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Jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho

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1. Introdução

Quando se fala em jurisdição voluntária, de pronto se traz à baila a discussão sobre ser correto ou não falar em jurisdição quando não há lide. Aliás, a jurisdição graciosa, de regra, pressupõe a inexistência de conflito, visto que nessa ocasião o Poder Judiciário terá uma atuação meramente administrativa, conforme entendem alguns autores, apenas cuidando para que a vontade das partes prevaleça, porém sem ofensa a interesses públicos. Por esse ponto de vista, não haveria conflito a ser solucionado, esmaecendo-se a função jurisdicional.

Independentemente de tal polêmica, certo é que há previsão legal no Código de Processo Civil Brasileiro acerca da jurisdição voluntária, sendo esta mencionada já no art. 1º do referido codex.

Resta saber se o CPC, como norma subsidiária do direito trabalhista teria aplicação no tocante (ex vi art. 769 da CLT) a fazer com que seja admitido pela Justiça do Trabalho procedimento em que se dirijam as partes a tal Órgão, não com o intuito de dirimir um conflito (dissídio), mas na intenção de verem homologado um acordo celebrado extrajudicialmente.

A questão é bem polêmica, visto sabermos que o Judiciário Trabalhista tem se mostrado relutante em admitir tal prática, a par da ausência de previsão legal na CLT.

Não dá para fechar os olhos à realidade, todavia, pensando que dentre todas as ações propostas na Justiça Obreira não há aquelas em que as partes, mesmo antes do ajuizamento já acertaram os termos de um futuro acordo, comparecendo à audiência apenas para reafirmarem aquilo que já pactuaram extrajudicialmente; o que, via de regra, será chancelado pelo magistrado presidente do ato.

Dessa forma, merece ser debatido o tema, pois trata-se de assunto extremamente relevante, apesar da maioria da doutrina não enfrentá-lo a contento.

Existe, pois, uma realidade que ao que parece não está sendo levada em consideração pelos jurisdicionados, juízes e pelo próprio legislador.

Sabemos que não pode alguém ajuizar ação trabalhista quando inexiste lide a ser solucionada; muito menos pode o juiz ser condescendente com tal prática; porém quando se tem uma Justiça abarrotada de processos, e que busca na conciliação uma alternativa para imprimir celeridade nos feitos que lá tramitam, dificilmente algum magistrado deixará de homologar um acordo razoável para ambas as partes (e que não tenha o claro intuito de agredir o Erário) simplesmente por desconfiar que está diante de uma lide simulada.

Assim, imperioso definir se a atitude acima descrita, das partes e do próprio juízo, seria um proceder aceitável diante de nosso ordenamento jurídico (considerado em sua mais ampla acepção, não somente do ponto de vista do direito positivo), ou se constitui prática condenável.


2. Utilidade da jurisdição voluntária

É cediço que a jurisdição voluntária não se limita à homologação de acordos entabulados extrajudicialmente; sendo uma via também utilizada para outros fins, como concessão de alvarás, regularização de estado civil etc. Sendo certo que esse tipo de atividade estatal é buscada pelo particular quando este não pode realizar o ato jurídico pretendido sem o aval do Judiciário; ou talvez até possa, mas sem ter a segurança de um pronunciamento judicial a garantir a estabilidade jurídica que deseja. Desse jeito, pode, por exemplo, um indivíduo pagar pensão alimentícia a um filho que não vive consigo sem necessidade de celebrar um acordo judicial para tanto; não obstante, corre o risco de ser surpreendido por uma ação judicial, requerendo fixação da mesma pensão em quantum bem mais elevado. Conquanto, celebrando acordo homologado judicialmente, e não havendo mudança na situação econômica do alimentando nem do alimentante, ficarão ambos protegidos contra eventual pretensão da parte adversa tendente a modificar o valor do pensionamento.

Na jurisdição voluntária, se o juiz não resolve, pelo menos previne um conflito. Daí a sua importância para o mundo jurídico.

Imbuído desse pensamento Cândido Rangel Dinamarco diz que "jurisdição voluntária é a atividade jurisdicional destinada a pacificar pessoas mediante a tutela a uma delas ou a ambas, em casos de conflitos postos diante do juiz sem confronto entre possíveis direitos de uma ou de outra"2. Diz, ainda, o mesmo autor3 que a jurisdição voluntária não consiste em dirimir diretamente conflitos entre as pessoas, visto não serem julgadas pretensões antagônicas; mas destina-se a dar tutela a uma das partes ou a ambas, conforme determine o ordenamento jurídico.

