Das colações

17/01/2018 às 10:31
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Tal instituto aplica-se apenas na existência de doação para herdeiros necessários, sendo que demais doações a terceiros não precisam ser conferidas quando da abertura do inventário.

Trata-se do meio pelo qual os herdeiros necessários restituem aquilo que receberam em vida pelo "de cujus" à herança. É importante frisar que tal instituto aplica-se apenas na existência de doação para herdeiros necessários, sendo que demais doações a terceiros não precisam ser conferidas quando da abertura do inventário.

Tal instituto faz-se necessário com base no artigo 1.846 do Código Civil, que traz o princípio da igualdade dos quinhões hereditários ao dispor que "os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes". Também pode-se considerar o princípio da intangibilidade das legítimas, conforme leciona Zeno Veloso.

Qualquer doação feita em vida a um dos herdeiros necessários constituirá adiantamento de legítima (artigo 544 do Código Civil) a fim de que não haja desrespeito ao aludido artigo, salvo exceções trazidas pela própria lei. Segundo Maria Berenice Dias:

"Toda pessoa pode doar o que quiser a quem desejar. Só não pode doar todos os bens sem reservar parte para a própria subsistência (artigo 548, CC). Também não pode doar mais da metade de seu patrimônio se tiver herdeiros necessários. Esse é um dos dogmas da sucessão legítima: assegurar aos herdeiros a metade da herança"

Há bens que não estão sujeitos à colação. Na linha de Fernanda de Souza Rabello(O instituto da colação no Código civil de 2002), temos:

“A dispensa jamais poderá ser presumida, devendo em cada caso restar expressa através ou da escritura de doação ou por testamento. A lei prevê que restarão dispensados da colação os bens que o testador determine saiam de sua metade disponível. Não poderão, contudo, excedê-la, computado o seu valor ao tempo da doação. Nestes casos, nada poderá ser alegado pelos herdeiros concorrentes.

Existem, por outro lado, os casos de exclusão legal, previstos no artigo 2.010 CCB [16] afastando a obrigatoriedade quanto aos gastos ordinários dos descendentes com o ascendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval e despesas de casamento e livramento em processo-crime, de que tenha sido absolvido o menor.

Tais gastos, devem ser entendidos como aqueles inerentes ao pleno exercício do poder familiar, sendo insuscetíveis de serem considerados como antecipação de herança.

Afasta a lei, também, as doações remuneratórias em troca de serviços prestados por não constituírem  liberalidades.

As benfeitorias e acessões restam excluídas da necessidade de conferência, sendo imputadas, ao donatário, igualmente, as perdas e danos que os bens sofrerem.

Os frutos também não poderão ser objeto da colação sob pena de enriquecimento por parte daqueles que não contribuíram para que tais frutos fossem gerados. Ademais, as legitimas somente se atualizam com a morte do ‘de cujus’.

Não se pode deixar de referir que pecúlios ou seguros de vida não poderão ser incluídos no objeto da colação, pois não se trata de herança e, portanto, não são regulados pelas normas de direito sucessório a elas não se submetendo.

Se houver o perecimento do bem, logicamente sem culpa do donatário, caso em que a conferência ainda se faria obrigatória, é certo que a obrigação não persiste porque para o dono também a coisa pereceu.”

Discute-se com relação à colação de bens doados.

Sobre a questão, leciona Humberto Theodoro Júnior (in Curso de Direito Processual Civil, Vol. III, 46ª ed., 2014, Ed. Forense): "O valor básico para a colação é aquele pelo qual o bem figurou no ato de liberalidade (Código Civil de 2002, art. 2004). A regra do parágrafo único do art. 1.014 do Código de Processo Civil, que previa a colação pelo valor do bem ao tempo da abertura da sucessão foi implicitamente revogada pelo novo Código Civil. Continua, no entanto, vigorando para as sucessões abertas antes do advento da atual regra de direito material, em face do princípio de que toda sucessão se rege pela lei do tempo de sua abertura." (p. 250).”

Dessa forma, consoante se extrai do texto do art. 2.004 do CC/2002, o valor de colação dos bens deverá ser aquele atribuído ao tempo da doação. Todavia, apesar da ausência de previsão expressa, o valor dos bens deverá ser corrigido monetariamente até a data da abertura da sucessão para preservar a igualdade dos quinhões legitimários. A propósito, transcrevo a lição de Caio Mario da Silva Pereira (in Instituições de Direito Civil, Vol VI, 21ª ed., Ed. Forense, 2014), verbis: "Determinando que se apure o valor que os bens trazidos à colação tinham "ao tempo da liberalidade" (art. 2.004, § 1º), o Código, todavia, não deve ser interpretado no sentido de que prevaleça o valor nominal ou histórico, da doação. A avaliação, nesse caso, é "retrospectiva", mas encontrado aquele valor, procede-se à sua atualização monetária, sem a qual será impossível compará-lo aos dos demais bens, avaliados no curso do inventário, e, em consequência, repartir igualitariamente o patrimônio hereditário." (p. 386).

No julgamento do REsp 1.166.568, a Quarta Turma do  Superior Tribunal de Justiça, consoante se informa no Informativo STJ de 17 de janeiro de 2018, decidiu, por unanimidade, que a colação de bens doados deve ter o valor atribuído no ato de liberalidade e não no tempo da abertura da sucessão.

No caso julgado, uma das herdeiras apontou violação do artigo 1.014, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973, na decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao sustentar que os bens doados deveriam ser trazidos à colação pelo valor vigente à época da abertura da sucessão e não no ato da liberalidade, como entendeu o TJSP, ao aplicar o disposto no artigo 2.004, caput, do Código Civil de 2002.

O relator do recurso, desembargador convocado Lázaro Guimarães, manteve a decisão do TJSP, ao ressaltar que o critério estabelecido no CC de 2002 modificou a previsão do CPC de 1973. “Verifica-se a ocorrência de antinomia entre os dispositivos. A contradição presente nos diplomas legais deve ser solucionada com a observância do princípio de direito intertemporal (tempus regit actum)”, disse.

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A herdeira recorrente sustentou que os bens doados deveriam ser trazidos à colação a partir do valor que tinham à época da abertura da sucessão, em 2004, uma vez que ainda integrariam o patrimônio do pai, autor da herança.

O primeiro grau julgou improcedente o pedido, e a sentença foi confirmada pelo TJSP. “É certo que o instituto da colação tem o objetivo de igualar a legítima, trazendo para o acervo a partilhar bens doados em antecipação. Para garantir tal igualdade na partilha, necessária a atualização do valor recebido pelo herdeiro beneficiado pela doação, corroído pelo fenômeno inflacionário e distanciado da atual realidade do mercado”, afirmou o tribunal paulista.

O desembargador Lázaro Guimarães ressaltou que o valor da colação deverá ser aquele atribuído ao tempo da doação, entretanto, o valor dos bens deverá ser corrigido monetariamente até a data da abertura da sucessão para assegurar a igualdade dos quinhões.

“É descabida, portanto, a pretensão formulada pelos recorrentes de atribuir aos bens trazidos à colação, que ainda integram o patrimônio do donatário, o valor que tinham na data do óbito do doador, sob pena de afronta ao artigo 2.004 do CC/2002, em vigor à época da abertura da sucessão”, concluiu.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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