A DESCONSTRUÇÃO DO MITO FEMINISTA QUE LEGITIMA O ABORTO

01/02/2018 às 18:15
Leia nesta página:

A legalização do aborto é um importante tópico que figura a pauta de reivindicações do discurso feminista. Todavia, é perigoso o discurso reducionista do feminismo sobre o aborto, que afirma que a sua legalização implicaria em economia para o Estado.

1 O MITO FEMINISTA QUE LEGITIMA O ABORTO

A legalização do aborto, embora não seja o único, é um importante tópico que figura a pauta de reivindicações do discurso feminista contemporâneo, que embasa sua defesa na necessidade de libertação da mulher do sistema patriarcal e na valorização do direito da mulher à sexualidade e reprodução, tal como direito humano consagrado.

Concordando com Bourdieu (2002), o movimento feminista de um modo geral acredita que a ordem sexual inserida nas relações de poder contém elementos imperativos responsáveis pela deshistorização das classificações socialmente reconhecidas. Juntamente, a biologização do indivíduo cria uma construção social naturalizada que promove princípios de dominação embasados em categorias universais e desiguais, o que ocorre por meio da divisão sexual do trabalho, distribuição estrita das atividades designadas para cada sexo e a delimitação do corpo como realidade sexuada e como depósito de princípios de divisão sexuais.

A sexualidade como fenômeno contemporâneo é o produto da interação de uma infinidade de tradições e práticas sociais, religiosas, morais, econômicas, familiares, médicas e jurídicas (WEEKS, 1985, apud LOURO, 2000, p. 35). Contêm algumas categorias, conceitos e linguagens que dizem o que é "adequado" ou "inadequado", como comportamento. Ao relatar sobre a sexualidade, é importante entender que nela há uma notável diferença que é o raciocínio e prazer que as pessoas experimentam e vivem constantemente. Junto com isso, adiciona-se uma possibilidade de controle da procriação. Assim, entende-se que a sexualidade é uma construção social, uma decisão arbitrária sobre o que é bom ou ruim.

E pode ser definida como “as nossas preferências ou experiências sexuais”, não necessariamente “de acordo” ou ligadas com o sexo que se possui; se difere do sexo justamente por isso: o termo “sexo” envolve uma definição mais anatômica, se relaciona diretamente e necessariamente com o órgão sexual/genital que se tem, enquanto sexualidade tem uma definição mais psicológica. E na construção da sexualidade é preciso compreender o papel que ocupa o sexo e o gênero.

Sexo é frequentemente confundido com gênero, uma vez que ambos os elementos estão intimamente relacionados com a identidade sexual que pode desenvolver uma pessoa. Geralmente se entende que a sexualidade, especificada no sexo, tem a ver com os elementos biológicos do ser humano, correspondentes às características sexuais masculinas e femininas.

Enquanto o conceito de gênero está associado e é entendido diretamente por elementos sociais e ambientais que permitem que um indivíduo atenda a certos padrões de comportamento e os papéis definidos pela classificação social de gênero, resumidos em duas categorias, o masculino e o feminino (KATCHADOURIAN, 2009). Assim, em muitas ocasiões, o conceito de sexualidade tem sido associado ao sexo biológico e o gênero ao social e cultural.

É preciso iniciar por esclarecer o que se entende como conceito de "gênero". A origem desse termo, associada com certas características dos sujeitos, remonta a uma visão que afirma que a anatomia é uma das bases mais comuns para classificação de pessoas. Afirma-se que são dois gêneros que correspondem aos machos e fêmeas das espécies: o feminino e o masculino.

O conceito de gênero foi utilizado pela primeira vez por John Money em 1955 onde propôs o termo "papel de gênero" para descrever o conjunto de conduta atribuída a homens e mulheres. Mas Robert Stoller foi quem claramente estabeleceu a diferença conceitual entre gênero e sexo, a partir de vários estudos com crianças que foram educadas de acordo com um sexo que não era fisiologicamente o seu (já que as características da genitália externa eram confusas), guardavam os caminhos do comportamento do sexo que tinham sido educadas (GROSSI, 2014).

Adquirir autoconceitos relacionados com a identificação sexual e especificamente o papel de gênero faz parte do processo de evolução que engloba a infância e adolescência, em uma permanente interação de atributos pessoais e variáveis ​​ambientais. Nesse sentido, a socialização familiar e escolar tornar-se um fator-chave para manutenção das diferenças marcantes (BLOCK, 2001).

As relações familiares têm padrões de interação única e ocorrem constantemente no decorrer do tempo influenciando as construções de gênero. Por isso, é possível falar de uma família em termos de forma particular de se relacionar com os seus membros. Dito de outra forma, a família como unidade natural, feita no decurso de padrões de tempo de interação que constitui a sua estrutura, que regula o funcionamento de seus membros, facilita a interação recíproca e define um conjunto de comportamentos possíveis.

Além disso, a família é um sistema social aberto, em constante interação com os valores e crenças do ambiente natural, culturais e sociais transmitidos pela cultura a que pertence, sendo responsável pela disseminação dos valores e atitudes que formam o gênero masculino e o gênero feminino. Inclusive o biológico, psicológico e social tem alta relevância na determinação na assunção do gênero de seus componentes. Se pode dizer que desde a infância ao final da adolescência , há uma continuidade considerável nas relações entre pais e filhos que levam a delimitação nas características femininas ou masculinas.

Para o feminismo, o gênero surge como uma categoria inegável para a análise das diferenças constitutivas do mundo social ao questionar visões hegemônicas sobre a sociedade. Embora haja diversa postura acerca de tal temática, pode-se considerar que o gênero e a diferença sexual contém formas convencionais de diferenciação e incide em processos sociais refletidos em relações de poder. Estes se manifestam em origem simbólica, organizacional e cultural com marco de cognição e formas de atuar no campo legislativo, nas práticas do dia-a-dia, assim como em outros cenários, justificando e reavaliando certas posições e poderes sociais.