Isto posto, nota-se que é facilmente perceptível que o Estado-juiz, mesmo quando não atua em atividade tipicamente contenciosa, de qualquer forma acaba por contribuir com a pacificação social na medida em que dá aos particulares a certeza de que, com a interferência do Poder Judiciário em uma determinada relação jurídica, ter-se-á a garantia (mesmo que relativa) que esta se norteará pela obediência ao ordenamento jurídico.


3. Homologação de acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho

Como já dissemos linhas atrás, a jurisdição graciosa não se limita somente à homologação de acordos, podendo ser objeto desta outras atividades.

No concernente à Justiça do Trabalho, vislumbra-se que as ocorrências de jurisdição voluntária apontadas pela doutrina são bem ínfimas, e, geralmente, fulcradas em disposições legais já obsoletas.

Por esse motivo é que entendemos que a grande discussão da admissibilidade da jurisdição graciosa nessa Especializada perpassa pela seguinte indagação: o acordo celebrado extrajudicialmente pelas partes, antes da interposição de qualquer ação, pode ser homologado pela Justiça Obreira?

Cogitando resposta para tal pergunta, Rosemary de Oliveira Pires4 assevera que: "Há quem venha defendendo, ainda, a possibilidade de homologação judicial de transação extrajudicial, sustentando ser forma de jurisdição voluntária admissível no processo trabalhista, à luz da conjugação do art. 114 da Constituição Federal, do art. 57 da Lei nº 9099/95 e do inciso III do art. 584 do CPC". Contudo, dando sua opinião sobre o assunto, registra o seguinte, referindo-se ao posicionamento mencionado:

Todavia, de tal entendimento não compartilhamos, pois que a jurisdição voluntária, repita-se, deve ter previsão legal expressa e, para isso, não é suficiente a disposição contida na Lei nº 9099, de 26.12.95, já que este regula, com especificidade, apenas os Juizados Especiais Civis e Criminais e, assim, não pode ter sua aplicação estendida para a Justiça do Trabalho, não autorizada a exegese ampla do art. 114 da CLT.5

As colocações da autora são precisas; porém vilipendiam a realidade.

Todos sabemos que não são raros os casos em que o trabalhador, já pré-ajustado com o empregador, ajuíza ação trabalhista, comparecendo ambos à audiência somente para endossar o que já foi acertado.

Face a isso, pergunta-se: está presente a simulação in casu?

Por óbvio que está, não obstante raramente o juiz se recusará a homologar acordo firmado nestas condições, visto ser um dos objetivos primordiais do processo trabalhista a conciliação.

Na realidade, há uma situação que a cada dia se torna mais comum, sem que nossos juristas e legisladores preocupem-se em examiná-la profundamente, com vistas a repeli-la com veemência ou, simplesmente, considerá-la legítima. Fato é que temos uma prática corriqueira, e que pouca gente procura debater acerca de sua pertinência.

O art. 129 do CPC é claro ao dispor que: "Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes".

Não pode, portanto, o juiz ficar inerte diante de uma lide simulada, mesmo que esta não afete direito de terceiros.

Agora, o magistrado que se recusa a homologar um acordo, legitimamente firmado, simplesmente por entender que este já havia sido acertado antes do ajuizamento da demanda, não estaria contrariando o objetivo conciliatório almejado pelo Direito?

Com essa atitude, por certo que estaria possibilitando a interposição de recursos, ou mesmo o ajuizamento de uma nova reclamação trabalhista, onde talvez já não houvesse disposição de ambas as partes de conciliar.

De outra banda, pode-se argumentar que não poderia o Judiciário Trabalhista se imiscuir onde não há dissídios. Que, em existindo um acerto prévio entre patrão e empregado, não haveria porquê se ajuizar uma reclamação trabalhista.

Acontece que, por algumas vezes, o patrão condiciona o acordo ao ajuizamento da reclamação; ou seja: acerta-se o valor, prazo de pagamento etc., mas coloca-se como uma das condições o fato de que o pacto deverá ser celebrado em audiência.

Enfim, são diversas situações práticas que demandam um esforço argumentativo muito grande para defender uma posição contrária ou favorável a uma permissividade na homologação de acordos extrajudiciais efetivados antes do ajuizamento da demanda.

