Bioética e biodireito e o direito de morrer com dignidade

06/02/2018 às 13:03
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Os avanços medicinais são passíveis de constantes questionamentos e árduas críticas, principalmente no que se refere aos pacientes terminais. A bioética, trazendo a ética e o valor para dentro da ciência da vida, vem esmiuçar o polêmico direito de se morrer com dignidade.

Introdução

Os avanços medicinais são passíveis de constantes questionamentos e árduas críticas, principalmente no que se refere aos meios e tratamentos dos pacientes terminais, a bioética é uma das formas de ética aplicada acerca da finalidade de tratar o valor nas ciências da vida.


1.0. Bioética e biodireito

A medicina é uma das áreas do conhecimento humano ligada à manutenção e restauração da saúde, considerada uma das ciências humanas mais científicas e importantes para a humanidade, com a prevenção e cura das doenças humanas num contexto médico.

Entretanto, com a tecnologia, os avanços medicinais são passíveis de constantes questionamentos e árduas críticas, principalmente no que se refere aos meios e tratamentos dos pacientes terminais

Nesta perspectiva, a bioética é uma das formas de ética aplicada à finalidade de tratar o valor nas ciências da vida, sendo a medicina e cuidados ambientais e de saúde.

Para Leone; Privitera; Cunha, apud Junqueira, (2011, p.08), um dos conceitos que definem Bioética (“ética da vida”) é que esta é a ciência

“que tem como objetivo indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de referência racionalmente proporíeis, denunciar os riscos das possíveis aplicações” (LEONE, PRIVITERA, CUNHA apud JUNQUEIRA, 2008, p.08)

Com outras palavras, Santos reforça que:

Bioética é uma palavra conhecida e utilizada por muitos profissionais. Publicações periódicas, casos que saltam à luz pública, debates sobre temas polêmicos sobre o aborto, reprodução assistida, eutanásia, clonagem, a vida e a saúde, etc., foram incorporados por várias pessoas. Mas a juventude deste saber, assim como a amplitude e diversidade das questões éticas, trazem dificuldades de referirmos a um conceito único. (LEITE, 2007)

O autor Kottow M., (1995, p. 53), em seu livro Introduccíon a la Bioética, ressalta que “A bioética é o conjunto de conceitos, argumentos e normas que valorizam e justificam eticamente os atos humanos que podem ter efeitos irreversíveis sobre os fenômenos vitais”.

Entretanto, a bioética necessita ser estudada por meio de uma metodologia interdisciplinar que envolve profissionais e estudiosos de diversas áreas, como na educação, sociologia, psicologia, teologia, medicina, direito etc.

Segundo o Conselho Federal de Medicina, salvar e proteger a vida representa o objetivo clássico da medicina, momento em que a ciência se torna inimiga do envelhecimento e da morte. Os demais objetivos da medicina são a promoção e a manutenção da saúde, bem como o alivio da dor e sofrimento.

Dentro destas perspectivas, o Conselho Federal de Medicina, menciona que

“o ser humano pessoalmente apto tecnicamente capacitado e legalmente habilitado para atuar na sociedade como profissional da medicina – o que lhe assegura o direito de praticar todos os atos que a legislação permite e obriga”. (BRASIL, 2003)

A ética trata-se de um “sistema ou teoria que busca delinear e descrever o que é bem e, que, por consequência e extensão, o que é mal”, conforme menciona Adoni (2003, p. 396.)

Os deveres e vedações éticos requerem, atualmente, uma codificação para que possam ser conhecidos, respeitados e sancionados

Sendo assim, o Código de Ética Médica regra que o dever ético de ser, está centrado no intuito de preservar a atuação profissional.

Nesse sentido, o Código de Ética Médicaé fundamentado por direitos e princípios fundamentais referenciado em seus capítulos e artigos, conforme citado:

Capítulo I – Princípios Fundamentais

[...]

Art. V - Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.

Art. VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

[...]

XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.

XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.