A ideia geral nos estudos de gênero na qual se distingue sexo de gênero consiste em que o primeiro refere-se ao biológico, de que a espécie humana é aquela que se reproduz através da diferenciação sexual, enquanto o segundo mantém relação com os significados atribuídos que cada sociedade atribui a tal feito.

No entanto, considera-se que os dois fatores estão integralmente relacionados de modo que, seria perigoso delimitá-los tão rigidamente, desde que graças aos constantes avanços sociais e médicos contemporâneos a distinção entre o sexo e gênero não é tão claramente identificada.

Isto tendo em conta que, na medida em que o sexo está relacionado com a biologia, este aspecto pode ser facilmente alterado. Como por exemplo, a possibilidade de implantes de mama. Isso tem influência direta sobre aspectos biológicos da sexualidade, mas considera que o elemento que poderia ter gerado a ideia de modificar o corpo da mulher deve ter vindo do meio ambiente e do contexto em que se desenvolveu, quer pela fantasia de beleza que esta pessoa tinha, devido a cultura de avaliação que se deu às mulheres voluptuosas, ou a pedido de terceiros, entre muitas outras possibilidades que correspondem ao social e a vinculação deste com o gênero.

Assim, se definiu o gênero como um conjunto de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades produzem a partir da diferença sexual anatômica e fisiológica e que dão sentido em geral, as relações entre as pessoas. Em termos durkheimianos, são os quadros de relações sociais que determinam as relações dos seres humanos como pessoas sexuadas (ARTHUR, 2004).

O que sustenta essa posição é que a diferença básica entre sexo e gênero é que o primeiro nos remete a um fato biológico, enquanto o segundo um fato social. No entanto, se poderá ver, o sexo como uma diferenciação segura e estável do sujeito, entra em debate no momento em que se percebe que "sexo" é uma categoria que está em si marcada pelo poder. A diferenciação de indivíduos a partir de uma característica do corpo é arbitrária.

As variações entre o que é considerado feminino ou masculino demonstra que, com exceção da maternidade, trata-se de construções culturais. Estudos evidenciaram que uma comparação da divisão sexual de trabalho em várias sociedades mostrou que nem todas as especializações por sexo podem ser explicadas pelas diferenças físicas entre os sexos, o que é especialmente evidente no que diz respeito a fabricação de objetos, onde a força não é determinante, por exemplo, se é um homem ou uma mulher quem faz um cesto.

Por isso, muitas vezes, quando se verifica um elemento específico sob o domínio do sexo ou do gênero, se pode identificar características de ambas as categorias, na medida em que eles se complementam na formação da identidade da pessoa.

A socialização dos papéis de gênero a sociedade é feita através da aprendizagem, e este é o meio para transmitirvalores, actitudes y reglas. valores, atitudes e normas. En este sentido, ya desde la infancia se desarrollan los estereotipos de género y Neste sentido, porque desde a infância desenvolvem estereótipos de gênero que sese cristalizan en el modo en que los padres consideran cómo debe comportarse un niño o una niña; aquí el cristalizam na forma que os pais consideram que se deve comportar como um menino ou uma menina. Aquiproceso de aprendizaje juega un papel esencial. processo de aprendizagem desempenha um papel essencial. Desde la teoría cognitiva social se puede afirmar que median-

Segundo a teoria feminista, também não se pode ignorar a força que exerce a comunicação de massa, que na maioria das vezes reforça uma imagem submissa da mulher e a imagem de sucesso e poder do homem.

A programação da televisão brasileira não transmite a imagem real e verdadeira da mulher. Esta é a opinião de 79% das 253 mulheres entrevistadas pela ONG TVer, no Estado de São Paulo, em fevereiro de 1999. Para 59% das mulheres ouvidas, a programação não reflete a sua realidade e 88% acreditam que a TV erotiza as meninas antes do tempo. De acordo com a pesquisa, a mulher apresentada pela TV não existe, seja no perfil físico, seja no psíquico. Para a TVer, isto ocorre porque a grande maioria dos programas é dirigida ao público masculino (FONTANA et al, 2001, p. 16).

Em suma, socialmente os homens estão preparados para desempenhar um papel dominante e continuar a buscar seus objetivos pela força. Para eles, o controle da reprodução é um meio de controlar as mulheres.

Segundo Marx e Engels (MARX, 1991), a sociedade perfeita não era alcançável por si só, mas surgiria na sequência e sob a forma de um resultado de um período particular de desenvolvimento histórico. Nas sociedades primitivas, as relações entre os sexos eram baseadas na igualdade. Quando o homem adquire o direito da propriedade privada e passa a assumir, na esfera familiar, uma posição de supremacia e de poder, o papel feminino fica reduzido à função de servidão e de reprodução. Este processo explica a exploração da mulher, que coincide com o aparecimento da propriedade privada e com a sociedade de classes.

À medida que, numa formação social, uma forma determinada de divisão social se estabiliza, se fixa e se repete, cada indivíduo passa a ter uma atividade determinada e exclusiva, que lhe é atribuída pelo conjunto das relações sociais, pelo estágio das forças produtivas e pela forma da propriedade. Cada um, por causa da fixidez e da repetição de seu lugar e de sua atividade, tende a considerá-los naturais. (FROMM, 1997, p. 417 apud FONTANA, 2001).

Erich Fromm (1997, p. 417 apud FONTANA, 2001), conclui:

Por exemplo, quando alguém julga que faz o que faz porque tem talento ou vocação natural para isso; quando alguém julga que, por natureza, os negros foram feitos para serem escravos; quando alguém julga que, por natureza, as mulheres foram feitas para a maternidade e o trabalho doméstico.

