O Justo e Justiça para o Direito
Marcelo Augusto de Freitas – Advogado; Pós-Graduado em Advocacia Tributária; Membro da Comissão de BioDireito da OAB/SP; Docente da UNITERP.
Eduardo Cardoso de Oliveira - Docente dos cursos de Direito / UNILAGO
RESUMO
A questão do justo e da justiça, é a grande preocupação da sociedade, carecedora de receber julgamentos justos aos seus litígios, como também, preocupações com as novas normas que são editadas a cada dia pelo poder legislativo. Com a mesma preocupação da sociedade, o operador do direito, tem somado a esta, a preocupação e a obrigação de conhecer e buscar por meio de seus estudos, a evolução e a noção de justiça. Após esse aprendizado, sobre o justo e a justiça, o operador do direito deve tomar destes ensinamentos em seus atos, assim como, desempenhar suas funções, tendendo a formar e consolidar estes ensinamentos, com o intuito de formar uma sociedade mais justa e humana. A justiça sempre tende a harmonizar a sociedade, mesmo que uma das partes do litígio, vislumbre que a decisão proferida não foi justa.
Palavras chave: direito, justo e justiça.
1.Introdução
A noção de justiça é representada como uma “virtude dos indivíduos”, conduta esta que é praticada em favor de seus semelhantes, segundo os ditames das normas jurídicas e sociais. Se a conduta do indivíduo for de encontro ao que preconiza a norma, caracteriza-se uma conduta injusta. Tendo neste sentido, o entendimento de que a noção de justiça está intimamente ligada à sociedade, ou seja, é baseada na conduta social da pessoa, tendenciosa a uma “harmonia social”, como nos descreve Hans Kelsen:
“A justiça é a qualidade de uma conduta humana específica, de uma conduta que consiste no tratamento dado a outros homens. O juízo segundo o qual uma tal conduta é justa ou injusta representa uma apreciação, uma valoração da conduta. A conduta, que é um fato da ordem do ser existente no tempo e no espaço, é confrontada com uma norma de justiça, que estatui o dever-ser” (Kelsen, 1998, pag.03).
Segundo Aristóteles, a justiça consiste na virtude de observância da lei, ou seja, no respeito aquilo que é legítimo e que vige para o bem da comunidade (BITTAR, 2000).
2.Noções de Justiça, segundo “grandes pensadores”
Adentrando a este assunto sobre as normas relativas a justiça, tomemo-nos das brilhantes palavras de nosso “sábio professor”, Hans Kelsen:
“Tal como o princípio do suum cuique ou a regra de ouro, também o imperativo categórico pressupõe a resposta à questão de como devemos agir para proceder bem e justamente como previamente dada por um ordenamento preexistente” (Kelsen, 1998, pag. 27).
2.1.A fórmula do suum cuique
A mais conhecida dentre as noções de justiça, sem dúvida é a “suum cuique”, norma esta, que prega: “Dar a cada um o que é seu”, ou seja, dar aquilo que lhe é devido, ou que lhe pertence, ou então, que é sabido ser de sua propriedade (KELSEN, 1998).
2.2.A Regra de Ouro
A regra de ouro prega o seguinte: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. Esta norma nos ensina que devemos tratar os outros, tal como gostaríamos de ser tratados (KELSEN, 1998).
2.3.O Imperativo categórico de Kant
Kant diz que: ”Age sempre de tal modo, que a máxima do teu agir possa por ti ser querida como lei universal”. Ensinamento este, que é uma evolução derivada da regra de ouro, pois agrega ao ensinamento anterior, que devemos agir não apenas do modo como gostaríamos de ser tratados, mais como também, de forma tão sublime, que nossos atos possam ser tomados como “lei”, para serem tomadas de exemplo as outras pessoas, assim como agiu Jesus Cristo (KELSEN, 1998).
2.4.Fórmula de Tomás de Aquino
Grande pensador da filosofia, Tomás de Aquino nos prega: “Faz o bem e evita o mal”, e como norma de justiça, nos diz que: “os homens devem ser bem tratados, e não maltratados” (KELSEN, 1998).
Mais uma vez nos deparamos com uma norma que nos remete a tentativa de harmonização da sociedade, visivelmente focada na valorização da integridade física das pessoas, pois naquela época eram utilizados vastamente os suplícios, as torturas e as penas degradantes e cruéis.
