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As medidas provisórias e os tributos

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3. A MEDIDA PROVISÓRIA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Antes de adentrarmos no mérito do tema em estudo mostra-se imprescindível a busca pela natureza jurídica das medidas provisórias no regramento constitucional pátrio.

Prevista no art. 59, inciso V, da Lex Legum, o qual versa sobre o processo legislativo, para alguém menos avisado, poderia a medida provisória tratar-se de lei. Porém, essa primeira visão, de plano deve ser desconsiderada, vez que como prevista na Constituição Federal lei não é, e quanto a isto concordam os mais respeitados doutrinadores.

Importante assertiva nesse sentido é traçada pelo Prof. Alexandre de Moraes, o qual, com sabedoria, aduz que "medida provisória não é lei, mas espécie normativa excepcional, transitoriamente investida de ‘força de lei’" [10].

Abraçando o tema e corroborando com nosso entender temos a lição de Carrazza:

"Inicialmente, queremos deixar marcado que medidas provisórias não são leis. São, sim, atos administrativos lato sensu, dotados de alguns atributos da lei, que o Presidente da República pode expedir em casos de relevância e urgência." [11]

Com esse pensar a doutrina pátria não reconhece problemas em estabelecer à medida provisória um caráter de ato administrativo exarado do Chefe do Executivo, contudo com força de lei. Ressalte-se, as MP´s possuem força de lei, mas lei, em seu sentido normativo e material, não o é, o que lhe confere um aspecto sui generis constitucionalmente consagrado.

Pensamento diverso não é o do conspícuo Prof. Marco Aurélio Greco, o qual assim discorreu:

"Em suma, a CF no seu art. 62 autoriza o Presidente da República, a praticar um ato, de natureza administrativa (pois corresponde à aplicação dos princípios maiores que regem o ordenamento constitucional), ao qual ela atribui força de lei, o que não seria possível se não houvesse tal previsão expressa." [12]

Portanto, resta indubitável que a medida provisória não é lei, mas sim um ato sui generis com força, transitória, de lei, por determinação constitucional. A medida provisória no interregno de sua vigência e antes da apreciação definitiva pelo Congresso não é lei e tão somente assim será se ao final for aprovada. É ato político que permite ao governante em casos extremados e excepcionais, havendo relevância e urgência, movimentar-se no sentido de aquietação do problema até manifestação do Órgão Legislativo.

Depositadas essas primeiras declarações sobre a natureza jurídica das medidas provisórias, passaremos, finalmente, a nos debruçar sobre o seu cabimento em matéria tributária, o que desde já repugnamos e demonstraremos o suporte de nossa convicção nas linhas abaixo.

São dois grandes sustentáculos impeditivos da utilização das medidas provisórias na esfera tributária: _ a existência de relevância e urgência nesse campo do direito e; o princípio da estrita legalidade.

Passemos, pois, a dispensar nossos esforços nos pressuposto da relevância e urgência e até que ponto esses mesmos requisitos impedem a utilização das MP´s no campo do direito tributário.

Ab initio, salientamos que a Carta Maior faz referência aos requisitos de forma cumulativa, de modo que para se editar uma medida provisória far-se-á indispensável a existência concomitante de ambos pressupostos_ afastando-se problemáticas passageiras de governabilidade_, sob pena de inconstitucionalidade a ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, infelizmente, nem sempre assim se posiciona, contudo, cabe à doutrina pátria mobilizar-se no sentido de trazer visão e clareza aos Ministros da nossa mais Alta Corte. [13]

A propósito, sabemos que nem sempre o Supremo, Órgão eminentemente político, se manifesta conforme o pacífico entendimento doutrinário e nesse pensar Alexandre de Moraes sobrepõe importante esclarecimento:

"O exercício do controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e as condições culturais e políticas nacionais mostraram, ao longo do tempo, que o modelo estrutural importado dos Estados Unidos para a composição e investidura dos membros do STF foi insuficiente para concretizar os direitos constitucionais e carecedor de maior legitimidade popular, sendo superado pelas constituições européias, que não só prevêem uma participação mais efetiva dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na escolha dos membros do Tribunal Constitucional, como também exigem maiores requisitos capacitórios.

Nessa evolução, seria interessante que a estrutura e composição do Supremo Tribunal Federal se afastasse do modelo americano, aproximando-se do modelo europeu de Tribunais Constitucionais, por sofrer menos influências políticas"

Certamente, o poder de nomeação proporciona aos presidentes uma oportunidade para moldar a direção geral da Corte" [14]

Feita a crítica de conscientização indispensável de ser realizada pela doutrina, enfrentaremos o conceito de relevância e urgência, altamente subjetivos, entretanto, tudo dentro dos limites da própria Carta Suprema.

Ao nosso pensar relevante e urgente é tudo o que não pode deixar de ser regulado naquele determinado instante, inexistindo tempo razoável para o aguardo de aprovação da lei ordinária.