Assim, no discurso feminista, a resistência à legalização do aborto é consequência cultural de sociedade baseada no homem enquanto membro central, único e poderoso, que tende a resistir a nova participação do feminino, tentando negar a sua autonomia e a sua possibilidade de sucesso através de mecanismos de humilhação, isolamento, e do papel estabelecidos de maternidade, desconsiderando o ser feminino como indivíduo.

A partir da estrutura patriarcal há apenas umamodo de ver el mundo que es el dominante. maneira de ver o mundo que é a dominante. Y por eso, al hombre se le educa para la seguridad, la fortaleza, la E assim, o homem é educado para a segurança, a força, autonomía, la agresividad, la actividad, la rapidez y la valentía; ya la mujer para la debilidad, la dependencia, a autonomia, a agressão, a atividade, a velocidade e a coragem, e as mulheres para a fraqueza, a dependência, ala ternura, la inseguridad, la pasividad y la cobardía. ternura, a insegurança, a passividade e a covardia. Además, a cada uno se le enseña a comportarse según

Além disso, cada um é ensinado a se comportar de acordo comlos roles que deben desempeñar, de tal manera que de la mujer se espera que sea madre y esposa, mientras o papel a ser desempenhado, de modo que a mulher deve ser mãe e esposa, enquantoque del hombre se espera que sea el responsable del poder económico, social y sexual; de hecho cuando um o homem deverá estar a cargo dos direitos econômicos, sociais e sexuais.

O valor expresso pelo homem é baseado em relações de poder sempre dominadoras, enquanto que incide sobre as mulheres o mundo das emoções e relacionamentos.

Quando a sociedade toma decisões sobre a sexualidade e reprodução da mulher, deve-se dizer que é resultado de uma violência de origem patriarcal em que a cultura baseada no homem mostra o seu controle e autoridade, e as mulheres submissão e resignação para preservar o homem e a estrutura social. (ARTHUR, 2014).

Trata-se de uma violação dos direitos humanos, já que a desconsideração do direito sobre seu próprio corpo afeta a dignidade da pessoa. A dignidade humana é incorporada em documentos internacionais e protegida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos (SARLET, 2001, p.01).

A dignidade da pessoa é uma característica distintiva dos seres humanos em relação aos demais seres vivos, a que constitui a pessoa como um fim em si mesmo, impedindo que seja considerado um instrumento ou meio para outro fim, além de dotá-la de capacidade de autodeterminação e de realização do livre desenvolvimento da personalidade.

Bourdieu (2002) defende, ainda, que a ordem social funciona como uma grande estrutura funcional de símbolos que ratifica a dominação masculina. Esta se enche de práticas e esquemas de representação conhecidas socialmente. Daí vem as atribuições sociais, que formam a “mulher-mãe”, acompanhada de fantasias de erotismo feminino e o amor romântico em função do disciplinamento dos corpos aderidos a uma ordem simbólicas dominante.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Isso porque se concebe o sujeito como o produto social regulado, ligado a hierarquias de ordem hegemônicas. A construção do sujeito hegemônico em termos políticos de resignação, adverte que tomar a construção do sujeito como uma problemática política não é o mesmo que acabar com o sujeito, mas o compromisso político reside na construção do sujeito ao estimar a consolidação e ocultamento da autoridade que indagaria quanto a uniformidade sobre os corpos e sua estreita relação com a manutenção de uma sexualidade reprodutiva em regime obrigatório. É a partir desse tipo de reflexão que aparecem uma série de posições em volta da maternidade sob a perspectiva de gênero e feminista.

O gênero, tal como visto, expressa a construção social da feminilidade e casta sexual que se refere à experiência comum de opressão vivida por todas as mulheres. Uma parcela das feministas, consideradas mais radicais, identificam como centros da dominação patriarcal as esferas da vida até então consideradas "privadas". Revolucionam a teoria política ao analisar as relações de poder que estruturam a família e sexualidade; sintetizados a ideia na defesa de que o que é pessoal é político. O que acontece na ordem privada, neste caso, limitada à família, tem consequências na ordem social. Já as feministas consideradas anarquistas, além dessas questões buscam a total derrubada de tudo o que representa dominação da mulher, eliminando figuras masculinas tais como chefe, marido ou Deus.

Millet (2000) usa a política para se referir às relações estabelecidas a partir da relação de poder, a fim de que o grupo dominante mantenha controle sobre quem domina. Daí deriva a legitimidade para falar de "política sexual". De acordo com Millet, a natureza patriarcal da sociedade faz com que as relações sexuais envolvam domínio e, portanto, estão imbuídos de política.

Beauvoir (1949 apud CORRÊA; PETCHESKY, 1994) questiona o âmbito da mulher enquanto perpetuadora da espécie humana e seu destino fisiológico de ser mãe para assinalar as consequências da maternidade forçada e o aborto dentro de uma ilegalidade e ilegitimidade jurídica e social. O discurso dominante é quem molda o amor materno, oprimindo e isolando as mulheres a mera função reprodutiva. O que faz com que tenha limitado sua capacidade de desenvolvimento social por estar relegada ao papel de mãe para estabelecer sua feminilidade.

A partir dessa ótica, o corpo materno sob sua significação biológica, se forma por meio dos discursos sociais sobre a maternidade e sua relação direta com a feminilidade, devendo localizar-se em um âmbito mais amplo, o dos direitos humanos. E como tal, aparecem possibilidades de politização e historização da livre opção da maternidade. De modo que o aborto, além da interrupção da gestação, se coloca como um direito e um assunto politico relacionado com a autonomia dos corpos das mulheres, sua sexualidade e sua reprodução.

Nesse sentido, volta-se às tendências de movimentos feministas de reivindicar a distinção entre sexualidade e reprodução, como visto, entendendo a sexualidade como experiência de prazer e a reprodução como decisão e projeto de vida. Questionando a naturalização do trabalho reprodutivo da mulher e as mistificações ideológicas subjacentes a este.