Em arremate, parece-nos que o direito positivo (até agora) não autoriza que a Justiça do Trabalho atue na homologação de acordos celebrados antes da interposição da competente ação, posto que o art. 114 da Constituição Federal é claro ao dispor que:

Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. (grifos nossos)

Pelos grifos acima se vê que à Justiça Obreira compete, em princípio, conciliar e julgar dissídios; portanto, para se ajuizar uma ação tem que haver um conflito a ser solucionado. No tocante às outras controvérsias, aí poderíamos enquadrar as atividades de jurisdição voluntária; entretanto o dispositivo constitucional é claro no sentido de que necessita-se de lei atribuindo competência à multicitada Especializada para cada controvérsia que o legislador ache por bem submeter à sua atividade jurisdicional. E, na ausência de norma legal estabelecendo que compete ao Judiciário Trabalhista homologar acordos celebrados extrajudicialmente (antes da interposição da demanda), forçoso se torna concluir que não compete a ele tal atividade.

3.1. Posição do Tribunal Superior do Trabalho sobre o assunto

O TST tem posição definida no sentido de considerar incorreto o procedimento de se homologar judicialmente acordos celebrados pelas partes anteriormente ao ajuizamento do dissídio.

Nessa direção orienta-se o RR 6667866: "É bastante conhecida a matéria relativa à homologação de acordo em sede de jurisdição voluntária ou graciosa, tendo proclamado a jurisprudência iterativa, notória e atual desta Corte Superior, inclusive em ações de interesse da ora Recorrente, que não se pode atribuir efeitos da coisa julgada a esse tipo de avença de índole administrativa, pois a res judicata só se opera em processo contencioso".

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O mesmo Acórdão faz referência a precedentes que melhor esclarecem a posição do Colendo Tribunal. Vejamos:

O artigo seiscentos e cinqüenta e dois da Consolidação das Leis do Trabalho é um preceito de ordem restritiva, elencando as únicas hipóteses em que detém a Junta competência para exercer atividade jurisdicional. E, somente lhe compete conciliar dissídios, isto é, exercer sua atividade precípua sobre um contencioso, uma lide caracterizada pela pretensão resistida. Não se inclui neste rol a atividade jurisdicional em homologação de acordos que não são realizados dentro de um processo, que não resultem de uma controvérsia submetida à apreciação do Judiciário. Assim, ao ser conferida validade de coisa julgada a uma acordo administrativo homologado incorretamente pela JCJ, violado o dispositivo supra transcrito. Embargos conhecidos e providos. (TST, SDI-1, ERR 264782, decisão em 23/02/1999, DJ de 12/03/1999)

No mesmo sentido: ERR 380802; ERR 269045; RR 358415; RR 408328; RR 664543; RR 441339; RR 610248.

Como se vê, a posição da Corte Superior Trabalhista é no sentido de não admitir atividade de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho no tocante à homologação de acordos extrajudiciais.

De nossa parte, antevemos que tal jurisprudência está a aplicar corretamente o direito positivo vigente.

Percebemos, todavia, que o próprio TST, hodiernamente, apesar de manter o posicionamento acima evidenciado, tem sido flexível em situações que indicam a ocorrência de homologação de acordo extrajudicial celebrado antes da audiência inaugural (apesar de após o ajuizamento da reclamação). O que, permissa vênia, entendemos como uma atitude permissiva, conforme melhor explicaremos adiante.

Pela orientação atual do TST, se alguém ajuíza uma ação; logo após faz um acordo com a parte adversa, e na audiência inaugural comparecem somente os advogados das partes, com poderes para transigir, e solicitam a homologação do ajuste, este produziria efeitos de acordo judicial.

Sem querer presumir a má-fé de outrem, transparece-nos que aí existe um grande indício de simulação; que tem sido endossada pelo Judiciário.

Afigura-se, pois, no mínimo como suspeitas ocorrências tão corriqueiras em que o trabalhador interpõe reclamação trabalhista, logo após assina um acordo extrajudicial, e na audiência comparece somente seu advogado para requerer a chancela judicial. Em nosso entender, se é para admitir isso, melhor seria aceitar sem vacilo a jurisdição voluntária no Judiciário Trabalhista.

Leia-se os seguintes julgados do TST, admitindo a prática supra relatada:

HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL CELEBRADO ANTES DA AUDIÊNCIA INAUGURAL. AUSÊNCIA DO RECLAMANTE. EFEITOS.

O Tribunal Regional, com a sentença, extinguiu, com fundamento no art. 844 da CLT, o processo sem julgamento do mérito, deixando de homologar acordo celebrado entre as partes em data anterior à designada para a audiência inaugural, em razão da ausência do Reclamante.