[...]

Capítulo IV – Direitos Humanos

É vedado ao médico:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

[...]

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

[...]

Art. 26. Deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa, considerada capaz fisica e mentalmente, em greve de fome, ou alimentá-la compulsoriamente, devendo cientificá-la das prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese de risco iminente de morte, tratá-la. (BRASIL, 2009)

Diante das disposições éticas pertinentes à profissão do médico, os princípios mais importantes são o do paternalismo e da autonomia.

O princípio do paternalismo médico traduz que o médico tem por intenção beneficiar o paciente, não considerando o seu consentimento, assim então, envolver omissão das informações, além do uso da força ou da coerção, com finalidade sempre de não causar ao paciente sofrimento psicológico.

Silva (1997, p.87), menciona “um juramento indiscutível e irrenunciável, ressaltando que a busca de fazer o bem é um objeto do juramento hipocrático e a prática da medicina”. Contudo, supondo saber o melhor para o paciente, os médicos tomam, intencionalmente, decisões sem considerar a vontade daquele, esta elevação do saber ao poder leva à passagem da beneficência ao paternalismo”.

No intuito de preservar os familiares do paciente e diminuir o sofrimento do mesmo, o médico opta pelo tratamento que entende mais adequado, sendo aplicado este princípio conforme mencionado, em pacientes terminais.

A conduta paternalista, historicamente, foi praticada habitualmente até os Tribunais Americanos em 1914, entenderam que a intervenção sem o consentimento do paciente e seus familiares era uma violação ao direito de autonomia do indivíduo.

o direito do paciente de decidir, de forma autônoma, sobre sua saúde, tratamento e vida, passou a ser defendido nos tribunais vinculando um elemento essencial da ética da medicina, no que se refere o respeito à pessoa. (ALMEIDA, 1999)

O mesmo autor desataca que o princípio da autonomia ou autodeterminação da pessoa consiste na capacidade de escolha, avaliando as possibilidades sem quaisquer restrições internas ou externas, sendo a capacidade que o indivíduo possui de fazer uma escolha e agir de acordo com ela.

Os avanços tecnológicos no campo da medicina e das investigações cientificas, influenciaram vários questionamentos referentes aos valores sociais, aquilo que pode ser considerado conduta humana correta ou eticamente aceitável.

Com o dinamismo que abrange o conhecimento biotecnológico, Silva (2002), aborda que

as células troncos, reprodução assistida, transplantes de órgãos, entre outros avanços tecnológicos, nasceu o termo biodireito como ramo do direito, também conhecido como elo entre bioética e o direito, com objetivo de buscar o equilíbrio entre a ciência e a pessoa humana. (SILVA, 2002)

Nessa perspectiva, o autor Adoni (2003, p.818), renomado autor da bioética, afirma que o biodireito trata da participação de outras ciências para a formação de um consenso quanto aos valores éticos e morais que devem estar compreendidos na elaboração das normas jurídicas.

Contudo, em meio a vários estudos, não foi determinado um conceito uniforme em relação ao termo biodireito. No entanto, cabe destacar a definição mais ampla.

“ramo do direito que trata da teoria e da jurisprudência relativas às normas reguladoras de conduta humana em face dos avanços da Biologia, da Biotecnologia e da Medicina”. Refere-se a um conjunto das ciências, das tecnologias em relação ao ser humano, sua vontade e principalmente no que respeita aos aspectos jurídicos. (ARNAUD, 1999, p.2)

Importante salientar que, o biodireito é visto como um ramo do direito, que, especialmente, aborda relações jurídicas às várias naturezas como o do embrião, eutanásia, aborto, transplante de órgãos e tecidos, manipulação do controle genético, dentre outros, dispondo como fundamento a dignidade da pessoa humana.

Diante disto, é perceptível que o biodireito é criado ao lado do direito fundamental à vida, à dignidade e à privacidade dos indivíduos, sendo inseparáveis. As bases do biodireito são encontradas em diversas áreas do direito, como no direito constitucional, civil e penal.  