Do ponto de vista da saúde pública e dos direitos das mulheres, estudos da teoria feminista contribuíram para documentar a alta mortalidade e morbidade associada com o aborto ilegal e se constitui argumento na proposta para mudança na legislação. Ainda que o aborto seja considerado como uma atividade clandestina e imoral pelas mulheres as condições sociais e econômicas em que vivem são as razões que ajudam a compreensão do fenômeno.

Em países desenvolvidos como a Suíça, que possui baixa restrição legal ao aborto se apresentavam as taxas mais baixas dessa prática, o que serve de argumento contra os que se opõe a despenalização do aborto sob o pretexto de que o número de abortos iria aumentar abruptamente.

Quando as mulheres se envolvem numa decisão de aborto geralmente sofrem uma série de influências negativas e pressões que a levam a carregar sentimento de culpa e de medo de reprovação social, o que pode trazer diversos danos para a sua psique e a sua vida diária, mas, além disso, por não haver instituições legais que a ajudem na decisão, muitas procuram clínica sem estrutura adequada, clandestinas, após as quais precisam procurar atendimento médico legal, onde muitas vezes sofrem com a reprovação do profissional de saúde.

A legalização do aborto traria, segundo a visão feminista a maturidade e a responsabilidade sobre as decisões sobre reprodução, reduzir o número de mortes decorrentes de sua tentativa em clínicas clandestinas e permitir que a mulher seja autônoma na gestão do próprio corpo.

A maioria dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento possui evidencias das consequências negativas da restrição legislativa ao aborto, seja quanto ao grande número de abortos induzidos de forma clandestina, seja pelo crescimento dos atendimentos médicos quanto as complicações de abortos realizados em condições inseguras, tendo a ilegalidade um alto custo. Havendo um alto custo tanto de vida dessas mulheres quanto econômicos para o setor de saúde.

De Barbieri (1992, p.155) explica que por meio dos papeis sociais atribuídos ás mulheres, os homens tem o controle da reprodução e que são eles os que estabelecem e controlam as normas, apropriando-se da capacidade reprodutiva, da sexualidade e da força de trabalho das mulheres, de maneira que se transformam em subordinações e a capacidade de trabalho das mulheres é dirigida pelas sociedades para a realização de um trabalho socialmente imprescindível porém desvalorizado, que é o trabalho doméstico, o cuidado aos demais para a perpetuação da sociedade.

Os direitos sexuais e direitos reprodutivos referem-se ao poder de cada pessoa de fazer escolhas informadas e responsáveis sobre sua sexualidade e vida reprodutiva. E a disponibilidade de recursos para implementar essas decisões com segurança, eficácia e de forma não discriminatória (CORRÊA E PETCHESKY, 1994). Para exercer esses direitos de forma equitativa, deve ser garantida a liberdade de cada pessoa para decidir (Dimensão individual dos direitos) e ter condições de justiça no acesso aos recursos para assegurar decisões (dimensão social do direito).

A legalização do aborto representa, na visão feminista a valorização dos direitos da mulher, do seu direito à vida e à dignidade, sendo o embrião a ser eliminado um ser incompleto, que não pode ser colocado em equiparação à mulher:

A proibição moral e legal à interrupção da gravidez não desejada pela mulher não encontra motivos razoáveis ou racionais, de ordem pública, que a justifiquem. Ao contrário, ela

representa um verdadeiro tabu, pois não é racional nem razoável valorizar mais a vida do feto – vida humana em formação – do que a vida da mulher – ser humano pleno. Representa a tácita sub-valorização da mulher (CAVALCANTE, XAVIER, 2006, p.7).

Embora o reconhecimento e adoção dos direitos sexuais e reprodutivos internacionais remonte à Conferência Internacional da ONU sobre Direitos Humanos, os ganhos reais de legitimidade vieram na década de 1990, na Conferência Internacional sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) e da Conferência Internacional sobre a Mulher (Beijing, 1995) CAVALCANTE, XAVIER, 2006, p.7)..

Os direitos sexuais e direitos reprodutivos contém duas dimensões inter-relacionadas: um conjunto de princípios éticos e uma gama de condições que os permitam, sem os quais esses direitos não poderiam ser exercidos (CORRÊA; PETCHESKY, 1994).

Estes princípios éticos interligados são: integridade física, a capacidade de ser uma pessoa, igualdade e diversidade. A integridade corporal e o direito à segurança e controle do corpo é talvez o aspecto de mais peso no conceito de liberdade sexual e reprodutiva. A capacidade de ser pessoa refere-se a estas razões e valores que levam os indivíduos a tomar decisões diferentes.

Autonomia e autodeterminação habilitam as pessoas a exercerem os seus direitos livremente. Refere-se ao igual reconhecimento de que todas as pessoas carregam direitos, independentemente do seu papel social, classe, gênero, idade, etnia, religião e nacionalidade. Diversidade refere-se ao compromisso com o princípio de que diferentes tipos de expressão sexual são benéficos para a sociedade justa e humana.

2 A DESCONSTRUÇÃO DO MITO FEMINISTA QUE LEGITIMA O ABORTO

Nota-se no discurso feminista sobre o aborto, principalmente no que tange aos seus principais argumentos, mais do que o desejo de emancipação feminina, mas a colocação de seus interesses acima de qualquer responsabilidade ética de vida em sociedade, embasada no reducionismo da análise do ser gerado com a gestação a partir de um imaginário totalitarista, definido por Razzo (2006, p.215) que incorpora ao mesmo tempo o delírio utópico e busca reduzir a natureza humana à sua forma maleável.um projeto de que o mundo seria melhor se fosse totalmente adequado ao meu sistema de representação.

