A prescrição intercorrente em matéria tributária
Podemos conceituar a prescrição intercorrente como a estagnação do exequente, o qual não buscou, por meio de atos concretos, a satisfação do seu direito na execução já instaurada.
De início, importante conceituar que a prescrição é a extinção da possibilidade de pretensão de determinado direito em juízo pela perda do prazo determinado em lei, em razão da inércia do seu titular, sendo que os prazos de prescrição variam conforme a natureza da obrigação. A prescrição tem como objetivo manter o equilíbrio da ordem jurídica, e, assim, evitar a possibilidade de perpetuação de lides. Com relação à prescrição intercorrente, trata-se da perda do direito de ação no curso do processo, em razão da inércia do autor, que não praticou os atos necessários para seu prosseguimento e deixou a ação paralisada por tempo superior ao máximo previsto em lei para a prescrição do direito discutido.
A prescrição intercorrente está inserida no lapso temporal que toma o processo executivo, em razão da inércia do exequente, tendo como consequência a extinção do feito.
Cássio Scarpinella (2014, p.86) define prescrição intercorrente como “[...] a falta de impulso processual pelo exequente que pode acarretar a perda da ‘pretensão’ à tutela jurisdicional executiva”.
Toda a discussão acerca da aplicação da prescrição intercorrente acabou com a chegada do Novo Código de Processo Civil - Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
A prescrição intercorrente pode ser aplicada para que as pretensões executórias não subsistam indefinidamente no tempo, não obstante a inércia da parte interessada, de modo a garantir a segurança jurídica, bem como a aplicação do princípio da duração razoável do processo, prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.
A prescrição intercorrente tem como o objetivo principal assegurar a harmonia social, trazendo a pacificação social e a segurança jurídica, e tem fundamento em diversos princípios, tais como o da liberdade de ação, da lealdade, boa-fé, da celeridade do processo, da racionalidade, da economia processual e, ainda, como bem demonstrado, no princípio da duração razoável do processo.
Em observância ao princípio constitucional da duração razoável do processo, cumpre estabelecer que o objetivo da prescrição intercorrente também visa a não sujeitar o executado a uma execução “ad eternum”, ou seja, com uma litispendência sem fim. Dessa forma, a Jurisprudência e a Doutrina vêm se consolidando na perspectiva de que a suspensão da execução por prazo superior ao da exigibilidade do direito importa prescrição intercorrente.
Para que se consume a prescrição intercorrente, deverá haver a paralisação injustificada da execução por determinado tempo. Esse tempo equivale ao prazo prescricional da pretensão embasada no título executivo. Nesse sentido, enunciado nº 150 da súmula da jurisprudência do STF: "Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação".
Urge destacar que a expressão intercorrente foi inaugurada com a introdução do § 4º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/90).
Dessa feita, a prescrição intercorrente objetiva manter preservada a finalidade do instituto em questão, qual seja, coibir a perpetuação dos litígios, garantindo, consequentemente, estabilidade às relações jurídicas.
A execução fiscal, compreendida dentro das execuções em geral, além de garantir o interesse do credor, deve também levar em consideração defesas dos direitos do devedor. Nesse sentido, Marins conclui que, juntamente com a necessidade de satisfação do crédito fazendário, “surge a necessidade de se buscar também o respeito incondicional ao sistema de garantias da relação jurídico tributária. Desse limite, por mais que se propugne pelo interesse público da satisfação do crédito fazendário, não pode passar a execução fiscal”. Conforme explanado, um desses limites é temporal, sendo inviável a cobrança estatal de dívidas por tempo indeterminado.
Trata-se a prescrição intercorrente na execução fiscal, portanto, de instituto que impede negligência por parte da Fazenda Pública, a qual fica obrigada, sob pena de perda do manejo do processo executivo e, consequentemente, extinção do feito, a ser sempre diligente e cuidadosa na localização do executado e de seus bens.
A execução fiscal é o procedimento para cobrança de créditos já constituídos pelos órgãos lançadores, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional (Exemplo: Secretaria da Receita Federal do Brasil, INCRA, Fundo Gestor do FGTS, entre outros.) e rege-se pela Lei 6830/1980 (Lei de Execuções Fiscais — LEF) que trata especificamente da cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública.
“Com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado ao sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com a ação de cobrança (ação de execução). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição. A contagem do prazo tem como ponto de partida a data da constituição definitiva do crédito, expressão que o legislador utiliza para referir-se ao ato de lançamento regularmente comunicado (pela notificação) do devedor.” (CARVALHO, Paulo de Barros, página 470).
Diz-se que ocorre hipótese de prescrição intercorrente, se é que efetivamente existente, em situações nas quais há comprovada e inconteste inércia do Credor em promover diligências no sentido de obter a satisfação do crédito exequendo.
O Ministro Teori Albino Zavascki em Recurso Especial, descreve bem a mudança de jurisprudência do STJ:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. DIREITO PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE, A PARTIR DA LEI 11.051/2004”.
1. A jurisprudência do STJ sempre foi no sentido de que "o reconhecimento da prescrição nos processos executivos fiscais, por envolver direito patrimonial, não pode ser feita de ofício pelo juiz, ante a vedação prevista no artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil" (RESP 655.174/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 09.05.2005).
