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Considerações pontuais acerca da competência para julgamento das ações acidentárias

09/03/2005 às 00:00
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Ao analisar no dia 26 de janeiro do corrente ano o texto intitulado "Competência para julgar danos de acidentes do trabalho é da JT" publicado no site do Tribunal Superior do Trabalho, fui levado a pesquisar o tema com a detida atenção, em especial quanto a suposta possibilidade de transferência à Justiça do Trabalho, das ações de indenização por acidente do trabalho ou doença ocupacional.

Tal hipótese suscitada naquela publicação, deu-se em virtude das novas modificações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45/04, que em tal assunto específico introduziu o inciso VI no artigo 114 da Carta da República, que diz:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

(…)

VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

Naquele artigo, ficou consignado que "A Justiça do Trabalho (JT) é o órgão competente para processar e julgar os pedidos de indenização por dano moral ou material decorrentes de acidentes de trabalho. Essa prerrogativa da magistratura trabalhista é defendida pelo vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Ronaldo Leal, para quem o texto da Reforma do Judiciário (introduzida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004) é suficientemente claro para indicar a qual segmento judicial cabe o exame da matéria".

E mais. No referido texto, segundo a afirmativa do ministro Ronaldo Leal, o posicionamento ora indicado "encontra respaldo entre a maioria dos integrantes do Tribunal Superior do Trabalho e é anterior à data da publicação da Emenda Constitucional nº 45 (31 de dezembro passado). Contudo, com a previsão do novo artigo 114, inciso VI, do texto constitucional, as polêmicas em torno do tema tendem a diminuir. O dispositivo prevê a competência da JT para o exame das "ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho".

Ocorre que, a meu sentir, antes de se adotar tal posicionamento, há que se relevar também a previsão há muito contida na Constituição Federal, que em seu artigo 109 da CF, inciso I, ao tratar da competência da justiça federal, preceituou:

Art. 109

. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, EXCETO as de falência, AS DE ACIDENTES DE TRABALHO E AS SUJEITAS à Justiça Eleitoral e À JUSTIÇA DO TRABALHO;

Exsurge claramente deste dispositivo, que o constituinte quis demonstrar que cada uma das exceções indicadas compõe uma diferente competência material específica existente no sistema jurídico nacional, ou seja, que as causas de falência devem ser tratadas pela Vara de Falências, que as de acidentes do trabalho devem ser julgadas pelas Varas cíveis ou especializadas no assunto, que as da Justiça Eleitoral devem ser tratadas pelos juizes eleitorais e Tribunais Regionais Eleitorais, e finalmente as ações trabalhistas devem ser objeto de análise da Justiça do Trabalho.

Apenas a título de argumentação, e seguindo o pensamento ora exposto, importante indicar que referida previsão individualizando a competência para o julgamento das ações laborais e das ações acidentárias, já vinha sendo adotada pelas anteriores Constituições, especialmente a de 1946 e a de 1967, que respectivamente versaram:

CF/1946

Art 123

- Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial.

§ 1º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária.

* * *

CF/1967

Art 134 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações de trabalho regidas por lei especial.

§ 1 º - A lei especificará as hipóteses em que as decisões nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.

§ 2 º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária.

No plano legislativo infraconstitucional o entendimento não é diferente do que fora determinado nas Cartas Magnas acima indicadas, tendo o legislador ordinário ao longo dos anos, e isto desde 1919, definido especificamente a competência para julgamento das ações relativas a acidentes do trabalho:

Decreto 3.724, de 15/01/1919

(Regula as obrigações resultantes dos accidentes no trabalho)

Art. 22. Todas as acções que se originarem da presente lei serão processadas perante a justiça commum, segundo as prescripções da respectiva organização judiciária, terão curso summario e prescreverão no prazo de dous annos.

* * *

LEI Nº 6.367/76

Art. 19. Os litígios relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:

(...)

II - na via judicial, pela justiça comum dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, segundo o procedimento sumaríssimo.

* * *

Lei nº 8.213/91

Art. 129. Os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:

(...)

II – na via judicial, pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumaríssimo, inclusive durante as férias forenses, mediante petição instruída pela prova de efetiva notificação do evento à Previdência Social, através da Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT."