Diante desse contexto, Paris afirma que:

Em todas as doutrinas e jurisprudências, sempre surgem novas questões ao tratar do regramento ou efetividade das garantias e direitos assegurados em lei, devido a constate mudança e evolução da sociedade. A atuação do biodireito tem como ponto principal o ser humano, expandindo o espaço que está inserido, o meio ambiente, fazendo jus à noção etimológica, ou seja, a vida e o direito. (PARISE, 2011)

Ainda, segundo o mesmo autor, retrata que, com todas as doutrinas e jurisprudências, sempre surgem novas questões ao se tratar do regramento ou efetividade das garantias e direitos assegurados em lei, devido isso à constante evolução da sociedade, sendo que a atuação do biodireito tem como ponto principal o ser humano, o espaço em que está inserido e, também, o meio ambiente, ou seja, a vida e o direito.

A bioética une-se ao biodireito, de forma indissociável, em frente às situações problemáticas nas quais o direito deve atuar.

1.1. Princípios bioéticos

Princípios podem ser considerados como tipo de ações, conjunto de normas ou padrões de conduta a serem seguidos. Com o tempo, tornam-se regras gerais que se dirigem aos interesses de uma determinada abordagem para a solução de um problema. A Bioética, assim como qualquer outra ciência, é regida por regras, devendo ser seguidas em qualquer âmbito do direito e da sociedade.

Com a origem da Bioética, vem a preocupação da utilização dos conhecimentos médicos na vida dos pacientes. Diante disto, nos Estados Unidos, em 1974, formou-se a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos sujeitos de investigação Biomédica e do Comportamento. Após quatro anos de árduos trabalhos, debates e discussões, foi publicado o “Relatório Belmont, se tornando um verdadeiro guia para ética da experimentação humana.

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Surgiu então, a formulação de quatros princípios bioéticos elementares: princípio da beneficência, princípio da não maleficência e princípio da justiça.

1.1.1. Princípio da autonomia

Segundo Hartnann (2010, p.118), o princípio da autonomia é como princípio informador do agir médico, a autonomia aponta para o direito de autodeterminação do paciente, ao reconhecer e privilegiar sua vontade.

Maria Helena Diniz menciona que:

Este princípio se refere ao respeito devido, por parte do profissional da saúde, à vontade do paciente ou de seu representante, levando-se em consideração seus valores morais e crenças religiosas. Admitindo o domínio do paciente sobre a própria vida e o respeito à sua intimidade, acaba por restringir a intromissão no mundo de quem está sendo submetido a tratamento. (DINIZ, 2009, p.15)

O princípio da autonomia propõe que os indivíduos capacitados deliberem sobre suas escolhas e vontades, devendo ser tratados com respeito por suas decisões, sendo que qualquer pessoa tem o direito de decidir sobre questões relacionadas à sua vida, principalmente, sobre seu próprio corpo. Desta maneira, todos atos médicos devem ser comunicados e autorizados pelo paciente.

Sgreccia (1996, p.167) afirma que este princípio impõe o respeito devido aos direitos fundamentais do homem, inclusive, o da autodeterminação, ou seja, tal princípio tem como base o respeito mútuo e inspira: não faças ao outro aquilo que não queres que te façam”.  

Com base nessa percepção, Monteiro (2000) aborda que os partidários da legalização do procedimento eutanásico, que a pedido do paciente a justificam como um ato livre, que permite reafirmar a dignidade de uma vontade livre e autônoma contra uma necessidade.

Ainda, o mesmo autor complementa que para que o indivíduo-paciente exerça sua autonomia de escolha, o médico deverá informar as reais possibilidades de tratamento do enfermo. Assim surge o consentimento informado, que é o ato voluntário sem quaisquer vícios, no qual se baseiam em informações verdadeiras prestadas pela equipe médica.

