Vivemos sob um golpe

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Que tiro foi esse?

O que é viver sob um golpe?

Primeiro, é preciso saber de que golpe se trata. Em 1964, houve golpe militar e o trancamento das instituições democráticas e do direito foi brutal nos anos seguintes.

Desde 2016, temos um tipo de golpe “chapa branca”, como se dizia antigamente: o indivíduo ou a empresa recebem para facilitar a vida do pagante. Uma de suas características é distorcer, deturpar a realidade e expor uma imagem palatável ao gosto do consumidor ou do eleitor.

Por isso, a expressão foi (ou é) corriqueira no meio jornalístico. Daí que a participação da mídia oficial no processo de deposição do poder em 2016 sempre é acentuada.

A relação dessa mídia oficial com o impeachment é óbvia. Desde a manipulação das pretensas provas de crime de responsabilidade – passando pela inversão processual: o impeachment na democracia jamais seguiria um rito político-jurídico –, até a sustentação atual oferecida às reformas capitalistas de direitos: previdenciária e trabalhista. Bem como a escolha calculada dos inimigos para execração pública.

Aliás, se procurássemos pela memória encontraríamos o célebre debate entre Lula e Collor, com graves distorções já assumidas por seu autor, Boni: o capo jornalístico da Globo na época, e que deu posse ao “caçador de marajás”. Então, a história da chapa branca é longeva, remontando ao apoio dado ao golpe de 64.

Pois bem, acresce que os tanques nas ruas, em 1964, atiravam contra os direitos políticos e hoje, a começar pelo Rio de Janeiro, cumprem um estatuto chamado Garantia de Lei e Ordem.

Porém, em certa semelhança a 1964, quem atira contra os direitos – e não somente políticos – é o Poder Judiciário. Mas, não está só. O Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil não fez manifesto público contra o Golpe de Estado, nem antes e nem agora.

Outra diferença entre os períodos é que hoje o direito é tratado de forma diversa: em 1964 o direito terminava na ponta da baioneta, em 2016 a Constituição se torna um peso morto. Hoje, os militares são ameaçados pela insegurança pública e a Constituição é uma insepulta vagando pelos tribunais – à espera de quem lhe dê a pá de cal.

Portanto, é um golpe chapa branca porque a violência institucional superou – até agora – a violência que a presença dos militares na vida política poderia provocar. É chapa branca porque as tais reformas capitalistas de direitos, de um governo temerário por sua descrença, é endossada dia a dia pela mídia oficial.

Seu real empregador – os setores mais atrasados e oligárquicos da elite nacional, associados ao setor financeiro –, no entanto, troca os holofotes pelo controle da mensagem.

Por fim, é um golpe chapa branca, em curso e sem data de validade, porque o Judiciário lhe dá a guarida de legitimidade na “livre interpretação” da lei. E a liberdade é tanta que nos acostumamos a interpretar as leis – e os supostos fatos a que deveria se referir – em desacordo ou contra a vontade expressa da Constituição.

É chapa branca, neste sentido, porque o Judiciário – especialmente suas altas cortes – não pode desconstituir a Constituição. Se lá estivesse escrito que 2 e 2 são 4, um juiz iluminado por exegese inconstitucional afirmaria que o constituinte queria dizer 5. Pois bem, de 5 em 5 chegamos a “noves fora” e está fora o interesse popular, a democracia, a cidadania, a Constituição, o Estado de Direito, a República.

Nesse sentido, o golpe chapa branca de 2016 é pior do que a ação militar de 1964, porque hoje a imensa maioria não sabe que ocorreu e, obviamente, não percebe seu andamento.

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Sobre os autores
Marcos Del Roio

Professor. Livre-Docente do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da UNESP/Marília.

Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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