De volta à previsão acima imposta pelo constituinte positivo originário, primeiro se extrai que as ações relativas à falência, as relativas a acidentes do trabalho, as relativas à Justiça Eleitoral e às relativas à Justiça do Trabalho, em razão de suas especificidades próprias, estão excluídas da competência da Justiça Federal.

Porém, em segundo lugar, também se conclui que as causas de acidentes do trabalho estão excluídas da competência da Justiça do Trabalho, pois se assim o fosse, não haveria razão para o legislador incluí-las no mesmo inciso, bastando apenas indicar a Justiça do Trabalho como gênero, tendo como espécie, a matéria referente aos acidentes, o que não é o caso.

Afora tanto, se quisesse ser incisivo, explícito em sua intenção de abarcar o julgamento das ações acidentárias para a Justiça laboral, teria o constituinte derivado assim o introduzido no novo inciso VI, do artigo 114, da Carta Política.

Como talho de foice, veja o entendimento esposado pelo Dr. JÚLIO BERNARDO DO CAMPO, Juiz Vice-Corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em seu texto intitulado "Da ampliação da competência da Justiça do Trabalho e da adequação de ritos procedimentais. Exegese tópica e simplista da Emenda Constitucional nº 45/2004, que cuida da reforma do Poder Judiciário", publicado no site www.jus.com.br [1], e que especificamente ensina:

Quisesse o legislador constituinte ser explícito e taxativo quanto à competência da Justiça do Trabalho na matéria sob enfoque, bastaria que assim tivesse redigido o dispositivo sob comento : VI- as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho e dos acidentes de trabalho, quando o tomador de serviços obrar com dolo ou culpa.

Ora, as causas de acidentes do trabalho estão excluídas da competência da Justiça do Trabalho, tendo em vista não só a interpretação gramatical que se observa nos artigos 109, inc. I e 114, inc. IV, ambos da Constituição da República, mas principalmente a interpretação teleológica que se extrai do dispositivo, tanto pelo contexto que nele se insere, mas também pela intenção do legislador no momento de criá-los.

Sobre o tormentoso tema da interpretação, e como ministrava IHERING apud MARIA HELENA DINIZ [2], a orientação moderna quedou-se à sua feição sociológica, e por método assim a lei deve harmonizar-se com as necessidades e tendências da sociedade.

Eis o que difere a interpretação gramatical da teleológica. Naquela, a dicção normativa é tida como suficiente e preponderante, ao passo que nesta o espírito que anima a dicção da regra ou anima a integralidade do seu texto é que é tomado como preponderante.

De mais a mais, se analisado for o espírito normativo da primeira disposição constitucional que introduziu a competência da justiça ordinária para julgamento das ações acidentárias, constatar-se-ia que foi ela criada sob a influência do constitucionalismo social implementado pela Quereta [3] e pela Carta de Weimar [4], e sob o amparo das modernas regras de política social surgidas na década de 40, em especial o Plano Beveridge [5].

Além do mais, a Constituição de 1946 foi a primeira a tratar da sistematização constitucional da matéria previdenciária [6], inovação esta fruto da criação – em maio de 1945 – do Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB), que tinha o objetivo de dar cobertura assistencial, previdenciária e acidentária a todos os empregados ativos em um plano único de contribuições e benefícios.

Desde aquele período, portanto, já havia a cristalina dissociação material e processual entre os ramos afetos ao direito previdenciário e ao direito do trabalho.

A Carta Política de 1967 seguiu a mesma linha antes traçada pela Constituição que a precedeu, mas não sem embates políticos de parte a parte, principalmente daqueles que almejavam transferir a competência do julgamento das ações acidentárias para a Justiça Laboral, exatamente como hoje ocorre.

Neste diapasão, e para demonstrar o que fora debatido e consolidado no período de elaboração da Constituição de 1967, veja o que ficou consignado no voto do eminente Ministro Eloy da Rocha, do Egrégio Supremo Tribunal Federal, no Conflito de Jurisdição nº 3893 [7], ao trazer importantes subsídios fáticos que concluíram pela competência da Justiça comum para julgar as ações acidentárias:

" (…) O Ato Institucional nº 2, de 27.10.1965, que restaurou os juizes federais, deu, no art. 6º, esta redação ao art. 105 da Constituição: "§3º - Aos juizes federais compete processar e julgar em primeira instância: a) as causas em que a União ou entidade autárquica federal for interessada como autora, ré, assistente ou opoente, exceto as de falência e acidentes do trabalho". Por sua vez, pela Emenda Constitucional nº 16, de 26.11.1965, no art. 9º, o art. 104, inc. II, sobre a competência do Tribunal Federal de Recursos, passou a ter a seguinte redação: "julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juizes federais em matéria civil ou criminal, ressalvada a hipótese do art. 101, II, c".