2.5.Princípio Retributivo como Princípio de Justiça
Dita este princípio, que: “Quanto maior for a falta, tanto maior deve ser o castigo; quanto maior for o merecimento, tanto maior deve ser a recompensa” (KELSEN, 1998).
Este princípio está voltado para a valoração de um fato, sendo este considerado bom, ou mal, sendo posteriormente “pesado”, o quão bom é o fato, ou quão mal o é, para se ter uma medida mais aproximada e quase que exata, sobre a recompensa ou o castigo merecedor da conduta.
2.6.Princípio de justiça comunista de Karl Marx
Mais voltado para os princípios relacionados a uma sociedade capitalista exploradora, Karl Marx dita que: “Deve-se dar a cada um segundo as suas capacidades e a cada um segundo as suas necessidades” (KELSEN, 1998).
Este princípio é mais voltado a luta pela igualdade entre os mais desfavorecidos e os mais abastados, pregando que devia se pagar uma quantia justa aquele que teria trabalhado (capacidades), mas como também, deveria ser repassado uma parte deste lucro aos necessitados de ajuda e apoio.
2.7.Corrente Filosófica da Grécia
O pensamento predominante na Grécia, é resumido nos três princípios filosóficos: Não prejudicar a outrem; Viver honestamente; Retribuição ao homem, segundo seus méritos (REALE, 2002).
Não prejudicar a outrem normatizava que cada homem era obrigado a não prejudicar a outros, ou seja, não lhes causar dano, traçando assim, limites para a ação dos indivíduos dentro da sociedade.
Viver honestamente, possuía um cunho mais filosófico, no qual, seria uma “inspiração”, que pregava aos indivíduos, que se vivessem segundo as normas regentes, alcançariam a felicidade em suas vidas.
A retribuição ao homem, segundo seus méritos, era o entendimento de que se o indivíduo trabalhasse em determinado serviço, deveria receber a quantia acordada, do mesmo modo, deveria receber uma punição, se faltasse a alguma obrigação ou desobedecesse alguma norma.
3.Desenvolvimento da Justiça
Desde o momento em que um formato primitivo de sociedade começou a se formar e desenvolver a tempos longínquos, nossos ancestrais se viram inclinados a se sujeitarem a algumas regras, que possibilitasse viverem com mais segurança, assim como, conseguissem resolver seus conflitos de maneira mais eficaz e possivelmente de forma mais justa, ou seja, resolver os conflitos, não pensando apenas em beneficiar uma das partes conflitantes, mas sim, a beneficiar a coletividade, a sociedade que tomava forma e proporção. Neste momento, temos o nascimento de nosso estimado Direito, que deste então só se fez crescer e se desenvolver, tentando fazer justiça, e criar regras que se façam serem justas (KANT, 1993).
Quando dizemos que o órgão julgador, chega a um resultado, decidindo o litígio por meio da sentença, condenando ou isentando o réu, podemos dizer que a justiça foi feita, mas, algumas vezes dizemos que esta é injusta, ou simplesmente, que o Direito não foi justo com aquela pessoa. O que ocorre, é que, o nosso pensar se baseia em sentimentos e julgamentos realizados aos “olhos de nossos corações”, vendo o caso por um prisma puramente sentimental, diferente dos ensinamentos do direito, que são estritamente positivados, escritos, justificados e aprovados.
Cada época histórica tem a sua noção do que é justiça, sendo influentes neste contexto, os valores dominantes na sociedade da época, pois, o que para uma determinada sociedade em dado momento, é considerado crime, pecado ou afronta aos deuses, sendo cabível a aplicação de uma pena, suplício ou castigo, assim como, pode a mesma conduta, para outra sociedade, em outros tempos, ser considerado uma conduta totalmente normal (BITTAR, 2000).
4. Conduta social regulada pelo Direito
O princípio básico do direito é a liberdade, ou seja, liberdade de escolha que o homem tem para se determinar, optando por realizar uma contada admitida ou rejeitada pelas leis, sendo de sua inteira vontade a escolha deste feito, mesmo sabendo que será cabível, uma iminente punição para sua conduta, que é indesejada e reprovada pela sociedade (CRETELLA JUNIOR, 2003).
