III - Do estudo prévio de impacto ambiental e relatório de impacto no meio ambiente
O Decreto n. 88.351/83 (art. 18, § 1º) incumbiu ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) fixar os critérios básicos segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento de atividades (18). O Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente, comumente conhecidos como EIA-RIMA, foram primeiramente regulamentados no Brasil pela Resolução do CONAMA n. 001, de 23 de janeiro de 1986 (19), posteriormente alterada pela Resolução CONAMA n. 011, de 18 de março de 1986 (20), que alterou algumas das atividades sujeitas à avaliação ambiental. Para um estudo conveniente da Resolução n. 305, de 12 de junho de 2002, que normatiza a instalação e organização de atividades e empreendimentos com Organismos Geneticamente Modificados e seus derivados, criando regras sobre o Licenciamento Ambiental, o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto no Meio Ambiente, visando um entendimento global do assunto, faz-se necessário o prévio conhecimento das Resoluções supracitadas.
Segundo José Afonso da Silva, impacto ambiental é, pois, qualquer degradação do meio ambiente, qualquer alteração dos atributos deste. Seu conceito legal é calcado no conceito de poluição, mas não é só por esta que se causa impacto ambiental (21). Sobre a necessidade de prévio Estudo de Impacto Ambiental em relação ao que se considera impacto ambiental, a Resolução n. º 001/86 – CONAMA, assim normatiza, verbis:
"Considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota (flora e fauna); as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente, e a qualidade dos recursos ambientais."
Sobre as origens e o objeto do estudo de impacto ambiental, José Afonso da Silva afirma:
"O instituto veio do direito americano que, já em 1969, exigia um relatório de impacto ambiental anexo aos projetos de obras do governo federal que pudessem afetar a qualidade do meio ambiente. Ressalta Despax que, no direito americano, como no francês, o estudo prévio de impacto ambiental tem por objeto conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação do meio ambiente. Assim também deve ser entendido entre nós, pois, como já observamos: compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico constitui um dos principais objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81, art. 4º, i. I)." (22)
O capítulo VI da Resolução n. 305 (23) do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), de 12 de junho de 2002, em seu artigo 7º, elenca rol exemplificativo das considerações que o órgão ambiental competente deverá observar ao exigir EIA/RIMA, de acordo com o previsto no inciso IV do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal e nos termos da Lei n. 6.938, de 1981, contendo os seguintes elementos, dentre outros: I - o parecer técnico prévio conclusivo da CTNBio; II - a localização específica da atividade ou do empreendimento; III - a potencial degradação da qualidade ambiental; IV - o efeito do empreendimento sobre as atividades sociais e econômicas; V - o tamanho e as características do empreendimento; VI - a presença ou proximidade de parentes silvestres de OGM; VII - a vulnerabilidade ambiental do local; VIII - a existência de licença ou pedido de licença ambiental anterior para atividade ou empreendimento envolvendo a mesma construção gênica naquela espécie ou variedade; IX - os pareceres técnicos apresentados pelos interessados legalmente legitimados, nos termos da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Segundo Luiz César Ribas, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei da Política Nacional do Meio ambiente, o estudo de impacto ambiental deverá obedecer a algumas diretrizes gerais, quais sejam:
"a) contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; b) identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados na fase de implantação e operação da atividade; c) definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza; d) considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto e sua compatibilidade." (24)
O artigo 8º da Resolução determina que sempre que for necessária a elaboração de EIA/RIMA para o licenciamento de atividade ou empreendimento envolvendo OGM e derivados, deverá ser elaborado Termo de Referência específico, observadas as orientações contidas no Anexo II da própria Resolução.
Também quanto ao Estudo de Impacto Ambiental, o ensinamento do jurista Paulo Afonso Leme Machado:
"A Declaração do Rio de Janeiro/1992 preconizou também o referido estudo de impacto ambiental, dizendo no princípio 17: a avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreendida para atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de uma autoridade nacional competente.