Na conformidade da nova redação do art. 105, §3º, da Constituição, a L. 5.010, de 30.5.1956, que organizou a Justiça Federal de primeira instância, prescreveu, no art. 10:"Estão sujeitos à jurisdição da Justiça Federal: I – As causas em que a União ou entidade autárquica federal for interessada como autora, ré, assistente ou opoente, exceto as de falência e de acidentes de trabalho".

Portanto, vigente o Ato Institucional nº2,, "a justiça ordinária", mencionada no art. 123, §1º, da Constituição de 1946, competente para os dissídios relativos a acidentes do trabalho, era, exclusivamente, a justiça ordinária estadual.

O Projeto de Constituição, de dezembro de 1946, a propósito, continha estes dispositivos: "Art.117 – Aos juizes federais compete processar e julgar, em primeira instância: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal for interessada na condição de autora, ré, assistente ou opoente, exceto as de falência e acidentes do trabalho"; §3º- A lei poderá permitir que a ação fiscal seja proposta noutro foro, e atribuir ao Ministério Público estadual a representação judicial da União".

"Art. 132 – Compete à justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações de trabalho regidas por lei especial". "Parágrafo único – A lei especificará as hipóteses em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho".

O art. 117, I, mantinha as duas exceções, concernentes às causas de falência e acidentes de trabalho, do artigo 105, §3º, da Constituição de 1946, com a redação do Ato Institucional nº2. O seu §3º modificava o princípio do art. 201, §2º, para limitar à ação fiscal a permissão nele prevista. O art. 132 não reproduzia o §1º do artigo 123 da Constituição anterior, sobre a competência da justiça ordinária para os dissídios relativos a acidentes do trabalho.

Vieram as emendas. A de nº 383, de autoria do Senador Melo Braga:

"Art. 117 – No inc. I substituir as expressões finais "exceto as de falência e acidentes do trabalho" por "exceto as de falência e as sujeitas às justiças Eleitoral, Militar, ou do Trabalho, que a lei regulará".

A emenda, que considerou o texto do Projeto primitivo, teve esta justificação:

"Evidente que, sendo federais as justiças Eleitoral, Militar e do Trabalho, e especializadas, deve ser fixada a sua competência para as causas a elas inerentes, exigida, sempre, a atuação do Ministério Público da União.

Com a emenda será evitado volume considerável de trabalho para a Justiça Federal não especializada, máxime nas causas trabalhistas em que forem interessadas a União, autarquias ou empresa pública federal.

Releva ponderar, outrossim, que a jurisdição especial (Militar, Eleitoral e do Trabalho) prefere ao foro privilegiado, devendo este ser observado entre os órgãos da justiça especial. E nem se compreenderia que, existindo a Justiça Federal especializada, as causa de sua competência ratione materiae fossem atribuídas a outros juizes.

Por fim, é de se esclarecer que a exclusão da referência aos acidentes do trabalho decorre do fato de passarem essas questões para a competência da justiça do Trabalho".

Ao mesmo tempo, as Emendas nº 820-2, do Senador Gilberto Marinho e nº 849-5, do Senador Eurico Rezende, acrescentavam ao art. 132 do Projeto, um parágrafo, com a seguinte redação: "§2º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da justiça ordinária".

Foi a seguinte a justificação das duas emendas: A supressão do parágrafo supracitado, que constam da atual Constituição, trará como conseqüência inevitável conflitos entre a justiça ordinária e a Justiça do Trabalho, para julgar a matéria relativa a acidentes do trabalho, fato que o constituinte de 1946, com inegável acerto, evitou, não ensejando qualquer modificação no sistema tradicional, observado desde a promulgação da primeira lei de Acidentes do Trabalho – L 3724 de 15.1.1919 -, mantido com a segunda lei – D. 24.647 de 10.7.1934 -, revigorado de maneira categórica e explicita pela Consolidação das Leis do Trabalho, para, finalmente, erigir-se em princípio constitucional em 1946.