“A noção de que um embrião vale menos do que um homem adulto por não ter desenvolvido a consciência não pode ser fundamentada na observação dos processos biológicos” (RAZZO, 2016, p.80). Já que o valor que faz do homem importante dentro da sociedade é embasado pela dignidade humana, inerente a todos os homens e o homem não pode ser considerado como se abruptamente no nascimento, a fase de embrião é parte da vida daquele ser que poderá se tornar um adulto:

A criança não nascida ainda é uma realidade vindoura, que chegará se não a pararmos, se não a matarmos no caminho. Mas se investigarmos bem as coisas, isso não é exclusivo da criança antes do nascimento: o homem é sempre uma realidade vindoura, que vai se fazendo e realizando, alguém sempre inconcluso, um projeto inacabado, um argumento que tende a uma solução (MARÍAS, 2017, p.1).

Assim, o argumento de que é um direito humano aquele relativo à sexualidade e à reprodução se choca com aquele que também garante a vida ao feto. Os aspectos subjacentes a essa alegação, que levam aos Direitos do Homem e do cidadão também respalda a corrente contra o aborto, já que é também da gama dos direitos considerados fundamentais o direito à vida.

A compreensão do pensamento feminista quanto ao aborto não é apenas importante para entender a aspirações do movimento neste século XX, mas para analisar de que forma esse pensamento pode ter ultrapassado as fronteiras éticas e passado a se tornar míope quanto ao significado antropológico e social da vida humana, caindo em um discurso falacioso que pretende uma igualdade quanto aos direitos humanos que rapidamente é ignorada quando o ser a merecer igual importância é um feto.

O pensamento feminista através de uma ideia inflexível e pouco aprofundada do ser humano relega o seu arcabouço argumentativo a questões meramente biológicas, o que claramente não pode se constituir suficiente por ser o homem muito mais complexo, dotado de construções psíquicas, culturais e sociais. Na defesa de eliminação do feto em prol de uma liberdade que poderia ter sido garantida anteriormente ao ato sexual, a variedade de explicações ignora as múltiplas disciplinas sociais que estão envolvidas na existência do feto e o impacto que a legalização de sua morte teria em todas as estruturas sociais, políticas e econômicas.

Sabe-se que um objetivo político do feminismo é transformar a subordinação das mulheres em todo o mundo. Busca-se compreender a sociedade, a fim de desafiá-la a mudar. Seu objetivo não é a formação de um conhecimento abstrato mas o conhecimento capaz de ser usado como um guia e informar a prática política feminista.

Entretanto, há que se perceber que poder político é o poder sobre os outros, e é um poder de fazer regras e cumprir essas normas, a aplicação de sanções fornecida pelo uso de força. O poder de domínio sobre os outros, é a dominação e não apenas a força, no sentido de Weber. Bertrand Russell definiu o poder como a produção de efeitos pretendidos. Mas existem duas maneiras potência básica: um sobre os seres humanos e outros sobre coisas não-humanas (BEUREN e SÖTHE, 2008).

O poder sobre os seres humanos pode ser exercido, individualmente ou através de uma organização. Neste segundo sentido, o poder exercido sobre os seres humanos através da organização do Estado, cujo exercício é a regra do direito ao poder, portanto, entendido como dominação, é o principal elemento do Estado. Portanto, está relaciona a principal propriedade do Estado, que é a soberania (O'DONOVAN, 2000).

A soberania é um poder supremo e independente, ou seja, a energia interna da população e um poder externo sobre os outros estados. Bodin definiu a soberania como "o poder absoluto e perpétuo de uma República" (BODIN, 1973, p. 46).

Soberania e legitimidade são os dois conceitos-chave da teoria do Estado. A Soberania do Estado depende de sua legitimidade, e legitimidade se baseia na sua soberania. Além disso, "O problema da legitimidade é o interior do problema da soberania” (KRIELE, 1980, p.13 apud BEUREN e SÖTHE, 2008).

A questão da legitimidade, ou como que institui a autoridade legal de um Estado, torna-se uma das chaves do pensamento político moderno. Como é o Estado, quem são os verdadeiros donos do seu poder e como exercitá-lo corretamente é o ponto de partida das teorias políticas de Hobbes a Rousseau, Locke e do direito natural moderno (BEUREN e SÖTHE, 2008).

A ideia de legitimidade tornou-se uma questão-chave na teoria política, devido a três autores: Max Weber, Carl Schmitt e Guglielmo Ferrero (BOBBIO, 1967, p. 47), e começou a ser tratados nas obras de teoria do estado. A organização que mantém a máxima potência e dominação dentro de uma sociedade é o Estado. Esta é "uma instituição política de atividade contínua, se e na medida em que mantem o seu quadro administrativo com sucesso a pretensão de monopólio da coerção legítima para manutenção física da ordem existente" (WEBER, 1979, 43-44).

A política feminista quanto ao aborto prega a sua legitimação, a aquisição do poder político significaria assumir a interrupção da gestação de forma voluntária, que por sua vez é a eliminação do embrião ou feto. Isso significa assumir como uma visão do Estado, legitimar a prática.

Essa crença "na legitimidade", que é a legitimidade da legalidade ou legitimidade baseada no direito, é o promover os detentores do poder do Estado para exercer seu domínio. Isto é o que Weber chamou "Reivindicações legítimas" decorrentes dos referidos possuem poder político. Essa crença é o fundamento da legitimidade e baseia-se em Weber para distinguir três tipos de dominação política legítima. Há três tipos puros de dominação legítima. a base primária para a sua legitimidade pode ser: 1. Caráter racional: ele se baseia na crença a legitimidade de ordenações e estatuídos direitos de controle chamados por aqueles, ordenações a exercer a autoridade (autoridade legal). 2. Caráter tradicional: ela repousa sobre a crença cotidiana na santidade das tradições e as legitimidade das identificadas por essa tradição para exercício de autoridade (autoridade tradicional). 3. Caráter carismático: ela reside na entrega extracotidiana a santidade, ou pessoa exemplar e ordenações ou feitos criados por ele (chamada autoridade) carismática.