Nosso ordenamento jurídico tem como pressuposto, que a conduta dos homens, seja regula por regras (leis), considerando que se algum ato for praticado fora deste paradigma, será aplicado um “castigo” (ato coercitivo), proporcional ao mal causado, o qual aquela regra procurava evitar.
Segundo Hans Kelsen:
“O objetivo do ordenamento jurídico é o de motivar os homens a uma conduta, através da representação desse mal que os ameaça, no caso de uma determinada conduta, uma conduta contrária. Nesta motivação está a pretendida eficácia do ordenamento jurídico. Somente um homem dotado de razão e vontade pode ser motivado pela representação de uma norma a uma conduta de acordo com ela” (Kelsen, 2011, pag. 92).
Conforme os ensinamentos citados acima, do renomado doutrinador, podemos considerar que a aplicação de uma sentença a uma pessoa que não é dotada de discernimento completo, ou seja, a um inimputável, seria necessariamente injusta, pois o mesmo não seria capaz de compreender as regras que motivam uma boa conduta social, sendo carecedor de cuidados especiais (tratamento psiquiátrico e internação). Não seria portanto, o aprisionamento, algo justo, pois, estaria ferindo a moralidade, sendo o mais correto e plausível ao caso, a aplicação de tratamento médico.
Do mesmo modo a aplicação de pena a um sujeito relativamente incapaz, de forma igualitária a uma pessoa que possui seu discernimento completo e total, seria algo também considerado injusto, pois não nos traria a idéia de justiça, como prega o direito, devendo ser ponderado o grau da imputabilidade, diante da reprovação da conduta do agente.
Neste sentido a colocação da palavra justo, é indicativo de algo que tende a justiça, que é correto, que é o mais adequado ao caso concreto analisado. É portanto, a solução pelo que seria mais razoável, mais ajustado ao caso em tela. Do mesmo modo, temos o emprego do termo moral, que nos remete a um procedimento com justiça. Agir com moral, seria agir de modo correto, descente, honesto, íntegro, probo. Assim como nos ensina o renomado doutrinador Miguel Reale:
“se o direito nem sempre logra êxito na consecução do valor proposto, é necessário, ao menos, que haja sempre uma tentativa de realizar o justo. Pouco importa que não se alcance êxito, o que importa é que se incline “a realização do justo” (Reale, 2002, p.592).
O Direito não se perfaz sem a noção de justiça, estando estes intimamente correlacionados, sendo que um não existe sem o outro, porém, são distintos e diferentes entre si (KELSEN, 2011).
Este direito supracitado acima seria de modo mais genérico, o conjunto de normas e ensinamentos, no qual estão relacionados os direitos e deveres pertinentes a cada um, assim como também nos leva a resolução de problemas que não estão nele descritos, por meio da analogia, da equidade, ou dos princípios gerais do direito
Para o direito, a teoria de justiça, se resume pela histórica lição romana, constante no brocardo: “contans ac perpetua voluntas unicuique suum tribuendi”, ou seja, a justiça se resume em: “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”.
Assim nos ensina Miguel Reale:
“A justiça é, sempre, um laço entre um homem e outros homens, como bem do indivíduo, enquanto membro da sociedade, e, concomitantemente, como bem do todo coletivo. Por conseguinte, o bem social situa-se em outro campo da ação humana, a que chamamos de direito” (REALE, 2011, p.39).
A experiência histórica do Direito nos mostra, que a Justiça é o valor mais alto que se possa encontrar dentro da sociedade. E mesmo que não seja o mais alto, nem seja o mais urgente, terá a função de preservar a ordem e a paz, assim como, deverá preservar as condições para que se tenha a conquista do justo (REALE, 2011).
5. Aplicação e interpretação da lei em função da Justiça
A interpretação das leis revela valores destorcidos, se vistas pelo panorama das partes litigiosas, pois estas não iram ponderar equilibradamente seus interesses e fatos, não tendo assim, uma visão ampla do conflito, bem como, irão se focar em pontos que contam a seu próprio favor. Por este motivo, o julgamento é realizado por conhecedores das leis, totalmente imparciais e indiferentes ao caso a eles expostos para resolução, com o intuito de tomarem a decisão mais justa e correta. Decisão esta que esta sempre baseada na regra que, o direito coletivo se sobrepõe sobre o direito individual, em prol da coletividade, pois o ser humano é totalmente social, devendo sempre primar por sua harmonia.