A lei de Acidentes do Trabalho versa assunto tão especializado que a própria União, os Estados, os Municípios e as Autarquias por eles criadas não tem foro privilegiado. Comete, também, às Varas de Acidentes do Trabalho (art. 100) competência para julgar as ações ordinárias regressivas do segurador contra o empregador e vice-versa, bem como aquelas contra terceiros civilmente responsáveis pelo acidente (art. 32).

Guanabara, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia e outros Estados, com suas varas especializadas, perfeitamente aparelhadas, processam e julgam no momento mais de cem mil causas relativas a acidentes do trabalho, o que torna facílimo prever as conseqüências de um hiato no atual sistema".

A aprovação das Emendas 383 e 820-2 ou 849-5, originou os princípios consagrados na Constituição de 1967:

Art. 119 – aos juizes federais compete processar e julgar, em primeira instância: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal for interessada na condição de autora, ré, assistente ou opoente, exceto as de falência e as sujeitas à Justiça Eleitoral, à Militar ou à do Trabalho, conforme determinação legal";

"Art. 134 - §2º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária".

Com a aprovação das Emendas 820-2 ou 849-5, desapareceu a razão, apontada pela Emenda 383, para exclusão da referência aos acidentes do trabalho, no art. 117, I, do Projeto. Não se restabeleceu, entretanto, a exceção.

(…)

Estes são os dados que obtive, numa pesquisa feita em reduzido tempo. Não posso assegurar que não haja outros elementos esclarecedores da elaboração dos discutidos textos da Constituição de 24.1.1967. (…)"

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Na espreita de tal entendimento, e extraindo a idéia de que a competência para julgamento das ações referentes a acidentes do trabalho – desde aquela Carta Política até os dias atuais – é da justiça comum e não da justiça do trabalho, pacífico é o entendimento do Excelso Pretório em temas dessa natureza, a saber:

RE 430377 AgR/DF

- DISTRITO FEDERAL. AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 19/10/2004. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ DATA-12-11-2004 PP-00039 EMENT VOL-02172-05 PP-00883

EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2.

Competência da Justiça Comum para processar e julgar causas de acidente de trabalho. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

* * *

RE 388227 AgR/SP - SÃO PAULO. AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 18/05/2004. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ DATA-08-10-2004 PP-00006 EMENT VOL-02167-02 PP-00380.

EMENTA: 1.

Competência: Justiça comum: CF, art. 109, I: ação de indenização fundada em acidente do trabalho, ainda quando movida contra o empregador: precedente (RE 349.160, 1ª T., Pertence, DJ 14.3.03). 2. Agravo regimental manifestamente infundado: aplicação da multa de 5% (cinco por cento) sobre o valor corrigido da causa (C.Pr.Civil, art. 557,§ 2º).

* * *

RE 345486/SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 07/10/2003. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ DATA-24-10-2003 PP-00030 EMENT VOL-02129-04 PP-01135.

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL. DEMANDA SOBRE ACIDENTE DE TRABALHO. COMPETÊNCIA. ART. 109, I DA CONSTITUIÇÃO. 1. Esta Suprema Corte tem assentado não importar, para a fixação da competência da Justiça do Trabalho, que o deslinde da controvérsia dependa de questões de direito civil, bastando que o pedido esteja lastreado na relação de emprego (CJ 6.959, rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 134/96). 2. Constatada, não obstante, a hipótese de

acidente de trabalho, atrai-se a regra do art. 109, I da Carta Federal, que retira da Justiça Federal e passa para a Justiça dos Estados e do Distrito Federal acompetência para o julgamento das ações sobre esse tema, independentemente de terem no pólo passivo o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ou o empregador. 3. Recurso extraordinário conhecido e improvido.

Além disso, a Corte Suprema há muito já vinha emitindo o seu posicionamento a respeito da matéria, tendo, inclusive, e isto na vigência das antigas Constituições Pátrias já antes citadas, editado as súmulas 235 e 501, respectivamente, que assim dispuseram:

Súmula nº 235 do STF:

É competente para a ação de acidente do trabalho a Justiça cível comum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora.

Súmula nº 501 do STF: Compete à Justiça ordinária estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedade de economia mista.