Na espécie, é incontestada a validade do acordo, assinado pelas partes e seus patronos (fls. 9). A discussão cinge-se aos efeitos à ausência do Reclamante à audiência inaugural, em que a Reclamada requer a homologação judicial do acordo.

A C. SBDI-2, apreciando recurso ordinário em ação rescisória ajuizada por ex-empregado que objetivava a desconstituição de sentença homologatória de acordo, em situação similar, já decidiu que, não demonstrado vício de consentimento, a ausência do Autor na inaugural não tem o condão de obstaculizar a homologação requerida. A imposição legal de presença das partes contidas nos arts. 843 e 844 da CLT destina-se, exatamente, à realização de conciliação e ao prosseguimento do feito, na hipótese de frustração do acordo (ROAR - 525.180/99, Relator Ministro Francisco Fausto, DJ 11/10/2002).

Recurso conhecido e provido.

(TST, 3ª Turma, RR 1301/2002, DJ 21/05/2004, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi)

RECLAMAÇÃO TRABALHISTA ARQUIVADA. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL REALIZADO ANTES DA AUDIÊNCIA.

A ausência do Reclamante na audiência de conciliação não impede a homologação de acordo previamente realizado e comunicado ao Juízo, mediante petição assinada por ambas as partes litigantes.

Recurso conhecido e provido.

(TST, 3ª Turma, RR 613989, DJ de 03.09.2004, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi)

TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO - AUSÊNCIA DO RECLAMANTE NA AUDIÊNCIA INAUGURAL - INEXIGIBILIDADE. Não havendo nenhuma evidência de vício que pudesse comprometer a transação extrajudicial firmada e subscrita pelas partes e seus respectivos advogados, com poderes específicos para transigir, revela-se necessária a sua homologação, não sendo exigível o comparecimento do reclamante na audiência inaugural, conforme precedentes desta Corte.

Recurso de revista provido.

(TST, 4ª Turma, RR 208/2003, DJ 25/06/2004, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho)

Em nossa opinião, os arestos acima destacados abrem margem para um prática que institucionalizará a homologação de acordos extrajudiciais celebrados antes do ajuizamento do dissídio; senão admitindo, mas deixando grande possibilidade para ocorrência de lides simuladas.

Ora, muito fácil será para o empregador despedir o empregado, pedir para que este outorgue uma procuração para um advogado ajuizar reclamação trabalhista, já constando na outorga poderes para transigir; e na mesma ocasião também solicitar ao empregado que assine um acordo de quitação das verbas trabalhistas.

A partir daí, basta o advogado do empregado e do empregador comparecerem na audiência e pedir a homologação do acordo, dando à avença constante neste o status de coisa julgada.

Inegável que os objetivos colimados pelos julgadores envolvidos nos julgados transcritos são os mais nobres possíveis, quais sejam: propiciar a conciliação, e solucionar de forma mais célere possível controvérsias laborais. Na contramão desse escopo, infelizmente pode estar a intenção do empregador de lesar o obreiro, fazendo com que este abra mão de parte de seus direitos trabalhistas sem que isto seja feito na presença de um órgão imparcial.

Os nobres sentimentos que presumimos estejam imbuídos os magistrados, ao adotarem o posicionamento em evidência, são bem expressos na seguinte ementa:

TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO. PRESENÇA DAS PARTES. CABIMENTO. A conciliação é objetivo a ser perseguido pelo Poder Judiciário (CPC, arts. 125, IV, e 448; CLT, art. 846), cabendo, no processo trabalhista, a qualquer momento. Assim é que, a teor do art. 764 da CLT, "os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação", sendo "lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo".

(...)

Estando as partes representadas por seus advogados, com poderes bastantes para transigir, e, para além disto, também subscrevendo o ajuste extrajudicial, de nenhuma utilidade será a desfundamentada obstinação pelo seu comparecimento em Juízo (embora a exigência judicial, ressalve-se, havendo motivo relevante, possa justificar-se). A jurisdição encontra razão de ser na necessidade de composição de litígios, sendo de todo repelidos atos que redundem na sua ampliação. O acordo é possível em qualquer fase processual e mediante petição, assinada pelas partes e seus advogados, não sendo exigível o comparecimento das partes em audiência.

(TST, 3ª Turma, RR 705290, DJ 13/06/2003, Rel. Juiz Convocado Alberto Bresciani)

Agora, salta os olhos uma injustiça. Ao passo que se nega ao empregador bem intencionado, em sede de jurisdição voluntária, que homologue um acordo extrajudicial legitimamente celebrado com seu empregado; por outro vértice deixa-se margem para que empregadores mal intencionados simulem lides, contratando advogados que não honram a profissão para atuarem como procuradores de seus empregados, e em uma manobra francamente lesiva aos direitos do trabalhador, compareçam somente os causídicos em audiência, apresentando um acordo já previamente subscrito por patrão e empregado.

