Intervencão no RJ

20/02/2018 às 18:30

Resumo:


  • O governador do Rio de Janeiro pediu reforço do governo federal na segurança após cenas violentas durante o carnaval.

  • A intervenção parcial no estado foi decidida pelo presidente Temer, visando reduzir a sensação de insegurança, mas os resultados ainda são incertos.

  • Existem críticas à intervenção militar, sugerindo que ações mais focadas na inteligência e no combate ao tráfico seriam mais eficazes do que o emprego das Forças Armadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Após divulgação de vergonhosas cenas de violência, durante e após o carnaval, em alguns locais da cidade do Rio de Janeiro, o governador Pezão teria pedido reexame, reforço da forma de o governo federal ali atuar emergencialmente na área da segurança pública. O presidente Temer, após reunião com assessores vinculados à questão, optou pela intervenção parcial naquele Estado, com emprego maciço de recursos materiais e humanos das FFAA.

Quem é da área sabe que, provavelmente, o decreto vai influenciar no aspecto subjetivo da segurança, deve reduzir a sensação de insegurança vivida pelos cariocas. Quanto ao aspecto objetivo, obter resultados positivos nos propósitos, nas metas, nos objetivos, enfim, reduzir a criminalidade, somente o desenrolar das operações o dirá.

Em razão de a violência ter tomado proporções alarmantes, providências fortes, contundentes já se faziam necessárias há algum tempo. Então, a partir de agora, quem sobrevoar a cidade maravilhosa avistará um colossal manto verde distendido nas chamadas áreas conflitivas, ou áreas de risco, ou áreas de confronto, ou áreas de território hostil e congêneres, protegendo a população, combatendo a criminalidade violenta, investigando e mitigando o crime organizado? Não, claro que não! Há nuances específicas em cada local, na relação moradores e criminosos, na intenção, na mobilidade e na capacidade de fogo dos marginais, nos homizios e em outros quesitos que influenciam e que deverão ser considerados no dia a dia operacional.  

Particularmente, entendo que o Planalto exagerou na dose, ao decidir pela intervenção, porque assustou-se com um trovão. Será que o fato se enquadra, efetivamente, na CF “Capítulo VI Da Intervenção Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: ... III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”? Nomear interventor o general responsável pela defesa de um oitavo do Brasil, para administrar um problema policial específico, localizado em pontos restritos? Gastou todas suas fichas (e a reserva, e o plano B?) e, ainda, colocou em xeque a instituição de maior credibilidade em nosso país (vai dar tiros de advertência ou vai dizimar bandidos?). Vale dizer que há operações intermediárias que foram preteridas, relegadas e, se consideradas, poderiam ter melhores resultados do que jogar o Exército (EB) nessa enrascada. Por exemplo, se o problema se resume à atuação localizada de criminosos (em maioria, adolescentes portando fuzis), o problema é de Polícia, que deveria receber, além do maciço apoio administrativo, logístico e tecnológico, integral apoio psicológico. Aproximando-se o esgotamento da força estadual, que seja acoplado, incorporado o emprego da Força Nacional de Segurança Pública, com efetivo e recursos adequados, isto é, máximos. Se o problema é o clandestino eixo de suprimento aéreo, de drogas e armas, que a lei do abate saia definitivamente do papel, desencorajando o contrabando e o descaminho. Com a porta escancarada fica mais difícil correr atrás do que já entrou e continua a entrar como reposição. O patrulhamento marítimo nas orlas e nos portos, o patrulhamento da fronteira terrestre (há eixos de suprimento terrestre partindo do Paraguai e da Bolívia) por onde chegam os modernos armamentos e drogas, sintéticas ou não, proveniente do exterior, também são carecedores de severa revisão. E é absolutamente oportuno deixar bem claro que essa vulnerabilidade está em órgãos da União, mas explode nos Estados, sobrecarregando as polícias estaduais.

As pessoas, mesmo as que não são do ramo da segurança, já devem ter percebido que um grande furo está na Inteligência, estadual e federal. Operações policiais, até então realizadas, resultaram em prisão e morte de bagrinhos do tráfico, sacrifício da própria vida de muitos policiais, e os tubarões do tráfico jamais foram sequer admoestados.

As prioridades são identificar os eixos clandestinos de abastecimento de drogas e de armas e, também, identificar e prender os verdadeiros chefões do tráfico. E, é óbvio, para isso, uma intervenção militar é um exagero.

Em paralelo, algumas incoerências: há um Ministério da Justiça e Segurança Pública e uma Secretaria Nacional de Segurança Pública, porém, o protagonismo tem sido do Ministro da Defesa. Já o governador Pezão afirmou que dará todo apoio ao general-interventor. Uai! Não o deu ao Secretário de Segurança, ao comandante da PM e ao chefe da Polícia Civil? E o intrépido prefeito Crivela, que “sofreu” no inverno europeu, mas empenhou-se para trazer novidades da Europa, visando a melhorar a segurança, está calado. Hum!... Não quer compartilhar novas do velho continente, jamais ouvidas nessas plagas, tipo “a segurança é proporcional à remuneração de professores e de assistentes sociais”. Parece que voltou tosquiado!... E a bizarra discussão se o EB terá poder de polícia para atuar? A que faceta desse poder se referem? Se for à capacidade (enforcement) de exigir obediência obviamente terá, porque esse poder é inerente às forças federais e estaduais.

O senhor general-interventor, em sua primeira declaração – pragmática –registrou que há “muita mídia” nessa história da violência. No que ele tem razão, visto o ranking da criminalidade violenta no Brasil. O Rio não está entre as 150 (cento e cinquenta) cidades mais violentas e o Estado do RJ é o 18º em taxas de homicídio por 100 mil hab. Aliás, a variação dessa taxa, de 2005 a 2015, foi negativa, registrando -36,4%.          

O erro maior talvez tenha sido o pressuposto de que os focos da criminalidade aparente podem ser eliminados com a farda (preterindo a educação e a assistência social), daí estarmos mais próximos de uma intervenção militar (específica) que de uma intervenção federal (genérica).

Nesta última, certamente a distopia estatal (funcionamento anômalo de órgãos governamentais) seria atacada, priorizando ações na saúde, na educação, no lazer, na assistência social, pois, preteridas, ensejam que marginalizados sejam cooptados por marginais. Certamente, uma das facetas mais terríveis da violência, que precisa ser considerada, é aquela que atinge os moradores de áreas mais desprotegidas, que estão no fogo cruzado e que carecem de assistência social, policial e jurídica para a contenção de conflitos, que acontecem dentro e fora de suas casas, ou de confrontos, que ocorrem em suas comunidades.

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Enfim, é provável que a violência, matriz de insegurança em nosso país, decorra de deformação ética de uma determinada fração (não muito grande) da população. Porém, isso jamais será corrigido somente com emprego de farda, seja federal, seja estadual.   

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Sobre o autor
Amauri Meireles

Coronel Veterano da PMMG Foi Comandante da Região Metropolitana de BH

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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