O Superior Tribunal de Justiça não discrepou de tal, e na vigência da Carta Política positiva, assim também consignou:

Súmula nº 15 do STJ:

Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho.

Neste passo, e como se tratasse especificamente do imbróglio em discussão, há trecho de recente decisão [8] da lavra do eminente Ministro Hamilton Carvalhido, que demonstra de forma específica o entendimento deste magistrado sobre a competência da Justiça Estadual para o processamento e julgamento de demanda indenizatória decorrente de acidente do trabalho:

"É de se registrar, ainda, que, no referente à competência para processar e julgar as ações revisionais de benefício acidentário, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a exceção prevista no artigo 109, inciso I, da Constituição da República DEVE SER INTERPRETADA DE FORMA EXTENSIVA, CABENDO À JUSTIÇA ESTADUAL NÃO SÓ JULGAMENTO DA AÇÃO RELATIVA AO ACIDENTE DE TRABALHO, MAS, TAMBÉM, TODAS AS CONSEQÜÊNCIAS DESSA DECISÃO, tais como a fixação do benefício e seus reajustamentos futuros, como se recolhe dos seguintes precedentes jurisprudenciais:

(...)

Pelo exposto, com fundamento no artigo 120, parágrafo único, do Código de Processo Civil, conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível Residual de Campo Grande/MS, o suscitante."

E mais. Outras decisões deste Egrégio Superior Tribunal atentam taxativamente para a conclusão de que ações de acidentes de trabalho cumuladas com pedido de danos morais, também devem ser apreciadas pela Justiça comum:

Acórdão AGRCC 30911/SP ; AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETENCIA 2000/0129672-8 Fonte DJ DATA:08/10/2001 RSTJ VOL.:00153 PG:00201 Relator Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (280) PG:00159 Data da Decisão 12/09/2001 Orgão Julgador S2 - SEGUNDA SEÇÃO

Ação de indenização por acidente do trabalho cumulada com pedido de danos morais. Competência.

I - Tratando-se de ação de indenização em razão de doença profissional, equiparada ao acidente de trabalho, cumulada com pedido de danos morais, a competência para aprecia-la é da justiça comum estadual.

II - Agravo regimental desprovido.

* * *

Acórdão CC 38310 / SP ; CONFLITO DE COMPETENCIA. 2003/0018782-6 Fonte DJ DATA:01/09/2003 PG:00215 Relator Min. FERNANDO GONÇALVES. (1107). Data da Decisão: 13/08/2003. Orgão Julgador S2 - SEGUNDA SEÇÃO

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ACIDENTE DO TRABALHO. JUSTIÇA ESTADUAL.

1. A agressão sofrida no interior das dependências da empregadora, decorrente, em princípio, de ato de negligência na guarda de animal, pelo serviço de segurança, equipara-se ao acidente do trabalho.

2. Nesta conformidade compete à Justiça Estadual processar e julgar o litígio, relativo à ação de indenização de dano moral ou material - súmula 15/STJ.

3. A competência da Justiça do Trabalho é quando se tratar de indenização por dano moral ou material derivado de relação de emprego, "como, por exemplo, a despedida por justa causa".

4. Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o suscitado.

Ora, a introdução do novo dispositivo constitucional acerca do dano moral e patrimonial veio, apenas e tão somente, consolidar uma regra que já era adotada naquela esfera especial, ou seja, de que cabe à Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos decorrentes da relação de emprego, porém as ações referentes aos acidentes do trabalho, não se confundiam – e ainda não se confundem – com danos emergentes da relação de trabalho, e portanto, são julgadas pela justiça comum por força do artigo 109, inciso I, da Constituição da República.

Na realidade, a nova disposição constitucional apenas e tão somente ampliou o campo de abrangência da Justiça de Trabalho anteriormente adstrita às relações de emprego, para hoje abarcar as relações de trabalho como num todo. Um claro exemplo dessa ampliação, foi tratado pelo já citado JÚLIO BERNARDO DO CAMPO [9], que assim avaliou:

"Entra, assim, na órbita de competência da Justiça do Trabalho a ação de indenização por danos morais e materiais que o representante comercial tenha contra seu dador de trabalho, o mesmo acontecendo em todos os outros contratos de atividade em que o trabalhador figure como pessoa física".

