V. PRESSUPOSTOS LEGAIS PARA OS ALIMENTOS
Como se podia inferir do arcabouço jurídico, contenta-se a norma com a existência da união estável e necessidade do credor. Mas não é só isso. Irrelevante se mostrará a atual e indisputável necessidade do credor, se do outro lado não houver relativa possibilidade do devedor. A lei, de hoje e de todos os tempos, não quer o perecimento do credor de alimentos, certamente. Por outro lado, também não deseja que o obrigado ao pagamento desfalque sua própria subsistência, sofra e padeça por inanição. Exige-se equilíbrio, entre necessidades e as possibilidades.
Para o Código Civil, não se indaga do elemento temporal (os 5 anos de existência da união estável), pois tal não foi objeto de disposição do artigo 1.694 que facultou aos parentes, cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. Não se deslembre que, relativamente à existência de prole comum, esse só fato não é o bastante para qualificar o relacionamento como união estável para efeito alimentar, posto imprescindível a comprovação dos demais requisitos.
Outros tantos requisitos foram abordados no decorrer do presente trabalho, como a ausência de culpa e a situação de pureza da união estável, o que torna despiciendo trazer-lhes à baila novamente, sob pena de se deixar repetitivo e enfadonho o estudo.
VI. RITO DA AÇÃO DE ALIMENTOS
Em regra, seguirá o rito ordinário. Neste particular, vigora a Lei n. 8.971/94, que só sentiu a revogação quanto ao direito material, permanecendo incólume o direito processual. E esta Lei, logo no artigo 1º, assegura a adoção do rito sumário da Lei 5.478/68. Mas, dificilmente será possível a sua aplicação. E a razão é muito simples: é preciso da inicial constar ao menos pedido de reconhecimento de união estável para, ao depois, proceder ao de alimentos. São ações cumuladas de modo sucessivo (15) e, a cumulação de pedidos aqui é daquelas que, só se conhecerá do subseqüente, se proceder o antecedente. Ou seja, só poderá se valer do procedimento sumário especial se houver prova da obrigação, que decorre do reconhecimento e da dissolução da união estável. Impedem-no ainda a necessidade de discussão acerca da culpa, o que não cabe nas estreitas vias do procedimento adotado pela Lei de Alimentos.
Entrementes, a impossibilidade da adoção do rito sumário não é absoluta. Se houver provas bastantes e pré-constituídas da obrigação alimentar, pode-se valer do procedimento sumário, inclusive pedindo os alimentos provisórios. Tem de ser prova documental, como certidão de casamento religioso, certidão de casamento de brasileiro celebrado no exterior, adoção do patronímico do companheiro, contrato escrito de concubinato, acordo extrajudicial de pensão alimentícia, contrato de locação, contrato de sociedade, nota fiscal com o endereço do casal, requerimentos formulados em juízo ou em repartições públicas, documentos expedidos pelos Poderes Públicos. (16) No mais, volta-se ao rito ordinário.
VII. ALIMENTOS PROVISÓRIOS E TUTELA ANTECIPADA
Quem pleitear alimentos no início da lide e sem audiência da parte contrária, deve apresentar prova pré-constituída da obrigação alimentar. Se a união estável não estiver comprovada, ou a culpa do eleito devedor, deve o Juízo promover a instrução para caracterização do fato e não indeferir a inicial e remeter o requerente para as vias ordinárias. (17)
Isso porque, sem embargo do que preceitua a Lei nº 5.478/68, impondo a fixação desde logo dos provisórios, salvo se deles expressamente dizer que não precisa o requerente, há pressuposição de que exista a obrigação alimentar. Não havendo, porém, impossível é o pleito. Podemos até entender possível a complementação, por audiência de justificação prévia em que se ouvirá testemunhas, da prova produzida pelo companheiro, reservando nosso entendimento da prova documental forte neste sentido instruindo já a inicial como único meio hábil a possibilitar a concessão dos provisórios.
São assegurados os alimentos provisórios, portanto, exatamente porque a Lei n. 8.971/94 referendou expressamente a aplicação da Lei n. 5.478/68. Ademais, constituem forma de proteção aos integrantes da entidade familiar que a Lei Maior manda proteger. E tais alimentos são devidos a partir da citação, segundo copiosa jurisprudência, e não a partir da decisão que os concedeu.
Cumpre observar apenas que, a impossibilidade do pedido de alimentos provisórios não confere ao autor a alternativa de recebê-los em sede de tutela antecipada. Dois fortes e singelos motivos impendem-na: é essência dos alimentos a sua irrepetibilidade, o que já encontra óbice no § 2º do artigo 273 da Lei de ritos, ao preceituar que não se deferirá tutela antecipada se houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado (a impossibilidade de reversão ao "status quo" é jurídica, e não de fato), no caso não é só risco, mas certeza, não obstante, o princípio consagrado que alimentos pagos a mais são irrepetíveis, não impede que tais valores sejam computados nas prestações vincendas (18).