Seriamos então perguntados, mas em quanto tempo de aprova uma lei ordinária? Isso poderia levar anos? Equivocam-se aqueles que assim aludem, principalmente em razão da regra do art. 64, § 1º, da Constituição de 1988, a qual fixou o chamado processo legislativo sumário, o qual, a pedido do Presidente da República, atribui a determinada lei um regime de urgência.

Percebe-se que o próprio Presidente_ competente para editar medida provisória_ é que pode solicitar o regime de urgência para a apreciação de dada lei, propriamente dita.

No regime de urgência a lei será submetida à apreciação pela Câmara dos Deputados e, em seguida, pelo Senado Federal, no prazo de quarenta e cinco dias cada Casa, somando-se, noventa dias (§ 2º, art. 64, CF).

Se por ventura as respectivas Casas Legislativas não se manifestarem no prazo alhures, o projeto de lei será incluído na pauta do dia, trancando as demais deliberações, de sorte que o Congresso terá o prazo final de mais dez dias para ultimar a votação do projeto em regime de urgência, solicitado pelo Presidente da República (art. 64, §3º, CF).

Somados todos os prazos retro descritos temos o lapso total de cem dias, período esse em que se torna possível a apreciação e aprovação de uma lei em seu aspecto formal e material.

Por conseguinte, de forma conclusiva, com tranqüilidade mencionamos que relevante e urgente é aquela matéria que não pode aguardar mais de cem dias para tornar-se lei, sendo esta a idéia constitucional a ser aplicada nas MP´s.

Na senda tributária se faz pertinente nos perguntarmos se existe ou não relevância e urgência que autorize o Presidente da República em editar medida provisória instituidora ou majoradora de tributos.

Ao que nos parece, fazendo um paralelo com a idéia de relevância e urgência supra mencionadas, é inconcebível admitir as MP´s em matéria tributária, por jamais atingirem a relevância e urgência, visto que não se mostra urgente exigir mais um tributo. Ou não poderia o Governo aguardar cem dias para criar ou majorar um tributo através de lei formal?

Ademais isso, nos deparamos com o princípio da anterioridade tributária e anterioridade qualificada, de sorte que tendo a "medida provisória tributária" de aguardar os lapsos fixados pelas regras do art. 150, inciso III, alienas a e c, da Carta Maior, porque veicular a matéria pelo MP e não por lei?

Parece-nos pouco razoável admitir a medida provisória (relevante e urgente) se a mesma necessitará, inafastavelmente, de cumprir com as exigências dos princípios retro mencionados e antes já explicados, os quais, de per si, já afastando a idéia de urgência, desconfigurando, pois, o cabimento das medidas provisórias na esfera tributária.

Em que pese o indispensável respeito pela Corte Constitucional pátria, a mesma tem admitido o cabimento de medida provisória para a criação de tributos, desde que respeitado princípio da anterioridade. [15] (16)

Ora, uma questão a mim não se acomoda. Como pode haver urgência se imprescindível a observância da anterioridade tributária? Ao meu ver, nesse tópico, cai por terra a possibilidade de utilização das MP´s em tributário, falecendo com esta a decisão do Supremo Tribunal.

Lembre-se, ainda, que a cobrança e majoração de mais tributos em nossa já elevada carga tributária, não pode ser visto como relevante e urgente, de forma que deve ser controlada a utilização acriteriosa e abusiva das MP’s. Ademais, suponha que a MP seja rejeitada; e quem já pagou o tributo? Quanto tempo demorará a União para restituí-lo? Vai ser necessário aguardar o decreto legislativo do Congresso Nacional? Percebemos que a MP torna-se tormentosa na seara tributária, não devendo ser aproveitada para esse fim, por constituir verdadeiro risco ao já massacrado contribuinte, chocando-se, portanto, com a tão almejada segurança jurídica, princípio basilar de um Estado Democrático de Direito.

Não bastasse a total incompatibilidade entre as medidas provisórias e a idéia de relevância e urgência existente em nosso sistema constitucional, o que, por si só já era o bastante para justificar a impossibilidade de utilização das mesmas na seara tributária, devemos salientar a natureza jurídica desse instrumento, a qual afasta, mais uma vez, essa hipótese.

Isso porque, como alhures salientamos, direito tributário nacional é regido pelo princípio da estrita legalidade, esculpida no art. 150, inciso I, do Diploma Máximo, de sorte que não se pode instituir ou aumentar tributos senão por lei, e nenhum outro instrumento normativo, com força de lei, como as MP´s.

Quanto ao IPI, IOF, II e IE, exceções constitucionais previstas no art. 62, da Constituição Federal, a Carta já deu possibilidade do Presidente alterar suas alíquotas por meio de decreto, dentro dos limites da lei, atendendo ao caráter extrafiscal dos mesmos, de sorte que se desejasse estender outras prerrogativas ao Executivo o teria feito expressamente, o que não se percebe no Texto.

