admissibilidade da presente ação constitucional. Não obstante a natureza célere do rito do writ, que pode ser impetrado por qualquer pessoa, inclusive sem habilitação legal, sua exordial deve preencher condições mínimas para que seja apreciada, nos termos do artigo 654, § 1º, “c”, do Estatuto Processual Penal. Ante o exposto, indefiro liminarmente a petição inicial (art. 235, I, do RITJGO). Intime-se. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa na distribuição. Goiânia, 17 de março de 2016. Des. Ivo Favaro Relator 04. ((TJGO, HABEAS-CORPUS 89368-38.2016.8.09.0000, Rel. DES. IVO FAVARO, 1A CAMARA CRIMINAL, julgado em 17/03/2016, DJe 2002 de 06/04/2016). (Grifei).

Portanto, a posição dos Tribunais é que não poderão ocorrer denúncias apócrifas com a intenção de violar a vedação do anonimato garantindo constitucionalmente.

E, no caso de petição inicial de impetração de Habeas Corpus, se for uma inicial apócrifa, ou seja, sem assinatura do impetrante, será indeferido liminarmente, pois viola os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 654, parágrafo 1º, alínea “c”, do Código de Processo Penal. Veja-se:

Art. 654.  O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.

        § 1º  A petição de habeas corpus conterá:

        a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça;

        b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor;

        c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências. (BRASIL, 1941). (Grifei).

Desta forma, o direito fundamental da liberdade de pensamento deverá ser usufruído com cautela, não ultrapassando os limites da legalidade que coordena todos os ramos de direito previstos no Brasil.

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Sobre a autora
Lorrainy Araújo

Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC Goiás. Advogada inscrita na Ordem dos Advogados Seccional de Goiás. Especialista em Direito Constitucional pela UNIDERP/MS. Atuante em todo o estado de Goiás.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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