Outro, também de clareza mediana, diz com a prova inequívoca e verossimilhança do direito alegado; se o autor não tem tais provas, que devem ser documentais, para se valer do pleito de alimentos provisórios e do rito especial da Lei n. 5.478/68, também não tem para a tutela antecipada. Impossível mesmo, portanto, tutela antecipatória em comento.
VIII. EXECUÇÃO DAS PRESTAÇÕES ALIMENTÍCIAS
Duas são as principais medidas executórias das prestações alimentícias, ambas, em última análise, buscando a mesma finalidade, qual seja, a satisfação da obrigação. É o que se infere dos artigos 732 e 733 da Lei Instrumental Civil. Ambas aplicáveis à união estável, quando se busca a percepção de alimentos devidos entre os companheiros.
Com efeito, com a ameaça de prisão civil o que o legislador visa é quebrantar uma resistência injusta, constranger o devedor de alimentos ao cumprimento da obrigação decorrente de lei, reconhecida na sentença (no caso na decisão) como dentro de suas possibilidades. O seu caráter é meramente compulsivo. E é o que ocorre na execução.
Ademais, "não é correto o enunciado de que a prisão civil deve ser precedida do exaurimento dos meios compulsivos. A Lei de Alimentos, no artigo 16, com a adaptação introduzida pela Lei nº 6.014, de 1973, estabelece que ´´na execução da sentença ou do acordo nas ações de alimentos será observado o disposto no artigo 734 e seu parágrafo único do CPC´´. O citado artigo 734 e o artigo 17 da Lei nº 5.478, de 1968, prevêem vias para o recebimento das prestações, que, pela sua rapidez, tem preferência absoluta. Se no caso ausentes os seus pressupostos, manifesta-se a inviabilidade. A hipótese, então, passa a ter regência do artigo 18 desse diploma legal, segundo o qual não sendo possível a satisfação do débito, pelas modalidades precedentes, o credor poderá requerer a execução da sentença (no caso da decisão)" na forma dos artigos 732, 733 e 735 do CPC.
"Daí resulta, às expressas, caber ao credor a opção entre a execução por quantia certa ou a citação do devedor inadimplente, para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo". (19)
E no caso de dívida alimentar decorrente de união estável, seria a medida do artigo 733 da Lei de ritos o meio destinado à cobrança coercitiva? Sem dúvida alguma. A Lei não limitou a faculdade processual apenas aos credores menores, ou às obrigações decorrentes de pais para filhos. Se não o fez, não cabe ao intérprete fazê-lo. Neste compasso, tanto pode o companheiro credor pleitear a execução com fulcro no artigo 732, visando expropriar bens do devedor, como também no artigo 733 e nos demais.
A lei faculta-lhe a escolha, mas, deve-se distinguir duas espécies de execução de alimentos: uma, com ameaça de prisão, nos termos do art. 733 do CPC, apenas das seis últimas parcelas vencidas, porque não perderam o caráter alimentar e não ganharam ares de indenização; outra, sem aquela ameaça, como execução comum, de acordo com o art. 732 do mesmo estatuto processual, para as parcelas anteriores, as quais, pelo decurso do tempo, perderam esse caráter para assumir feição indenizatória. Ou seja, execução com pedido de prisão só se admite se fundada no inadimplemento das seis últimas prestações.
IX. RENÚNCIA E DISPENSA DOS ALIMENTOS
Repetindo disposição já constante do Código Civil de 1916, o novo preceitua no artigo 1.707 que pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora. Ou seja, pode-se dispensar, mas não renunciar. Segue-se, aparentemente, a dicção sumular do verbete 379 do Excelso Pretório, in verbis: "No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais."
Ocorre, agora, que estamos em nova ordem constitucional, que provocou profundas alterações no âmbito do Direito de Família. Depois de 1988, surgiu, inexoravelmente, a igualdade entre os sexos, não havendo entre cônjuges ou companheiros obrigação alimentar exclusiva a cargo de apenas um, em razão do sexo. Logo, a releitura do sistema jurídico à Luz da nova Constituição se impõe. Ademais, a própria Suprema Corte aprimorou seu entendimento, admitindo a renúncia se houve, para o renunciante, reserva de bens e meios suficientes para manter a própria subsistência. (20)
E o Superior Tribunal de Justiça, Corte não-eminentemente política, tem entendido eficaz a renúncia, como também o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Igual posição sustenta Luiz Augusto Gomes Varjão, acrescendo o incontestável argumento de que a renúncia vedada pela Lei refere-se apenas a alimentos devidos entre parentes, o que não ocorre entre os companheiros. (21)
Por tudo isso, entendemos válida e eficaz a cláusula de renúncia, seja pela em razão da nova ordem isonômica constitucional, seja pela ausência de parentesco entre os companheiros, seja, enfim, pela possibilidade de o renunciante ter reservas e meios suficientes para sua manutenção e sobrevivência.