Já quando se fala da hegemonia, em meio ao contexto de reflexão das diversas configurações sociais, é preciso ter consciência de seu conceito, este tem um lugar nos debates teóricos e políticos centrais contemporâneos e de grande influência exercida no desenvolvimento dos estudos culturais em diversas partes do mundo não podendo estar distante dos debates que envolvem a academia.

O ponto de partida para a discussão de hegemonia normalmente está localizado no trabalho teórico de Gramsci (1891-1937), este situado “no momento de transição entre a primeira geração do marxismo e o marxismo ocidental” (ANDERSON, 1989, apud ALVEZ, 2010, p.72).

Nas suas anotações, Gramsci propôs uma série de ferramentas de compreensão conceitual das formas de dominação concreta por certos grupos ou classes sobre os outros, e os mecanismos políticos e culturais que sustentam essas formas. O que Gramsci procurou foi analisar a dialética entre coerção e consenso dentro deste processo e, ao mesmo tempo, superar as interpretações economicistas da história e política, introduzindo assim o conceito de hegemonia como legitimidade na análise de dominação.

Del Percio (2014) afirma que a busca incessante pela liberdade pode assumir uma perspectiva danosa, quando se utiliza a legitimação da mesma para dominação dos ignorantes, quando deveria ser utilizada para domínio de si mesmo.

Mas Del Percio (2014) não afasta a possibilidade de uma sociedade hegemônica que mantenha liberdade e solidariedade, não tendo necessariamente que ser negativa. Mas adverte para a necessidade de sempre se considerar as forças antagônicas, as quais coexistem em constante debate e que vão resultar também na unidade.

Evidencia-se o perigo do discurso reducionista do feminismo sobre o aborto. Inclusive uma alegação feminista sobre o aborto que afirma ser a legalização uma forma de reduzir os gastos com hospitais públicos devido a reparações necessárias após procedimentos abortivos em clínicas despreparadas e clandestinas, assim como a redução de mortes de mulheres em decorrência disso, não apresenta dados concretos ou uma análise mais aprofundada, pois o aumento da procura por aborto será mais ampla, com maiores e não será uma redução total das mortes, pois todo procedimento cirúrgico pode oferecer risco. Muitas mulheres que ainda buscavam evitar a gravidez também podem relaxar o seu planejamento fazendo com que mais mulheres corram esse risco. Isso porque a implementação de uma legitimação por meio da legalização do aborto tampouco poderá reduzir o número de abortos, levando em conta que a mudança de comportamento se dá por aprendizado e não pela adoção legal de uma prática.

Há ainda que se considerar a perspectiva da responsabilidade que cada cidadão precisa assumir com suas ações. O Estado oferece suporte ào planejamento familiar para os vulneráveis, assim como as pessoas de classes mais elevadas podem lançar mão dos próprios recursos para o planejamento da gestação, sendo a gestação indesejada, na maioria dos casos, evitável. A qualidade da responsabilidade surge no caso da ação em si mesma, independentemente do resultado que produz. Este tipo de responsabilidade pode ser abordada a partir de três pontos de vista diferentes: 1) como responsabilidade intelectual, 2) como um passivo prático e 3) como uma responsabilidade ética ou moral.

Para explicar melhor esta posição, o autor apresenta um exemplo que vale a pena repetir: Um cientista que não verificar seus cálculos carece de responsabilidade intelectual. Um escritor que não faz cópias de segurança de seus arquivos necessita de responsabilidade prática. Quem vive à deriva carece de responsabilidade ética, um cidadão que vota num candidato a presidente só porque o acha sensual, carece de responsabilidade moral. Um político que faz o seu país entrar em guerra com informações inadequadas carece de responsabilidade em todos os aspectos.

A responsabilidade moral como bem defende Dworkin (2012) é uma questão relacionada à liberdade, à capacidade e à dignidade. .Se refere, em primeiro lugar, à liberdade, porque as pessoas só são responsáveis por suas ações quando eles têm livre arbítrio e são motivadas por ele. Liberdade, entende o autor, requer a possibilidade de atuação isenta enlaces, mas não de consequências.

Dworkin afirma que o sistema de responsabilização incorpora, ocultos à vista, os princípios éticos que conectam as causas de nossas decisões com a nossa responsabilidade por estas (1999).

A responsabilidade se refere em um segundo plano, à capacidade, porque "as pessoas só são responsáveis se fizerem escolhas levando em conta os custos que terão para os outros" (DWORKIN, 2012, p.15) e ainda assim, as fazem. Para que o ser humano possa decidir de acordo com estes parâmetros devem ter aptidão para o pleno conhecimento das consequências das suas ações. Dworkin explica esta ideia afirmando que para ser responsável é preciso que a pessoa possuidora desta qualidade tenha a capacidade mínima para forjar-se verdadeiras crenças sobre o mundo, os estados mentais de outras pessoas e as prováveis consequências do que faz.

Em terceiro lugar, Dworkin (2012) acredita que a responsabilidade refere-se a dignidade. Na verdade, as pessoas que culpam os outros por seus próprios erros não têm dignidade e, portanto, negam a sua responsabilidade, porque elas não são capazes de assumir as consequências de suas ações. O fio condutor da responsabilidade é a integridade da pessoa como ser humano consciente do que decide, capaz e livre para decidir, e sabendo do dever pessoal que adquire ao assumir as consequências de suas ações.

A integridade está intimamente ligada à responsabilidade e a coerência. A responsabilidade de cada pessoa, analisada tanto individualmente ou em razão da sua posição no trabalho ou o âmbito social, exige viver de acordo com princípios morais.

Mas está realmente a dignidade entrelaçada a esses conceitos? É possível avaliar que sim, pois cada pessoa só pode viver com dignidade quando ordena a sua vida de acordo com princípios coerentes, que regulam o seu comportamento, independente do que exijam as leis positivas ou o que requei o seu interesse particular.