A função de julgar não se reduz a esquemas ou cálculos matemáticos exatos, nem tampouco se desenvolve como um processo de lógica formal, de maneira tal que, postos o fato e a lei, se chegue invariavelmente à mesma conclusão. A sentença é um processo de estimativa do fato para situar, em função dele, os textos legais aplicáveis à hipótese em apreço. Na perspectiva sobre o caso, o juiz lança a mão de vários critérios e preceitos legais, resultando em uma conclusão embasada e justificada (REALE, 2011).
A necessidade de uma interpretação acontece exatamente porque a norma a ser aplicada, ou o sistema de normas, deixam abertas inúmeras possibilidades, o que quer dizer que não contem nenhuma resolução sobre qual dos interesses em jogo é o mais alto, ou o mais importante, necessitando assim uma análise criteriosa do julgador, sendo ao mesmo tempo parcial no instante que esta analisando a alegação de cada parte, como também imparcial, no instante em que esta analisando as provas e testemunhos, sem deixar que seja levado pelo apelo emocional do caso (KELSEN, 2011).
Para o aplicador do direito, não interessa se a lei é benéfica para uns e maléfica para outros. O que realmente importa para o julgador, é que o problema seja resolvido da melhor forma possível, para que a justiça se concretize, por meio de uma sentença justa, ou seja, harmonizando a sociedade e restabelecendo a normalidade (ausência de conflito). Sendo o ponto principal do aplicador do direito, a função de embasar sua decisão, de modo que justifique o porque da parte vencedora e ao mesmo tempo, console a parte perdedora, mostrando sempre a devida fundamentação legal.
Em alguns casos, a aplicação rigorosa do Direito implicaria em ato intensamente injusto. “Summun jus, summa injuria”. Este brocardo latino, que significa: Suma justiça, sua injúria, ou seja, que o exercício do direito em excesso gera injúria excessiva, implicando penalização demasiada, nos trazendo a noção fundamental de que o Direito não é apenas sistema lógico-formal, mas, sobretudo, a apreciação estimativa, ou axiológica da conduta realizada pelo indivíduo, sendo analisado por um conjunto de normas positivadas, escritas, que muitas vezes é arcaica, não condizendo com a realidade atual ao caso, devendo ser necessária uma revisão das normas (REALE, 2011).
6. Conclusão
O exercício e a prática do Direito, ao longo dos tempos, demonstraram significativa e crescente preocupação na busca pela realização de julgamentos com aplicações de penas mais justas e humanistas. Para tanto, realizam de forma específica e contextual a mensuração e ponderação de cada caso apresentado ao Tribunal.
O aplicador do Direito, deve sempre ter como princípio, o pressuposto de embasar os motivos que o levaram a tomar determinada solução, demonstrando para a parte perdedora do litígio, que a mesma não possuía aquele direito pleiteado, tentando de forma simples e direta, “confortá-la em sua decepção”.
Para se tentar compreender o que é ser justo, para tentarmos trilhar os caminhos da justiça em nossas vidas, devemos sempre nos lembrar dos ensinamentos que nos foi deixado pelo grande pensador e filósofo, Platão: “Não pode haver justiça sem homens justos”, ou seja, cabe a cada indivíduo, em seu cotidiano, dentro de seu trabalho, no seio de sua família, procurar sempre refletir sobre seus atos e decisões, tentando ser a cada instante, o mais justo possível, porque não é por meio de tribunais ou decisões de juízes que se faz a justiça, mas sim, por meio de seus próprios atos justos, que se disseminará a justiça na sociedade.
Referências Bibliográficas
BITTAR, Eduardo C. B., Teorias sobre a Justiça: Apontamentos para a História da Filosofia do Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.
CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Filosofia do Direito; prólogo de Giorgio Del Vecchio. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito; tradução Edson Bini. 2ªEdição. São Paulo: Ícone, 1993.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito: Introdução à problemática científica do direito, tradução de J. Cretello Jr. E Agnes Cretella. 7ª Edição revisada da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
_____________. O Problema da Justiça, tradução de João Baptista Machado. 3ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª Edição.São Paulo, 2002.
_____________. Lições Preliminares de direito. 27ª Edição (2002), 10ª Tiragem (2011). São Paulo: Saraiva, 2002.