O conceito de família à luz da constituição de 1988 e a necessidade de regulamentação das relações concubinárias

24/01/2018 às 16:09
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Esse artigo trata das relações concubinárias, sua falta de regulamentação e o conceito atual de família de acordo com a Carta Magna.

O conceito de família sofreu mudanças ao longo da História, acompanhando a própria evolução da sociedade. Assim, na sociedade colonial era bastante comum as relações concubinárias entre os estrangeiros portugueses colonizadores e as índias que aqui habitavam. Durante o período imperial, também era comum o concubinato entre os senhores de engenho e as escravas negras, que muitas vezes recebiam a carta de alforria e eram sustentadas por seus antigos senhores.

Porém, apesar dessas relações sempre terem existido, desde os primórdios da formação de nosso país, elas sempre foram marginalizadas, escondidas e as partes integrantes dessas relações, sobretudo as mulheres, eram, e continuam sendo, vítimas de preconceito e estigmatização.

Nesse contexto, as relações concubinárias, que sempre foram marginalizadas, aparecem como um importante ponto de análise, pois se discute a possibilidade de serem reconhecidas pelo Direito como uma forma de entidade familiar.

A Constituição Federal de 1988 trata da Família no Art. 226, trazendo um rol exemplificativo, o qual não exclui a possibilidade de outros modelos de entidade familiar. Vejamos:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Desse modo, a família deve ser entendida como o núcleo no qual o ser humano é capaz de desenvolver todas as suas potencialidades individuais, tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana, além dos princípios do Direito das Famílias.

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, decidiu por equiparar a união homoafetiva à união estável garantindo, assim, todos os direitos conferidos pela Constituição e demais leis pertinentes à união entre pessoas do mesmo sexo desde que, por óbvio, cumpram os requisitos estipulados por lei na União Estável.

Assim, não mais se justifica a preferência do Direito por um modelo familiar em detrimento de outro, pois o conceito de família não se esgota no matrimônio. Ademais, é relevante problematizar que a legislação pátria é omissa no que se refere ao concubinato, ficando os membros dessa relação à mercê dos tribunais, os quais, na maioria das vezes, não reconhecem direitos a (o) concubina (o). No máximo, o concubinato é tratado como sociedade de fato, sendo regido pelo Direito Obrigacional.

Tradicionalmente, o concubinato era subdivido em dois tipos, o concubinato puro que era aquele em que os envolvidos não eram impedidos de casar, porém constituíam relações sem o registro do casamento. Tal instituto recebeu regulação jurídica e hoje é denominado de união estável, apresentando inclusive equiparação ao casamento quanto aos direitos sucessórios. Já o concubinato impuro, está presente no artigo 1.727 do CC/2002 e trata do concubinato propriamente dito entre pessoas impedidas de casar.

As pessoas envolvidas em relação do que a doutrina denomina de concubinato impuro vêm sofrendo diversas restrições relativas por exemplo à concessão de benefícios previdenciários, como a pensão por morte, que está longe de ser assunto pacífico na jurisprudência pátria, sendo concedido em alguns casos e em outros negado, a depender dos meios de prova que o companheiro ou companheira conseguir juntar ao processo. Também há controvérsia do que é devido ou não à concubina ou ao concubino quando da divisão de bens, após o fim do relacionamento. Dessa forma, há julgados que aceitam a divisão dos bens entre os três envolvidos, o que é chamado de triação de bens, desde que se comprove que a concubina participou da construção dos bens do casal, outros que sequer concedem o mínimo.

Assim, com este artigo, visa-se demonstrar a possibilidade do reconhecimento do concubinato como entidade familiar e analisar a sua necessidade de regulamentação. No entanto, trata-se de uma mentira, pois tais relações são afetivas e em nada se assemelham às sociedades de fato do Direito Empresarial. Entretanto, o que buscamos proteger é a possibilidade de debate jurídico sobre as relações concubinárias estáveis, mesmo que fora do casamento (já que um dos envolvidos encontra-se impedido ou proibido de contrair matrimônio) que ostentam o ânimo de constituir família, que apresentem afetividade e estabilidade e não relacionamentos inconstantes e passageiros.

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Apesar da incerteza jurídica, há vários julgados que conferem direitos aos concubinos, tais como direito a alimentos, o que torna evidente que é plenamente possível a concessão de tais direitos a todas as demandas nesse sentido, se, por óbvio, forem comprovados os requisitos para tanto, conforme já é feito quanto às demais entidades familiares. Cita-se um julgado favorável:

CONCUBINATO DE LONGA DURAÇÃO. CONDENAÇÃO A ALIMENTOS [...] PRESERVAÇÃO DA FAMÍLIA X DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE HUMANA. SUSTENTO DA ALIMENTANDA PELO ALIMENTANTE POR QUATRO DÉCADAS[...] COMPROVADO RISCO DE DEIXAR DESASSISTIDA PESSOA IDOSA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE HUMANAS [...] há de se manter a obrigação de prestação de alimentos a concubina idosa

Concluindo, as decisões proferidas no âmbito da justiça de primeiro grau e nos tribunais, em todo o Brasil, divergem quanto à aplicação da lei e da constituição para conferir ou não direito de pensão, sucessórios e direito quanto à partilha de bens quando da dissolução da relação, muitas vezes equiparando essas relações à sociedade de fato. Dito isso, após os estudos e análises realizadas, antes de qualquer outra discussão, é necessário que esse assunto saia do campo marginal e que se reconheça a presença do concubinato entre as relações sociais e a necessidade de regulamentação para que uma das finalidades do direito seja alcançada: o efetivo alcance da legislação sobre os mais variados conflitos ou inovações sociais, evitando que a relação concubinária esteja julgada apenas por uma visão subjetiva moral, mas que esteja englobada no campo jurídico e alcançada pela igualdade de julgamentos entre os membros sociais. De forma geral, a jurisprudência trata a relação de concubinato como sociedade de fato, retratada no direito obrigacional e não no direito de família, mesmo que a monogamia não seja um princípio constitucional. É necessária uma análise sobre essa linha de visão do sistema judiciário, para que se venha a tratar esse assunto além da visão moral, mas sobre uma perspectiva jurídica sincera e embasada cientificamente.

Torna-se evidente que as relações concubinárias devem ser consideradas entidades familiares e efetivamente regulamentadas, para que, assim, saiam do campo da incerteza jurídica. O que se torna essencial, por se tratar de instituto com existência real e comprovada em nosso país, sendo notório que muitas pessoas vivem essa situação de desamparo legal, sofrendo o estigma social da marginalização. Logo, uma possibilidade de solução liga-se ao reconhecimento dessa influência e a busca, partindo desse fato, de ponderá-la de forma a ser mais benéfica à finalidade do direito, desconsiderando a norma pela norma, mas admitindo sua finalidade. Isso posto que, o direito não pode manter-se estático, devendo amoldar-se de acordo com as mudanças sociais, econômicas e políticas, para que a efetividade das normas possa ser alcançada. A devida regulamentação torna-se necessária para que as pessoas não sejam submetidas ao arbítrio de decisões não uniformes.


Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 34ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2014.

BRASIL. Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002).

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Vol. 6 - Direito de Família - 11ª Ed. São Paulo, Saraiva - 2014

https://fern.jusbrasil.com.br/artigos/148760065/uniao-poliafetiva-uma-analise-de-sua-juridicidade-em-face-da-recente-mutacao-constitucional-no-conceito-juridico-de-entidade-familiar < acessado em 27.10.2017>

http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/configuracoes-familiares-com-a-uniao-poliafetiva/ < acessado em 27.10.2017>

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