Notadamente, a dignidade, que integra princípios morais e éticos, está relacionada a perspectiva de cada um. Se utilizando da teoria de Dwoking (2012) a moral define o padrão de como devemos tratar os outros, enquanto a ética é como devemos viver nossas vidas. Assim, embora tudo se interacione, uma visão aguçada permite identificar que, de fato, os padrões morais são orientados ao livre arbítrio e a responsabilidade, enquanto os relativos à ética orientam-se à boa vida e à dignidade. Assim, esses padrões são baseados em uma concepção de vida boa, que envolve a interpretação dos conceitos morais e, ao mesmo tempo, a busca de uma concepção de moralidade como um guia para a interpretação do viver bem.

Contudo é complexo o desenvolvimento da noção da boa vida e viver bem, distanciando-se de posturas puramente empíricas ou do entendimento convencional de moralidade. Isto requer uma distinção dentro da ética que é familiar na moral: a distinção entre o dever e a consequência, entre o bem e o mal.

Se seve distinguir entre viver bem e ter uma boa vida. Estas duas realizações diferentes estão conectadas e distinguidas neste sentido: “Viver bem não significa ter aquilo que se quer, ter a vida boa tem a ver com nossos interesses fundamentais, os interesses que devemos ter” (DWORKIN, 2012, p.203).

Viver bem significa esforçar-se para criar uma boa vida, mas sujeita a certos condicionamentos essenciais para a dignidade humana. Estes dois conceitos, de viver bem e ter uma boa vida, são conceitos interpretativos. A nossa responsabilidade ética inclui tentar encontrar concepções adequadas para os dois conceitos (DWORKIN, 2012, p.203).

Ressalta-se que o viver bem será influenciado pelo que devemos ou não fazer pelas outras pessoas, a decisão de auxílio ao outro, o que, por sua vez vai ser influenciado pelos respeito a si mesmo e ao outro.

A busca irredutível por essa sociedade ideal em que o aborto possa ser realizado de forma legal, acaba sendo conforme defende Razzo (2016) a prática da “política como esperança” a qual significa “apropriação radical das formas de representação do mito, da religião e da arte como expressões que anulam esse pluralismo humano de expectativas simbólicas (p.241)”.

Nesse aspecto, entende-se a perspectiva de Del Percio (2014, p.107) quando define que um dos problemas mais sérios da maioria das posturas éticas contemporâneas é que não tem demonstrado capacidade de motivar a ação ética por parte de seus adeptos. Há aqueles que colocam o individual totalmente acima da sociedade, responsabilizando de forma exacerbada o indivíduo isolando-o das forças sociais que o influenciam e aqueles outros que eliminam a responsabilidade individual de tal forma que a sociedade, em especial, o sistema, é o culpado por todos os males, sem a necessidade de envolvimento do individuo em qualquer processo.

O feminismo encontra-se nesse último bloco, acreditando ser a cultura patriarcal a raiz de todos os problemas reduzindo a importância do indivíduo diante das estruturas sociais (DEL PERCIO, 2014, p.109).

As palavras "ética" e "moral" têm um significado etimológico semelhante em suas raízes gregas e latinas:

O termo ética deriva do grego ethos, que pode apresentar duas grafias – êthos – evocando o lugar onde se guardavam os animais, tendo evoluído para "o lugar onde brotam os actos, isto é, a interioridade dos homens" (Renaud, 1994, p. 10), tendo, mais tarde passado a significar, com Heidegger, a habitação do ser, e – éthos – que significa comportamento, costumes, hábito, caráter, modo de ser de uma pessoa, enquanto a palavra moral, que deriva do latim mos, (plural mores), se refere a costumes, normas e leis, tal como Weil (2012) e Tughendhat (1999) referem (PEDRO, 2014, p.1).

Em linguagem filosófica contemporânea foi estipulado, no entanto, duas distinções e dois tipos diferentes de definições desses termos. Em um primeiro sentido se compreende a moral como uma dimensão que pertence ao mundo vital, que consiste em valorações, atitudes, normas e costumes que orientam ou regulam a ação humana. Entende-se a ética, no entanto, como a ciência ou disciplina filosófica que realiza análises da linguagem moral e desenvolve diferentes teorias e maneiras de justificar ou comprovar e avaliar criticamente as pretensões de validar aos enunciados morais.

Para Dworkin (2012) ética e moral apresentam-se interligadas, sendo essencial os padrões éticos para a interpretação dos requisitos morais, mas enquanto a ética volta-se para a vida do indivíduo, a moral aponta para a sua relação com os outros.

Os conceitos de ética e de moral são facilmente compreendidos por meio de um exemplo dado pelo autor, ressaltado a importância da ética vir antes da moral. Considerando dois nadadores em suas respectivas raias, mas que pode passar para a raia do outro caso queiram ajudar, não podendo passar para prejudicar:

A moral define as pistas que separa os nadadores, estipula quando uma pessoa deve atravessar as pistas para ajudar e aquilo que constitui o atravessamento danoso proibido. A ética rege o modo como uma pessoa deve nadar na sua própria pista para nadar bem (DWORKIN, 2012, p.380).

Dworkin procede a justificativa do objetivismo ético pelas seguintes teses: Primeiro que a objetividade ética não requer que existam entidades ou qualidades morais. Na verdade, a sua existência não traz nada para a Ética. A Ética é uma área onde têm um papel fundamental a objetividade e a de verdade, mas não da forma da ciência natural, ou seja, assumindo conceitos "categóricos" (com critérios definidos precisamente) e relações impacto causal, mas em um sentido "interpretativo". E segundo que o ceticismo moral é inconsistente, e seus argumentos são inválidos.