2. Ocorre que o atual parágrafo 4º do artigo 40 da LEF (Lei 6.830/80), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (artigo 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe arguir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência à hipótese dos autos.
3. Recurso especial a que se dá provimento. (REsp 873.271/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, julgado em 06.03.2007, DJ 22.03.2007 página 309)”
O prazo prescricional, geralmente, será de 5 (cinco) anos, em decorrência de expressa disposição por parte do Código Tributário Nacional: “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos”.
Assim, do instituto da prescrição intercorrente se resulta, conforme dispõe o artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário e por sua vez o fim da demanda fiscal, juntamente à extinção do processo executivo com resolução do mérito, tal qual o artigo 269, inciso IV do Código de Processo Civil.
A importância atrelada à esta modalidade de prescrição em parte se deve à impossibilidade de permitir que a Fazenda cobre tributos ad infinito. Em menção a este instituto, o Ministro Luis Fux em Recurso Especial de número 543.913 (REsp 543.913-RO), da Primeira Turma do STJ, disserta: “Após o decurso de determinado tempo, sem a promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes, uma vez que afronta os princípios informadores do sistema tributário a prescrição indefinida”. Ainda neste mesmo instrumento, o Ministro trata do fundamento para existência da prescrição intercorrente, a seguir disposto: “Essa exegese impede que seja eternizada no Judiciário uma demanda que não consegue concluir-se por ausência dos devedores ou de bens capazes de garantir a execução”.
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - PROCESSO PARALISADO POR MAIS DE CINCO ANOS - RECONHECIMENTO DE OFÍCIO - INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO POR DESPACHO DO JUIZ QUE ORDENA A CITAÇÃO (LC 118 /2005) - REINÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL EM FACE DA INÉRCIA DO EXEQUENTE EM DAR REGULAR ANDAMENTO AO FEITO - INTIMAÇÃO DA SUSPENSÃO DO FEITO E REMESSA AO ARQUIVO PROVISÓRIO - DESNECESSIDADE. 1. A prescrição é instituto criado com o objetivo de estabilizar relações jurídicas perpetradas no tempo, penalizando o credor que deixa de exercer seu direito em face do devedor, extinguindo, por conseguinte, a possibilidade do primeiro de exercer sua pretensão em juízo. 2. O art. 174, parágrafo único, inciso I, do CTN, com a redação dada pela Lei Complementar n. 118 /2005, prevê que a prescrição se interrompe pelo despacho do juiz que ordena a citação em execução fiscal. 3. Não obstante, consoante interpretação autorizada do art. 202, parágrafo único, do Código Civil, aplicável aos créditos tributários por força do art. 109 do CTN, a prescrição recomeça a correr, após a sua interrupção, quando restar caracterizada a inércia do Fisco em dar regular andamento ao feito. 4. Verificado que a paralisação do feito por mais de 06 (seis) anos se deu em virtude da ausência de diligência cabível ao exequente (indicação de endereço hábil para a citação da executada), não há como imputar o transcurso do prazo prescricional à máquina judiciária. Inaplicabilidade, ao caso, da Súmula n. 106 do Superior Tribunal de Justiça. 5. Desnecessidade de intimação da Fazenda para dar regular andamento à execução. Prescrição configurada. 6. Recurso não provido.
A prescrição intercorrente consegue evitar o acúmulo de processos e atravancamento dos serviços do Judiciário e dos órgãos de defesa da Fazenda Pública, em face ao não andamento dos autos. Desta maneira, é poupada a via administrativa que interage no processo de execução fiscal, em casos em que este seja infrutífero e não satisfativo. Diante da impossibilidade de ingressar no patrimônio do devedor pela sua não localização, parece lógico que não devam ser mobilizados os órgãos mencionados, deixando a eles a função de agir em autos que possa de fato verificar-se arrecadação.
Paralisado o processo por mais de 5 (cinco) anos impõe-se o reconhecimento da prescrição, uma vez que a prescrição pode ser reconhecida de ofício em todos os tipos de execução, tanto as federais, estaduais ou municipais, inclusive as de autarquias. É preciso que os operadores do direito fiquem atentos aos processos com prescrição intercorrente para requerem seus arquivamentos, utilizando-se da previsão legal constante do Inciso V do art. 924 do NPC, colaborando assim para com a celeridade do Judiciário.
Decorridos mais de cinco anos após a citação da empresa, dá-se a prescrição intercorrente, inclusive para os sócios. A observação foi feita pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao negar pedido de reconsideração da Fazenda do Estado de São Paulo em processo de execução fiscal contra uma empresa de escapamentos.
Segundo lembrou a ministra, não obstante a citação válida da pessoa jurídica interromper a prescrição em relação aos responsáveis solidários, no caso de redirecionamento da execução fiscal, há prescrição intercorrente se decorridos mais de cinco anos entre a citação da empresa e a citação pessoal dos sócios, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. Mantém-se, portanto, as conclusões da decisão agravada, no sentido de que, decorridos mais de cinco anos após a citação da empresa, dá-se a prescrição intercorrente, inclusive para sócios, reiterou Eliana Calmon.
Referências:
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
______. Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: Tutela Jurisdicional Executiva, vol.3, 7. Ed., rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17ª edição. São Paulo, Editora Saraiva, 2005.
MARINS, James. Direito Processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). 2ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 566.