Não se quer aqui dizer que toda vez que advogados se apresentarem em audiência com poderes para transigir, apresentando acordo assinado por seu cliente, requerendo homologação, estar-se-á diante de uma fraude.

Muito pelo contrário, acreditamos que a maior parte dos advogados zelam pela ética, que não lhes permite incorrer em tal prática. Queremos apenas registrar mais precisamente o seguinte: uma vez sendo admitido pelos juízes e tribunais trabalhistas tal prática, abrir-se-á uma vasta vereda para simulações de dissídios, posto que o principal instrumento ao dispor do julgador para desvendar eventuais lides falseadas é o contato direto e pessoal com os supostos litigantes; e subtraindo-lhes tal prerrogativa, dificilmente desvendar-se-á graves agressões à ética processual.


4. Conclusão

A jurisdição laboral especializada possui peculiaridades que lhe outorgam caráter genuíno.

Por esta razão, acreditamos, não foi albergada pela CLT a jurisdição voluntária nos moldes atribuídos à Justiça Comum.

Destarte, resta saber se na conjuntura atual não seria hora de se flexibilizar o entendimento de que não pode a Justiça do Trabalho, em jurisdição graciosa, homologar acordos celebrados entre patrão e empregado, mesmo que estes tenham ocorrido antes do ajuizamento da reclamatória.

Que o direito positivo vigente não permite tal prática, isto nos parece um tanto evidente; todavia não se pode fugir ao debate do assunto sobre o simples argumento de que a Lei não prevê competência para tanto. Deve-se indagar, conforme cremos, também se realmente seria útil previsão legal nesse sentido.

Caso se tenha uma resposta positiva, que se mude a Lei. O que não pode é assistirmos inertes simulações de lides com o objetivo de se homologar acordos previamente ajustados; atuando o Judiciário Trabalhista sem saber, ou talvez apenas "não querendo saber", em autêntica atividade de jurisdição voluntária.

Temos firme convicção que a busca da verdade real perpassa não somente pela investigação minuciosa da prova, mas também pela atitude de não fechar os olhos às práticas ilegais, mesmo que oriundas de ato consensual da partes envolvidas no processo.

Aqui ainda não queremos manifestar posição contra ou a favor de mudança legislativa no sentido de se admitir a jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho no tocante à possibilidade de homologação de acordos. Nesse momento apenas queremos pugnar pela ética e responsabilidade no processo, tanto de partes e advogados quanto de juízes.

Não dá para se admitir que advogados aconselhem seus clientes empregadores a recomendarem a seus empregados recém-demitidos que ajuízem reclamações trabalhistas, mesmo sem haver litígio (visto que as partes já estão acordes nos termos da futura conciliação), apenas para obter a segurança da coisa julgada consubstanciada no acordo judicial homologado. E o que é pior, que isso ocorra com a condescendência de magistrados, do reclamante e de seu patrono.

Assim, não podemos aceitar que, enquanto advogados éticos se vêem impedidos de conduzirem seus clientes para homologar acordo feito entres estes e seus empregados, os inescrupulosos livremente garantam aos seus constituintes tal prerrogativa pela via transversa da lide simulada.

É por esta razão que aqui se clama por um amplo debate acerca da possível viabilidade de outorgar à Justiça Obreira competência para atuar em sede de jurisdição graciosa nos termos aqui especificados; e se postula para quê, enquanto não se muda a legislação, reprima-se duramente quem queira, por via distorcida, auferir benefícios que pelas vias normais e legais (acessíveis a qualquer cidadão) não lhe seriam conferidos.


Notas

2In instituições de Direito Processual Civil, Vol. I, Malheiros, 4ª edição, 2004, pág. 322

3 Op. cit., págs. 322/323.

4In Compêndio de Direito Processual do Trabalho, obra coordenada para Alice Monteiro de Barros, LTr, 2ª edição, pág. 118.

5 Op. cit., pág. 118.

6 DJ de 21/06/2002, julgado em 29.05.2002, 5ª Turma, Relator: Juiz Convocado Walmir Oliveira da Costa.

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Sobre o autor
Gecivaldo Vasconcelos Ferreira

Delegado de Polícia Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 610, 10 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6409. Acesso em: 7 mai. 2024.

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