O Brasil já havia adotado em sua legislação esse instrumento jurídico de prevenção do dano ambiental.
A ConstituiçãoFederal de 1988 (art. 225) diz em seu § 1º:
Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV – exigir, na forma de lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.
Nesse estudo avaliam-se todas as obras e todas as atividades que possam causar degradação significativa ao meio ambiente. A palavra potencialmente abrange não só o dano, de que não se duvida, como o dano incerto e o dano provável.
A Resolução CONAMA n. 001/1986 diz que o estudo de impacto ambiental desenvolverá: a análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazo; temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade: suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais (art. 6º, II).
O grau de perigo, ou seja, a extensão ou a magnitude do impacto é uma das tarefas do estudo de impacto ambiental, como se vê da regulamentação acima referida. É também objeto da avaliação o grau de reversibilidade do impacto ou a sua irreversibilidade. Como se constata a legislação do estudo de impacto ambiental contempla, também, uma avaliação de risco.
No caso da aplicação do princípio da precaução, é imprescindível que se use um procedimento de prévia avaliação, diante da incerteza do dano, sendo este procedimento o já referido estudo prévio de impacto ambiental. Outras análises por mais aprofundadas que sejam, não podem substituir esse procedimento. Decidiu o Egrégio Tribunal Federal da 5ª Região, com sede em Pernambuco, que o Relatório de Viabilidade Ambiental não é idôneo e suficiente para substituir o estudo de impacto ambiental e respectivo relatório. Muito acertada a decisão judicial, pois a multiplicidade de procedimentos não só geraria confusão, como enfraqueceria as garantias jurídicas de seriedade, de amplitude e de publicidade já inseridas no estudo de impacto ambiental." (25)
Sobre esse tema, posiciona-se Fernando Tabet, advogado, em artigo publicado no periódico Fármacos e Medicamentos:
"Um dos pontos controvertidos quanto ao cultivo dos transgênicos está relacionado à necessidade de se realizar prévio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA), para avaliar os riscos ambientais envolvidos e propor medidas objetivando evitar ou minimizar eventuais impactos negativos no ambiente. A rigor, a legislação obriga a realização prévia do EIA/RIMA, como subsídio ao processo de licenciamento ambiental para as atividades potencialmente causadoras de significativa degradação no ambiente. No entanto, como nossos legisladores não definiram o que seja degradação significativa do ambiente, os critérios utilizados para exigir o EIA/RIMA ficaram, na prática, a cargo dos órgãos ambientais competentes (a Resolução n.º 1/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente listou, a título exemplificativo as atividades que dependem de EIA/RIMA)." (26)
Como demonstrado anteriormente, pela opinião majoritária de inúmeras autoridades do mundo científico que têm como objeto de trabalho a biotecnologia, que exigem prudência e segurança no trato de organismos geneticamente modificados (OGM), com vistas a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais, das plantas, dos seres vivos em geral e de todo o meio ambiente, impõe-se a observância rigorosa do princípio da precaução nas situações em apreço, bem como a avaliação feita através do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, para que os riscos sejam quantificados e dirimidos.
Entretanto, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, ao decidir ou delimitar o quantum a atividade antrópica poderá influenciar na manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, provavelmente incorrerá em questões insolúveis, pois a quantificação dos recursos naturais, das externalidades negativas e positivas decorrentes da interferência humana, sempre carecerá de elementos concretos, visto que as futuras gerações, que também são titulares deste direito de manutenção da vida na Terra, nunca poderão se expressar quanto aos assuntos atuais. Ademais, previsões e probabilidades, nunca afirmarão a ausência dos riscos, portanto, a valoração crematística é extremamente complexa.