1.1.2. Princípio da beneficência

Para Adoni, o princípio da beneficência

é a premissa de não causar danos, provendo benefícios e ampliar a ocorrência dos benefícios ao ser humano, em busca de minimizar os prováveis riscos que são ínsitos às investigações da ciência no âmbito do ser humano. (ADONI, 2003, p.818)

O mesmo autor ainda salienta que este princípio tem por objetivo considerar os malefícios e os benefícios que o tratamento poderá proporcionar ao paciente, equacionando possíveis danos que um tratamento pode proporcionar ao indivíduo e família.

É a obrigação ética de maximizar o benefício e minimizar o prejuízo que o profissional deve ter a maior convicção e informação técnicas possíveis que assegurem ser o ato médico benéfico ao paciente, na ação que faz o bem.

Na mesma linha, o autor Santos (1998) enuncia a obrigatoriedade do profissional da saúde e do investigador, de promover o bem do paciente e se baseia na regra da confiabilidade.

No Código de Ética Médica, no artigo 2º, evidencia este princípio, dispõe que: “o alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo zelo e o melhor de sua capacidade profissional”. Nos casos de pacientes em fase terminal a utilização de tratamentos terapêuticos para tão somente prolongar a vida, a fim de evitar danos previsíveis, tem estado ao lado deste princípio.

Em conexão com as considerações acimas citadas, Hartmann afirma que:

o princípio aborda a relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos das pesquisas e minimização de ônus para o sujeitos vulneráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio humanitária, ou seja, isto garantirá o atendimento aos interesses importantes e legítimos do paciente ao mesmo tempo em que evita danos previsíveis. (HARTMANN, 2010)

Por fim, reitera-se que princípio da beneficência não diz como distribuir o bem e o mal, sendo, primeiramente, promover o bem e, em segundo, evitar o mal, este princípio proíbe infligir dano deliberado. Esse fato é evidenciado pelo princípio da não maleficência.

1.1.3 Princípio da não maleficência

O princípio da não maleficência na Bioética é observado como uma contradição, elencado muita controvérsa entre doutrinadores, provocando dúvidas quanto ao fato de ser um princípio autônomo ou uma face passiva do princípio da beneficência, consistindo em não causar dano intencional e não intervindo quando ocasionar algum mal ao paciente.

Adoni (2003), fundamenta que

a não maleficência refere-se a uma parte do juramento de Hipócrates, que prega em “não fazer o mal”, no qual, deve se impedir o mal ou a ocorrência de um dar a outrem, afastando o mal ou dano existente, sendo necessário buscar a promoção e realização do bem, em suma, este princípio trata-se do dever de não provocar um dano intencionalmente, provindo da máxima da ética médica. (ADONI, 2003, p.118)

Ramos (2003, p.74), entende que o princípio da não maleficência já se encontra agregado ao princípio da beneficência, não havendo que se falar em um quarto princípio.

Entretanto, este princípio proporciona benefícios na busca de minimizar os riscos e danos de um tratamento, não prolongando o sofrimento do paciente-enfermo, e protegendo sua integridade fisiológica, psicológica e moral.

1.1.4. Princípio da justiça

A Justiça consiste na obrigação de dar a cada um o que é seu por direito, no que se refere na distribuição dos benefícios e riscos, ou seja, reconhecer imparcialmente o direito de cada um e atender os pacientes na maneira correta.

A imparcialidade de nortear os atos médicos, impede que aspectos discriminatórios interfiram na relação entre médico e paciente. Tencionando estabelecer um tratamento justo a todas as pessoas, levando em consideração valores morais abrangidos no Estado Democrático.

Na concepção de Sá (2003),o princípio da justiça tem a ver com a distribuição justa, equitativa e universal dos benefícios do conhecimento e serviços de saúde. É a compreensão de justiça como igualdade social, equidade e bem-estar que fundamenta a visão deste princípio.