Para Del Percio (2014) a solução para construção social positiva seria a adoção dos princípios da fraternidade, que engloba a harmonização do indivíduo de da sociedade, que produz uma relação capaz de garantir uma ética ampla, sem eliminação da liberdade do sujeito, mas também considerando os motivos das ações e condutas estruturais, devendo-se pensar a ética, tanto sobre sua utilidade quanto pela felicidade gerada.

Outro ponto importante é a relação entre fraternidade e ideologia. Fraternidade poderia desenvolver a capacidade de pensar a política como uma construção coletiva de novas ideologias, sempre abertos à experimentação (PERCIO, 2014, p.115).

Política, neste sentido, é um processo, não uma substância, de modo que a liberdade e a igualdade são o produto de construção social. Com a fraternidade a liberdade torna-se "libertação", que é o caminho para a "justiça social", o correlativo da igualdade depois de ser ressignificado tornaria a fraternidade universal, de modo a não ser exclusiva, mas também localizada, o que significa considerar algumas das diferenças entre indivíduos em vez de universalizar um particular. As bases universais seria localizado para um determinado pensamento ou movimento história, constituindo, segundo o autor, uma proposta ética e epistemológica.

De acordo com o senso comum, a fraternidade é uma irmandade entre as pessoas, o que implica um modelo de relacionamento modelado no respeito e na horizontalidade. Mas o "significado" da fraternidade pode abarcar a construção antropológica ou cultural. Muito tem sido dito e argumentou em favor de um conceito de fraternidade ligada à religião, no entanto, seu conceito profundo, necessariamente, começa a partir de uma análise dos problemas fundamentais da vida em sociedade.

A adoção de uma verdade suprema que seja melhor do que as demais “verdades” é um caminho perigoso que pode levar à atrocidades, como as ocorridas na história e lembrada por Razzo (2016), já que, como defende o autor, a imaginação totalitária que não distingue o ideal imaginário da realidade, que coloca como única correta sua própria base de representações é o início de toda ação de violência legitimada.

É importante que se compreenda o ser humano em sua totalidade e na sua complexidade, como ser imperfeito mas social e cultural para que se possa compreender que o estágio biológico não é o que nos define como serem humanos, mas a capacidade de construção sócio-cultural, de abstração, o contexto da realidade, que tanto pertence a um ser adulto quanto a um ser em formação.

REFERÊNCIAS

ALVES, Claudia. Problemas da relação educação-cidadania na história brasileira. In: FELGUEIRAS, Margarida Louro & VIEIRA, Carlos Eduardo (orgs.). Cultura escolar, migrações e cidadania. Porto: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, 2010.

ARTHUR, Maria J. Violência contra as mulheres, percepções e estratégias. Perspectivas da sociedade civil. 2004. Disponível em: http://www.wlsa.org.mz/?__target__=Tex_ViolenciaPercep. Acessado em: 17.04.2017.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 9 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria De Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001.

BODIN, Jean. Los seis libros de la república. trad.Pedro Bravo. Madrid: Aguilar, 1973.

BEUREN; SÖTHE, A. A teoria da legitimidade e o custo político nas evidenciações contábeis dos governos estaduais da região sudeste do Brasil. In: Congresso de Contabilidade e Auditoria, XII , 2008. Aveiro – Portugal. Anais... Aveiro – Portugal: ISCA, 2008. CD ROM.

BLAISDELL, Mauriel. Academic Integration: Going Beyond Disciplinary Boundaries. In Laurien Richlin (edit.). Preparing Faculty for The New Conceptions of Scholarship. n. 54, Summer. Jossey Bass Publishers. 1993.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

CAVALCANTE, A. XAVIER, D. Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006.

CORRÊA, S. & PETCHESKY; R Reproductive and Sexual Rights: a feminist perspective. In: SEM, G., GERMAINE, A & CHEN, L. (Org.) Population Policies Reconsidered: health, empowerment and rights. Boston: Harvard School of Public Health, 1994

DEL PERCIO, Enrique. Ineludible fraternidade: Conflito, Poder y Deseo. 1. Ed. Buenos Aires: CICCOS, 2014.

DE BARBIERI, T. Sobre la categoría de género. Una introducción teórica-metodológica. ISIS Internacional. n.17, Santiago de Chile.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

______. Justiça para Ouriços. Coimbra: Almedina, 2012.

FONTANA et al. Dossie violência contra a mulher. Disponível em: http://www.redesaude.org.br/Homepage/Dossi%EAs/Dossi%EA%20Viol%EAncia%20Contra%20a%20Mulher.pdf. Acessado em: 22.04.2017.

GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1978.

GROSSI, M. P. Identidade de Gênero e sexualidade. Disponível em: http://www.miriamgrossi.cfh.prof.ufsc.br/pdf/identidade_genero_revisado.pdf. Acessado em: 15.04.2017.

KATCHADOURIAN, Herant. La sexualidad humana, Fondo de Cultura Económica: México:1997. p. 15-45.

LOURO, Guacira. Corpo, escola e identidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 25, jul./dez. 2000. p. 59-76.

MARÍAS, J. Uma visão antropológica do aborto - 2006. MSM: mar/ 2017

MILLET, Kate. Política sexual. Madrid: Ediciones Cátedra, 2000.

PEDRO, Ana Paula. Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito comum. Kriterion,  Belo Horizonte ,  v. 55, n. 130, p. 483-498,  Dec.  2014 .  

RAZZO, Francisco. A imaginação totalitária: os perigos da política como esperança. 1. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2016.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2 . ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

SUCHMAN, M. Managing legitimacy: strategic and institutional approaches. Academy of Management Review. v. 20, 1995.

WEBER, Max. Economia y sociedad . 2. ed. Traduzido por José Medina Echavarría et al ii, México: Fundo de Cultura Econômica, 11. Reimpressão, 1979.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
André De Jesus

Advogado, assessor parlamentar, professor universitário. Sou especialista em direito público e eleitoral, mestrando em Ciências da Educação e doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos