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Jurisdição constitucional dos Estados-membros quanto às normas repetidas

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IV.

Alcance dos efeitos da decisão do Tribunal de Justiça quanto às normas de reprodução

O processo de controle de constitucionalidade da lei em tese, em face da Constituição federal, possui a peculiaridade de que suas decisões definitivas de mérito irradiam eficácia erga omnes e ainda, consoante a disciplina adotada pela lei 9.868/99, produzem efeito vinculante, com relação aos demais órgãos de Poder Judiciário.

Simetricamente, as decisões proferidas em sede de jurisdição constitucional dos Estados-membros são também capazes de produzir eficácia erga omnes. Sempre que o Tribunal de Justiça acolher ou rejeitar a argüição de inconstitucionalidade de norma estadual ou municipal com relação à Constituição do Estado-membro, sua decisão produz eficácia erga omnes, donde ser desnecessária a comunicação à Assembléia Legislativa para a suspensão de sua eficácia, como eventualmente ocorre no controle difuso.

A regra, porém, comporta maiores elucidações, especificamente quando o parâmetro de controle consistir em norma de reprodução.

Sempre que o parâmetro de controle, em uma ação direta no âmbito estadual, fosse uma norma de reprodução, não se poderia admitir, de modo absoluto, a eficácia erga omnes da decisão. Imagine-se que na hipótese referida, por qualquer motivo, não houvesse a interposição do recurso extraordinário; ficaria o Supremo impedido de conhecer da questão de inconstitucionalidade?

A matéria foi bem tratada mais uma vez pelo Ministro Moreira Alves, na RCL 383/SP. Quando o parâmetro de controle for norma de reprodução, e não houver a interposição do recurso extraordinário, duas hipóteses hão de ser consideradas: a) a procedência da ação, com o conseqüente reconhecimento da inconstitucionalidade do ato atacado; e b) a improcedência da ação declarando-se, por conseguinte, a constitucionalidade da norma impugnada.

Na primeira hipótese, a omissão de qualquer das partes quanto à interposição do recurso importa no trânsito em julgado da decisão do Tribunal de Justiça, que, como já visto, é de natureza constitutiva negativa, retirando do sistema a norma atacada. Neste caso, o STF não mais poderá conhecer de eventual argüição de inconstitucionalidade, seja por via do controle difuso ou concentrado, da norma cuja nulidade fora decretada. A decisão de procedência importa na retirada da norma viciada do ordenamento jurídico, ficando, após o trânsito em julgado da decisão, sem objeto eventual argüição, pois seria ilógico aferir-se a inconstitucionalidade de lei inexistente.

Diferente é o que ocorre na segunda hipótese. Aqui a eficácia da decisão, após o trânsito em julgado, não atinge a jurisdição constitucional do STF, embora seja imponível no âmbito do Estado-membro, conforme precisou o Ministro Moreira Alves, em seu voto:

"(...)se a decisão do Tribunal de Justiça, na ação direta, for pela sua improcedência – o que vale dizer que a lei municipal ou estadual foi tida como constitucional-, embora tenha ela também eficácia erga omnes, essa eficácia se restringe ao âmbito da Constituição estadual, ou seja, a lei então impugnada, aí, não poderá mais ter sua constitucionalidade discutida em face da Constituição estadual, o que não implicará que não possa ter sua inconstitucionalidade declarada, em controle difuso ou em controle concentrado(perante esta corte, se se tratar de lei estadual), em face da Constituição federal, inclusive com base nos princípios que serviram para a reprodução."

Deve-se ter em mente sempre que a causa petendi, nas argüições de inconstitucionalidade in abstracto perante o Tribunal de Justiça local, é a violação da Constituição do Estado-membro. É por isso que o STF poderá conhecer de argüição futura de inconstitucionalidade da mesma norma, posto que quanto a este, o parâmetro muda: a causa petendi, nas argüições de inconstitucionalidade perante o Supremo, é a inconstitucionalidade em face da Constituição federal.

As decisões do Supremo, quanto às normas de reprodução, seja por via originária, através da ADIn, seja por via recursal, por meio de recurso extraordinário, produzem eficácia erga omnes em nível nacional, impondo-se inclusive aos Estados-membros.


V. O controle da constitucionalidade das leis municipais frente à Constituição Estadal

Conforme previsão expressa do texto constitucional federal (art. 125, § 2º), as leis municipais inconstitucionais apenas podem ser atacadas, em abstrato, por meio de ação direta no âmbito estadual, com competência do Tribunal de Justiça, apenas e tão somente quanto ao parâmetro estadual.

Acaso a lei do Município venha a ferir preceito da Constituição federal, impõe-se-lhe o controle difuso, porquanto, segundo o nosso sistema, não há ação direta de inconstitucionalidade de ato municipal violador da Constituição federal, embora ainda haja quem defenda possibilidade de o Supremo conhecer de ADIn em que se impugne lei municipal inconstitucional. [16]

As leis municipais, assim, quando se estiver a tratar de controle concentrado, se submetem apenas à jurisdição constitucional do Estado-membro. Todavia, conforme já demonstrado, há possibilidade- diga-se não muito remota, em face da natureza analítica de nossa Constituição federal e do caráter ainda excessivamente centralizador do nosso federalismo- de o STF reconhecer e decretar a inconstitucionalidade de lei municipal em abstrato: basta para isso que a lei impugnada viole preceito contido na Constituição estadual que reproduza princípio constitucional federal de observância compulsória no Estado. Neste caso, deverá ser proposta ação direta por quem tenha legitimidade para tal perante o Tribunal de Justiça local, cabendo da decisão recurso extraordinário para o Supremo, que, após apreciar a questão, decidirá pela constitucionalidade da norma municipal, com efeitos erga omnes, ou a expurgará do mundo jurídico, decretando sua inconstitucionalidade, pois a eficácia da decisão de procedência é preponderantemente constitutiva negativa.

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VI. Conclusões

Ao final do exposto, pode-se concluir que a distinção entre normas de reprodução e normas de imitação é de extrema relevância para se delimitar a competência dos Tribunais de Justiça para julgar as ações diretas de inconstitucionalidade no âmbito estadual.

Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmado após o julgamento da RCL nº 383/SP, a norma da Constituição estadual que reproduz princípio contido na Constituição federal dá ensejo a duplo controle. Propõe-se a ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça, tendo como causa petendi a violação da Constituição estadual, cabendo da decisão recurso extraordinário para o Supremo. O controle da constitucionalidade das normas de imitação se dá exclusivamente no âmbito do Estado-membro, não cabendo qualquer recurso para o STF das decisões nas ações diretas propostas perante o TJ em que se impugne essas normas.

A decisão na RCL 383/SP trouxe novos paradigmas para o controle concentrado de constitucionalidade das leis, entre eles a possibilidade do STF vir a decretar a inconstitucionalidade in abstracto de normas municipais, através de recurso extraordinário, interposto em ação direta de inconstitucionalidade estadual, cujo objeto seja a ofensa pelo Município a normas de reprodução.


Notas

1 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, São Paulo, Martins Fontes, 1995, pp. 246.

2 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra, Almedina, 1992, pp. 956.

3 PONTES DE MIRANDA, F. C., Comentários à Constituição de 1967 c/ a emenda nº 1 de 1969, I, São Paulo, RT, 1970, pp. 388.

4 HORTA, Raul Machado, Estudos de Direito Constitucional, Belo Horizonte, Del Rey, 1995, pp. 78.

5 Cf. HORTA, Raul Machado, op. cit., pp. 78.

6 PONTES DE MIRANDA, F. C., op. cit., II, pp. 254 e segs.

7 IVO, Gabriel, Constituição Estadual competência para elaboração da Constituição do Estado-membro, São Paulo, Max Limonad, 1997, pp. 141.

8 O referido dispositivo da Constituição alagoana representa a "imitação" da parte final do art. 57, § 4º da CF, que dispõe: "Cada uma das casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para a o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente".

9 ADIn nº 793/RO, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 16/05/97.

10 RCL 383/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21/05/93.

11 Algumas Constituições estaduais (Rio Grande do Sul e Minas Gerais, e.g.) chegaram a consagrar a competência do Tribunal de Justiça para julgar ação direta de inconstitucionalidade de leis municipais em face da Constituição federal, o que se traduz em verdadeira anomalia jurídica. Não é o que se dá quanto às normas de reprodução: o Tribunal de Justiça não se substitui ao Supremo para controlar a constitucionalidade da norma impugnada; ao contrário, a competência do STF, neste caso, é preservada, pois nesta hipótese, diferentemente daquela, o parâmetro de controle será a Constituição do Estado-membro.

12 RCL 370-1, Rel. Min. Octavio Gallotti (acórdão não publicado).

13 RCL 383/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21/05/93.

14 IVO, Gabriel, op. cit., pp. 196.

15 RCL 383/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21/05/93.

16 Cf. DINIZ, Marcio Augusto de Vasconcelos, O Controle de Constitucionalidade de Leis e Atos Normativos Municipais e o Princípio da Divisão das Funções Estatais, in Rev. Ciência Jurídica, nº 55, Jan/Fev/94.

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Sobre o autor
Pedro Henrique Pedrosa Nogueira

advogado, mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Jurisdição constitucional dos Estados-membros quanto às normas repetidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 611, 11 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6413. Acesso em: 24 abr. 2024.

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