No que concerne aos tributos previstos no art. 148, CF, os mesmos somente serão criados mediante lei complementar, sendo cediço que as MP´s, caso aprovadas, serão convertidas em lei ordinária [17], segundo aduz o art. 62, da Carta de Outubro, o que impede a criação desses tributos que exigem norma diferenciada. Também, o artigo supra veda o cabimento de medidas provisórias para matéria reservadas à lei complementar (art. 62, III, CF).

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A bem da verdade e afastando-nos do nosso desejo de concretização de um Estado efetivamente de Direito, o que percebemos é uma total liberdade ao Executivo no que tange a criação e majoração de tributos, após a edição da Emenda Constitucional nº 32/01.

Mais um motivo para nos levar ao pensamento de que as famigeradas medidas provisórias constitui agressividade ainda maior ao pacto da tripartição dos órgãos do Poder, quando a comparamos aos decretos-leis, aqueles da ditadura militar, porém, esses sofriam restrições em seu âmbito de cabimento, o que cada vez menos fica perceptível na senda das atuais MP,s, vigentes em pleno Estado Democrático de Direito brasileiro, contudo, mais autoritárias e centralizadoras do que nunca.

Longe de querermos esgotar o tema e sabendo que tantos outros doutrinadores de peso possuem posição antagônica à aqui defendida [18] (19), entendemos pelo acima exposto, também ao lado de grandes nomes [20], como forma de consagração dos princípios constitucionais da estrita legalidade, da anterioridade, da segurança jurídica e da justiça fiscal.

Cabe a nós, pensadores do direito, repudiar atitudes unilaterais_ concentradoras do Poder_ e atentadoras à Carta Constitucional, sob pena de deixarmos instalar uma "balburdia jurídica" onde o Executivo, indiscriminadamente, "legisla" sobre toda e qualquer matéria, sem encontrar restrições, o que é temível e abalador do Estado Democrático de Direito do Brasil.


REFERÊNCIA

AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed.. São Paulo: Malheiros, 2004.

BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

FERREIRA JARDIM, Eduardo Marcial. Manual de direito financeiro e tributário. 5. ed.. São Paulo: Saraiva, 2000.

GRECO, Marco Aurélio. Medidas provisórias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

LOPES DOS SANTOS, André Luiz; ANDRADE, Rogério Emílio de. Direito e política: nos marcos da interdisciplinariedade. Campinas: Edicamp, 2003.

MORAES. Alexandre. Direito constitucional. 15. ed.. São Paulo: Atlas, 2004.


NOTAS

1 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 248.

2 FERREIRA JARDIM, Eduardo Marcial. Manual de direito financeiro e tributário. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 134.

3 ADIN 3290/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes.

4CARRAZZA, op. cit., p. 250.

5 Chega-se, doutrinariamente, a discutir acerca da inconstitucionalidade da EC nº 32/01 no que tange à abordagem dada ao art. 62, da Constituição Federal, sob o argumento de que a mesma violara o princípio da separação dos Poderes, por interferir na autonomia do Legislativo, afrontando cláusula pétrea fixada pelo art. 60, § 4º, inciso III, da Lei das Leis.

6 As medidas provisórias dos demais Chefes do Executivo, que não o Presidente da República, além de necessitar conter expressa previsão, deverá observar os limites e princípios fixados pela Constituição Federal quando regula as mp´s federais. Nesse sentido entendeu o STF na ADIN nº 4255/TO.

7 Ver Capítulo 3.

8 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 59.

9 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São Paulo: RT, 1988, p. 248.

10 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2004, p. 584.

11 CARRAZZA, op. cit., p. 247.

12 GRECO, Marco Aurélio. Medidas provisórias. São Paulo: RT, 1991, p. 16.

13 ADIn 1.667-9/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 25.09.97.

14 MORAES, Alexandre de. Direito e política; nos marcos da interdisciplinariedade, Campinas: Edicamp, 2003, p. 23- 26

15 STF, ADIN nº 1441-2/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, Diário da Justiça, Seção I,. 18.10.1996.

16 STF, ADIN nº 1135-9/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 5.12.1997.

17 GRECO, op. cit., p. 36.

18 Luciano Amaro e Eduardo Marcial Ferreira Jardim, entre outros.

19 Há, ainda, aqueles que aceitam as MP´s em matéria tributária quando versar sobre a instituição de impostos extraordinários (de guerra) e empréstimos compulsórios de calamidade pública e guerra externa, como por exemplo, Hugo de Brito Machado e Sacha Calmon Navarro Coelho.

20 Paulo de Barros Carvalho, Roque Antônio Carrazza, Mizabel Abreu Derzi, entre outros.

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Sobre o autor
André Murilo Parente Nogueira

advogado tributarista junto ao escritório Colenci Advogados Associados, em Botucatu/SP, pós-graduando em Direito Público – ênfase em Direito Tributário pela Instituição Toledo de Ensino, em Bauru/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, André Murilo Parente. As medidas provisórias e os tributos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 619, 19 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6430. Acesso em: 13 nov. 2024.

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