X. CONSIDERAÇÕES FINAIS
E assim chegamos ao cabo. Provavelmente não alcançamos a solidez do pensamento dos mais célebres escritores, dos arautos da literatura jurídica e dos agraciados pelo dom da exteriorização ao papel, dos pensamentos filosóficos, jurídicos e científicos humanos, nem jamais sonharíamos com esplendor que tal. Mas, certamente, apresentamos a nossa posição e colaboração acerca da matéria, que tem campos férteis em dissidência doutrinária e desinteligência jurisprudencial. O que não se pacificará com o novel Código Civil, cujas lacunas ressoam evidentes.
Especificamente sobre o objeto do presente estudo, amplíssima ainda é a celeuma, graças à técnica legislativa que impera no Estado Democrático e de Direito brasileiro. Assim como duas eram as leis federais versando especificamente sobre união estável, sua extinção e os alimentos devidos entre os conviventes, temos ainda o novel Código Civil, lei geral, vigente desde 11 de janeiro de 2003. Estudar união estável, sobre sua dissolução e os alimentos entre os companheiros, exige perspicácia e argúcia singulares. A finura da observação será primeiro para se desvendar qual lei rege a matéria.
De um jeito ou de outro, por sistemática, axiologia e teleologia, tem-se que: dissolvida a união estável, por vontade das partes ou por decisão judicial, poderá o companheiro que estiver necessitando, pleitear contra o outro, na medida das possibilidades deste, valor suficiente para sua própria subsistência enquanto persistir a situação financeira de ambos e o beneficiário não constituir nova união. Terá o alimentário, entrementes, de comprovar a existência de algumas condições que são postas como exigência imprescindível para a consecução do seu objetivo, entre as quais a existência de convívio em união estável e do binômio necessidade-possibilidade, bem assim a ausência de sua culpa pela dissolução da entidade familiar e presença da culpa do requerido. Em regra, a ação seguirá o procedimento comum ordinário, não obstante o disposto no artigo 1º da Lei n. 8.971/94, porquanto requisito prévio e indispensável para a condenação no pagamento de alimentos, é o reconhecimento e a declaração da união estável e, ademais, não cabe antecipar a tutela para conceder aqueles.
Notas
1
RIBEIRO, Alex Sandro. A sucessão na união estável face ao novo Código Civil. Revista do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação-Notícias do uniFMU; a. V, n. 36, junho/2002, p. 4; www.direito.com.br; www.jus.com.br, www.juridica.com.br, www.apoiolegal.com.br.2
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. RJ: Brasília/RIO. 1977, p. 393
No Novo dicionário jurídico brasileiro (7ª ed., São Paulo: Parma, 1984, p. 793, v. 3) de José Náufel, ao verbete resilição é dado o significado de ato ou efeito de resolver ou dissolver um contrato vigente, em virtude da manifestação de vontade concorde das partes, devido a cláusula contratual. E rescisão é tida como desconstituição do negócio jurídico, com a conseqüente perda da sua eficácia, em virtude de defeito no seu suporte fático (defeito no objeto da convergência nas declarações de vontade – p. 792)4
Ob. cit., p. 425
Araken de Assis verbera que o direito à resolução consiste no desfazimento da relação contratual, por decorrência de evento superveniente, ou seja, do inadimplemento imputável (in: Resolução do contrato por inadimplemento. São Paulo: RT, 1991, p. 65), o que reforça a idéia da necessidade da culpa. No mesmo sentido a célebre doutrina de Agostinho Alvim, in Inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 1972, págs. 7 e 11.6
AI 588048348-Alegrete, 3ª Câm. Cível, Rel. Dês. Flávio Pâncaro da Silva, j. 6.10.99, in. RJTJRGS 136/1397
Apelação Cível n. 37.535-RJ, 4ª Câm. Rel. Dês. Antônio Assumpção, j. 26.11.85.8
VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. União Estável – requisitos e efeitos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 105.9
Oitava Câmara Civil, Relator Desembargador Fonseca Tavares, in "RT", vol. 653/10510
JTJ 173/212.11
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Lei de alimentos comentada. 6ª ed. São Paulo: Saraiva. 1998, p. 4.12
ob. cit., pp. 108/10913
V. RT 531/23614
RT 534/230.15
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, p. 23316
exemplos todos de Luiz Augusto Gomes Varjão, ob. cit., p. 11417
JTJ 188/9, rel. Des. Egas Galbiatti; j. 27.03.1996.18
JB 171/198 e BAASP, 2030/22-m, de 24.11.1997, rel. Des. Ernani de Paiva; j. 28.09.1989.19
1ª Câmara, RJTJSP, 102/25320
Cf. v.g., RT 85/20821
ob. cit., p. 113.