Como salienta Cristiane Derani, utilizando-se da citação de D. E. James:
"Mesmo com os sensíveis progressos, em anos recentes, na confiabilidade das técnicas de avaliação econômica, é potencialmente impossível capturar todos os custos da degradação ambiental nos investimentos empresariais. O custo verdadeiro está escondido pela tirania das (relativamente) pequenas decisões. Em regra, por causa da incapacidade de se medir acuradamente os verdadeiros custos sociais dos investimentos (Man-made investments), os rendimentos sociais calculados serão sobrestimados. Ao contrário, os benefícios da preservação dos recursos naturais tendem a ser subestimados. O uso dos recursos naturais pode em algumas instâncias levar a custos externos difíceis de serem qualificados, mas o peso das evidências ecológicas sugere que, de modo geral, benefícios externos significantes estejam associados com a conservação dos estoques de capital natural." (27)
A partir destas premissas, Cristiane Derani afirma que, a decisão, ao final do processo de qualquer Avaliação de Impacto Ambiental, é um posicionamento político juridicamente orientado. Esta é uma questão de escolha política do presente, dentro da qual o conhecimento, que no decorrer de todo o processo desempenhou sua função de prima-dona, cede, e assume um papel secundário, na conclusão deste levantamento. Na realidade, termina por ser toda a ciência suporte de decisões políticas, que, por sua vez, num Estado Democrático de Direito, curvam-se às orientações e limites expressos pelo Direito. (28)
A necessidade da apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental cientificamente fundamentado, de acordo com o disposto no art. 225, IV da CF/88, como condição indispensável ao plantio, em escala comercial, de Organismos Geneticamente Modificados, resulta, em termos vinculativos, dos direitos fundamentais da pessoa humana (vida, liberdade, segurança e meio ambiente ecologicamente equilibrado) de primeira a quarta dimensão.
Neste sentido, escreve Ingo Wolgang Sarlet:
"No que diz com a relação entre os órgãos da administração e os direitos fundamentais, no qual vigora o princípio da constitucionalidade imediata da administração, a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de forma constitucional, isto é, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com os direitos fundamentais. A não-observância destes postulados poderá, por outro lado, levar à invalidação judicial dos atos administrativos contrários aos direitos fundamentais, problema que diz com o controle jurisdicional dos atos administrativos (...)" (29)
Todos os fatos relatados anteriormente aconteceram com os chamados transgênicos da 1.ª geração, dedicados ao consumo alimentar, sem apresentar propriedades terapêuticas, apenas com ênfase na produção, ou na qualidade protéica. Os organismos geneticamente modificados da 2.ª onda ou segunda geração, se pautaram na incorporação de características de qualidade nutricional ou de processamento de alimentos, a exemplo das variedades de soja com maior teor de ácidos aléicos, com grandes benefícios para a saúde humana. (30)
Atualmente, os E.U.A. já se encontram frente a experimentos relativos à 3.ª geração dos transgênicos, na qual os alimentos poderão conter fármacos, que serão responsáveis pela erradicação de várias doenças e patogenias. Um grande exemplo é o arroz transgênico enriquecido com betacaroteno (vitamina A), desenvolvido pelo Instituto Federal Suíço de Tecnologia, em Zurique, que poderia acabar com a cegueira noturna, que tem aproximadamente 250 milhões de casos no mundo.
Este significativo avanço nas pesquisas com Organismos Geneticamente Modificados não significa que os riscos serão dirimidos ou atenuados, apenas demonstram outras utilidades destes produtos, que não as originariamente formuladas. Toda a evolução científica e tecnológica deve ser pautada em princípios que assegurem parâmetros seguros de confiabilidade, para que a utilização e a aceitabilidade dos consumidores estejam pautadas em regras claras de biossegurança, que diminuam a probabilidade de que acontecimentos não previstos aconteçam.
O papel do Direito neste novo paradigma científico é de fundamental importância, pois disciplinar e normatizar as regras relativas à comercialização e aplicação industrial dos Organismos Geneticamente Modificados requer um esforço conjunto dos Estados, das indústrias transnacionais e da comunidade científica, que devem pautar-se em um objetivo único: aliar o desenvolvimento das biotecnologias à preservação do meio ambiente e da espécie humana.