Além de tal argumento, há outro de igual importância e que se circunscreve à definição, gênese e origem do termo "acidente do trabalho", e que difere substancialmente das hipóteses de dano moral e patrimonial insertos no novo texto constitucional como sendo de competência da Justiça do Trabalho.

O conceito de acidente de trabalho está disposto no artigo 19 e seguintes, da Lei nº 8.213/91, sendo definido como sendo aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, com o segurado empregado, trabalhador avulso, médico residente, bem como com o segurado especial, no exercício de suas atividades, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou redução, temporária ou permanente, da capacidade para o trabalho.

De acordo com os demais artigos daquela norma, também é considerado acidente do trabalho:

- a doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, constante da relação de que trata o Anexo II do Decreto nº 3.048/99;

- a doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, desde que constante da relação de que trata o Anexo II do Decreto nº 3.048/99.

E ainda, segundo a norma de regência, equiparam-se também a acidente do trabalho:

I-o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para perda ou redução da sua capacidade para o trabalho, ou que tenha produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

II-o acidente sofrido pelo segurado no local e horário do trabalho, em conseqüência de:

a)ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;

b)ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada com o trabalho;

c)ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro, ou de companheiro de trabalho;

d)ato de pessoa privada do uso da razão;

e)desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos decorrentes de força maior;

III-a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV-o acidente sofrido, ainda que fora do local e horário de trabalho:

a)na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

b)na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c)em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo, quando financiada por esta, dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra;

d)independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

e)no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado, desde que não haja interrupção ou alteração de percurso por motivo alheio ao trabalho;

f)no percurso da residência para o OMGO ou sindicato de classe e destes para aquela, tratando-se de trabalhador avulso.

Diante destas hipóteses, extrai-se que os acidentes do trabalho são regidos pela legislação previdenciária positiva, em razão de necessitar da intervenção imediata da autarquia previdenciária competente (INSS) para analisar a comunicação de acidentes do trabalho (CAT) realizada pela empresa e classificar o evento em três tipos:

Cód. 01 - acidente típico (o que ocorre a serviço da empresa);

Cód. 02 - doença profissional ou do trabalho;

Cód. 03 - acidente do trajeto (o que ocorre no percurso residência ou refeição para o local de trabalho e vice-versa).

Esta informação constará no campo de responsabilidade do INSS, constante na CAT, após análise administrativa dos dados sobre o acidentado e das circunstâncias da ocorrência e o devido enquadramento nas situações previstas na legislação pertinente (Lei nº 8.213/91).

Para que o acidente ou doença seja considerado como acidente do trabalho é imprescindível que estejam em acordo com os conceitos previstos no Decreto nº 2.172/97, sendo que a caracterização técnica deverá ser efetuada pelo Setor de Perícia Médica do INSS, que fará o reconhecimento técnico do nexo causal entre:

a)o acidente e a lesão;

b)a doença e o trabalho;

c)a "causa mortis" e o acidente.

Assim, e pelo que se constata, o procedimento relativo ao tema é próprio e não se circunscreve à consolidação das leis do trabalho (CLT), que rege apenas as relações de trabalho e não os acidentes dela decorrentes, que ficam a cargo das normas previdenciárias, como já assinalado.

Entretanto, contrário a este posicionamento, veja a conclusão disposta na já citada publicação do Egrégio TST:

"Assim, compete à Justiça comum processar e julgar as pretensões dirigidas contra o Estado, relativas ao seguro específico para o acidente do trabalho, decorrente da teoria do risco social (responsabilidade objetiva), e estende-se à Justiça do Trabalho a competência para apreciar a pretensão de indenização reparatória dos danos materiais e morais dirigida contra o empregador à luz da sua responsabilidade subjetiva ante a natureza eminentemente trabalhista do conflito".

Mas diante desta assertiva, pergunta-se: como se poderia dissociar o citado seguro específico e os danos moral e material, se ambos são derivados do mesmo fato jurídico, qual seja, um acidente do trabalho?

Neste item específico, e apenas por mero esforço de avaliação científica, tem-se que a dissociação dos elementos que compõem o acidente, por certo, seria prejudicial para o jurisdicionado, por afrontar a celeridade e a unicidade processual, visto que seria a ação julgada em dois órgãos distintos que tem procedimentos legais próprios e doutrinariamente são guiados por princípios de produção de provas específicos em seus ramos (verdade real e verdade material). Claro o prejuízo, portanto.