Ramos destaca que o Relatório Belmont, publicado em 1978, aborda:

Quem deve receber os da pesquisa e os riscosque ela acarreta? Esta é uma questão de justiça, no sentido de 'distribuição justa' ou 'o que é merecido'. Uma injustiça ocorre quando um benefício que uma pessoa merece é negado sem uma boa razão, ou quando algum encargo lhe é imposto indevidamente. Uma outra maneira de conceber o Princípio da Justiça é que os iguais devem ser tratados igualmente. Entretanto esta proposição necessita uma explicação. Quem é igual e quem é não-igual? Quais considerações justificam afastar-se da distribuição igual? (RAMOS, 2003, p.77-78)

Nessa mesma linha de pensamento, Santos (1998), sustenta que a distribuição de encargos e benefícios seja de forma justa. A autora também afirma que o poder de decisão deve aliar-se a justiça, é quando ocorre o conflito entre autonomia do paciente com a responsabilidade do médico, visando à proteção da vida, como no caso, exemplificando, da transfusão de sangue indispensável para pacientes que sejam testemunhas de Jeová.

Aristóteles propôs a justiça formal, afirmando que os iguais devem ser tratados de forma igual e os diferentes devem ser tratados de forma diferente. Em uma situação de justiça, de acordo com esta visão, uma pessoa receberá benefícios ou encargos correspondentes às suas propriedades ou circunstâncias particulares.

1.2. Visão médica sobre a morte

A morte, desde os primeiros tempos, foi conceituada de acordo com cada ideologia, cultura, crença e histórias de cada época. A morte pode ser observada como um mistério enigmático, ou até mesmo como um absurdo intolerável, podendo até ser tratada como um tabu, motivo pelo qual a maioria das pessoas não gosta de falar.

Ela é considerada um assunto ainda complexo de ser tratado, sempre de grande relevância, mesmo pelos os médicos que a tem como elemento não só da vida, mas também do ofício, dessa forma, o entendimento da morte por profissionais da medicina se torna parte das suas rotinas.

Por diversas circunstâncias, os médicos ficam diante de situações de extrema responsabilidade, necessitando tomar decisões sobre condições de saúde e da vida de seus pacientes.

A relação entre morte e atuação médica sofreu inúmeras modificações no decorrer da história. Zaidhaft (1990) menciona que

até o século XIX, a única função do médico em relação à morte era a de espectador, e que isso só foi se modificando a partir do século XVIII, com o desenvolvimento científico e tecnológico e a institucionalização do doente no hospital. (ZAIDHAFT, 1990)

A medicina estabelece uma visão entre a efetividade instituídas pela evolução da ciência e, por outro lado, a boa conduta estabelecida pela ética. Nessa perspectiva é importante levar em consideração questões sobre a responsabilidade depositada em cima dos profissionais da medicina.

Vomero (2002) menciona que, “seja como for, aceitemos isso ou não, a morte é um fato, uma realidade inexorável. E que vem para todos nós. Por mais que queiramos nos esconder dela, deixar de existir é uma coisa tão natural quanto existir.”

A morte faz parte da vida. Todos começamos a morrer exatamente no dia em que nascemos. A morte, portanto, é uma etapa da nossa existência com a qual temos que conviver. Pode-se conviver melhor ou pior com ela. Mas não se pode evitá-la. Pode-se aceitar a sua inevitabilidade e olhá-la de frente. Ou pode-se negá-la, fugir dela, imaginar que não pensar na morte possa fazer com que ela deixe de acontecer com você ou com a sua família. Mas o fato é que todos nós estamos programados para nascer, crescer e morrer – uma obviedade esquecida por boa parte da sociedade ocidental contemporânea, que teima em ver a morte como um evento artificial, inesperado e injusto. Sobretudo, costumamos vê-la como um evento exclusivo, pessoal, que isola quem sofre uma perda, por meio da dor, do resto do mundo. Quando, ao contrário, não há nada menos exclusivo do que morrer. (VOMERO, 2002)

A decisão de morrer ou não para os religiosos não é como a decisão médica, ou até mesmo dos familiares. Em conformidade com a medicina e os princípios que abrange, cabe ao médico tentar, de todas as maneiras, evitar a morte de seu paciente, utilizando de vários recursos tecnológicos para prolongar a vida dos enfermos.