Além do que, querer compatibilizar ou proporcionalizar direitos constitucionais positivos que são incompatíveis pela sua natureza, é de todo descabido. Nessa linha de raciocínio, o mestre PAULO BONAVIDES [10], com a maestria que lhe é peculiar, ressalta a violação a tal princípio da proporcionalidade, expondo claramente que ela ocorre "toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e ou quando a desproporção entre meios e fim é particularmente evidente, ou seja, manifesta."

Nessa linha de raciocínio, vê-se que a previsão contida no artigo 109, inciso I, da Carta da República não pode ser suprimida ou proporcionalizada pela inovação trazida pela Emenda 45/04, tanto pelo que foi tratado acima, como pela falta dos elementos que a compõem, que abaixo estão indicados, consoante também ensina BONAVIDES [11]:

a)

a pertinência ou aptidão, que revela "se determinada medida representa ‘o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público’", examinando-se, pois, "a adequação, a conformidade ou a validade do fim", de modo a analisar se a medida é suscetível de atingir o fim escolhido;

b) a necessidade, que indicará se a medida "não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja", de forma que se houver mais de uma medida que igualmente atendam à consecução de um fim, deve ser eleita aquela que seja menos nociva aos interesses do cidadão;

c) a proporcionalidade (em seu sentido estrito), que conduz o agente público à escolha de meio que, no caso específico, mais leve em conta o conjunto de interesse em jogo.

Nenhum dos três elementos, portanto, compõe o quadro atual para que a compatibilização/proporcionalização de dispositivos constitucionais seja considerada.

Em conclusão, pelo que se extrai do presente contexto, vê-se que quis o constituinte derivado apenas oficializar uma prática corriqueira, e já muito utilizada pela Justiça do Trabalho, que é o julgamento das causas que envolvam dano moral e patrimonial relacionadas unicamente às relações de trabalho, como vinha reiteradamente julgando o STF.

Entretanto, a introdução normativa aqui debatida não dá azo a que as ações referentes aos acidentes de trabalho sejam abarcadas por aquela justiça especializada, visto que a previsão contida no inciso I, do artigo 109, da Carta da República, aliada aos reiterados acórdãos proferidos pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, demonstram que a competência para o julgamento das ações de acidentes de trabalho foi, é, e continuará sendo da Justiça Comum, como já pacificado.

Por fim, cabe aqui esclarecer que a discussão sobre o tema não se esvairá nestas poucas linhas, mas o que a meu ver ecoa da hermenêutica, como mencionado, é que tudo continuará como hoje está, a não ser que sejamos presenteados com a edição de mais uma emenda constitucional que, aí sim, venha alterar incisivamente a competência aqui discutida.


Notas

1 Acessado em 21 de janeiro de 2005.

2 in Curso de Direito Civil Brasileiro, 1º Volume, Saraiva, 1995, pág. 49

3 Constituição Mexicana de 1917. Foi a primeira a incluir o seguro social em seu contexto.

4 Constituição Alemã de 1919. Previu a assistência social estatal em hipóteses específicas.

5 Sistema de seguridade social criado na década de 40 na Inglaterra que envolvia 04 objetivos: 1. unificar os seguros sociais existentes, 2. universalizar a proteção a todos os ingleses e não só aos trabalhadores, 3. igualdade de proteção, 4. sistema tríplice de custeio com maior contribuição do Estado.

6MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social, 19ª ed, Atlas:São Paulo, 2003, p. 35.

7 Referido processo foi um dos precedentes que deu origem à Súmula 501 do STF, abaixo indicada.

8CC 044191, DJ 01/07/2004.

9Da ampliação da competência da Justiça do Trabalho e da adequação de ritos procedimentais. Exegese tópica e simplista da Emenda Constitucional nº 45/2004, que cuida da reforma do Poder Judiciário, publicado no site www.jus.com.br.

10Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 393.

11op.cit., 395.

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Sobre o autor
Hugo Cruz Maestri

advogado em Vitória (ES), militante na área comercial (especialmente falimentar), sócio da Advocacia Santos Câmara S/C, especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAESTRI, Hugo Cruz. Considerações pontuais acerca da competência para julgamento das ações acidentárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 609, 9 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6425. Acesso em: 22 dez. 2024.

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