Segundo Ribeiro, Baraldi e Silva (1998, p.117-123), em sua tese de mestrado, menciona que o fato de o profissional de saúde deparar-se, frequentemente, com situações estressantes e perda dos pacientes, carrega momentos de reflexões, estas reflexões que são realizadas habitualmente acerca do processo de identificação e imagens simbólicas dos indivíduos “saudáveis” que assistem à morte do “outro” e participam dela. Os autores indicam que, mesmo a morte sendo parte da rotina dessas profissões, o desejo é de que sempre ocorra “no plantão do outro”, e surgem várias reações para negar ou anular tal acontecimento, pelo silêncio ou vazio no leito.

Em alguns casos de pacientes terminais, a família não tem a participação na decisão da morte, quando especificamente se trata de morte interdita em que o paciente terminal parte sem dizer ou ouvir nada sobre seus últimos momentos.

Não obstante, como já foi mencionado, com o avanço da tecnologia medicinal, tem-se ocorrido um novo método médico, onde profissionais tem que cuidar e conviver com doentes gravemente enfermos e em grandes sofrimentos, no qual o intuito é prolongar a vida.

Simon (1971) fundamenta que o médico se tornou responsável por combater e vencer a morte em alguns casos, sendo aquele que decide tecnicamente o momento da morte e as circunstancias da morte. Nessas ocasiões, o médico-profissional assume como onipotente e prioriza para salvar a vida do paciente.

O estudante de medicina, logo no início da sua vida acadêmica, constitui sua personalidade como médico, uma vez que:

o estudante de Medicina logo ao entrar na faculdade tem seu primeiro contato com o cadáver, e nesse encontro com o cadáver, surge nos alunos o processo de desenvolvimento de mecanismos de defesa indispensáveis para a futura profissão, o estudante então se faz médico nas relações identificatórias com professores e com demais alunos encontrando sua "identidade médica" também a partir das atitudes dos que lhe auxiliam de espelho introduzindo assim, a ideologia médica. (ZAIDHAFT, 1990, p.19)

O autor destaca que esta ideologia, transmitida cotidiana e quase automaticamente, é expressa em máximas como "não se envolva com o paciente", "há que se ter sangue frio", "para aprender é assim mesmo", "se você ficar sofrendo a cada morte de paciente, você não aguenta e larga a Medicina".

Contudo, desde o início, o médico é treinado para lidar com a morte de maneira prática, sendo abordado cotidianamente por estimulações que o motivam a esconder ou a aprender a não expressar seus sentimentos em relação à morte de um paciente. Silva (2006, p. 176) aponta que a morte com a qual os estudantes de medicina aprendem a lidar, é uma morte morta, sem alma, não emocional, e sim cientifica, quando se encontram de fato com a morte. 

Neste processo, logo o futuro médico inicia o contato direto com os pacientes, pessoas que precisam de seus serviços, em centros municipais, estágios universitários, ambulatórios. São nessas ocasiões que ocorre a mudança radical da vida academia do futuro médico, onde todo aprendizado formal passa a ser colocado em prática, tendo que aprender a habituar-se com o fato de que o processo de aprendizado da medicina se dá através da dor, sofrimento e, muitas das vezes, pela morte de seus pacientes.

1.3. Medicina paliativa e seus cuidados

O avanço da medicina conduziu a uma via intermédia em relação à vida dos doentes em fases terminais. Surgiu uma nova especialidade, a medicina paliativa, que ainda necessita de muitos estudos.

Esta atual ciência trata-se da medicina que confronta de frente com os doentes desenganados e em estados terminais, lida com pacientes em que a doença é caracterizada pelo avanço irreversível e destruidor do organismo, ou em casos de coma profundo e persistente, até mesmo a lesão cerebral. Até mesmo nesses casos o paciente tem direito sobre sua vida, necessitando o médico lhe dar toda atenção necessária e devida.

A Organização Mundial de Saúde (2002) definiu os cuidados paliativos como sendo um tratamento que ajuda a melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida de um enfermo, sendo necessário avaliar e controlar, de forma cuidadosa, a dor, mas também, todos os sintomas da natureza física, social, emocional e espiritual.

Para Moritz (2012, p.190), “cuidado paliativo é uma forma de abordagem que visa à melhoria da qualidade de vida de pacientes e seus familiares que enfrentam doenças ameaçadoras à vida”, sendo importante a identificação precoce para o tratamento dos sintomas físicos e emocionais.

Para o tratamento desses doentes nessa situação, é necessário uma equipe medica especializada e com as devidas habilidades para ajudar os pacientes a adaptar-se nas mudanças que a doença acarreta; não somente o paciente, mas também sua família, recebem a ajuda necessária para o acarretamento desta situação.

No ano de 2005, foi fundando a Academia Nacional de Cuidados Paliativos – ANCP, que tem por objetivo a regularização profissional do paliativista brasileiro, para a fundação de tal academia foi realizado pesquisas e definições e foi estabelecido o que é ou não cuidado paliativo. 

O Conselho Federal de Medicina, em 2009, abrangeu, em seu Código de Ética Médica, pela primeira vez na história da medicina brasileira, os cuidados paliativos como sendo princípio fundamental. Há uma parceria entre a Associação Médica Brasileira – AMB, o Ministério Público e a ANCP, que lutam para que seja regulamentado a Medicina Paliativa como área de atuação médica

As atividades relacionadas aos cuidados paliativos nos dias atuais ainda precisam ser normatizadas conforme a lei. No Brasil, ainda acorre um desconhecimento e preceito por parte dos médicos, profissionais de saúde, diretores hospitalares e até mesmo o poder judiciário. Confundem-se cuidados paliativos com a prática da eutanásia, o receio de usar medicamentos fortes, como morfina para alivio da dor.

A ANCP vem buscando mudar a situação do Brasil em relação a este assunto, levando à conscientização a polução brasileira sobre cuidados paliativos, diminuindo o preconceito, atendendo, assim, cada um, tal como é, mas sem discriminações.

Tratar os cuidados paliativos como um serviço feito com bondade, coração, humanidade. Entretanto, o doente terminal recebe menos atenção e afeto. Por isso, o médico precisa analisar, com frequência, a forma como posiciona sua conduta, relativamente ao princípio ético de não discriminar, ajudando aqueles que necessitam ter uma passagem para outra vida mais tranquila e sempre com dignidade.


Referencias

ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais sobre Eutanásia e o Direito a Morte Digna. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 9, v. 818, 2003.

HARTNANN, Ivair Alberto Martins. O direito de autodeterminação do paciente. Revista da Ajuris, ano 37, n. 118. Porto Alegre: Ajuris, 2010.

LEONE; PRIVITERA; CUNHA apud JUNQUEIRA, Cilene Rennó. Bioética: conceito, fundamentação e princípios. Disponível em: http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/modulo_bioetica/Aula01.pdf. Acesso em: 20 de setembro de 2017.

RAMOS, Augusto César. Eutanásia: Aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis: OAB. SC Editora,2003.

RIBEIRO, M. C.; BARALDI, S. M.; SILVA, J. P. da. A percepção da equipe de enfermagem em situação de morte: ritual do preparo do corpo pós-morte. Rev.

Esc. Enf. USP, n. 32.

SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito e direito ao próprio corpo. Belo Horizonte: Del Rey. 2003.

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei: Implicações Médico-legais. São Paulo: Ícone Editora. 1998

VOMERO, Maria Fernada. Morte. Disponível: <https://super.abril.com.br/comportamento/morte/.> Acesso em : 30 set 2017 

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